Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 49
Biscoito da Sorte


Notas iniciais do capítulo

E aqui temos a introdução da equipe (eu li um finalmente?).
Tirando Tony que teve um episódio onde foi mostrado como ele foi recrutado (que eu na cara dura copiei aqui), a chegada de Abby no NCIS foi criação minha, com exceção da história do Biscoito da Sorte que tem no show. Espero que gostem.
E parabéns para Sophie que está de aniversário nesse capítulo!!

Boa leitura!



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Se eu ganhasse um dólar para cada vez que o Diretor me chamava na sala dele, bem, eu já estaria rico. E não foi diferente quando, em plena segunda-feira, logo no primeiro horário, Morrow me convocou na sala dele.

Cheguei com o pé atrás, a última visita a ele, eu tinha sido mandado para a Rússia.

— Bom dia, Jethro. Preciso de um favor seu.

Superiores pedindo favores. Isso não vai dar certo.

Meneei a cabeça para que ele continuasse. E não acreditei no que ele falou.

— Bem, como você sabe, chegou a nova cientista forense. E eu preciso que alguém ajude a garota a se adaptar ao NCIS.

— E esse alguém seria eu?! – Perguntei descrente.

— Você tem uma filha quase da idade dela, acho que vai entendê-la melhor do que a maioria.

— Ducky é muito mais paciente. – Retruquei.

— Ducky pode ser muito bom ouvinte, mas ele não tem filhos. E Jethro, a garota não morde, ela só é... peculiar.

Peculiar. Grande descrição.

Morrow não falou mais nada. Entendi como a minha deixa para sair. Pensei duas vezes, poderia ignorar o pedido e seguir a minha vida. Porém, imaginei que um dia isso poderia acontecer com Kelly. E eu não iria gostar se alguém ignorasse minha filha. Diante disso, apertei o botão até o penúltimo subsolo e me preparei para uma garota recém saída da adolescência.

Assim que as portas se abriram fui bombardeado por uma música alta, e eu nem sei dizer se aquilo era música. Bater na porta era desnecessário, então apenas entrei no laboratório.

Peculiar não era o adjetivo para descrever a garota que estava na minha frente.

Das botas plataformas cheias de tachinhas, às maria-chiquinhas em seus cabelos, passando pelo esmalte e batom pretos e uma coleira no pescoço, a calça xadrez e a blusa com uma caveira estampada. O que era ela, afinal?

Tentei chamar a sua atenção, mas era inútil, a música de estourar os tímpanos fazia disso impossível, então resolvi tratá-la como trataria Kelly, apenas dei um tapa no som.

Isso funcionou.

Ela se virou meio zangada:

— Hei, quem é você e por que desligou a minha música? Não sabe bater? Era só pedir que eu abaixava o som. Meu Deus, por que as pessoas têm que ser tão estranhas? Eu não gosto de mudanças, mas aceitei vir para cá, agora tenho que conviver com... – Ela falava sem parar, tomando uma bebida altamente cafeinada.

— Você é a nova Cientista Forense, não é?

Ela parou de falar e andar de um lado para outro e me encarou.

— Não vai me chamar gótica trevosa, ou qualquer outra coisa? – Ela perguntou surpresa.

— Você é a cientista forense?

Ela abriu um enorme sorriso e correu para na minha direção e quando vi, estava tendo as costelas espremidas no abraço de urso que ela me dava.

— Ainda bem que agora veio uma pessoa sensata. Eu nem sei seu nome, mas você já é o meu favorito entre todos aqui! Eu realmente gosto de você! – Ela falava balançando sua cabeça, fazendo as maria-chiquinhas voarem na mesma direção. – À propósito, eu sou Abigail, Abigail Sciuto. Mas pode me chamar de Abby.

— Jethro Gibbs. – Estendi a mão para ela que a ignorou e me deu outro abraço.

— Muito prazer em te conhecer, Gibbs! Eu posso te chamar de Gibbs, né? Ou você prefere Jethro? Ou você tem um apelido? Pode me falar que eu te chamar do jeito que você preferir. – Abby soltou o abraço e balançava nos próprios pés, me lembrando em muito Kelly quando fica ansiosa.

— Me chame de Gibbs.

— Então Gibbs é o que vai ser. – Abby deu um pulo e saiu correndo pelo laboratório.

Onde Morrow tinha achado essa garota?

— Sabe Gibbs, você é o primeiro que vem ao meu lab e não critica as minhas roupas. Muito abrigada por isso. Aposto que você tem filhas, e é por isso que você é tão amorzinho! – Ela parou na minha frente e tomou um gole do CAF-POW!, seja lá o que isso for.

Não sei o motivo, mas senti pena da garota, ela tinha um bom coração, se vestia de forma estranha é verdade, mas aquelas roupas não indicavam a sua personalidade.

— Você não é de falar muito, né? Não tem problema, eu falo por você também, Gibbs! – Ela abriu um sorriso e se virou para as telas dos computadores que estavam na estação de trabalho à sua frente. – Tem algo que eu possa fazer por você, algum caso não resolvido? Me diga que eu vou fazer o meu melhor trabalho.

— Na verdade, Abby, não tem. Só vim aqui para te dar as boas-vindas! – Falei um tanto incerto e recebi outro abraço de quebrar costelas.

— ISSO É TÃO FOFO!! – Ela gritou e quase me deixou surdo. – Epa, desculpe. Obrigada!!

— E Abby, se precisar de alguma coisa, pode falar comigo. – A garota gótica ficou ainda mais feliz e me acompanhou até o elevador, não parando de falar nem por um segundo. As portas já estavam se fechando quando ela falou:

— E pode contar para todo mundo que você é o meu Agente Favorito e todas as suas pistas serão processadas mais cedo, Gibbs!

— E Abby, - Falei antes das portas se fecharem. – Regra #06, nunca peça desculpas, é sinal de fraqueza.

Ela ficou me olhando um tanto alarmada.

Tive que ri da versão extremamente hiperativa de Kelly. Hiperativa e com um gosto bem estranho para roupas.

O dia acabou por passar rápido, principalmente enquanto eu ignorava as ligações do advogado de Stephanie.

No final do dia, estava dando uma olhada no arquivo de Jen quando escutei alguém tropeçando pela Sala do Esquadrão, olhei por cima do ombro para encontrar Abby vindo em minha direção com seu bom humor infindável e me gritando:

— GIBIBS, GIBBS, GIBBS, GIBBS! Ainda bem que te encontrei aqui! Achei que você já tinha ido! Eu preciso te entregar uma coisa! – Ela começou a mexer em uma bolsa que tinha o formato de um caixão e de lá tirava um monte de tralha, de chaveiro de aranha até um spray de pimenta. – só um pouquinho – Abby se desculpou. – Está aqui em algum lugar. ACHEI!! – E me estendeu um biscoito da sorte. – Para você Gibbs! – Ela tinha um sorriso feliz ao me entregar o presente.

Olhei para o biscoito e estava prestes a deixá-lo na minha mesa, quando tornei a olhar na direção da garota gótica e ela tinha uma feição triste, mas tão triste, que me assustei.

— Não vai abrir para saber qual é a sua sorte? – O tom de sua voz refletindo a sua feição.

Dei de ombros e peguei o biscoito, e ela começou a pular, evidentemente animada e ansiosa.

Quebrei o biscou em dois e tirei o papelzinho lá de dentro.

— Vamos, leia! Eu estou curiosa! – Ela veio ler por cima do meu ombro.

“Os amigos de hoje, são a família de amanhã.”— Li em voz alta.

— Nunca tinha pegado um biscoito que fizesse tanto sentido! Isso representa a família de amigos. E nós somos amigos Gibbs! Somos uma família! – Abby disse e antes de ir, me deu outro abraço. – Até amanhã!! – Ela acenou do elevador.

Encarei o pedacinho de papel em minha mão, e por qualquer outro motivo, eu não pude jogar fora. Dobrei e coloquei na minha carteira, junto com a foto de Shannon e Kelly que carrego.

Antes de sair dei uma olhada no próximo caso, esse me levaria até Baltimore na próxima semana. Iria ter que me infiltrar mais uma vez, e, dessa vez, sem nenhuma ruiva para me fazer companhia.

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E mais rápido do que eu teria previsto, Sophie fazia um ano. Eu não tinha muitos amigos na Inglaterra, meu tempo sendo totalmente consumido entre o trabalho e minha filha. Assim, como minha vida social era inexistente, e como as pessoas que poderiam fazer parte de uma suposta festa de aniversário, eram todas adultas, e sendo que as mais importantes, estavam do outro lado do Oceano, tive uma ideia, nada de festas, mas sim uma viagem, já que não queria que essa data passasse em branco. Era uma viagem arriscada, não que fosse longe ou perigosa, nada disso, estava mais para aquele tipo de viagem que você tem que ser emocionalmente forte para aguentar.

Levei Sophie para Paris, na EuroDisney.

Acho que eu precisava voltar aqui, para ter certeza de que aqueles dias existiram, mas não imaginava que doeria tanto. Mesmo assim, mantive a postura de forte e com a minha filha nos braços, percorri alguns dos lugares que passei com Jethro ou Jethro e Kelly ao meu lado. E, aproveitando a oportunidade, pedi à uma simpática senhora que tirasse uma foto minha e de Sophie aos pés da Torre Eiffel, no exato lugar onde eu tirara uma foto com Jethro.

Ao final de nosso primeiro dia na capital francesa, Sophie olhava maravilhada para as luzes que iluminavam o mais famoso monumento da cidade. Sim, eu tinha feito o possível para conseguir um quarto de hotel que tivesse uma bela vista para a Torre, e a cada vez que Sophie dava uma gargalhada ou apenas me chamava de “Mama” eu sabia que estava fazendo a coisa certa.

Foi em dos momentos em que ela agarrou uma mecha de meu cabelo em sua mãozinha que eu resolvi conversar com ela sobre o “papai”.

— Hei, Ruivinha. – Chamei-a.

Ela, já acostumada a tantos apelidos, apenas olhou na minha direção.

— Mamãe e papai, assim como a Kelly já estiveram lá no alto! – Apontei para onde os fachos de luz saiam, bem no topo da torre.

— Kell? – Ela perguntou olhando em volta. Acho que procurando a irmã.

— Sim. Mamãe. Papai e Kelly.

— Mama. – Ela apontou para mim. – Kell? Kell!! – Ela pedia, olhando pelo quarto do hotel e para o telefone.

— E o papai.

Ela enrugou a testa e me olhou concentrada. Fazia a mesma expressão do pai. Ao mesmo tempo em que eu ficava tão feliz em ver que minha menina tinha herdado tantas características do pai, meu coração se apertava ao saber que, muito provavelmente ela não o conheceria.

— Diga papai. – Eu a ensinei.

Sophie tornou a me encarar. Era uma palavra nova. Então tive uma ideia, saí da sacada onde estávamos vendo a torre, algo que ela logo reclamou e fui até a minha bolsa, lá de dentro, tirei uma foto. Nela estavam, Jethro, Kelly e eu, no Trocadéro, e a Torre Eiffel majestosa atrás de nós. 

— Aqui bebê. Quem são? – Mostrei a foto para Sophie.

Ela colocou sua mãozinha gordinha na foto e apontou para mim.

— Mama.

— Isso! – Eu dei um beijo na ponta do seu nariz. – Agora, quem é a Kelly?

— Kell!! – Ela gritou feliz.

— Sim, Kelly! Quem é a Kelly?

Sophie, levou o dedo à boca e ficou olhando para a foto. Depois de uns segundos, me mostrou.

— Mama. – Ela apontou para mim. – Kell! Kell!! – Me mostrou Kelly.

— Sim. Essa é a Kelly. A sua irmã mais velha.

— Mã! Imã!!! – Ela repetiu.

— Agora, esse aqui é o papai. – Mostrei Jethro na foto.

Sophie tombou a cabeça e ficou olhando para Jethro.

— Sabia que seu olho direito é igual aos olhos de seu pai? – Falei com minha filha que ainda encarava a foto, não sei ao certo se ainda olhava para o pai.

— Babaia? – Sophie perguntou confusa.

— Papai, filha. Pa-pai. – Disse o mais lentamente que consegui para que ela entendesse.

— Pa-pa! – Ela repetiu incerta.

— Isso, papai. – Eu a encorajei. – E esse aqui é o papai. O seu e da Kelly. – Mostrei Jethro na foto.

— Pa-pa? – Sophie apontou para ele.

— Sim. – Falei tentando segurar o choro.

— Papa!! Kell! – E minha filha ao invés de apontar para a foto, apontou para a Torre Eiffel.

— Sim, eles já estiveram lá, mas não estão mais.

— No?

— Não, eles estão nos Estados Unidos, em Alexandria. Aqui é Paris.

— Xandia?

— Alexandria. Espero que você possa voltar lá, princesinha!

— Xandia! Kel!!

— Isso, vá lembrando assim. Mamãe não vai te deixar esquecer quem mora em Alexandria.  

Fiquei mais um tempo com Sophie na sacada, mas a temperatura começou a cair muito, mesmo já sendo, na teoria, primavera. Achei mais seguro entrar e deixar a cortina da porta aberta, assim Sophie poderia ficar vendo a Torre até dormir. E foi o que ela fez, assim que estava quentinha do meu lado, pegou no sono. Já eu velei o seu sono cheio de sonhos, pela noite inteira, incapaz de dormir por medo de sonhar com o que não deveria.

No outro dia bem cedo, acordei Sophie ao som dos parabéns, e ela, muito bem ensaiada por inúmeras vezes que eu fiz isso, batia palminhas enquanto eu cantava, além de cantar junto, só repetindo as últimas sílabas das palavras.

— Feliz Aniversário, minha salvadora!! – Dei um abraço na minha filha e um beijo no alto da sua cabeça; - Obrigada por ter me escolhido para ser sua mãe! – Estava chorando, e quando encarei Sophie, seus grandes olhos coloridos me encaravam curiosos. E eu notei algo neles. Não eram totalmente de uma única cor cada um. Eles eram ainda mais coloridos. Era a mistura entre o azul e o verde em um, e o verde e o azul no outro.

Minha filha não cansava de me surpreender. E, sem querer, comecei a imaginar como seria quando ela começasse a ir para a Escola e aprender sobre o mundo. Acho que teria mais histórias para contar do que Ducky.

— Está pronta para ir para a Disney, bonequinha?

Ela deu uma gargalhada gostosa quando eu comecei a beijar a barriga dela.

— Vou considerar essas risadas como um sim! – Falei assim que a soltei e fui pegar a roupinha que ela usaria hoje.

Sophie deixava de ser a Moranguinho e passava a ser a Ratinha mais famosa do mundo!

— Pronta para virar a Minnie?

— Minni! Minni!! – Ela gritou empolgada.

E eu queria essa alegria para passar esse dia!

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Tudo estava indo bem em Baltimore, até que dois policiais apareceram para estragar tudo, um muito arrumadinho, o outro um típico playboy. E ambos prontos para contar uma história e tanto na delegacia.

Como manda o figurino de qualquer um que quer entrar para uma gangue, ser fichado e levado por uma dupla de policiais faz bem para a reputação, então eu fiz o que tudo suspeito/culpado faz, eu corri.

Por alguns metros eu tive que reduzir a passada para que o playboy, que gritava que estava usando as meias da sorte e tinha feito Faculdade de Educação Física em Ohio, pudesse me alcançar. Levou mais tempo do que seria necessário, porém, enfim, ele conseguiu.

— Eu falei que te pegava! – Ele disse cheio de si, com um sorriso vitorioso.

Tal sorriso permaneceu em seu rosto até que minha identidade foi confirmada, assim como meu disfarce, e foi só quando ele me mandou embora que ele percebeu o meu plano.

— Mas que merda! Era isso que você queria, não era? – Ele disse possesso.

Não falei nada e o deixei socando a mesa, o parceiro dele sem entender nada.

O caso se tornou praticamente exclusividade da Polícia de Baltimore, e DiNozzo, só entrava em contato para dizer que as evidências demorariam para ser processadas, porque o laboratório deles estava cheio.

— Mande para o NCIS.

— Você aí da Marinha tem um laboratório que possa processar isso?

Definitivamente ele precisa conhecer Abby Sciuto, pois duas horas depois eu tinha o resultado e um incrédulo DiNozzo tentava entender como.

Apesar de falante e cheio de si, Tony DiNozzo se mostrou um excelente detetive, tinha um passado limpo e uma taxa de resolução de casos que, se você olhasse somente a sua aparência, não acreditaria ser possível. Ele só tinha um defeito, confiava cegamente no parceiro e acabou enganado por ele e quando acabou por descobrir, passou a repensar a carreira. E essa foi a oportunidade perfeita para recrutá-lo.

Ele chegou no NCIS de tênis, óculos escuros e reclamando da cor das paredes, a grande maioria teria desistido de contratá-lo.

— E por que eu? – Ele me perguntou.

— Regra #5.

— Como é?

— Não desperdice do que é bom. – Falei e o deixei na porta do RH. Quando virei no corredor, ouvi a voz dele cantando a secretária.

E, dois dias depois ele começava na minha equipe em formação. Tinha muito o que aprender, não se resolve crimes com um sorriso, e, o principal, ele tinha que aprender a ficar calado. Porém, acredito que alguns tapas na cabeça dele resolverão esse problema.

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E as primeiras férias de primavera chegaram. Tudo bem, eu preferia ter ido viajar para a Inglaterra e ter passado as duas semanas com a minha irmãzinha que estava aprendendo a andar. Jenny tinha me jurado que estava ensinando a Sophie o meu nome, só que até agora tudo o que tinha saído era Kell. Eu poderia conviver com isso e poderia transformar isso em um apelido também. Mas eu não poderia conviver com a fofura extrema que são as fotos do aniversário de um ano da pequena. Seu primeiro aninho foi devidamente comemorado na EuroDisney. Sim, Jenny vestiu a minha irmã de Minnie com direito a orelhas de ratinha e vestido de bolinha! Ela ficou um encanto. E, posso ser suspeita, mas na foto de Sophie com a Minnie, a Minnie perdeu lindamente, minha irmãzinha ruiva conquistou mais fãs em poucas horas do que a Ratinha em todos os seus anos de existência. E, assim, eu estava morrendo de vontade de ver a pequena e dar nela um abraço muito apertado!

Porém, tinha muito tempo que eu não passava mais do que uma semana ao lado do meu pai, e tendo em vista que a folga para as Festas de Final de Ano terminou com uma briga, - ele não se conformava de eu ter ido para Londres passar as férias ao lado de Jen. – Eu resolvi que talvez estas duas semanas poderiam nos ajudar.

Assim, juntei o que poderia levar, mandei uma mensagem para Jen, falando que só seria possível conversar por texto – não queria pressionar meu pai sobre mais nada, decidi que ele que se resolvesse, e rumei para Nova York, de onde iria pegar carona no jatinho da família de Henry – ter dinheiro às vezes é bom.

Espero que nada dê errado dessa vez.

 Desci em Dover, e todo um esquema de segurança estava pronto para receber o filho do Congressista. Me escondi como pude dos repórteres que sempre parecem saber quando alguém da família Sanders vai aparecer e dali peguei um táxi para o Estaleiro.

Papai havia me falado que tinha chegado duas pessoas por lá, uma cientista forense e um agente que ele tinha recrutado.

Achei estranho meu pai recrutar alguém, mas deixei quieto. Acho que ele tinha desaprendido a trabalhar sozinho. Desci do táxi no portão do NCIS e, depois de me identificar, me deram o passe de visitante, e me disseram que não precisariam me acompanhar, eles tinham certeza de que o Agente Gibbs descobriria que eu estava ali em bem pouco tempo. Diante disso, rumei para a área dos elevadores e apertei o botão para o terceiro andar.

Me surpreendi, algumas coisas tinham mudado, entre elas, a disposição das mesas, porém as paredes continuavam com aquele tom horroroso de laranja. Demorei um pouquinho para me situar com as mudanças até que encontrei o lugar onde presumi, seria a área destinada para a MCRT.

Parei entre as duas mesas, uma vazia – a de meu pai, pela plaquinha – e a outra era ocupada por um homem, mas se eu chamar de garoto também serve, - ele me abriu um sorriso de dez mil volts e me encarou de cima embaixo.

Sério que ele estava fazendo isso comigo?!

— Em que posso te ajudar, senhorita? – Ele me perguntou, ainda sorrindo.

Estava prestes a soltar alguma resposta ácida que tinha aprendido com Jenny, quando uma mão bateu na parte de trás da cabeça dele, e ele, pego desprevenido, quase beijou o teclado à sua frente.

Não consegui esconder o meu sorriso de alegria por ver aquele sorriso fora da cara dele.

— Ela é minha filha, DiNozzo. E se eu ver que você está pensando qualquer coisa sobre ela, eu vou é atirar em você!

O tal do DiNozzo ficou lívido, não sei se com a dor, porque aquele tapa doeu em mim, ou de saber que o “Chefe” dele tinha uma filha. Contudo, teve a decência de me estender a mão e me cumprimentar.

— Senhorita Gibbs, Anthony DiNozzo.

Eu não consegui ficar quieta e nem poderia perder a oportunidade.

— Então você é o novato que meu pai recrutou? – Levantei uma sobrancelha em sua direção e ele confirmou com a cabeça. – Que Deus te ajude, o último morreu com um tiro na cabeça. Coitado, era mais novo que você. – Disse séria.

Vi DiNozzo lançar uma olhada rápida na direção de meu pai que estava calado e engolir em seco.

— Obrigado, eu acho... – Ele deixou a frase no ar.

— De nada. Não se preocupe, eu mesma vou escolher a coroa de flores. – DiNozzo ficou ainda mais lívido.

Eu estava prestes a fazer um outro comentário quando fui prensada por alguém. Minha reação natural foi tentar me livrar, mas o abraço era daqueles de quebrar costelas e o máximo que eu consegui foi tentar pedir para me soltar, todavia, nem a minha voz eu encontrei, pois começava a ficar com falta de ar.

— Abby. – A voz de meu pai soou mais alta.

— Mas Gibbs! É a sua filha! E eu estou feliz em conhecê-la! – Abby, ou a cientista forense de quem meu pai havia falado, deu um passo para trás enquanto eu tentava recuperar o fôlego.

— Abraçar é uma coisa, Abby. – Tony começou a falar – Tentativa de assassinato por sufocamento é outra. Olha como você a deixou!

E a tal de Abby olhou para mim e eu para ela.

— ME DESCULPE! EU NÃO QUIS TE MACHUCAR! Eu só estou feliz por conhecer a outra parte da família Gibbs! Seu pai não fala muito, mas a sua foto na mesa dele diz muito! E... – Ela parou, deu uma pirueta e voltou a ficar de frente para mim. – Sou Abigail Sciuto. Pode me chamar de Abby, Kelly.

Eu estendi a mão para cumprimentá-la e Abby me abraçou de novo e eu comecei a pensar como alguém com aquele visual gótico tinha conseguido entrar em um emprego público, e o mais impressionante, como ela havia conseguido convencer meu pai de que ela é confiável, pois ele odeia tatuagens e pessoas que tem um estilo tão característicos como o de Abby.

— Adorei as botas! – Falei, eu realmente tinha amado as plataformas cheias de tachinhas.

Papai fez um som de negação e eu olhei para ele.

— Eu tô falando sério, as botas são legais! – Disse só para irritá-lo. Tanto Abby quanto DiNozzo pegaram a minha zoação e começaram a rir, ficando calados assim que viram o olhar no rosto do Chefe.

— Tem mais alguém novo por aqui? – Perguntei me certificando de que não apareceria mais ninguém tentando quebrar minhas costelas.

— Não. Somos só nós! – Tony me garantiu.

— Então, muito prazer em conhecer vocês, sou Kelly. Nada de me chamar de Senhorita Gibbs, por favor.

Os dois assentiram. E eu agradeci com um aceno de cabeça e estava prestes a me jogar na cadeira de papai quando ele simplesmente dispensou os dois para o final de semana.

Em um piscar de olhos aqueles dois estavam correndo para o elevador e gritando por sobre os ombros:

— Ficamos te devendo essa, Kelly! Até a próxima! – As vozes sumindo à medida que o elevador fechava as portas.

— Dupla bem peculiar que o senhor arranjou. – Falei com um sorriso.

— Você se acostuma.

— Até com o DiNozzo? – Eu ri.

— Ele precisa de alguns tapas na cabeça, mas vai melhorar. – Papai me falou me guiando para o elevador.

— Então, o que vamos fazer? Não me diga que é construir um barco porque isso não conta!

— Você costumava gostar! – Ele me respondeu todo ofendido.

— E eu gosto, só acho que devemos fazer algo muito melhor... Não quero ver outra Diane destruída... mas se bem que não me importaria se fosse a Stephanie... – Comecei a citar os nomes dos barcos..

Papai iria me responder quando meu celular apitou a chegada de uma mensagem. Uma não várias.

Tirei a coisinha da bolsa, papai estava perto o suficiente para ver quem era o remetente.

Jenny.

Ele teria que conviver com isso.

Estávamos no estacionamento quando um som abafado chamou nossa atenção, era Abby quem vinha correndo e se equilibrando nas suas botas, inconscientemente dei um passo para trás de meu pai e o deixei se virar com o abraço de urso que eu sabia que viria.

— GIBBS! GIBBS! KELLY! KELLY! – Ela gritava enquanto corria. Uma sombrinha de renda sobre a cabeça a tampando do sol do final da tarde.

— Diga Abbs. – Papai já tinha até dado um apelido para a doidinha.

— Eu tive uma ideia! – Ouvimos alguém tossir ao fundo e nossa atenção parou em DiNozzo. – Tudo bem, nós tivemos uma ideia!

— Que ideia, Abby? – Papai perguntou em um tom cansado, e eu estava pra lá de curiosa para saber o que aquela dupla tinha a intenção de aprontar.

— Hoje é sexta, né? – Ela saltitante gótica na nossa frente começou.

— Sim. – Papai respondeu.

— Que tal jantarmos todos juntos. Ducky disse que topa!

— Por que não? – Respondi. Estava começando a me acostumar com aquelas duas figuras e Ducky ia também, o que era bom, nós dois tínhamos um assunto em particular para tratar.

— YEAH!!! – Abby gritou e assim que veio me abraçar, empurrei papai na frente dela, não me leve a mal, eu sou uma pessoa que adora abraços, mas minhas costelas ainda não tinham se recuperado do primeiro. – Pode ser no restaurante que vamos sempre. Ou eu, o Tony e o Ducky vamos. Seu pai não é muito de sair. – Abby me garantiu.

— Por mim tudo bem, eu o levo. – Garanti.

Abby me estendeu a mão e fizemos um high five. Era fácil conversar com alguém tão feliz.

O jantar acabou passando mais rápido do que eu previra, acho que isso se deve ao fato de que Tony foi a vítima das histórias. Ele e as suas trapalhadas nas cenas de crime. Fazia muito tempo que eu não ria tanto. Até a histórias intermináveis de Ducky foram hilárias.

Já saindo, me despedi de todos e Abby veio na minha direção, correndo em suas botas.

— Hey, Kelly. Seu pai te contou do biscoito da sorte que eu dei a ele?

— Não. Não falou nada. – Olhei para papai que estava se despedindo de Ducky.  - O que tem nele?

— Uma frase! – Abby me disse misteriosa.

— Isso eu imaginava. O que diz a frase?

— Peça para ele te mostrar. Mas eu te garanto que depois dessa noite, acho que é mais verdade do que nunca. – Ela falou e me deu outro abraço e seguiu para o seu carro, ou seria melhor dizer o seu carro fúnebre...

Entrei no carro e, assim que papai abriu a porta eu perguntei sobre a frase.

— Abby ou Tony? – Ele perguntou.

— Abby. Qual era a sorte?

E ele me estendeu um papel que tinha guardado na carteira. E abri um sorriso. Quem visse de fora, com certeza pensaria que éramos uma família.

— É, Abby tinha razão. – Falei quando entreguei o papel de volta.

— À propósito, sobre o que você e Ducky tanto conversavam? – Papai quis saber.

— Sobre uma pessoa de quem você não gosta de falar... – Deixei a frase no ar e vi que os nós dos dedos dele ficaram brancos enquanto ele agarrava o volante com força.

— Kelly eu já te falei.

— Sim. Falou. Nós não falamos mais sobre, mas isso não me impede de conversar sobre ela com Ducky. Ele tinha novidades.

À menção a palavra novidades papai levantou uma sobrancelha, mas não deu o braço a torcer, preferindo ficar em silêncio a tocar no assunto.

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O ano passava mais rápido do que um piscar de olhos, logo me vi fora do ano de caloura na faculdade e pude, enfim, me acostumar com a falta que ter uma casa confortável faz.

Nem tudo foram flores, é claro. Coisas ruins acontecem com todos. A distância era a pior delas. E lidar com as Alícias da vida também.

É impressionante como existem pessoas que fazem maldade com as outras. Eu fui a vítima de uma ou duas durante o primeiro ano, e muito provavelmente era por conta da identidade de meu namorado. Ou melhor, por conta da família dele. Mas eu consegui dar a volta por cima, e espero que tenham aprendido a lição.

Minhas férias de verão consistiram em visitar a família louca que meu pai montava lá no NCIS e depois de um mês eu falei para papai que viajaria com Henry.

Isso era uma mentira. Eu estava indo para Londres ver a minha irmã e papai não precisava saber disso.

Eu não acreditei quando vi Sophie. Ela estava enorme! Tudo bem, ela tinha um ano agora, mas me surpreendi com o quanto um bebê se desenvolve. E fiquei maravilhada com o fato de que ela já fala frases completas e quase já consegue conversar normalmente. Além de falar algumas palavras em francês também.

A parte mais legal era sair com ela para brincar em parques. Ninguém acreditava que ela era minha irmã, achavam que era minha filha e eu fui vítima de várias encaradas maldosas.

— Vish, Soph, tão achando que você é minha filha, não minha irmã. – Falei com ela enquanto voltávamos para o apartamento.

Ela me encarou, sobrancelhas franzidas e beicinho.

— Imã! Imã! – Ela falou brava, batendo o pé.

— Sim, sou sua irmã. Ir. Mã.

— Imã! – Ela repetiu. O que ela tinha contra a letra R?

— Sophie, qual é o nome do papai? – Perguntei de uma hora para outra, depois que chegamos no apartamento e ela já tinha espalhado um monte de brinquedos pelo chão. Estávamos esperando Jenny chegar para podermos jantar.

Minha irmãzinha ficou de pé – depois de cair de bumbum no chão umas três vezes. – E seguiu naquele passinho de pinguim para o quarto dela, eu a acompanhei com interesse. Já lá dentro, ela subiu na cadeira onde, Jenny se sentava para fazê-la dormir e apontou para um porta-retratos em cima da cômoda. Como ela não conseguia pegá-lo, olhava para mim e apontava para o objeto.

— Po favô! – Ela pediu.

— Mas é claro! – Dei os dois passos e peguei. Sophie se esticou do meu lado e disse feliz:

— Papa! Papa!

Olhei para a foto, era a mesma que Jenny havia mandado para mim logo que começamos a trocar cartas.

— Sim, é o papai. E qual é o nome dele?

Sophie parou, como se pensando.

— Jetho! Jetho! Jetho! – Ela dava pequenos pulos enquanto falava.

Eu ri da cena.

— Eu já disse, Sophie, é Je-thro. Thro. – Jenny falou da porta do quarto.

Sophie nem se intimidou com o tom corretivo da mãe, correu para ela e estendendo os bracinhos para cima gritava.

— Mama! Mama! Abaço! Abaço e beijo!

Jenny se agachou para ficar da altura da filha e abriu os braços para recebê-la, abraçando e beijando o topo da cabeça ruiva da pequena. Sophie, por sua vez, fez o mesmo, envolveu o pescoço da mãe com os braços gordinhos e deu um beijo estalado na bochecha dela.

Assim que foi recebida pela filha, Jen a pegou no colo e veio na minha direção, dando um beijo no lado da minha cabeça e me perguntando:

— Essa aqui deu muito trabalho no parque?

— Ela não, as velhas sim. Ficaram me encarando achando que ela é minha filha. – Eu ri.

— Não te pediram o nome do pai?! – Jenny perguntou sendo sarcástica. – Porque comigo tem sempre alguém que pergunta.

Acompanhei a risada dela. Sophie olhava para nós duas sem entender nada.

— O jantar está pronto e Noemi não gosta de esperar. – Jenny avisou e fomos para sala de jantar, assim que Jen limpou as mãos da Sophie.

E, nesse ritmo Agosto passou. Voltei para os EUA, para encontrar papai me esperando no Portão de Desembarque. Ele, de algum modo, sabia onde eu estava e, curiosamente, não falou nada.

Minhas duas últimas semanas de férias foram gastas com Henry e em todas as sessões de filmes que DiNozzo cismava de fazer.

Setembro chegou e com ele o mês do meu aniversário, mas nunca eu imaginaria que algo como isso que eu presenciava através da TV pudesse acontecer.

Como puderam? Como puderam jogar dois aviões contra dois prédios bem no meio da manhã? Como podem ser tão ruins?

Meu primeiro pensamento foi para Henry que morava em NY, tentei ligar, mas só caía na caixa postal. Comecei a me desesperar. E chorando, liguei para meu pai. Alguém tinha que me falar que aquilo era mentira.

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O fuso horário adiantado me deu uma preparação que eu não imaginava, ou não.

Assim que vi aquele avião queimando na Torre Sul e depois o outro sendo jogado contra a Torre Norte, eu tive que correr para o banheiro e esvaziar o meu estômago.

Aquilo não era um acidente.

Era um atentado.

No coração do país, e em um dos horários de maior movimento. Ninguém pôde se defender e agora milhares perderam suas vidas.

Havia milhares de famílias de luto, e não só nos EUA, mas em todo o mundo.

A cobertura da mídia era extensa e entre uma informação e outra, nós entramos em ação. Nosso escritório foi colocado para investigar quem tinha planejado e executado aquilo.

E a minha tarde e os próximos dez dias foram de muito trabalho e pouco sono e, consequentemente, pouco tempo para ver Sophie.

No intervalo de algumas horas, todas as Agências Federais tinham virado o caos. Comunicação precária, falta de informação. E o pior de todos, dor. E, no meio desse caos, eu me vi sendo catapultada para o contraterrorismo. E sendo obrigada a trabalhar conjuntamente com o Mossad, como agente de ligação.

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Dizer que não avisamos era besteira. Nós do NCIS avisamos, anos atrás. E não quiseram no ouvir.

As consequências serão sentidas para sempre. Nunca mais nos sentiremos seguros de novo, seja andando na rua, trabalhando ou dentro de um avião.

Todos estavam trabalhando além do limite da exaustão, pela primeira vez vi todos os escritórios conectados, do mundo inteiro. Não tínhamos mais divisões ou subdivisões, éramos uma agência unida na dor e na vontade de encontrar os culpados e puni-los como se deve.

— Será que um dia vamos superar isso? – Abby, com os olhos vermelhos de tanto chorar e abraçada ao seu hipopótamo me perguntou. - Será que esqueceremos?

— Abby, nós vamos seguir em frente, mas nós nunca esqueceremos. – Afirmei.

— Eu acredito em você. – Ela disse chateada. – Agora acho que vou pedir um favor ao diretor. Gibbs, você acha que o Diretor Morrow me libera pra ajudar em NY. Eles precisam do maior número de cientistas para processar o DNA de quem eles encontraram...

— Sim, Abbs. Ele vai deixar. Isso é o mínimo que podemos fazer.

Dias viraram semanas, semanas se prologaram até o Dia de Ação de Graças e o Natal. E, nenhum desses feriados foram comemorados como deveriam.

2001 começou bem, mas não deveria ter terminado desse jeito.   


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Notas finais do capítulo

Só para constar, Tony sempre será o meu personagem favorito ao lado da Jenny e do Gibbs, mas é praticamente impossível para mim não tentar sacaneá-lo nas minhas histórias. Assim, essa da Kelly com ele é minha culpa e eu não sinto muito por isso.
Portanto, já temos Tony e Abby. Futuramente McGee e Kate vão aparecer também!
Assim como Ziva David vai reaparecer! ou seja, eu estou escrevendo os furos da história que não tivemos!

Muito obrigada a você que leu e está acompanhando!

Um abraço de Abby para vocês e até o próximo capítulo!

P.S.: Só para constar, a Moranguinho e a Minnie não me pertencem. Um aviso básico para não dar nenhuma confusão!



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