La Belle Fleur escrita por Kunimitsu


Capítulo 2
Capítulo I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771322/chapter/2

La Belle Fleur

Capítulo I

 

A chuva caía vagarosamente, batendo contra a vidraça da janela na qual uma jovem moça estava escorada. Seu rosto alvo mantinha uma expressão serena, imperturbável enquanto seus olhos observavam a paisagem com certa ânsia— queria ser capaz de lembrar cada detalhe da cidade que se atreveu a chamar de sua nos últimos quatro anos; um doce engano—. Bordeaux, a capital do departamento da Gironda, sudoeste da França, havia lhe acolhido através de suas calçadas de ladrilhos, a arquitetura antiga e a história da cidade ainda presente em cada prédio ou rua em que andava. 

Aquela comuna tinha lhe fascinado no primeiro instante em que pusera seus pés. 

Cerise não queria ir embora.  

Bufando, se pôs a andar através do cômodo que um dia já chamou de seu quarto; agora completamente despido de móveis e quinquilharias pessoais, frio. Restava apenas as lembranças, o que era irônico visto o defeito que seu cérebro detinha. Um riso amargurado escapou dos lábios rosados e rachados. Seus olhos se fecharam por um momento, respirando fundo e contendo a bílis que ameaçava surgir. Mais calma atravessou o longo – e  desnecessário – corregedor até as escadas em formato de caracol. Escutava algumas vozes provindas de algum cômodo daquela casa, ou melhor dizendo, mansão. Num estilo mais colonial, com uma estrutura remetente ao século XVII ou XVIII, era uma mansão perfeitamente grande para uma família que mal se olhavam nos olhos; Muito menos conversarem. 

Sem um rumo de fato, Cerise andava calmante até a sala onde, teoricamente, deveria ter sido uma sala de jogos. Porém o quarto havia sido transformado num espaço para colocar um piano negro de cauda e então ser esquecido ali. Apenas um enfeite, pensou a adolescente ao se deparar com o lugar todo coberto de panos brancos. A sala do piano, como foi chamada, era um dos seus favoritos. Afinal, ninguém se atrevia a entrar além das empregadas para limparem, proporcionando um ambiente calmo e recluso para si. 

Era um opimo espaço para sua escrita. 

Soeur. – sobressaltou-se ao escutar a voz plácida vinda detrás de si. 

Virou-se para encontrar um menino que não tinha mais que dez anos, vestindo roupas um tanto formais demais para a sua idade. E apesar do rosto despreocupado, Cerise se sentia infinitamente feliz por ter capacidade de distinguir o brilho brincalhão e travesso nas íris esmeraldinas. Seu irmãozinho era um alívio em todo aquele seu mundo embaçado e confuso. Mesmo que ela ainda sentisse aquela dor característica em seu peito ao pensar no que ele passava todos os dias; a pressão que era submetido devido a seus pais. Parte disso Cerise entendia que era sua culpa. 

Afinal, Blaise deveria tornar-se o herdeiro perfeito da família Voclain

— O que foi, Blaise? – indagou ao seguirem para fora do cômodo. 

— Já estamos de partida. – respondeu o menino dando de ombros, arrumando a manga do suéter oliva com um pouco mais de brusquidão que o necessário. A mais velha não era a única que não queria ir embora. – Querem que esperamos na entrada. 

Nenhuma outra palavra fora trocada enquanto caminhavam lentamente até o vestíbulo. Todavia, não era de todo essencial para a relação daquela dupla de irmãos; simples gestos ou expressões, as poucas palavras ou o silêncio era o suficiente para se comunicarem. Não era à toa que quem os conhecias diria que eram peculiares— para não dizer intrigantes e, às vezes, irritantes. Mas nada desse tipo de opinião parecia abalar os dois. Na verdade, existia certo divertimento que ambos compartilhavam ao divagarem – e as vezes surgia alguma aposta – nas mais diversas opiniões que alguém que havia acabado de conhece-los poderia estar tendo. 

Um pouco de entretenimento numa vida pacata e ao mesmo tempo rígida, não era ruim. 

Por mais que estranha essa fosse. 

Ao chegarem no vestíbulo seus pais já os aguardavam. Cerise suspirou num misto de cansaço e resignação. Aquela cena era tão comum para si desde que se entendia por gente. Sua mãe permanecia no canto mais distante, a pose altiva e rija. A face um pouco marcada pelo tempo, quase escondidas pela maquiagem elegante. Estava tão impassível quanto sempre fora. Ao lado do aparato encoberto pelo tecido branco, parecia uma decoração do lugar, se camuflando com seu vestido bordô. Cerise não conseguia se lembrar quando sua mãe teve voz naquela família, ela apenas observava como se fosse uma espectadora e não parte de tudo aquilo. Era sempre seu pai. 

E seu pai... Seu pai estava ao telefone, possivelmente seus preciosos negócios pediam a sua máxima atenção. Perpetuamente. O homem era um ser rígido, perfeccionista e meticuloso. Sua postura soberba e o sorriso impertinente era o que atraía tantos ao seu redor – principalmente mulheres –. Ele era um homem para negócios, ou seja, sua família era apenas o fruto bônus para sua imagem. A garota já estava cansada de saber disso. Particularmente, em ter que vive-la. 

Quando a ligação se encerrou o homem virou-se para encará-los com os olhos escuros e frios, um gesto dos dedos delgados fora o suficiente para terem conhecimento que era para se aproximarem: 

— Vocês irão com o chofer até o aeroporto sem mim. Ainda tenho assuntos a resolver. – informou sucinto. Nem Cerise ou seu irmão abalaram-se com a notícia, ao contrário da mãe que parecia preste a virar pedra de tão dura que se tornou. – Irei encontrar vocês hoje a noite na nova casa. Não me liguem, apenas se for uma emergência. Tenham uma boa viagem. 

Dito isto, foi embora. Cerise ainda conseguiu ver o celular nas mãos do loiro antes de entrar no carro importado. A sala estava silente. Um pouco de constrangimento e indiferença pairavam pelo ar. Mas o que eles pensaram que aconteceria? O patriarca sempre fora assim, direto e frio. Sem enrolação ou afeto. Porém, lá no seu íntimo ainda se sentia frustrada. 

Um pigarro chamou sua atenção:  

— Bem. Vamos indo? – a mulher perguntou caminhando para a porta. 

Blaise a seguiu. Sem muita escolha a jovem também saiu da casa. Se contentou em olhar uma última vez o casarão, admirando o jardim bem cuidado e as roseiras coloridas através do vidro da janela do carro. O portão de ferro se fechando foi a última coisa que viu antes de focar o olhar para frente. 

Afinal, não poderia ficar olhando para trás todas as vezes em que se mudavam. Cerise vivia no passado o suficiente durante suas noites de sonhos – pesadelos de quando em quando –. Mudar-se novamente não deveria abalá-la tanto assim, mesmo que fosse para sua cidade natal. Mesmo que fosse a cidade onde se tornou uma reles garota sem memórias de sua infância. Mesmo assim... 

Então, por que se sentia tão angustiada?

○●

O voo havia durado pouco mais de duas horas e meia, com uma parada na comuna Nice antes de seguirem até o aeroporto de Saint-Ville Bleu— a cidade que Cerise moraria por tempo indeterminado –. Localizada ao sul da França, banhada pelo Mar Mediterrâneo, era conhecida por sua bela praia e oportunidades de emprego no meio turístico. Contudo, a pequena cidade era quase ofuscada e esquecida devido a localizar-se entre dois outros centros importantes para o país – ao leste estava Nice e ao oeste a grande metrópoles Marselha—. Não seria errado dizer que atualmente estava em decadência. 

O que fazia Cerise questionar o por que de seu pai querer vir para um lugar como aquele. O mais velho sempre investiu em coisas que com certeza seriam lucrativas; sabia que não era um homem que se arriscava sem ter noção de que ganharia no final. Sua fama no mundo empresarial e o dinheiro em sua conta eram provas de que detinha conhecimentos inimagináveis. 

Ainda que, ao olhar o cenário de dentro do carro, poderia entender o porquê de haver pessoas que vinham morar ou visitar. As ruas não estavam congestionadas naquele meio de tarde, pedestres andavam calmamente e sem muita pressa. Não sabia dizer se era assim a semana toda ou se era devido ao horário. A cidade, também, parecia preservar a natureza a sua volta, cheio de flores coloridas e árvores grandes com cascas grossas mostrando sua idade com orgulho. O céu era límpido e o vento trazia o cheiro de pães e café frescos. 

Cerise não tinha nada do que reclamar naquele momento. Havia adorado a simplicidade. 

Nem mesmo inquietou-se quando deixou o centro comercial e adentrou em um bairro residencial que compreendeu conter famílias de classe mais elevada – como a sua própria. Sobretudo, estava mais surpresa por não morarem mais uma vez em uma mansão luxuosa; não que isso a aborrecesse, ao contrário, Cerise sentia quase aliviada por não ter que enfrentar salas inutilizadas ou adornos por todos os lugares. 

Parece um bom começo, pensou enquanto saia do carro parado em frente ao muro alto e portão de metal lustroso. Ao adentrar na propriedade defrontou-se com um jardim pequeno, mas bem cuidado com uma árvore frondosa no canto leste; suas folhas coloridas de vermelho, laranja, amarelo e marrom pintando o gramado a sua volta. E por mais que quisesse apreciar o ambiente, o vento estava esfriando, arrepiando seus braços desnudos. Típico do outono. Não tardou mais em entrar na casa, sendo recepcionada por uma sala grande e bem iluminada devido as janelas que iam do teto ao chão. Cerise apreciou tal fato. 

— Por que vocês não vão olhar seus respectivos quartos? – a mãe indagou ao passo que soltava os cabelos escuros num movimento fluído. – Vejam se tudo chegou em ordem ou se precisam mudar algo. 

Oui. – Os irmãos murmuraram já subindo os degraus. Era óbvio que eles haviam sido dispensados

Foi fácil encontrar o quarto de Blaise; era quase em frente a escada. Com um tamanho considerável, estava todo mobiliado em tons de branco combinando com o carpete turquesa e as paredes em azul petróleo. Estava exatamente do mesmo jeito que um dia esteve em Bordeaux. Conseguia ver o mural cheio de fotos e recados perto da escrivaninha, onde a mesma continha um computador e livros referentes a astronomia e física. Até mesmo o sistema solar que os dois haviam feito juntos cinco anos atrás pairava sobre a cama. 

— Então...? – olhou seu irmãozinho com olhos risonhos enquanto o mais novo observava tudo a sua volta com um expressão analítico no rosto infantil e sardento. O nariz meio enrugado era pura fofura na opinião dela. – Blaise? 

— Não consigo encontrar a minha flauta. – disse por fim com visível aborrecimento ao cruzar os braços frente ao corpo. – Eu sempre deixo em cima da cômoda. 

— Perguntar para a mamãe? – sugeriu depois que averiguara se não estava dentro de uma das gavetas, mas havia apenas roupas. – Eu também posso olhar no meu quarto. Pode ter havido confusão. 

Blaise anuiu saindo do quarto. Cerise logo atrás, porém em direção ao seu próprio quarto que ficava no final do corredor de fronte ao quarto de hóspedes. Parou na soleira da porta, estudando o cômodo que deveria ser familiar, mas a jovem se sentia estranha em entrar. Eram os mesmos móveis de cerejeira, as cortinas esverdeadas e o carpete vermelho profundo. Contudo, o sentimento não iria embora. Talvez fosse a necessidade de se adaptar novamente. 

Suspirando, enfim, entrara seguindo direto para a janela onde o vento balançava suavemente a cortina. Escorou-se no beiral, apreciando a paisagem do jardim da frente, o céu tornando-se amarelado e as casas de teto marrom; a maioria seguia um padrão, quase parecendo um subúrbio que se via em filmes americanos. Espero que aqui não seja tão entediante quanto, pensou sentido a brisa bagunçar seus longos e rosados cabelos. 

Deixou-se contagiar com o cenário e sem querer seus olhos captaram a inusitada cena de um rapaz, por volta da sua idade talvez, a duas casas de distância do outro lado da rua andando de um lado para o outro na calçada. Parecia nervoso, se levar em conta que constantemente passava os dedos pelos cabelos incrivelmente dourados – a garota ficou em dúvida se eram de uma cor natural ou não – e que não conseguia manter-se parado. Cerise riu do jeito meio desengonçado do outro, para logo então engasgar-se ao ter um par de olhos incrivelmente dourados direcionados a si. 

Por longuíssimo segundos a rosada paralisou, mantendo a boca meio entre aberta e os olhos azuis arregalados. Todavia, retomara o controle de suas funções motoras e saíra de perto da janela rapidamente. Sentia seu rosto queimar em embaraço e uma gota de suor escorrer por sua nuca. Deitou-se estirada na cama macia e de edredom florido, o coração descompassado. 

— O que diabos acontecera? – perguntou a si mesma, confusa. 

Não esperava uma resposta, mas a obtivera através de seu irmão que acabara de entrar, assustando-a: 

— Sei lá, irmã. Mas achei minha flauta. – contou Blaise sentando-se ao lado da irmã e ignorando o sobressalto da outra. Um sorrisinho nos lábios finos. 

Mon Dieu! – exclamou exasperada. – Não me assuste desse jeito. – o moreninho apenas deu de ombros, ainda risonho. Cerise bufou. – Onde estava? 

— Misturou-se com as coisas do escritório do papai. – seu rosto franziu como se estivesse indignado. 

Cerise riu, bagunçando os cachos escuros de Blaise. 

— Seria divertido ver o papai tocando flauta. – comentou a garota num raro humor humorista. Não que fosse alguém azeda, mas era alguém mais pudica. 

— Seria assustador, isso sim. – retorquiu. – Credo, agora preciso urgente de algo para me distrair. 

Estremecendo, Blaise saia do quarto. A mais velha rindo nas suas costas. Só seu irmãozinho para faze-la esquecer do constrangimento anterior.

○●

cravina rosa; 

laços de afeto 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "La Belle Fleur" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.