Coração que Cura escrita por Carolina Muniz


Capítulo 7
6


Notas iniciais do capítulo



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× Capítulo 6 ×

Ana ainda estava em choque pela visita tão inesperada que apenas saiu do transe quando o outro falou.

— Oi - murmurou ele.

A morena sorriu novamente, de forma automática. Ele parecia sem graça. E na verdade era engraçado ver um homem feito, daquele tamanho, de terno e gravata, sem graça.

— Como... Como você? - questionou ele.

Era uma pergunta aceitável para alguém que estava numa cama de hospital? Pelo menos ele não perguntou "você está bem?".

— Huum... Acho que bem - respondeu ela. - E os seus pais?

Christian franziu o cenho enquanto se apoiava no ferro da cama.

— Eles estão bem. Eles não estavam doentes, viemos apenas visitar uma pessoa.

— E essa pessoa está melhor?

Christian mordeu o lábio inferior. Ele ao menos conseguia entrar no quarto em que sua irmã estava, falar dela era tão difícil quanto.

Então ele apenas balançou a cabeça e engoliu em seco.

Ana entendeu.

Claro que ela entendeu. Estava num hospital, afinal.

Ela passava por aquilo constantemente, passava por coisas que era difícil falar mas tinha que viver. E ela conhecia pessoas que apenas não gostavam de falar sobre aqueles momentos, ela apenas esperava passar.

Ana não conseguia ser daquele jeito, ela não conseguia apenas não falar sobre.

Ela não se sentia melhor por aquilo.

Porque, para ela, ser forte mesmo era agir em silêncio. Ela sempre admirou quem não espalhava por aí a dor que sente, quem não se fazia de coitado por conta da vida complicada, sabe? Todo mundo tem a vida complicada, todo mundo está passando por um momento difícil. Ana sempre achou bonito aqueles que não espalham as suas benfeitorias também, que não saem gritando suas alegrias. Sempre achou incrível o silêncio de deixar as coisas acontecerem e aparecerem por si só.

— Sinto muito - sussurrou.

Christian lhe deu um sorriso de lado.

Eles não se conheciam, sequer conversaram por mais do que meia hora. Mas ele não de lembrava da última vez que se sentiu tão confortável na presença de outra pessoa.

— Por que não veio antes? - ela perguntou de repente.

Christian coçou a busca distraidamente.

Não tinha uma desculpa aquilo.

— Ah, bom, na verdade eu não sabia se deveria mesmo vir.

Ana franziu o cenho.

— Por que? - questionou.

Entenda, ela não tinha muito senso de vida comum, para ela as coisas eram do jeito que eram. 

Não importa se ela acabou de conhecer um homem e não sabe nada sobre ele, se ela se sente confortável na presença do outro, ela vai querer que ele volte e não se importará de estar em seu quarto com ele sozinha. E para ela, ele deveria sentir o mesmo.

— A gente nem se conhece - disse o óbvio.

Ana riu.

— As pessoas nascem sem se conhecer, para você conhecer precisa conversar, é assim que funciona. Todo mundo é estranho para todo mundo.

O outro levantou uma das sobrancelhas para a inteligência da garota. Ana parecia ter uma visão diferente do mundo, inocente ao ponto de talvez nunca ter conhecido a maldade que existia lá fora. E aquilo encantava Christian.

Deveria encantar o mundo.

— Então... Vamos nos conhecer? - Ana sussurrou.

×

Christian voltou no outro dia, e no outro também. Até que no terceiro dia, ele realmente pôde ver o quanto tudo aquilo afetava Ana. Era estranho, mesmo com a garota num quarto de hospital, ele nunca conseguia realmente se sentir num quarto de hospital. Até aquela sexta feira, ele havia ido levar sua mãe -  que não estava se sentindo preparada para dirigir - com Taylor, e apenas seguir para o quarto da morena.

Ana estava com o cabelo enrolado de um jeito bagunçada, olheiras profundas e o rosto inchaço, o pijama - como ela sempre estava - parecia combinar consigo naquele momento com a camisa: i hate the word; e a calça de moletom cinza.

Ana não estava bem, era óbvio.

Seu tom pareceu aéreo quando ela disse "entre" assim que ele bateu na porta, e ele pôde confirmar quando viu a garota sentada na cama de qualquer jeito, ainda com os eletrodos em seu peito como sempre, os fios sendo visíveis ligados ao monitor.

O quarto parecia ter sido revirado, havia papeis amassados e rasgados no chão, as almofadas do pequeno sofá de canto estavam espelhadas também, e até o notebook branco cheio de figurinhas parecia estar num dia ruim enquanto tinha sua tela contra a parede e o teclado do outro lado.

— Hora ruim? - perguntou, sem querer forçá-la. 

Ana balançou a cabeça e o encarou. A morena coçou os olhos assim que Christian se sentou na beira da cama.

Seus pais haviam acabado de sair dali, sem conseguir disfarçar, após o doutor Jackson dar uma sentença quase final sobre seu caso.

Ela estava mais fraca, podia sentir, os bips de seu coração estavam mais lentos e baixos a cada vez. Mas o pior de tudo eram seus pais, era como se seus corações estivessem parando também.

A pior parte de ver quem você ama sofrendo é não ser capaz de ajudar, exceto por tentar não piorar.

Na maioria das vezes Ana apenas tentava ao máximo se manter numa boa com a situação de sua vida. É que se ela desabar em cada obstáculo que aparecer, nunca iria conseguir viver, superar. Mas realmente tem obstáculo que chega para abalar todas as suas convicções de certo e errado. Fazendo você perder suas ideologias e assim, perder o sentido de tudo. E superar isso é difícil. Você não sabe para onde ir ou o que fazer, ou muito menos se deve fazer ou não. Não sabe se deve encarar o mundo mesmo não tendo certeza de nada, ou se deve ficar deitada o resto do vida apenas esperando que ela acabe.

— Tem um coração perfeito na lista - ela começou. - Uma garota, ela está em coma, precisam da autorização da família agora. Mas a família ainda não decidiu, e pelo visto eles não vão autorizar. Eu entendo que é difícil, sabe, ela não está morta, está em coma, pode acordar algum dia. Mas ela também pode não acordar. Eles decidiram pelo benefício da dúvida, eu acho. Quem pode julgá-los? Mas ainda assim... É só difícil para mim também. Meus pais estão lá embaixo chorando para não fazerem isso na minha frente, eles estão chorando porque esperam que outros pais desistam da própria filha para a deles viver - ela despejou tudo de uma vez, já não aguentando ter que guardar tudo dentro de si.

Christian abriu a boca, mas nada saiu. O que ele poderia dizer, afinal? O que se diz numa situação dessas?

Então ele apenas se levantou e foi até ela, pensando como algum dia iria tirar a imagem dos olhos de Ana cheios de lágrima de sua cabeça.

— Eu sinto muito - disse, tocando os lábios em seu cabelo.

A garota deixou a cabeça cair até encostar a testa em seu peito, sentindo o cheio bom que Christian sempre tinha, totalmente diferente de remédios e desinfetante. O coração dele batia rápido e forte - de um jeito que o dela nunca bateu - de forma que a fez suspirar e fechar os olhos, apenas se concentrando nas batidas.

Logo sentiu a mão do outro em seu cabelo, acariciando os fios totalmente embolados num elástico. Ela ao menos havia se dignado a escovar o cabelo naquela tarde, e só havia tomado banho porque se sentiu nojenta após suar no sono de algumas horas que teve.

Um pesadelo.

Havia um longo tempo que ela não os tinha. Mas os acontecimentos dos últimos dias desencadearam tudo de ruim em seu cérebro.

Mas ali, naquele momento, tudo sumiu. Christian fazia aquilo com ela: a fazia esquecer dos pesadelos.

Okay, ela ao menos o conhecia tanto assim para se sentir daquele jeito, e mesmo não sabendo quase nada do mundo sem pelos livros e tendo apenas 19 anos, Ana sabia que aquilo era ingênuo e ridículo.

Mas não era aquela coisa de conto de fadas, não era coisa de livro clichê, era real. E aquele tipo de coisa acontecia mesmo o tempo todo por aí. Algumas pessoas fazem com que sua risada fique um pouco mais alta, o seu sorriso um pouco mais brilhante e sua vida um pouco melhor. Algumas pessoas fazem você esquecer das coisas ruins.

Ana abriu os olhos e encarou os do outro, ainda sentindo seu cabelo sendo acariciado, e agora uma das mãos de Christian estavam em seu queixo, tocando gentilmente.

Pela primeira vez na vida, Ana imaginou como seria ser beijada.

A porta sendo aberta os fez se afastar imediatamente. O Sr. e a Sra. Steele estavam ali, junto do doutor Jackson.

— Ah, não sabia que tinha visitas, querida - a Sra. Steele murmurou, claramente forçando um sorriso.

Ana virou o rosto, tentando limpá-lo antes que seus pais o visse.
Christian tomou a frente, ficando de costas para garota, afim de escondê-la enquanto a mesma se recompunha.

— Sou Christian Grey, é um prazer conhecê-los, Sr. e Sra. Steele - estendeu a mão, que foi apertada de bom grado pelos pais de Ana.

— O prazer é todo nosso, já ouvimos falar de você, querido. E me chame de Carla.

— Ana não consegue parar de falar, na verdade - seu pai denunciou.

A garota nem teve tempo de ficar vermelha, pois o médico já estava de seu outro lado.

— Ana, como se sente?

Christian se virou também.

Era o médico que cuidava de sua irmã, agora percebera.

Foi como um clique em seu cérebro.

Ana precisava de um coração... Sua irmã podia doar um coração.

Uma garota, dezenove anos, passou a vida esperando por um coração - a voz do médico de mais de uma semana atrás ecoou em sua cabeça.

Era possível que o destino fosse tão cretino? A vida não era tão filha da puta assim, era?

Seria coincidência demais ele simplesmente acabar conhecendo a garota que talvez receberia o coração de sua irmã.

× ×


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Notas finais do capítulo

xoxo



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