Pão de Mel escrita por Swimmer


Capítulo 5
5. Capital




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Na manhã de quinta-feira, Laura ajudava a mãe a preparar o café da manhã. No bairro vizinho, a família de Guilherme também se organizava para comer, mas o clima na cozinha era um pouco diferente.

Miguel se preparava para ir trabalhar e via um vídeo no celular enquanto comia um pão com manteiga. Guilherme colocou cereal em duas tigelas e leite apenas para ele, a sobrinha odiava a combinação. A menina buscou duas colheres na gaveta e eles se sentaram lado a lado.

—Terminou a tarefa? - ele perguntou.

—Talvez - ela colocou uma colherada de cereal na boca.

—Talvez? Não quero ver nota baixa, dona Mel - ele negou com a cabeça.

—Mas você nunca faz sua tarefa, tio Gui - ela o encarou, o rostinho inocente não enganava o garoto.

—Você é criança, eu sou grande. Criança tem que fazer a tarefa - ele falou.

—Isso não é… - ela colocou outra colherada na boca, começou a mastigar e fez uma careta. - Pai, meu dente tá doendo.

Miguel pausou o vídeo e olhou para a filha pela primeira vez naquela manhã, ficou em silêncio, encarando-a, era como se seu cérebro precisasse de um tempo extra para processar a informação.

—Você não me vem com dor de dente, Melissa. Não tenho um centavo pra gastar esse mês - o homem falou, ríspido. Ele se levantou e saiu da cozinha, murmurando sobre como as coisas eram mais difíceis quando ele era criança.

Mel não respondeu, ela sabia que o era o melhor a fazer quando o pai estava de mau humor, mas a careta de dor não passou batida pelo tio.

—Deixa eu ver isso aí - Guilherme apontou e ela abriu a boca. Melissa tinha sido premiada com uma cárie. - Tá doendo muito?

Ela assentiu.

—Não se preocupa, eu vou dar um jeito - ele disse.

—Vai? Como? - ela pegou uma colherada do cereal dele. A dor devia ser muito grande para que ela comesse o desprezado cereal com leite.

—Isso aí é comigo - ele se levantou. - Termina de comer logo que a gente tem aula.

Gui pegou a mochila no quarto, guardou os fones de ouvido no bolso e pegou o celular. Passou pelo espelho no corredor e parou para olhar o próprio reflexo. O cabelo escuro estava bagunçado, como sempre, entretanto ele não arrumou, gostava assim. O nariz já tinha voltado ao seu tamanho pré-luta, mas algo lhe dizia que isso não duraria muito tempo.

Assim que Melissa terminou de comer, os dois saíram da casa e ele andou com ela até a escola.

—Tchau, Gui - ela gritou enquanto corria para dentro do prédio com a mochila balançando nas costas.

Se Mel tinha se esquecido da dor de dente, Guilherme não esquecera. Tirou o celular do bolso e foi digitando uma mensagem para Felipe enquanto andava em direção à própria escola.

Preciso de grana, vou arrumar uma luta pra hoje. Divulga pro pessoal da sua faculdade” digitou e enviou. Felipe não veria a mensagem pelas próximas horas, ele sempre acordava tarde.

As aulas correram normalmente durante a manhã, Guilherme ficou acordado durante todas elas, não só porque tinha ido dormir cedo na noite anterior, mas porque ficava pensando em Mel. Ele resolveu todos os exercícios que a professora de matemática passou em metade dos trinta minutos que ela tinha dado a eles.

Ao contrário do que seus colegas e professores pensavam, Guilherme era ótimo com todas as matérias, principalmente matemática. Em geral, ele só estava cansado demais para prestar atenção nas aulas, em outras ocasiões, ele simplesmente não se importava. Às vezes a matéria era interessante, mas a cara debochada do professor, querendo mostrar que sabia mais e era superior a todos eles, era desanimadora.

No intervalo, ele foi se sentar na arquibancada da quadra de esportes, como fazia quase sempre. Aline não tinha vindo à escola porque estava com dor de cabeça, o código deles - e do resto do universo - para ressaca.

A comida da escola era um absurdo de tão cara, o rapaz trazia seu próprio lanche de vez em quando. Aline achava graça, mas era mais sensato que pagar quatro reais em um salgado minúsculo. Ele tinha acabado de abrir a embalagem com o resto do bolo de chocolate que comprara para a sobrinha no dia anterior quando um menino se aproximou dele.

—Tio, você quer comprar bolo? - perguntou.

Guilherme o estudou antes de responder. Devia ter uns dez anos, era magricela e tinha o cabelo grande demais, mas não o suficiente para ser considerado longo. Estava segurando uma caixa cheia de potinhos de bolo.

—Não. Vaza - disse.

—Por favor, tio. É pra consertar o escorregador do parquinho - ele fez um biquinho.

Era engraçado como os alunos do primário chamavam qualquer um que fosse um pouco mais velho de tio. Nem Melissa fazia isso sempre, e ela tinha motivos reais e biológicos para chamá-lo assim.

—Eu já tô comendo bolo, moleque. Agora vai embora daqui antes que eu me estresse com você.

Gui sabia ser ameaçador quando queria, o menino se virou, desceu os degraus devagar e saiu correndo até um dos cantos da quadra, onde se juntou a outras três crianças. Volta e meia os professores decidiam que era uma ótima ideia fazer os pestinhas venderem coisas pela escola para consertar ou comprar alguma coisa. Como se não fosse difícil o suficiente para os alunos do ensino médio conseguir fundos.

A mensalidade que eles pagavam ali devia ser mais que suficiente para pagar essas coisas, mas aparentemente não era. Os alunos não reclamavam, então as coisas só continuavam daquele jeito.

No testamento, os pais de Guilherme tinham deixado uma quantia de dinheiro reservada para, e apenas para, sua educação. Era esse dinheiro que pagava a escola. O resto da herança só poderia ser usada quando ele fizesse dezoito anos. Não era muito dinheiro, Miguel já gastara toda a sua parte e teria gastado a do irmão também, se não fosse o testamento.

Ele era grato aos pais por terem pensado nisso, mas, por outro lado, poderia usar seu dinheiro com coisas importantes, como o dentista da sobrinha. Mal podia esperar por seu aniversário e para poder se livrar do irmão. Não tinha certeza se o faria, no entanto. A ideia de deixar a menina sozinha com Miguel não lhe agradava.

A últimas aulas foram tão chatas quanto as anteriores. Quinze horas pareciam ter se passado quando a professora disse que podiam sair. Guilherme guardou o material na mochila lentamente, tinha muitas horas para se preparar para o evento desta noite e dois dos garotos para quem mandara mensagem tinham respondido afirmativamente sobre lutar com ele.

—Guilherme? - Laura chamou. - Podemos conversar?

Ela estava atrás dele, com um livro em uma mão e segurando a alça da mochila com a outra. Parecia tão descontente com a conversa quanto ele.

Guilherme deu de ombros e apontou a porta, começou a andar para fora e ela foi atrás.

—Você tá livre amanhã?

—Por que? Quer me levar pra jantar, Laurinha? - ele riu.

—O que? Não! - ela parou de andar por um segundo e o encarou, ele tentou não levar para o lado pessoal a cara de surpresa que ela fez. - Vamos fazer os pães de mel amanhã e você tem que estar lá.

—Tinha até esquecido dessa merda. Se pelo menos eu pudesse usar o dinheiro com a Mel, eu… - ele se interrompeu, percebendo o que tinha acabado de dizer. Não queria ninguém naquele lugar falando de sua vida, muito menos dos problemas com Mel. Já lhe bastava Aline.

—Mel? Quem é Mel? - Laura perguntou.

—Não é da sua conta- ele disse sem pensar muito. - Onde vai ser esse negócio?

—Na minha casa.

Eles passaram pela porta e caminharam pelo pátio. Eram parte dos poucos alunos ainda do lado de dentro do portão.

—E onde é sua casa? Sou ótimo em muitas coisas, mas ainda não aprendi a arte da adivinhação.

—Você sabe onde fica o mercado Sales? - ela olhou para cima, como se tentasse fazer uma imagem mental do caminho.

—Porque você não me manda uma mensagem com o endereço? Ia ser muito mais fácil.

—Anh… Por que quando o Bart pediu seu número pra te colocar no grupo da formatura, você disse que só faria isso quando o diretor Lopez viesse pra escola de saia? - ela disse como se fosse óbvio e terminou com uma risada incrédula.

—É, eu disse isso mesmo - ele assentiu. - Seguinte, me dá seu celular - ele estendeu a mão, ela pegou o aparelho no bolso da calça e entregou. Guilherme digitou o número e salvou com seu nome e um coraçãozinho no final. - Nada de grupos.


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