Pão de Mel escrita por Swimmer


Capítulo 2
2. Apostas




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O porteiro do prédio já conhecia Guilherme e nem o anunciava mais. Não que isso tivesse acontecido muitas vezes, o prédio era antigo e mal cuidado, o homem recebia um salário pequeno e não ligava para quem entrava desde que a pessoa não parecesse ter saído direto de um manicômio.

O garoto andou até a escadaria e desceu para o porão. Ele conhecia o caminho e sabia qual degrau barulhento evitar mesmo com a iluminação baixa. A única luz vinha de algumas lâmpadas de LED estrategicamente instaladas para dar um clima misterioso ao ambiente.

—E aí, cara? - Felipe cumprimentou.

Guilherme respondeu com um aceno de cabeça e caminhou até a parte do cômodo separada por uma cortina de plástico, deixou a mochila e o resto de suas coisas eu um dos armários improvisados - que na verdade eram racks velhos - e se trocou ali mesmo. Guardou a calça jeans e vestiu uma de algodão, tirou a jaqueta e ficou só com a camiseta cinza que usava por baixo. Deixou também os tênis ali e se reuniu aos outros dois rapazes.

Felipe e Carlos lhe ofereceram uma cerveja, mas ele não aceitou. Ingerir álcool agora tiraria sua concentração e nenhum dos três queria que isso acontecesse.

As pessoas logo começaram a chegar, inclusive Aline, a única amiga do rapaz. Eles não eram super próximos nem nada, só andavam juntos porque era conveniente, nenhum dos dois gostava de falar de suas vidas particulares e tinham interesses em comum.

A garota atravessou o cômodo checando o batom vermelho na tela do celular, usando o aparelho como um espelho. A cor combinava com as mechas de seu cabelo, que mudavam praticamente todo mês. Ela se aproximou de Guilherme e lhe deu um beijo sem realmente encostar na bochecha, ela sabia o quanto ele odiava batom no rosto.

—Ele chegou - Felipe sussurrou para Guilherme, apontando um garoto perto da porta.

Seu oponente da noite era alto, musculoso e tinha cabelo castanho claro. Três garotas e um garoto já estavam em volta dele com sorrisos maliciosos. Mais um dos convencidos, a disputa desta noite seria fácil. Nada como a de duas semanas antes, o último garoto tinha lhe empurrado contra um cabideiro, deixando-o com alguns hematomas que seriam bem difíceis de explicar na escola, por isso estava usando sua jaqueta para sair de casa desde então.

Guilherme acenou para Felipe, o sinal de que daria conta daquilo e ainda teriam tempo de sobra pra buscar um lanche.

Umas trinta pessoas se reuniram ali, deixando uns três ou quatro metros no centro para os dois garotos, que agora se encaravam de frente a frente. Felipe pediu a atenção de todos, explicou as regras e fez o grupo contar com ele, quando disse “valendo”, a luta entre os dois começou.

A teoria de Guilherme sobre o outro ser convencido foi comprovada em menos de cinco segundos, quando foi o primeiro a atacar. Guilherme desviou do primeiro golpe, do segundo e do terceiro.

Tentou acertá-lo no rosto mas ele desviou a tempo. A plateia gritava os nomes dos garotos e vibrou quando Sérgio acertou o ombro de Guilherme. Sérgio não tinha cara de Sérgio, talvez Saulo. Não importava seu nome, era melhor de briga do que seu oponente esperava, mas nada que o preocupasse.

Guilherme já sabia o que fazer, os dois passaram uns dez minutos ali, acertando um golpe de vez em quando. Sérgio ergueu o braço e o aproximou do rosto Guilherme, que demorou um segundo a mais para desviar. Ele sentiu o líquido quente saindo de seu nariz e escorrendo lentamente pelo rosto.

Ele sentiu a dor se espalhar mas ignorou, era parte de seu plano. Se concentrou em Sérgio, ele sorria para a multidão, orgulhoso de si mesmo. Quando as pessoas ficam confiantes demais, elas ficam mais vulneráveis. Ao desferir o próximo golpe, Sérgio se abaixou demais, criando a oportunidade perfeita para que Guilherme o derrubasse e o imobilizasse, ganhando a luta.

—Gui Almeida, senhoras e senhores - Felipe gritou, mais alto que os outros. - Nosso vencedor.

Guilherme soltou o rapaz, eles apertaram as mãos - nenhum deles feliz com o gesto - e se afastaram. Sentado em um dos sofás de veludo velhos, Guilherme aceitou a cerveja que Aline trouxe para ele.

—Levanta daí, minha amiga quer sentar - ele falou para um garoto magrelo que, depois do que tinha acabado de ver, nem protestou, só saiu com o amigo, deixando o sofá livre. - De nada.

—Eles morrem de medo de você - Aline riu e se jogou ao lado dele, colocou as pernas no colo de Guilherme, mas ele imediatamente a empurrou. - Tão chato - fez uma careta e piscou os olhos carregados de maquiagem escura. - Vai ficar por aqui?

—Não, tenho que ir pra casa ficar com a Mel - ele bebeu um gole da cerveja.

—Mel, Mel, Mel, parece que você só fica com a Mel, ultimamente - Aline reclamou.

—Por que você não vai enfiar a língua na boca da sua namorada e me deixa em paz? - Guilherme ligou a tela do celular e abriu um aplicativo para não ter que falar com Aline.

Os dois não tinham um código de conduta específico a seguir, mas ela sabia muito bem que não devia falar de Mel.

Carlos apareceu alguns minutos depois, com um saco de gelo. A maior parte das pessoas já tinha ido embora, algumas até tinham parabenizado Guilherme pela luta.

Guilherme sentiu a dor voltar quando encostou o pacote de gelo no nariz. De algum jeito, tinha esquecido, provavelmente tinha algo a ver com o fato de que apanhava quase toda semana. Percebeu que a camiseta estava manchada de sangue, teria que lavar logo ou seria difícil tirá-la.

Felipe se sentou no braço do sofá, com um bolo de dinheiro na mão, contou e deu metade para Guilherme. Com o dinheiro na carteira, ele se despediu de todos, deixou a garrafa de cerveja numa mesinha, pegou suas coisas e foi embora.

A ideia de fazer apostas em lutas fora de Felipe e os quatro faziam isso há um tempo. Uma parte dos lucros era de Felipe, outra do vencedor e outra para quem indicasse o vencedor, desse modo, Aline e Carlos também saíam ganhando.

Aline apresentara Guilherme para os outros dois, que faziam faculdade na cidade vizinha. Como Guilherme vencia a maioria das lutas que participava e sempre precisava de dinheiro, levar uma pancada de vez em quando valia a pena e ele sempre conseguia alguém disposto a competir.

A casa dele ficava a apenas vinte minutos do prédio de Felipe, o vento frio do começo de noite fez a jaqueta lhe ser útil pela primeira vez em meses. Ele tirou as chaves da mochila quando chegou na frente da casa, abriu o portão e depois a porta da frente.

—Gui? - ele ouviu a voz dela antes mesmo de fechar a porta.

—Sou eu - ele gritou e ouviu o barulho de passos se aproximando.

Ele jogou a mochila no sofá e sentiu dois braços lhe apertando em volta da cintura.

—Aprontou muito hoje, pirralha? - ele abriu um sorriso e bagunçou o cabelo escuro da menina.

—Não, eu me comportei direitinho - ela o soltou com uma careta, mas logo abriu um sorriso com um dente faltando ao perceber que estava brincando.

—Acho bom mesmo, eu não estou em condições de limpar a casa hoje não - ele jogou a jaqueta em cima mochila e foi andando em direção à cozinha.

—Gui! - ela gritou, de repente, horrorizada. - O que é isso na sua camiseta? É sangue? Você tá bem? - perguntou com a voz cheia de preocupação.

Ele ia dizer que tinha caído ou algo assim, mas já tinha contado uma história parecida para ela sobre os círculos roxos nos braços.

—É só tinta, Mel - ele disse sem olhar para ela, concentrado na água que saía da torneira enquanto lavava as mãos. - Me sujei fazendo um trabalho da escola - como se ele fosse fazer algum trabalho que exigisse tinta. - Você já comeu?

A menina negou com a cabeça.

—O pai disse que tinha acabado o arroz, que já sou grande e que era pra eu me virar - ela deu de ombros.

O irmão dele era um babaca de primeira categoria. Só Miguel diria para uma menina de dez anos “se virar” para comer. Guilherme secou as mãos e pegou uma embalagem de macarrão no armário.


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