Não consigo fugir disto escrita por Mayanne Souza


Capítulo 3
Pensamentos de tragédia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/766859/chapter/3

— Acho que isso não é uma boa ideia. 

— Por que não? Fica somente à uma hora e meia daqui. Vamos depois da aula e estaremos de volta antes do jantar

Tommy me olhava com aquele sorriso confiante estampado no rosto. Seus olhos castanhos brilhavam e seu corpo estava meio inclinado para o meu rumo: o que causou uma sensação confortável no meu ser. A gente estava sentado na arquibancada do campo de futebol. 

Estávamos lá, pois hoje, felizmente, o sol resolveu aparecer. 

— Não sei — disse pensando em todas as possiblidades daquilo dar errado. — Pensei que seu irmão iria comprar as cervejas. 

— Ele ia, mas infelizmente teve que voltar para faculdade — ele fez uma careta. — Ainda bem que tenho uma identidade falsa. Só preciso de uma carona até lá. 

Não seria a primeira vez que faria algo parecido com isso, claro. Eu já comprei cerveja com identidade falsa em Phoenix. Mas não conseguia parar de pensar naquela velha sensação de que o carro seria o responsável por minha morte. Ficava a imaginar se não haveria um castigo divino por eu (filho do xerife) cometer um crime enquanto está hospedado na casa do mesmo. Obvio que isso era ridículo. Não havia motivos para “algo divino”, se preocupar tanto se dois adolescentes têm identidades falsas. Além do mais, seria Tommy a cometer o crime, eu simplesmente daria a carona. 

Mas se Charlie descobrisse? Ele seria o tipo de homem que prende o próprio filho como um exemplo para outros adolescentes? Eu não conhecia muito bem. Na verdade eu fui apresentado ao meu pai quando tinha 13 anos e ficava com ele somente dois meses por ano, em razão de minha mãe ter fugido dessa cidade quando eu ainda estava na barriga dela. Havia vários sinais para eu não ir, mesmo assim não estava conseguindo dizer “não” com todas as letras. 

— Não sei... — disse de forma lenta.

Dava para ver que ele estava jogando seu charme, ou alguma coisa assim, para cima de mim, tentando me convencer. Tommy nunca deu sinal que gostava de outros garotos, porém, às vezes, parecia que ele flertava comigo. Nada muito comprometedor. Algo bem casual como um sorriso, uma piscadela, uma aproximação repentina dos nossos corpos. Ou era isso, ou estava apenas me iludido (coisa que eu não descarto). 

— Qual é — falou, sorrindo e tocando o meu antebraço. — Não é como você fosse cometer algum crime. Sou eu que irei comprar tudo. Você só vai me dar uma carona. Qualquer coisa digo que você não sabia e que só foi para Port Angeles para... sei lá, comprar livros. 

Tommy pareceu adivinhar meu pensamento. Eu, realmente, não estaria comentando nenhum crime e ninguém poderia provar se eu sabia ou não dos planos de Tommy. E também tem a questão que eu, de fato, queria fazer umas compras em Port Angeles. Mas não de livros, mas sim dar uma repaginada naquela lata velha laranja: comprar alguma tinta mais escura, uns adesivos maneiros, ou quiçá até mesmo um novo motor. Eu tinha dinheiro para isso e Charlie prometeu-me ajudar com os reparos necessários. Seria algum lance de “pai e filho”. 

— Certo — disse enfim, no entanto haviam várias dúvidas e cenas de tragédia em minha cabeça. — Mas se algo der errado, vou fingir que nem te conheço.

À noite, eu e Charlie fomos comer na lanchonete da Joy, por que nenhum de nós estávamos muito animado para cozinhar. Eu não estava porque tinha acordado ansioso para ir à escola, com a esperança de encontrar Edward, no entanto Becca me explicou que ele e a família sempre acampam na montanha quando faz sol. Já meu pai não estava animado em razão de ter encontrado um corpo de uma adolescente morta no rio. (E isso faz eu pensar o quanto meu motivo é bem egoísta)

Mas deixando meu narcisismo de lado, eu aproveitei o nosso jantar fora e expliquei a Charlie meus planos de ir à Port Angeles e as mudanças que queria fazer no carro. 

— Por que você quer um motor novo e mais rápido? — perguntou Charlie, me fazendo parar a colher no meio do caminho para minha boca. 

O que me fez estagnar, foi o tom em sua voz. Ele usava esse tom raramente comigo. Esse “tom” em especial era usado no trabalho, principalmente com os novatos que não sabia exatamente a onde tinham se metido. 

— O quê?

— Por que você quer um motor novo mais rápido? — Ele perguntou e deu mais um gole em seu refrigerante. — Muitos jovem querem carro mais velozes para fazer racha. Mas você não quer para isso, não é? 

— Ah... hmm... Não. É. É... só achei que seria melhor um motor novo, caso o antigo... possa bater. 

Ah, meu Deus, Charlie está se mostrando um tipo de pai que prende o filho somente para servi de exemplo. E ainda usa esse “tom” numa conversa casual. Ah, não. Tenho que cancelar com Tommy. 

— O motor não irá bater — disse Charlie. — Ele está em ótimas condições. Eu mesmo verifiquei isso... agora se quiser pintar ou colocar um som novo, seria ótimo

— É. Seria ótimo. — foi a única coisa que consegui dizer. 

No outro dia acordei bem cedo para correr antes de ir à escola (correr era minha segunda paixão), contudo o dia amanheceu chuvoso, o que estragou meus planos. Assim, fiquei acordado tentando ler Odisséia. Somente tentando, porque toda hora eu me distraía, ou com celular ou pensando 'nele... cheguei até imaginar que ele nunca teria dificuldade para ler qualquer livro. Na verdade imagino que o quarto dele tenha uma verdadeira estante com diferentes tipos de literatura, ou Doutor Cullen tem uma biblioteca em casa e seus filhos passam horas lendo.

Eu queria saber mais sobre a vida dele, do que ele gostava, que tipo de música ouvia, se tinha uma série preferida... ou, se ele é fã de Game of Thrones. Isso seria algo que nós dois teríamos em comum.

No entanto ele parecia alguém impossível de se aproximar, principalmente por causa de suas mudanças repentina de humor. Ele me pede desculpa por não ter se apresentado adequadamente e depois fica com raiva e sai sem dizer “tchau”. Depois de refletir sobre isso, fiquei um pouco com raiva, e ao mesmo tempo, ansioso para ir à escola e encontrá-lo.

Foi quando estava no estacionamento que escorreguei e quase caí no chão. Odiava quando isso acontecia. Mas, infelizmente, eu era uma pessoa desastrada, tanto é que uma amiga minha me apelidou de Beau Steele (um tanto injusto, na minha concepção, pois eu era um pouco desastrado, mas não para tanto)

— Você está bem? — perguntou uma voz musical ao meu lado. Uma voz que eu tinha escutado poucas vezes, mas já conhecia perfeitamente.

Virei o rosto para direção da voz e vi que ele estava ao meu lado. Vestia um casaco cinza e óculos escuros, embora no céu havia somente nuvens pesadas. Para outra pessoa seria estranho usar óculos de sol em um dia tão frio, mas nele ficou... lindo, você sabe.

Então, vendo que eu não respondi nada,  ele disse:

— Você quase caiu.

— Sério? — fiz uma careta. — Eu não tinha percebido. Obrigado por avisar-me. 

Eu não estava de mal humor de verdade, apenas queria “dar o troco”, por todas às vezes que ele foi rude comigo. E então, para minha perplexidade, ele riu. 

— Você fala de mim, mas não fica para trás — falei. — Nunca sei como você vai reagir

Então notei que a gente estava caminhando muito devagar e que suas irmãs, observavam tudo ao longe. E não somente elas, mas meus amigos também. Na verdade, por um segundo acreditei que todos estavam olhando nós dois, como se fôssemos alguma cena de filme. 

— Você não me contou porque veio para Forks — falou ele, de repente.

Levantei os ombros

— Minha mãe se casou de novo, então quis dá um tempo para ela e para Phil. Para eles saberem o que é uma vida de casado, sem um adolescente no meio. 

— Claro — disse Edward, pensativo. — Então foi um ato totalmente altruísta?

— Hmm... pode dizer que sim. — respondi achando estranho. Nunca me vi como uma pessoa altruísta, mas sim, vim morar em Forks somente pensando o quanto minha mãe ficaria feliz em poder viajar com Phil. 

— E você se arrepende dessa decisão?

— Claro que não — falei. — São somente por dois anos. E está sendo bom morar com Charlie.

Disse, porém não tinha muita convicção sobre isso. Dois anos era muito tempo. 

Continuamos a caminhar em direção ao corredor, calados. Eu queria continuar a ouvir a voz dele, no entanto nossas aulas eram em salas diferentes. E quando chegamos em frente à minha sala,  eu queria dizer que a gente se via depois, na hora da refeição.

Em vez disso perguntei:

— Você vai a festa da Becca?

Ele riu.

— Não vou em festas. — respondeu e saiu. 

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Não consigo fugir disto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.