A possessão de Grenouille foi aos poucos ficando mais disfarçada. Se ele a assustasse ia acabar fazendo com que se afastasse dele. E uma vez assustada o cheiro de seu medo iria estragar seu olor naturalmente divino.

Os dias se passando e ele segundo a vista dela havia voltado ao normal, mais cavalheiro gentil e surpreendentemente amável. Ele a tocava de uma maneira única, com uma suavidade esplêndida, como se tivesse medo de quebrá-la. Aos poucos o “casal” ganhava intimidade, e aquilo tudo parecia o mais derradeiro sonho... e de fato era.

Grenouille não era capaz de amar... mas com a convivência humana aprendeu como se fazer amável, ou pelo menos o suficiente para Camille. Era algo estranho e intrigante; ao pronunciar falhas palavras e ceder o que a pessoa quer, já se caia em amores... Mas dessa vez era diferente. Uma jovem conseguira prender sua atenção, conseguira fazer com que ele se interessasse, que ele de certa forma a amasse. Não ela propriamente dita, claro que não! Mas sua essência, suas palavras, o hálito quente pronunciando palavras de amor sobre ele. Era um perfeito conjunto que formava a garota diferente.

E por essa perfeição ser absurda ele tinha medo. Medo que ela fosse atrás de outro que também fosse perfeito;alguém que ao contrário dele possuísse um aroma próprio, uma alma.

Absorto nesses pensamentos gélidos de abandono e possessão alheia de sua perfeição Grenouille sugeriu através de atos uma única vontade... Possuí-la por completo.

Não desta maneira que os rapazes faziam com suas moças, tirando-lhes o que mais tinham de valioso – sua castidade. Ah não! Queria ela intacta, pronta e sem nenhuma transformação.

- Camille...

- Diga? – Respondeu sorridente como sempre.

- Te quero para mim.

- Mas.. O que? – Ficou atônita. Amava-o, mas queria entregar-se apenas para seu marido – Jean;  sabe minha opinião sobre isso... Entregar-me-ei apenas ao meu marido.

- Não! Não nesse sentido...

- Em qual então?

- Quero que fique comigo para sempre.

- De novo esse assunto Jean? Assim você me assusta... – Disse sendo interrompida pelo abraço do rapaz – mas o que?.. – Novamente não pode terminar a frase, dito que a boca de Grenouille a impedia.

- Case-se comigo. –“ Droga! Não era esse o plano..” pensava consigo mesmo.

Mas talvez essa fosse a única maneira, de tê-la para si. Ela não queria prometer – típico de um ser sentimental – mas também não queria perde-lo; nada melhor que uma comunhão religiosa... Isso aos olhos dela, é claro.

- Como? Assim, do nada? Está louco? – Eufórica e preocupada a garota não sabe o que pensar. Há pouco ele estava sem pensar nela, e agora a pedia em casamento? Teria isso alguma coisa a ver com sua estranha vontade de possuí-la? Seria isso amor?

- Sim ou não? – Não estava nem ai pra como ela se sentia. Queria acabar com todo esse suspense; queria tê-la.

- Er... – Um turbilhão de idéias e pensamentos invadia-lhe a mente – Pode ser...

- Isso é um sim ou um não?

- sim.

Numa momentânea alegria do sucesso do começo do novo plano Grenouille a abraçou e beijou fortemente.

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O plano aos poucos foi escapando-lhe entre os dedos como o cheiro das pedras escapa do vento com medo de esvair-se. Camille amava Grenouille de todo o coração, e Grenouille... Bom, o simples fato de não ter se apoderado brutalmente dela já era uma demonstração de amor; pelo menos na visão dele.

Era como se o pequenino carrapato resolvesse virar vegetariano e aos poucos fosse tentando parar de viver à base de sangue. Da mesma forma Jean-Baptiste tentava viver à base de outros aromas concentrados que ao menos lembrassem o olor de Camille, e ele de certa forma estava gostando disso.

Tinha pouco a pouco se conformado com a idéia de esperar os três meses pedidos para o casamento, segundo a jovem era algo do tipo... ‘Preparação’ ou algo do gênero, não entendia muito bem . A família não concordava no começo, mas aos poucos pareceu se alegrar. Grenouille fazia o tipo mongol que não ia sequer machucar uma flor...

E estavam certos; Grenouille jamais faria mal a uma flor, desde que esta tivesse algum tipo de essência, porque qualquer coisa com cheiro era algo de valor.  Enquanto a filha deles tivesse um aroma, iria estar segura. E se dependesse de Grenouille, isso seria para sempre.

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Os três meses passaram voando, e a rotina de fazer diversos perfumes que lembrassem o cheiro de sua protegida havia se tornado um dos motivos de sua principal alegria. Fazia alterações e variações de cheiros que o levavam a júbilo. Pensava em como ela ficava quando triste, alegre, raivosa, rancorosa, temerosa... Pensava nela por completo, e depositava toda sua essência em flores e óleos que tentavam meramente bisar o aroma de Camille.

Além de tentar fazer traslados da jovem, Grenouille tentava encontrar um aroma para si. Um perfume que fosse percebido por todos, que dessem a impressão de...Ser humano àquela carcaça sem cheiro que era o corpo de Jean.

Fez diversas misturas,começando por tentar criar uma cópia do cheiro do homem. Sem floreios nem tentativa de melhorar; apenas copiar. Sem dificuldades conseguiu, tinha o cheiro de um homem qualquer; A diferença do tratamento que recebia foi eminente. As pessoas começavam a notá-lo, e melhor ainda, começavam a conversar com ele.

Até mesmo Camille o tratava ainda melhor do que antes. Queria toca-lo o tempo todo, e proferi-lo como seu; Não tinha mais medo nem desconfiança, pois cheirava assim como seu pai, o exemplo a ser seguido. Claro que Grenouille não era tolo nem nada, conhecia os padrões das pessoas, todos se baseavam no patriarca, então por que não ele também fazer isso?

Depois de ver o êxito de seu plano passou para uma nova etapa. Melhorar tal cheiro. Queria ter um olor tal qual perfeito ao de Camille, não não, isso seria impossível, mas queria aproximar-se o máximo possível. Almíscar, sândalo e bergamota eram apenas algumas das essências dispostas no jarro daquele líquido de ilusão.

A ilusão de criar um homem, com alma, com olor.

Assim como o esperado Jean-Baptiste foi bem aceito; E acabou por descobrir um novo passatempo e desejo; Criar novas fragrâncias que pudessem fazer o mundo melhor de se sentir.

- Camille, o que acha do cheiro deste mundo? – perguntou em um tom aéreo.

- Acho... Normal. Um pouco fétido em minha opinião. Os homens não se lavam, e o cheiro da feira não é dos melhores de paris. – Respondeu indecisa.

- Gostaria que o melhorasse... Para você? – Agora a voz já se tornara mais firme, o os orbes azuis encontravam as verdes em um ar de esperança.

- Podes fazer isso? – acrescentou descrente

- Posso criar recriar e melhorar qualquer odor... Menos o seu. – Seu olhar abaixou e desconcertado prosseguiu. – Camille, vamos passar uma vida lado a lado, e quero dar-lhe a sensação de perfeição do mundo semelhante a que você me dá quando estou ao seu lado – ele sorriu balançando a cabeça levemente e por fim a fitou.

Estava admirada com tais palavras; Sorria abobada pela declaração, ou quase isso, que tinha acabado de receber. Piscou demoradamente algumas vezes tentando fazer-se convencer de que aquilo era real, de que ele realmente queria passar a vida ao seu lado. Sem pensar abraçou-o e sentiu aquele aroma fabricado de Grenouille invadindo-lhe as narinas.

- Aceito o mundo que for, desde que esteja do seu lado. – sussurrou aos ouvidos de Jean.

Estremeceu, arrepiou, sentiu o sussurro perdurar pelo seu corpo tomando-o em êxtase. A respiração descompassada e o coração acelerado comprimido em seu corpo faziam com que Grenouille a desejasse mais.

*-*-*-*

O casamento foi em uma semana; O desejo de Grenouille só fez aumentar a cada dia que passava ao lado dela. Havia tomado-a como sua. Havia aprendido a querê-la não apenas pelo seu perfume, mas também pela sensação de bem estar que sentia ao lado dela.

Foram anos felizes. Anos em que Grenouille trabalhava arduamente tentando cumprir a promessa que fez de criar um mundo mais balsâmico. Camille sempre ao seu lado, dando-o motivos para continuar.

E assim passaram a vida, lado a lado. A perfeição aromática feminina postada  ao lado do homem que procurava a perfeição do mundo tentando fazer com que se equiparasse a dela.

Um conjunto estranho, formando uma união perfeita. 

     Fim