Jeller escrita por Lucca


Capítulo 9
Reinventar o paraíso


Notas iniciais do capítulo

Um casal precisa viver determinadas coisas só a dois.

One-shot cozida no caldo do Dia dos Namorados.


Boa leitura!



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Foram poucos dias em NYC, apenas o suficiente para colocar toda a bagunça em ordem após a derrubada de Madeline. Allie se reuniu com eles logo que o perigo estava superado. Sabia que Kurt estava ansioso em ter a filha perto dele e ela também queria ver todos os amigos com seus próprios olhos, temeu por eles durante todo aquele tempo como “terroristas procurados”.

Enquanto tinham suas fichas sendo limpas e reorganizavam suas novas antigas vidas, a equipe não perdeu uma oportunidade de estar juntos, celebrando não a vitória. Conversaram, riram, assistiram filmes, sentaram-se no gramado de um parque como se isso fosse tudo que poderiam desejar do futuro.

Patterson decidiu ficar em NYC. Queria estar por perto para ajudar Tasha com o bebê. Concordou em prestar acessoria ao FBI sempre que necessário e manteve-se na gerência de sua própria empresa. Contratou Rich como braço direito, algo que ela sabia que tornaria cada dia um desafio, mas ela amava aquilo.

Rich, com toda a humildade que sequer sabia que tinha, procurou Boston e expressou seus sentimentos pedindo mais uma chance. Ele estava envolvido com a primeira mostra de arte que realizaria em alguns meses. Se fez de difícil, mas também amava Rich e terminaram reatando.

Zapata foi convidada para a assumir como Diretora Assistente do FBI. Aceitou imediatamente. Apesar de não gostar da parte burocrática, sabia que a função garantiria a segurança necessária agora que seria mãe. O trabalho também seria uma ótima forma de canalizar sua energia e ajuda-la a lidar com o luto. Sentia-se dando continuidade a tudo que Reade plantou. A equipe aplaudiu. Tinham uma nova Mayfair. Um ciclo se fechava.

Kurt e Jane se mudariam para o Colorado novamente. Ele precisava daquilo, dedicação integral à filha, sem perder um minuto sequer da vida dela, após o longo tempo de afastamento. Ela compreendia e concordou.

Dias antes da partida, as meninas tiraram um dia só pra elas. Passaram o dia de loja em loja, abastecendo o guarda-roupas de Tasha e o quarto do futuro bebê. Depois assistiram filmes sobre gravidez e comeram pipoca. Era uma espécie de despedida de Jane que, como sempre, participou de tudo mais observando do que de qualquer outra forma. Quando se despiram, a madrugada já estava começando.

Jane entrou no apartamento pé ante pé. Não queria acordar Kurt e Bethany. Na volta pra casa, passou numa farmácia e comprou um teste de gravidez. Ela sabia que as chances não eram grandes, mas tinham cometido alguns deslizes e... quem sabe? Aquele dia tão cheirando a bebê reacendeu sua esperança. Foi até o banheiro e agiu conforme indicado nas instruções, aguardando o resultado. Já sabia a resposta quando entrou no quarto e viu o marido dormindo com a filha, confortavelmente espalhados pela cama. Ela amava compartilhar o leito com eles, mas Bethany estava crescendo rápido e a cama ainda era a mesma. Pra que atrapalhar os dois? Passou pela cozinha, revirou os armários em busca do que precisava. Foi para o quarto de hóspedes e esperou o sono chegar.

Kurt acordou por volta das duas da manhã e, antes mesmo se dar conta que tinha despertado, sentiu a falta de Jane na cama. Instintivamente sua mão voou para a mesa de cabeceira à procura do celular. Se algo estivesse errado ou se ela apenas decidiu ficar com as meninas, existiria uma mensagem ali para ele. Acertou.

“Vocês estavam dormindo tão gostoso que não quis apertá-los. Estou no quarto de hóspedes.” – dizia a mensagem.

Ele se levantou ainda meio bêbado de sono. Se espreguiçou no corredor e abriu a porta devagar. Sabia que bastaria aquilo pra ela despertar. Mas não aconteceu. Jane continuou imóvel na cama, em sono profundo. Isso era algo inédito, então ele se aproximou devagar. Sua respiração parecia normal. A pouca luz que entrava pela janela deixava os sinais na pele alva dela bem nítidos: a tensão nos músculos contraído da testa e o rastro das lágrimas.

Kurt se questionou sobre o que poderia ter acontecido. Mas sabia que só existia uma forma de desvendar esse mistério: acordá-la para conversarem sobre isso. Respirou fundo desejando já poder arrancar dela a dor que fosse. E nada melhor que começar aquele momento difícil demonstrando o quanto se importava acordando-a com um beijo.

Ao apoiar a mão na beirada do colchão para impulsionar o rosto em direção ao dela, esbarrou o dedo em algo diferentes que estava embaixo do travesseiro. Puxou devagar e viu o que era. Levantou-se com cuidado, em busca de mais luz para verificar o resultado. Compreendeu tudo. Agradeceu por ela finalmente ter adormecido. A conversa poderia ficar para depois. Devolveu o objeto onde estava.

No dia seguinte, ela não tocou no assunto. Nem no outro. A presença de Bethany não deixava os dois com tempo a sós, então ele simplesmente esperou. No dia da mudança, antes de deixarem o apartamento, ela disse:

— Só preciso de mais um minuto. Vou ao banheiro trocar meu tampão pra garantir que não terei nenhum “acidente” durante o voo. – comentou da forma mais natural que podia.

— Então... não aconteceu? – ele aproveitou a oportunidade pra introduzir a conversa.

— Não. – ela disse rápido já fazendo menção de deixar a sala.

Quando retornou, ele a esperava em pé e a puxou para um abraço e, após depositar um beijo em seus lábios, disse:

— Nem foi uma tentativa de fato, foi?

— É – ela disse evasiva. – acho que não foi.

— No momento certo, acontecerá. – disse tentando por toda confiança que podia em seu olhar.

Assim que seus olhos se encontraram, Jane sentiu as lágrimas subindo rápido. Então, tratou de sacodir a cabeça rapidamente concordando e desviou o olhar. Kurt se moveu para trás dela, sem deixar que seus braços a liberassem do abraço e a direcionou para Bethany que saltitava entre as malas na sala.

— Olhe isso, Jane. Mesmo que não dê certo, ainda assim teremos Bethany. E nada mais vai nos tirar a felicidade de sermos uma família.

Ela voltou a assentir com a cabeça, se soltou dos braços dele e disse:

— Então, precisamos nos apressar. Não podemos perder aquele avião. – e pegou uma das malas indo em direção à porta do apartamento.

 A rotina no Colorado foi muito parecida com o que eles esperavam, muito parecida com o que tinham vivido alguns anos atrás. Kurt estava radiante o tempo todo. Era tudo que Jane precisava para dizer a si mesma que aquilo valia mais que todo o resto, inclusive mais que os testes negativos que se seguiram.

Três meses depois, voltaram a NYC. Tasha pediu a Jane ajudar com algumas traduções durante um interrogatório. A empolgação da tatuada foi imensa. Assim que terminou seu pequeno trabalho, a latina a levou até sua sala e contou sobre uma nova ONG da cidade da qual soube através de um caso. Mulheres que tentavam se readaptar após terem sido vítimas de diversas formas de violência. Jane se interessou e as duas foram até lá conhecer melhor o trabalho.

Foram bem recebidas e tiveram a oportunidade de participar de uma reunião naquela tarde. As mulheres ali reunidas se encantaram com a força de Jane. Os breves relatos dela sobre seu passado e forma como parecia segura e empoderada era tudo que podiam sonhar para si mesmas. A tatuada deu algumas dicas de auto-defesa e a empolgação geral aumentou. Não podia ter terminado de outra forma: foi convidada a estar com eles mais vezes.

Sua empolgação ao relatar tudo a Kurt foi imensa. Há muito tempo ela não se sentia tão útil.

— Eu poderia vir a cada quinze dias ou menos. – disse tentando abordar seu plano. – Algumas aulas seriam úteis a todas elas.

— Não parece cansativo? O Colorado não é exatamente ali na esquina. E você nem gosta muito de voar... – ele argumentou numa tentativa que sabia ser inútil. Conhecia aquele brilho no olhar da esposa e dificilmente ela desistiria.

—  Definitivamente voar não está entre minhas coisas preferidas, mas é por uma boa causa. – respondeu

— Se é o que quer, faça.

Jane se atirou no pescoço dele para um beijo. Sentia-se pulsando de felicidade.

Tiveram que encontrar uma nova rotina. Suas viagens até NYC passaram a ser quinzenais. No começo, ela ficava dois dias. Depois três, quatro... A cada visita descobria novas formas de ser útil na ONG. Novos pedidos de socorro de Tasha aconteceram: traduções, observação de interrogatórios, as vezes apenas ler alguns arquivos de casos difíceis. A experiência de Jane com sua vida de terrorista era muito útil na resolução de diversos entraves para o FBI.

Muitas vezes, ela levou trabalho pra sua casa no Colorado.  Assim que chegava, ouvia pacientemente os relatos do marido sobre a filha e também sobre os pequenos atritos que pareciam se tornar mais frequentes entre as permissões e proibições dadas por Kurt ou Connor para a pequena. O marido de Allie se sentia mais incomodado agora com a presença diária do pai da garotinha. O casal perdeu bastante espaço na vida dela e o poder de decisão sobre as coisa mais corriqueiras também foi repartido agora.

Ocupar seus dias com o trabalho que trouxe de NYC ajudava Jane com isso. Era uma ótima válvula de escape para aquelas conversas que insistiam nas mesmas teclas. Tudo que ela queria era ficar de fora desse jogo. Kurt era o pai, Allie a mãe, as decisões só cabiam aos dois e atritos assim seriam comuns com a convivência próxima pelo resto da vida. O importante era só não deixar Bee perceber o que acontecia. Mas como a garotinha era esperta, logo aprendeu a manipular isso a seu favor.

Kurt gostava de vê-la tão envolvida com tudo aquilo. Sentia muito a falta dela nos dias que estava em NYC, mais do que ousaria confessar. Mas guardou isso no fundo do peito. Sabia que abordar o quanto a ausência dela o incomodava poderia fazê-la desistir e a nova rotina parecia deixar Jane mais feliz.

Um mês após o nascimento da bebê de Tasha, Kurt foi com ela até NYC. Queria conhecer a pequena Eddy.

O team se reuniu na casa de Patterson. Como sempre, foi muito agradável estarem unidos de novo. Kurt falou e falou de Bethany. Colocou Eddy deitada em seu peito enquanto estava ao lado de Jane, abraçando a esposa:

— Bebês são tão perfeitos, não são? – disse observando a reação da esposa.

— Com certeza são. Essa gracinha trouxe tanta alegria pra vida de Tasha. Eu não achava que alguém seria capaz de colocar o brilho de volta nos olhos dela. – Jane disse acariando as costas da bebê.

— Bebês fazem isso. Devíamos tentar de novo... procurar um especialista, quem sabe...

Jane balançou discretamente a cabeça de forma negativa, se levantou e se afastou. Estava decidia a deixar um bebê fora de seus planos de futuro.

Num determinado momento, Patterson se aproximou de Kurt e começaram a conversar.

— Então, o Colorado é o paraíso?

— Quase, estamos bem perto disso. – Kurt disse tímido. – Se Connor não fosse tão chato acho que chegaríamos lá.

— Eu imagino... Você poderia vir com Jane mais vezes, conhecer o trabalho da ONG, socorrer Tasha como ela faz, talvez isso funcionasse como uma válvula de escape.

— Acho que não. Estou totalmente por fora de tudo. Escolhi essa vida no Colorado.

— Não gosto de me meter, mas está funcionando bem com Jane. E vocês dois são tão parecidos.- e levantando a voz, chamou a amiga que estava do outro lado da sala – Hei, Jane, você não acha que Kurt seria muito útil na ONG?

Jane se aproximou já com os olhos brilhando:

— Com certeza. Kurt, quando você conhecer o trabalho que fazem, vai ficar maravilhado. Toda ajuda é bem-vinda. Há tanto pra fazer. - disse empolgada acariciando a gola da camisa do marido.

— Prometo pensar com carinho. – ele disse antes de receber o selinho dela.

E pensou muito sobre isso. Principalmente porque chamou sua atenção o quanto Jane parecia bem durante aqueles dias em NYC. Estava alegre, falante.  Acabou concordando. Uma vez ao mês, passou a acompanhá-la.

As descobertas aconteceram mais rápido do que ele poderia prever: Jane já tinha recebido propostas para assumir a presidência da ONG. E era nítido como ela parecia bem mais feliz ali.

A conversa era inadiável. Estavam deitados na cama quando ele decidiu trazer tudo da forma mais suave que pode.

— Por que não me contou sobre eles te quererem na presidência da ONG?

— Não achei necessário já que não poderia aceitar. – ela respondeu sem se mover do peito dele.

— Mas é uma grande oportunidade.

— Uma oportunidade que exigiria mais responsabilidade e mais tempo em NYC.

 - O trabalho deles me surpreendeu. E grande parte disso se deve a você.

Ela se agarrou mais ao peito dele e continou:

— Eu sei. Isso me faz muito bem. Mas manter tudo como está é a única forma de conciliar isso com o Colorado. – disse firme para demonstrar sua determinação em manter tudo como estava.  

Kurt também se sentou e resolveu jogar limpo:

— Eu gosto do quanto isso te faz bem. Mas sinto sua falta toda vez que você viaja.

— Eu também sinto muito sua falta quando estou aqui sozinha.

Assim seguiram, com as idas de Kurt para NYC cada vez mais frequentes. Patterson tinha razão. Estar ali era bom e aliviava a tensão com Connor.

Eles estavam em ali quando aconteceu. Jane estava tensa já há alguns dias. Ao final de um dia intenso de trabalho na ONG, ela resolveu se abrir.

— Precisamos conversar.

Kurt já esperava por aquilo. Abandonou a louça que estava retirando da mesa sobre a pia, voltou até o balcão e sentou-se numa das banquetas:

— Percebi você tensa já tem alguns dias. O que está acontecendo.

Jane foi até a bolsa e retirou a caixa com o teste de gravidez. Um sorriso iluminou o rosto de Kurt.

— Quantos dias? – perguntou já empolgado.

— Cinco dias. – ela disse tensa. – Eu pensei em fazer isso sem você. Mas não acho justo. Por isso, precisamos conversar sobre como vai ser.

Ele se levantou e caminhou até ela:

— Janie, seja qual for o resultado... – e foi silenciado pelos dela selando seus lábios.

— Não, Kurt. Eu preciso que você escute. Ter um filho com você é mais que um grande sonho, mas...- e respirou fundo – cada negativo tem sido um verdadeiro pesadelo pra mim. Amo você e amo Bethany, mas toda vez que você diz que ter ela nos basta, dói. Eu tive uma filha, Kurt. Arrancaram ela de mim e nunca mais a tive de volta. Nenhum aniversário, nenhum evento como o primeiro dente, o primeiro passo, o primeiro dia de escola estão lá. Só existe um enorme vazio. Na vida de Avery, existe uma outra mulher lá como mãe. Assim Bethany também tem uma mãe e essa mulher não sou eu. A cada negativo, eu tenho um bebê arrancado de mim novamente e me resta só estar lá sem ser mãe, entende? Eu não vou ter o seu sorriso mais lindo porque tivemos o nosso bebê. Eu não vou poder tomar decisões sobre nós três. Só vai me restar estar ali do lado, como expectadora, desfrutando dos momentos que sobrarem depois do meu fracasso.

Aquelas palavras caíram sobre ele com todo o seu peso. Ele sempre achou que a comvivência com Bethany bastaria pra sarar qualquer ferida dela.

— Eu nunca pensei que você se sentiria assim. Sempre tentei te dar espaço, viver tudo não só com Bethany, mas também com você.

— E você conseguiu. Tanto você quanto Allie foram incríveis em me incluir. Mas você não pode abrir mão de ser o pai e Allie de ser a mãe, nem devem! Ela é filha de vocês dois, não minha. Querer mudar isso não é certo. Seria diferente se Allie fosse uma mãe ausente, mas ela não é. Então, me colocar como mãe nessa relação não é só uma romantização banal, como também é errado. E o fato de você já ter uma filha não supre o desejo que eu tenho de ser poder viver o a maternidade que foi arrancada de mim.  

— Você devia ter me falado sobre como você se sentia antes. Eu teria entendido.

— Mas eu teria te roubado um pedacinho do seu paraíso, e eu já me sentia tão no vermelho com você. E também quero falar sobre isso agora, antes desse resultado. O Colorado me traz uma alegria que nada mais me traz: te ver feliz. Eu realmente achava que poderia me sentir completa só por isso. Mais ainda, eu me sentia no dever de dar isso a você. Mas aquela mistura bizarra de fazendeira e dona de casa não é o que eu sou, entende? Preciso estar aqui, me sentir viva e útil pra poder lidar com meu passado. Isso aqui faz tanta coisa ter sentido, poder ajudar essas pessoas...  Sou boa nisso. Dá certo pra mim. E eu não sei como vou conciliar isso com um bebê se esse resultado for positivo. Eu sinto muito. – e não conseguiu mais conter as lágrimas.

Kurt a abraçou compartilhando um pouco das dificuldades que teriam pela frente independentemente do resultado. Ficaram um pouco ali, nos braços um do outro. Então ele disse:

— Vamos enfrentar isso da forma que sempre fizemos: juntos e um passo de cada vez. O primeiro é saber se temos ou não um bebê a caminho, certo?

Jane se soltou dele, endireitou a postura e respirou fundo.

— Certo.

Os dois secaram as lágrimas um do outro. E ela entrou no banheiro para coletar a urina.

Três minutos depois, todos os problemas pareciam pequenos pois não havia felicidade maior do que a deles.

Trinta e quatro semanas depois, em pleno 12 de junho, o sol de verão novaiorquino foi ofuscado pela chegada de Ian e Taylor Weller.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? E se você pudesse tirar o último páragrafo e criar um outro final, como seria? Que decisão faria o casal tomar?
Muito obrigada pela leitura.



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