Proposal escrita por wldorfgilmore


Capítulo 1
Capítulo 1




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É comum associar as famílias londrinhas, em especial as que pertenciam à nobreza britânica, a uma posição contida, com integrantes reservados e com alto grau de boa educação. Se fosse possível descrever um estereótipo dos indivíduos que nascem dentro desse estrato, com certeza a maioria dos entrevistados descreveriam crianças polidas e requintadas, que desde cedo possuiam um tom de voz cortês e agradável. Mas, dentro do universo dos Williamson, aquilo seria um grandíssimo equivoco, começando por os gritos de uma pequena menina que descia as escadas correndo, acompanhada por outra criança do sexo masculino, os passos duros e rápidos das crianças causavam um som estrondoso na sala silenciosa.

— Mamãe! Mamãe! – chamava a garota, com um tom de voz esganiçado. – Mamãe!

Quando chegou ao último degrau, a menina correu para as pernas de mãe. Ofélia olhou para a filha, que já puxava a saia do seu vestido, impaciente.

— O que foi menina? - perguntou Ofélia.

— É mentira, tia Ofélia. É tudo mentira. Elisabeta sempre gostou de inventar histórias bobas! – O menino que chegava às pressas atrás da pequena Elisa tratou de defender-se, mesmo antes de qualquer reclamação.

— Não é mentira! Você que é um mentiroso. E bobo. E... – a menina rosnava. – Muito bobo.

Ofélia, que já estava acostumada com as brigas das crianças, revirou os olhos. Ela já imaginava o que estaria por vir. Era a mesma coisa todos os dias. E mais de uma vez ao dia.

— Mamãe! O Charty arrancou a cabeça da minha boneca! Isso não é justo! Ele arrancou e desenhou esse bigode com a pena. – Elisabeta mostrava a boneca para a mãe. O menino realmente havia feito um estrago.

— Charty? – perguntou Ofélia, ignorando as reclamações comuns de Elisabeta.

— Isso! – Elisabeta respondeu, olhando para Darcy, que a fuzilava com o olhar. – É uma mistura de chato e Darcy. Combina muito com o intrometido. – a pequena levantou o rosto, oferecendo um olhar superior ao menino.

— Elisabeta, não provoque seu primo! – reclamou. Darcy colocou a mão na boca, escondendo uma risada.

— Mamãe! É pra você brigar com esse menino feio e não comigo. – as sobrancelhas da menina se juntaram em uma expressão raivosa. Mesmo pequena, ela tinha uma personalidade extremamente forte.

— Eu não sou feio! – Darcy protestou. – Você que é uma magricela.

— Eu não sou magricela!

— É sim. Uma boba, feia e magricela! E que brinca com bonecas tão magricelas quanto você! - Darcy arrancou o resto da boneca sem cabeça da mão de Elisabeta, tirou as pernas do brinquedo e acrescentou: - Pronto, agora emenda com as suas pra ver se você fica menos magricela.

Darcy mostrou sua língua para Elisabeta e saiu correndo em direção ao jardim.Ela disparou atrás do primo, gritando o apelido dado a ele.

— Charty, você me paga!

O jardim elegante da Mansão Williamson, com arborização rasa e bem cuidada, já era acostumado com a intensidade das duas crianças, que, mesmo em meio a brigas constantes, não se largavam por um minuto sequer. Se as flores que os vigiavam pudessem falar, confessariam que nunca haviam visto um Darcy sem uma Elisabeta o seguindo, mesmo que no final do percurso a menina distribuísse tapas e ofensas a respeito dele, que tinha total culpa no cartório.

Darcy e Elisabeta eram primos e sempre conviveram juntos, dividindo o mesmo espaço e, por vezes, até o mesmo berço. Darcy tinha cerca de dois anos quando a menina nasceu. E o nascimento de Elisabeta foi uma alegria sem igual para a família Williamson, não só por ser a primeira mulher daquela geração, mas por ser considerada uma companhia para Darcy, que sempre brincava sozinho nos primeiros anos de vida. Só que as coisas não saíram como o esperado: Elisabeta e Darcy tinham uma personalidade oposta. Eles eram como água e vinho. E claro que a menina era o vinho. Elisabeta era uma criança rebelde e, mesmo com a pouca idade, idealista. Darcy, por sua vez, sempre fora uma criança tranquila, mas com uma única ressalva: isso mudava quando a pequena menina dos olhos verdes e cabelos cor de mel estava perto. Darcy transformava-se em outro quando Elisabeta estava presente. Ele adorava irritar a prima. Arrancava a cabeça das bonecas, cortava o cabelo, riscava os desenhos que a menina fazia, além de, constantemente, insulta-la por as pernas finas que possuía.

Elisabeta não deixava barato. A menina roubava os carrinhos de Darcy, arrancando as peças para fazer pequenas casinhas para as suas cidades imaginativas. Ela adorava inventar um novo lugar para suas bonecas morarem, dizia que elas eram livres como os pássaros que transitavam no jardim. Mas claro que a brincadeira só durava até Darcy pisar em cima os brinquedos e espalha-los pela sala.

Finalmente, depois de rodarem em volta de toda a Mansão em uma correria nada silenciosa, as crianças tropeçaram em um par de pés atrás de um pequeno arbusto.

— Ai! – Darcy gritou ao cair no chão.

— Ai! – Outra menina gritou em conjunto.

Elisabeta caiu na gargalhada, apontando para a dupla sentada no chão.

— Dois bobos. – a menina balançou a cabeça, negativamente. Fazia uma expressão zombeteira.

O pequeno Darcy levantava-se do chão enquanto a outra garota reclamava:

— Ai, minha perna!

— O que faz no chão, Briana? Você quase quebrou todo o meu corpo. – O menino cruzou os braços, Darcy era um tanto exagerado.

— Vocês que tropeçaram em minha perna. – A garota de cabelos negros defendeu-se. – Eu estava desenhando. – mostrou a folha para os dois.

Elisabeta avaliou, levantando uma das sobrancelhas.

— Mentira, Darcy! Ela queria te derrubar, foi totalmente proposital. – pentelhou, colocando a mão na boca e escondendo a risada.

— Eu não fiz nada, Darcy! – Briana arregalou os olhos em direção a Darcy, mas logo olhou para Elisabeta, que não segurou a risada. – Sua chata! Ela está te enganando, Darcy! – acusou, enfezada.

Darcy revirou os olhos. Mesmo com a pouca idade, ele achava Briana uma chorona.

— Não faz esses olhos pra mim, Darcy! – Briana fez bico e examinou, os dois estavam com a respiração ofegante. – Porque corriam?

— Não te interessa. – Elisabeta respondeu, presunçosa.

Mas, nem um segundo depois, os olhos de Elisabeta e Darcy se cruzaram, cúmplices. Os dois disfarçaram um sorriso de canto.

— Tinha um monstro, bem grande. – Elisabeta abriu os braços.

— Enorme. – Darcy repetia o mesmo movimento.

— Do tamanho de um dragão que cospe fogo.

— E ele também cuspia fogo.

Briana olhava para os dois assustada, com as pequenas pupilas dilatadas.

— Sim, e era verde. Verde como uma gosma. E rastejava. – a de olhos claros fazia uma voz sussurrada.

— E ela repetia: “eu vou pegar crianças”. Eu vou comer as crianças. Com garfo e faca. – Elisabeta franziu a testa pra Darcy, ele realmente não sabia brincar. Mas continuou:

— E ela esta quase aqui. – Elisabeta bateu com o próprio pé no chão. - Está quase virando a ala sul. – Elisabeta deu ênfase, em uma voz mais forte e alta: - ALI!

Briana levantou-se em um pulo e gritou, assustada. As lagrimas já se faziam presente em seus olhos.

As risadas de Elisabeta e Darcy ecoaram pelo jardim. Elisabeta, que estava em pé, se jogou no chão com a mão na barriga, rindo alto. Darcy, olhava de Elisabeta para Briana, em um divertimento genuíno. A mais nova encarou a dupla, constatando que caiu em uma pegadinha:

— Vocês estavam mentindo? – Briana perguntou, cruzando os braços.

— Você é muito medrosa, Bruxiana! – Elisabeta encarou Briana.

— Eu não sou uma bruxa. Eu sou uma princesa, minha mãe sempre diz! Darcy, me defende! – Darcy já ria novamente. O apelido combinava muito com a prima. – Porque esta rindo de mim, Darcy?

— Você acredita em tudo, Bruxiana! – trocou outro olhar com Elisabeta. – Ops, Briana.

— Não me trata assim! Você não pode zombar de mim. Mamãe me disse que vou me casar com você quando eu crescer.

Elisabeta, que já estava vermelha devido as risadas, suspeitava que não tinha mais folego para tal. Mas foi involuntário seus olhos lacrimejarem com a gargalhada mais alta daquele dia saindo de suas cordas vocais, apontou para Darcy.

— Você vai se casar com ela! Bruxiana e Charty, até que combina. – a menina sorria abertamente para os dois. Darcy fechou a cara.

— Eu não vou me casar. Muito menos com ela!

— Mas eu sou bonita. Muito mais que ela. – apontou para Elisabeta, que continuava com um sorriso debochado.

Darcy, já sem paciência, ignorou Briana e segurou a mão de Elisabeta, puxando a prima:

— Elisabeta, vamos brincar de pônei? – perguntou, arrancando um gritinho de Elisabeta. A menina adorava cavalgar, mesmo que no espaço limitado que tinham na propriedade.

Elisabeta e Darcy correram, deixando Briana boquiaberta.

Mas, ao chegarem na ala sul, com o intuito de se dirigirem a um dos estábulos idealizados por Archiebald, a dupla foi impedida por Felisberto, pai de Elisabeta.

— Elisabeta, o que está fazendo aqui fora? – perguntou, com um tom autoritário.

— Estou brincando? – respondeu como se fosse óbvio.

Darcy olhava para os dois, atento a conversa.

— É, tio! Nós estamos brincando. Vamos andar de pônei. – explicou.

— Nada disso! Mocinha – apontou pra Elisabeta. – Eu te disse para se manter no seu quarto hoje e arrumar as suas coisas. Nós viajamos hoje.

— Viajar? Pra onde vamos, tio? – Darcy perguntou, empolgado. Ele amava viajar, principalmente para lugares em que tinham piscinas, era mestre na arte de empurrar Elisabeta.

— Você não vai, querido! – o homem  passou a mão no rosto de Elisabeta. – Nós vamos nos mudar! Eu, Elisabeta, Ofélia e as meninas!

— Se mudar? – o menino franziu a sobrancelha. – Mas vocês são minha família, porque não vão me levar?

— Você, seu pai e sua irmã ficarão aqui, assim como Briana e Margareth! – Felisberto explicou, Darcy fez bico.

— Não quero!

— E eu não vou, papai! Eu já te contei, eu sou grande. Sei me virar sozinha. – Elisabeta subiu o queixo, em uma expressão imponente. Felisberto achou graça, sua filha não parecia a idade que tinha.

— Isso, tio! A magricela é grande! – Elisabeta fulminou Darcy.

— Eu não sou magricela.

— É sim! – Darcy mordeu o pequeno lábio.

— Crianças, não comecem... – Felisberto sorriu para os dois, sabia que apesar de tudo, se gostavam bastante. Abriu a boca para falar, mas logo foi interrompido por a voz de Ofélia.

— Já achou Elisabeta, Felisberto? Nós precisamos ir! – falou a matriarca, mas logo avistou a menina ao lado do pai. – Eu disse que ela tinha ido nessa direção.

— Deveria ter parado.

— E eu lá posso com Elisabeta? – os três se aproximaram de Ofélia. – Vai viajar com essa roupa empoeirada mesmo.

Elisabeta mantinha a expressão fechada, alheia a conversa. Não queria ir para o Vale do Café, gostava de Londres. De sua casa, de seu quarto, de seu jardim. E, sem querer admitir, de suas brigas com Darcy. Olhou para o menino, que tinha um ar pensativo. Ele reparou no olhar da prima e encarou de volta. Darcy se aproximou de Elisabeta:

— Você poderia fugir. – sugeriu, o tom de voz era baixo.

— Ia ser legal. – a menina pensou na ideia, colocando a mão no rosto.

— A gente pode se esconder atrás da mansão do Noah King.

— Boa ideia! Mas como passamos por... – Elisabeta foi interrompida por Ofélia, que a segurou por a mão. Aparentemente, os planos das crianças não seriam realizados.

— Bom, temos que ir. – Felisberto disse. Todos estavam reunidos na sala.

A decisão havia sido tomada há um mês. Os negócios da família Benedito Williamson estavam em ascensão, e nada mais natural que se expandisse para além das terras londrinas. Felisberto fora o nome indicado para cuidar dos negócios no Vale do Café e ele aceitou de pronto. Era brasileiro e apaixonado por sua terra. Mas uma despedida era sempre triste, ainda mais quando se tratava de família. Todos se abraçavam e já demonstravam a saudade que sentiriam, mesmo que soubessem que as visitas seriam frequentes.

— Magricela. – Darcy chamou Elisabeta, a mãe ainda segurava a mão da filha. Não podia confiar em Elisabeta.

— O que foi, Charty?

— Não é pra deixar ninguém mais puxar seu cabelo. – o menino avaliou. – E nem quebrar suas bonecas. – completou. Elisabeta sorriu.

— Não é pra ninguém pegar as peças do seu carrinho. – Darcy retribuiu o sorriso, concordando.

Felisberto e parte de sua família dirigiram-se para o carro que os esperava na porta da mansão, mas antes de entrarem, Elisabeta gritou:

— Charty, boa sorte no casamento com a Briana.

A pequena Elisabeta gargalhou alto, arrancando um grito indignado de Darcy:

— Magricela, você ainda me paga!


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