O Homem que não era o Doutor escrita por Karina A de Souza


Capítulo 5
Confiança


Notas iniciais do capítulo

Olá.



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Depois da última conversa com Mestre, não conseguia parar de me perguntar o que aconteceria depois que tudo acabasse. Não tinha pensado nisso, cheia de desesperança. Mas agora.... Agora tinha chance de tudo dar certo. Mas e depois?

O Doutor ficaria bem algum dia, ele ia superar tudo? E... E eu? Eu não ia ter medo dele ou algo assim, ia? Não era culpa dele, nada disso. Eu não podia deixá-lo. Ele ia precisar de mim. Ficar sozinho ia acabar ainda mais com seu emocional. Era o golpe final para destruí-lo.

O Mestre passou dias e dias indo até a Purple Club para beber e jogar com Zebediah. Enquanto isso, eu continuava na TARDIS. Não sabia se conseguia ir encarar aquele homem de novo.

Meu medo recente era que o Mestre acabasse ficando amigo de Zebediah e desistisse de salvar o Doutor. Podia acontecer, sério. Ele parecia bem animado em se aproximar cada vez e mais do outro. Às vezes eu achava que ele podia estar se identificando, mas, pelas coisas que eu tinha ouvido, eles não tinham nada em comum, além daquela coisa de “Eu sou um homem mau”.

O que eu ia fazer se eles ficassem mesmo amigos?

Bem, tirando esse meu novo medo, meus sentimentos por Zebediah só iam piorando conforme o Mestre ia me atualizando de tudo o que se passava na Purple Club. Seu novo (falso) amigo perguntava de mim o tempo todo, além de seus comentários serem ainda piores quando eu não estava por perto.

—Não precisa me contar essas partes. -Avisei, de braços cruzados na porta do quarto que o Mestre pegou para si. Ele tinha acabado de voltar de mais uma noite fora. -Eu não quero saber essas coisas... Muito menos o que ele acha do meu corpo ou de mim.

—Foi um elogio.

—Não foi um elogio nem em outra galáxia. Isso... Isso é desrespeitoso e machista. -Me encarou, debochado, enquanto desabotoava a camisa. Desviei o olhar.

—Não gosta que as pessoas falem de você, não é?

—Tenho todo o direito de não gostar. -Comecei a me virar pra ir embora.

—Ele quer te ver. -O encarei de novo.

—O que?

—Zebediah quer que você vá vê-lo.

—Está fora de questão.

—Você quer salvar o Doutor ou não? Ficar próxima dele vai ser útil.

—Zebediah não quer jogar cartas comigo ou beber e falar seja lá do que vocês falam.

—Eu sei, ele me disse.

—Como é que é?-Deu de ombros.

—Achei que não ia gostar de ouvir essas partes mais... Adultas e violentas.

—Violentas? Mas ele não estava falando de... Você sabe...?

—Sim. Mas essas coisas acontecem juntas às vezes. -Meu estômago embrulhou.

—Eu não vou vê-lo de novo. Eu me recuso. E não tente me obrigar a...

—É claro que você não vai. Acha que eu sou idiota? Se deixar Zebediah com você, o Doutor vai me incinerar quando estiver de volta. Você pode ir comigo.

—Não. Nem pensar...

—Você vai estar comigo, não sozinha. Ah, qual é? Acha que é uma armadilha? Que eu me juntei a Zebediah? Tenho cara de que se une com o maníaco mais próximo pra ferir uma garota humana e inocente?

—Na verdade... Tem.

—Tudo bem, essa é nova. Que seja. Não vou te obrigar a ir. A escolha é sua.

—Ele te pediu pra me levar?

—Zebediah acha que tenho algum tipo de controle sobre você.

—Talvez não devesse ter se apresentado como “Mestre”.

—Esse é o meu nome.

—É, e agora ele acha que você é o meu mestre. -Suspirei. -Enrole-o o quanto puder. Talvez eu possamos trazer o Doutor de volta antes que Zebediah te obrigue a me levar lá.

—Tudo bem. -Comecei a me afastar.

—E pare de jogar suas roupas no chão, a nave tem compartimentos pra isso.

—E daí?

—Espero que a TARDIS suma com seu quarto de novo.

—Eu vou acabar indo para o seu se isso acontecer. -Olhei feio pra ele e continuei andando.

E eu achando que a escola era difícil.

Engraçado como os problemas antigos parecem pouca coisa quando os comparamos com os atuais. Eu daria tudo pra ir pra escola de novo, ou enfrentar os Daleks num planeta distante.

Qualquer coisa seria boa se o Doutor fosse o Doutor.

***

—Isso é sangue?-Perguntei, enquanto o Mestre passava por mim. Saltei da cadeira.

—Não.

—Parece que é. -Segurei o pulso dele. Havia sangue seco em sua mão. -O que foi que você fez?

—Zebediah é ótimo em se meter em brigas. Conseguiu causar cinco apenas essa noite. Acabei envolvido em uma.

—Você não está aqui para se envolver em brigas. Esqueceu do seu objetivo? Fingir ser amigo de Zebediah e fazê-lo abrir o relógio quando chegar a hora. Mas você está se envolvendo, não é?

—Não, não estou, então guarde suas bobagens pra si.

—Você não veio pra cá para se juntar ao inimigo. Você veio salvar o Doutor. Se não puder fazer isso, então vá embora... -Se soltou, conseguindo segurar o meu pulso.

—Eu vim salvar o Doutor e é o que vou fazer. Diferente de você, estou fazendo de tudo para isso.

—Eu tentei...

—Tentou e então estragou tudo. A única coisa que você precisava era se aproximar de Zebediah. E, levando em conta o interesse dele em você, seria mais fácil que causar uma guerra entre Cybermans e Daleks. Então não venha com seu drama pra cima de mim. Se isso te apavora demais, vá embora.

Então me soltou e foi para o quarto.

***

Uma das coisas que eu nunca admiti, era que tinha pesadelos desde que tudo começou. Raramente me lembrava como eram, apenas tinha certeza que Zebediah estava presente.

A única pessoa que sabia dos pesadelos, tirando eu, era o Mestre. Ele me acordou diversas vezes quando eu pegava no sono na sala de controle por ficar observando a luz vermelha na tela. E todas essas vezes eu estava tendo pesadelos. O Mestre nunca disse nada sobre isso, mas era óbvio que ele sabia. Teria esperado provocações, zombarias, mas não, ele não dizia nada. Eu nem sabia o que pensar sobre isso. Nunca esperaria isso dele.

***

—Ele te conta as coisas que faz?-Perguntei, sentada na cadeira do capitão, com uma xícara de café. O Mestre, de pé, encostado nos consoles, olhou pra mim. -Zebediah.

—Às vezes. Aleatoriamente.

—Ele já cometeu algum... Crime? Fora agredir mulheres, essa parte eu já sei.

—Bem... Pelo que me disse, já.

—Quais?

—Você não vai querer saber. -Hesitei.

—É tão ruim assim?

—É pior. -Dei um longo gole no café. Não queria pensar no que Zebediah podia ter feito.

—Por que ele confia tanto em você?

—Por que eu o fiz confiar em mim. Diga as coisas certas, faça as coisas certas, e você tem a confiança de alguém. Não é tão difícil quanto parece.

—Pode ser fácil pra você. Só precisa fingir ser amigo dele. Eu gosto muito do Doutor e faria tudo ao meu alcance para salvá-lo... Mas dormir com Zebediah está fora de questão. Você não entende. Esse é um dos meus limites, e eu não posso cruzá-lo. Nem mesmo pelo Doutor.

Ficamos alguns momentos em silêncio, o suficiente para que eu terminasse meu café. Deixei a xícara no chão ao meu lado.

—Ele disse algo sobre o relógio?-Perguntei.

—Ainda não sei como tocar no assunto.

—E se ele... E se ele não está mais com o relógio? Ah, meu Deus... Se ele se livrou do relógio o Doutor vai ficar perdido para sempre! Nós não temos como trazê-lo se...

—Você está surtando sem motivo.

—Sem motivo? Você entende que sem o relógio...

—Os Senhores do Tempo criaram o Chameleon Arch, então sim, garotinha, eu sei exatamente como funciona. Zebediah ainda deve estar com o relógio.

—Você não tem certeza se...

—Entrar em pânico agora é inútil, então pare. -Fez uma pausa. -Ele exigiu vê-la.

—O que?

—Disse que eu devia levá-la até a Purple Club ou nem precisaria voltar lá.

—Eu não posso...

—Se você não ir, tudo o que fiz até agora vai ser jogado no lixo. Você tem que ir.

—Eu... Eu não sei se consigo.

—Vou estar com você o tempo todo. Zebediah não vai fazer nada comigo lá. -Assenti.

—Você promete?

—O que?

—Promete que não vai me deixar sozinha?-Levou longos segundos para responder, o suficiente para me deixar preocupada.

—Tudo bem. Eu prometo.

***

Saí do elevador ao lado do Mestre tentando prever o que ia acontecer. Da última vez que vi Zebediah, ele não tinha se importado com as coisas que eu disse. Na verdade, ele parecia bem animado. Mas como estava agora? Ainda estava com seu humor debochado ou com raiva?

Hesitei diante da porta. Estava fazendo a coisa certa voltando lá?

—Eu menti. -Olhei para o Mestre, confusa.

—Do que está falando?

—O plano era fazê-la entrar e te deixar sozinha com ele, trancando a porta.

—O que?-Me afastei dele. -Você... Você ia me trair... Ia... Me entregar a ele... Sabe o que Zebediah faria comigo?

—Jessica...

—Eu vou pra casa. Salve o Doutor e diga a ele o que ia fazer comigo. -Comecei a me afastar, ele segurou meu braço. -Me larga...

—Eu não vou mais entregá-la. Mudei de ideia. Não seria justo com você. Somos uma dupla agora, tentando salvar o Doutor. Eu juro, o plano mudou.

—Como poderia confiar em você depois disso?

—Não precisa confiar. Apenas acredite que vamos trazer o Doutor de volta. -Me soltei dele, refletindo.

—Se você me trair... Nem mesmo o Doutor pode te salvar de mim. Entendeu?-Assentiu. Apontei para a porta. -Você primeiro.

Zebediah não pareceu surpreso por me ver. Levantou do sofá enquanto eu fechava a porta, um sorriso irritante no rosto.

—Jessica, é bom revê-la. Finalmente apareceu. -Olhou para o Mestre. -Você já pode ir. -Prendi a respiração. Era hora da verdade. Eu ia ser abandonada na toca do lobo ou não?

—Na verdade... Eu vou ficar.

—Acho que você não entendeu...

—Eu entendi. Os planos mudaram. Você pode ver Jessica, mas tê-la, não. -Zebediah assentiu, então tirou uma arma de dentro do terno roxo.

—É claro que vocês estão aprontando algo. Acho que hoje chegamos no dia das revelações.

—Não sei o que você pensa que vai fazer com essa arma...

—Eu sei o que vou fazer, obrigado. Quem vai começar a falar? Eu dou uma ajudinha: Jessica veio até mim contra sua vontade... Foi você que a mandou vir? Qual era o plano?

—Eu nunca mandaria Jessica até você.

—Então...?

—Relógio. -Murmurei. -Você tem um relógio?

—Bem ali...

—Relógio de bolso. Talvez seja uma relíquia de família ou algo assim...

—Por que quer saber disso?

—Você tem ou não?-Tirou o relógio do bolso da calça. Nem preciso dizer o alívio que me deu. -Abra-o.

—É um relógio velho... O que quer com ele?

—Quer saber o que estamos armando? Abra o relógio. -Apontou a arma pra mim. Resisti à vontade de recuar. -Abra o relógio e tenha todas as respostas que quiser.

—O que está armando, Jessica?

—Abra. Abra-o!-Comecei a me aproximar. O Mestre disse algo, mas não ouvi. -Abra a droga do relógio...

—É melhor se afastar...

—Abra-o ago...

Então ele atirou.

***

(TERCEIRA PESSOA)

O tiro atingiu Jessica no peito.

Ela ficou de pé, alguns segundos, surpresa, então desmoronou no chão. Enquanto ela sangrava no tapete branco, o Doutor voltava a ser o Doutor.

Tudo o atingiu com uma onda gigante, e ele ficou momentaneamente confuso, até a situação cair sobre ele.

—Doutor!-Olhou para o Mestre, que estava ajoelhado ao lado de Jessica.

Saindo de sua confusão, ele se abaixou ao lado da companheira, apoiando a cabeça dela.

—Olá, Doutor. -A garota sussurrou, lágrimas escorrendo pelo rosto.

—Eu... Eu sinto muito...

—Ela precisa de um hospital. -O Mestre interrompeu. -Agora.

O Doutor pegou Jessica no colo, torcendo para ter tempo o suficiente para consertar o que tinha feito.

***

A correria no hospital foi enorme quando Jessica chegou com os dois Senhores do Tempo.

Algumas enfermeiras trouxeram uma maca, onde a garota foi posta cuidadosamente. Ela havia desmaiado no caminho, mas despertou de repente, segurando a mão do Doutor e fazendo um gesto para que ele se aproximasse.

—Não foi culpa sua. -Sussurrou, mal sendo ouvida no meio do caos. Então a levaram.

O Doutor passou longos segundos parado no mesmo lugar, encarando o corredor por onde tinham levado Jessica. Ele sentia que ia explodir, que seus corações não iam aguentar. Jessica estava ferida, e era a mão dele que apertou o gatilho.

Caminhou lentamente até o banheiro. Suas mãos estavam cheias de sangue. As lavou, tentando não se olhar no enorme espelho acima da pia. Ele não queria olhar pra si mesmo. Não queria encarar sua culpa.

—Você sabe que não fez aquilo tudo, não sabe?-Era o Mestre, atrás dele. O Doutor queria saber o que ele estava fazendo lá, mas se sentia exausto demais para perguntar. -Zebediah fez. Ele era um maníaco. Certamente você não é assim.

Secou as mãos, evitando olhar para o ex-amigo.

—A garota sabia dos riscos. Mas foi até o fim. Por você. Jessica sabe que não a machucou.

—Você não entendeu. -Respirou fundo. -Se ela morrer... Foi por que eu a matei.


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Notas finais do capítulo

É, o Doutor voltou, porém as tretas ainda não acabaram. O próximo capítulo já é o último.
Até mais.



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