Glory and Gore escrita por Iulia


Capítulo 15
Tell me who you loyal to.


Notas iniciais do capítulo

Famíliaaaa volte!! Gente, emocionada com a indicação de que o inevitável VEM AÍ. Vou terminar essa historinha mesmooo, porém ela é mais longa do que eu pensava, ainda tem mais umas águas pra correr, mas vai ser sucesso sem falta! Esse capítulo tava até PROGRAMADO cês botam fé?? Este aqui é o mais de buenas frente às bagaceiras que tão chegando. Mas já tem algumas, claro, tem que ter, é o conceito e também ATENÇÃO pois ganchinhos para as presepadas futuras. O título vem da MAIOR e MELHOR música já feita por um ser humano, se chama LOYALTY. (tb o nome da historinha maravilhosa de minha grande amiga Clara sobre Johanna e Finnick) de Kendrick Lamar. Tomara que cês gostem.



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Um clima estranho deu tom ao jantar do dia seguinte. Depois de discutirem vagamente os acontecimentos do dia no treinamento, um silêncio pesado preencheu a sala. Largado contra a cadeira, Cato cutucava sua comida numa posição relaxada demais para não atrair atenção.  

— Eu não te vi no fim do desfile ontem – Brutus começou o assunto, apontando com a cabeça para Cato.

— Eu subi mais cedo – foi o grunhido que recebeu em resposta, Cato sequer levantando os olhos para falar. Por um tempo, o som dos talheres contra as porcelanas foi tudo que eles ouviram. Clove levantou o rosto e observou a troca de olhares entre Brutus e Enobaria.

— Garoto. Eu não quero que você se engane e pense que vai ser um mentor de merda pra gente que nem foi pro Bac e pra Diana. Se orienta e trata de fazer um trabalho de homem. Seja decente. 

Cato preguiçosamente tirou os olhos do prato e suspirou.  

— Sim, senhor. Vou fazer meu melhor – ele respondeu, com o que podia ser escárnio ou respeito genuíno. Eles ficaram incertos até verem o sorriso minúsculo no rosto de Clove, terminando de partir as frutas em seu prato.

— Vocês ficam aí agindo que nem um bando de moleque até hoje. Já está na hora de vocês virarem gente – Enobaria interferiu de sobrancelhas erguidas, parecendo entediada. Ouvir umas palavras dela, da Abençoada pelos Deuses da Inteligência Enobaria, era outra coisa. Clove mordeu a bochecha e voltou a cutucar um pedaço de melão.

— Eu estou tentando. – Cato disse, a voz vazia como quase sempre, tentando sem qualquer esforço contar uma mentira mal elaborada. – Eu não fui bem ano passado, mas vou fazer um trabalho melhor esse ano.

— Você não tenta nada, você consegue— Brutus rosnou entredentes. – Trazer um tributo de volta não resolve sua vida pra sempre, menino.

— Eu perdi um ano dos dois que fiz isso. Você traz a porra dos seus tributos de volta toda edição?

— Me respeita, seu...

— Sério? – a voz entediada de Clove os parou no ato de se levantarem das cadeiras para resolverem tudo de um jeito que não envolvia todas aquelas palavras que eles não conseguiam exatamente articular. Clove continuou brincando com seu melão, os olhando com desprezo. – A gente vai se empenhar, Brutus, confia em mim. Eu já perdi pro Haymitch ano passado e eu não gosto de perder. Tenho certeza que o Cato vai me ajudar. Não é, Cato?

— Foda-se vocês – foi a resposta latida de Cato, acompanhada por uma retirada para o seu quarto, onde tinha passado o dia inteiro.

Clove fingiu que nada era com ela e ignorou a figura de Brutus se sentando de novo com brutalidade depois de uns segundos cogitando ir atrás de Cato. Ela finalmente comeu seu melão, sentindo o olhar persistente do homem em si.

— É melhor você consertar ele – ele finalmente disse.

— O quê? – Clove perguntou, ainda que houvesse ouvido perfeitamente bem.

— Consertar. Ele. – Brutus repetiu, agarrando os talheres com tanta força que seus punhos embranqueceram. 

Clove, que era melhor em quebrar do que consertar, trocou um olhar demorado com Enobaria, imaginando que tipo de resposta poderia dar àquela... ordem? Sequer valeria a pena colocar ele em seu lugar e enfrentar toda uma noite cheia de gritos?

Enobaria sacudiu a cabeça.

— Não é a Clove que vai consertar esse menino, Brutus. Você bem sabe – ela falou em um tom grave, sustentando o olhar do homem.

Brutus tinha muita certeza que Cato era perfeitamente certo antes dos Jogos. Que sua versão danificada era essa de agora. Quando, na verdade, o único jeito de consertar esse Cato de agora era voltar uns quatro anos no passado e impedir seu pai de assassinar sua mãe, impedi-lo de assassinar seu pai, impedir eles de mandarem ele pra arena, impedir ele de ter sido o mentor de Clove. Impedir ele de ter nascido no Distrito 2, para começo de conversa. (E talvez de impedi-lo de ter conhecido Clove, também, mas isso era um fator quase sem importância).

A parte mais absurda era que Cato, mesmo bêbado a maior do tempo, mesmo odiando seus tributos, sabia ser um mentor infinitamente melhor que Clove, que estava bem ali bebericando seu conhaque como se estivesse se importando.

— Ele vai ser melhor esse ano – Clove resolveu dizer, fazendo uma daquelas famosas promessas que não tinha condições de cumprir.

— Ah, pelo amor de Deus. Porra nenhuma que ele vai, ele nunca trabalha direito com você rondando. Ainda fodendo o tal do... – o homem se impediu de continuar quando viu o olhar de alerta de Enobaria. A garota na sua frente continuava com suas sobrancelhas erguidas, como se o desafiasse a continuar. – É o meu e o da Enobaria na reta, menina. Não envergonhem nosso distrito por conta dessa palhaçada de vocês. Não de novo. Está na hora de caçar rumo e crescer, deixar essas putarias de lado.   

— Alguém precisa te lembrar que tudo que aconteceu foi ele ter subido mais cedo do desfile – Clove suspirou, se levantando, cansada de toda aquela baboseira. – Mas tudo bem, então. Eu vou consertar o Cato, senhor. 

Inesperadamente, mas em sua mesma aura de instabilidade de sempre, Brutus soltou uma de suas gargalhadas guturais.

— É melhor mesmo, menina. Se você está se saindo tão bem aqui na Capital, é graças a ele. Ele te ensinou tudo o que você sabe.

Engolindo o “vai se foder” que fez o caminho até sua língua, Clove avançou em direção aos quartos. Enobaria, calma como se tivesse injetado quatro doses de tranquilizantes em si, sacudiu a cabeça e sorriu levemente como quem assiste uma demonstração de afeto bonitinha.

— Nem vinte anos ainda, Brutus. Vai com calma – a mulher sussurrou enquanto Clove adentrava seu quarto, um sorriso perfeitamente audível em suas palavras.

— O nosso distrito está contando com essa vitória, eu estou pouco me fodendo para essas historinhas...

Clove fechou a porta e soltou o ar pela boca; ela esperou um pouco antes de se deitar, andando à esmo pelo quarto. O que ela esperava veio com a mesma eficiência de sempre. Ela abriu a porta com violência.

— Que porra foi aquela, Hadley?

Cato só sacudiu a cabeça enquanto se sentava em sua cama, uma áurea de raiva ao seu redor.

— Não foi nada, Kentwell, só foi eu ficando de saco cheio dessa putaria de ficar nesse fingimento, planejando estratégia e o caralho a quatro quando todo mundo sabe que não vai adiantar de porra nenhuma.

Clove estreitou as sobrancelhas e abaixou bem o rosto para apreender melhor as feições de Cato. E, de repente, ela entendeu do que ele estava falando. Ela entendeu, mas ela ainda estava puta com essas palhaçadas de Cato.

— É sério? Agora? Você passou sua vida inteira falando que queria fazer com o Brutus o que ele tinha feito...

— Eu sei o que eu disse, Clove – Cato a interrompeu, levantando o rosto. – Mas isso é diferente, isso é...

Traição.

Clove esperou, mas Cato parou por si próprio, sacudindo a cabeça. Na última noite, eles tinham sabido que a Capital iria cair pelas mãos de Katniss Everdeen e, por isso, ela era a única que deveria sobreviver. Desde então, as coisas haviam ficado ainda piores. Clove só tinha visto a sombra de Cato andando como um fantasma pelo andar, o mesmo olhar que ele havia tido quando voltou da arena.

Aquela culpa nunca ia parar de corroer suas veias.

Katniss Everdeen ia sobreviver a qualquer custo, ia ser a líder relutante de uma revolução que parecia querer evitar. O 13 ia dar as caras para socorrer sua nação. Uma guerra, uma de verdade, ia acontecer. E, para que isso pudesse acontecer, eles precisavam trair a prole de seu distrito, aqueles que tinham as mãos de ferro e as palavras que tinham garantido suas vidas e todas suas desgraças.

Clove não sabia o que poderia dizer, como sempre. Ela ficou lá, apoiada contra a parede, braços cruzados esperando enquanto Cato lidava com todos seus sentimentos.

— Clove, essa porra é séria – ele disse, sua voz baixa parecendo arranhar todas as superfícies do quarto com aquelas verdades que só ele podia emitir. – Às vezes parece que você não entende o que a gente está fazendo.

Clove abriu a boca para rebater mais uma das acusações que Cato costumava fazer sobre a forma com a qual ela lidava com todas essas putarias. Mas a questão era; ela entendia? Era uma das perguntas que ela não conseguia responder. Ela entendia, no geral, mas ela não entendia do jeito que Cato conseguia entender, daquele jeito intrincado e... complexo.

Então Clove ficou em silêncio por tempo o suficiente para Cato levantar os olhos de novo.

— Você não entende mesmo, não é? – foi o que ele disse, a tristeza bem clara em sua voz.

Por que porra Clove tinha toda aquela dificuldade para entender sobre aqueles assuntos?

Aquela inabilidade de Clove sempre tinha chamado sua atenção, mas em alguns momentos era simplesmente de outro mundo. Ela ficou lá, parada, o encarando de volta como se estivesse fazendo esforço para entender.

Clove sustentou seu olhar por longos segundos, quase como se pudesse ver o que se passava na cabeça dele; Brutus ajeitando o enterro da sua mãe, o recebendo de volta no 2. Enobaria sendo a sua mentora e todas aquelas noites em claro revisando suas estratégias.

— Eu entendi, Cato, que seja. Só que não é a hora de examinar essas merdas. Compromisso total ou – Clove finalmente disse, passando um dedo pelo pescoço, seu tom irritado, mas mais suave.

Compromisso total. Cato suspirou o início de uma risada. Ela tinha umas expressões engraçadas. Compromisso total para trair casualmente pessoas que eles conheciam desde sempre, as pessoas que tinham votado para que eles fossem para a arena, mas que haviam também garantido que eles saíssem. 

Às vezes Cato se perguntava se Clove tinha entendido tudo melhor. Entendido o fato de que eles não podiam se dar ao luxo de entender nada sobre aquela ambiguidade sufocante e tinha dado seu próprio jeito.

Clove simplesmente se deitou e apagou as luzes. Não havia nada a fazer além de se deitar ao seu lado, então ele o fez, as costas contra a cama, os olhos no teto buscando qualquer brecha, qualquer razão para as coisas melhorarem.

— Você tem que deixar isso quieto. Essa porra vai ser demais se você não fizer isso – a voz de Clove sussurrou.

Era no escuro que Clove prosperava. Era só lá que ela podia oferecer seus segredos. Talvez ela não entendesse, mas ela sabia que o povo dos distritos não perdoaria nenhum vitorioso que não estivesse engajado até os ossos na rebelião.

No final, não havia muita escolha para nenhum deles.

Então Cato adormeceu, sentindo a mão de Clove alcançar a sua no meio da noite.

x

No outro dia, Clove jogou um travesseiro em sua cara nas primeiras horas da manhã.

— Levanta, é treinamento. Eu não quero ouvir outro discurso do Brutus.

Cato continuou encarando o teto, desejando com todas suas forças que só pudesse ser deixado em paz por um tempo. Clove apareceu na borda da cama, seus cabelos molhados e os olhos um pouco mais suaves, daquele jeito que eles ficavam pela manhã, quando ela acordava e era só eles dois.

— Eu sei que é idiotice e ninguém gosta dessa putaria. Mas anda logo. Compromisso total.

Ele nem soube como responder. Era quase desconcertante ouvir a voz dela naquele tom, ver aquele tipo de sorriso tolerante em seus lábios. Mas era melhor que nada.

Na luz da manhã, Cato reparava que Clove era a única coisa na qual ele acreditava. A despeito de tudo que havia desabado, ela havia permanecido. A aliança deles era feita de sangue; qualquer lealdade era parca se comparada à deles. Ele ia segui-la, como sempre. E eles iriam ver a Capital queimar, como eles tinham jurado anos atrás.

Cato sabia que seu distrito não se envolveria de primeira com nada que fosse morder a mão que o alimentava, então era de Clove e de suas palavras alusivas que eles precisavam; mesmo calada, o fogo de destruição que ela emanava o contagiava, a despeito da paz aparente que havia no cômodo. Do que ele tinha medo, afinal? Ele queria ver o que aconteceria com o Distrito 2 e seus pedreiros e aristocratas. Mesmo que desse alguma coisa errada e um deles acabasse morto, tudo ainda valeria a pena. Cato não podia esperar pra ver a cara de Naevio quando visse que Clove estava fugindo da Capital, que a princesa deles agora estava mais interessada em destruir seus reinados.

— Eu vou te esperar lá.

Cato apareceu, então, puxando com brutalidade uma cadeira de frente para Clove e do lado de Kurt, porque, claro, ele estava lá, com Magnus e Lyme. Brutus emitiu um som de desaprovação, ainda que Enobaria não parecesse ter se importado.

Filhos de Pacificadores – ainda que tivessem pais cruéis e abusivos – costumavam ser burros daquele jeito. Clove só pôde observar enquanto Cato se configurava como o novo objeto da atenção exótica e dificilmente agradável dos outros Vitoriosos porque simplesmente não conseguia se comportar normalmente e dar um “oi” estava além de sua capacidade cognitiva.

— Cadê o resto? – Clove perguntou, sem se dirigir a ninguém em especial.

— Leonis ficou com Zenobia. – Magnus respondeu, deixando claro que nenhuma clarificação a respeito daquela sentença ia ser feita. Em um acordo tácito, todos fingiram que sequer tinham ouvido as palavras dele; o Distrito 2 retribuía com mãos de ferro as ações de seus traidores, afinal.

— Wade? – Clove voltou casualmente.

— Ele veio, claro. Está por aí passando vergonha – Magnus disse. – Que palhaçada, esse menino. Zenobia fez um trabalho de merda com ele.

E Zenobia vinha fazendo um trabalho com eles nos últimos meses, eles todos sabiam, um trabalho que devia acabar com Clove sendo sorteada e Cato se voluntariando. Ele não estar sendo a voz que havia oficialmente o acusado era uma anomalia na forma como eles operavam, uma atitude que eles não conseguiam entender (e talvez não tolerar).

— Vocês conversaram com ele? Depois da Colheita? – Brutus perguntou. Magnus fez que sim com a cabeça, o gesto simples revelando que conversar não era bem o termo apropriado. Brutus tornou a olhar para Cato, de certo esperando que ele fosse finalmente emitir a sentença de Wade. Mas nada veio. Cato continuou comendo seu pão, evitando o olhar de qualquer um de propósito.

O nome de Clove seria chamado e Zenobia não se voluntariaria e Cato estaria de novo na arena. A narrativa era clara, ainda que interdita, porque ninguém gostaria de pensar que Cato se colocaria na reta por conta de outra pessoa. Mas ele iria, se Clove voltasse. O que era claro era que o problema de Wade era com ele, todo mundo sabia depois de anos e anos de tramas elaboradas e brigas eclodindo em qualquer encontro entre os dois.

Clove também não entendia aquela palhaçada de agora, mas ela quase nunca entendia, de qualquer forma. Cato provavelmente estava o poupando porque ele tinha alimentado seus irmãos quando ele estava na arena e o ajudado com o enterro de seus pais e tentado de todos os jeitos acabar com sua vida no tempo livre.

Foda-se, também. Ele gostar de perdoar traidores era o que fazia ele voltar pra ela, afinal. A lealdade de Cato era a lealdade de um deus; ele estava disposto a arbitrariamente conceder seu perdão a uns, sua condenação a outros.

Mas os demais Vitoriosos não cediam fácil e Cato também não e a tensão aumentava a cada segundo, pairando naquele silêncio estranho, nos olhares duros sendo trocados. Tudo que eles precisavam era de uma acusação formal. Wade tinha conspirado e Wade devia pagar e se Cato estava calado então Cato estava errado mais uma vez.

Cortando o silêncio, de súbito, o elevador apitou, anunciando a chegada de outro convidado.

Quando Cashmere Ritchson terminou de sacudir os quadris até a mesa, todos os olhares já estavam nela.

— Bom dia – a mulher disse, a mesma maquiagem perfeita, a mesma assepsia em cada um de seus movimentos, a mesma voz forçada de cidadã da Capital.

— Bom dia – Clove respondeu. A lembrança da noite que havia dado tom ao seu relacionamento com Naevio rodou de novo em sua mente. Ela passou dez minutos chorando sozinha no banheiro da Capital até Cashmere chegar com seus olhos desaprovadores.

— E por que porra o Hadley não pode vim aqui dar um jeito em você? Ele não foi o seu mentor? – ela exigiu saber enquanto pairava acima da figura de Clove, sentada no chão grudento com uísque derrubado.

— O que ele fez no dia que os 12 venceram? Aquela coisa de quase cuspir no Pacificador e tudo? O Snow não gosta de me ver com ele agora que ele é um filho da puta que está amigado com os fodidos dos outros distritos. Ele não é um carreirista mais, parece. Ele é a porra do novo pária – Clove balbuciou prontamente, como se a resposta amarga estivesse na ponta de sua língua o tempo todo, uma fofoca absurda que ela não podia esperar pra compartilhar.

Outra pessoa que sabia sobre toda aquela porra. Clove permaneceu a medindo, imaginando quais das informações ela iria usar para sua vantagem. Elas permaneceram sustentando o olhar uma da outra por uns segundos. Cashmere ergueu as sobrancelhas de leve e sorriu seu sorriso perfeito antes de se virar para os outros.

Assim que a troca rápida de cordialidades rápida acabou, Cashmere objetivamente pregou seus olhos em Cato, como se não aguentasse mais aquela conversinha.

— Eu quero falar com você, Cato.

Claro. Sempre podia ficar pior.

Do jeito que ele era burro e que Cashmere era a filha da puta mais esperta que já tinha saído do Distrito 1, Cato estava prestes a se envolver em alguma merda da qual iria precisar de ajuda pra sair. Ela assistiu enquanto ele a seguia, seus olhares se cruzando brevemente enquanto o elevador se fechava. Cato ergueu as sobrancelhas como se estivesse pouco se fodendo para mais aquela merda.

Cashmere permaneceu em silêncio, olhando pra frente como se não estivesse vendo Cato ali.

— Então – ele começou, cruzando os braços. – Que porra é que você precisa falar comigo?

— Espera – ela respondeu secamente, sem deixar qualquer espaço para discussão. Dando de ombros, Cato obedeceu o aceno de cabeça que ela deu em sua direção para que ele saísse primeiro no andar do 1. – Meu irmão provavelmente está se arrumando para o treino, mas eu pensei que seria melhor fazer isso aqui.

Eles pararam ainda no saguão entre o elevador e a sala de estar. A objetividade perfeita em Cashmere era tudo que ele queria atingir quando estava na Academia vendo seus Jogos de novo e de novo. Ela era toda sobre negócios e frieza, poucas palavras proferidas, mas muita eficiência. E aquela arrogância dela era o que vendia o peixe pra Capital.

Agora, no entanto, Cato só estava cansado de tudo aquilo. Ele se encostou contra a parede e acenou com a cabeça, sinalizando para ela continuar.

— Eu quero te fazer outro favor – foi o que ela soltou, despreocupadamente. Cato ficou pouco impressionado. Parecia com ela mesmo, esses joguinhos. Era muito mais divertido assistir eles da tela da Academia.

— Claro que você quer.

— A Clove me contou que você deu uma pisada na bola ano passado, na edição da Katniss – Cashmere começou a elaborar enquanto casualmente corria a mãos pelos cabelos e deixava que seus olhos fabricassem alguma versão falsa do que calor humano era. – Então, como sinal de amizade, a gente vai te dar outra chance.

— Chance de quê? – ele grunhiu, desagradado com o rumo da conversa.

— De recuperar sua imagem.

— Você e o Gloss vão me dar outra chance de recuperar minha imagem? – Cato resumiu, puxando as pontas dos lábios para baixo em uma simulação do que seria uma reação impressionada.

Provavelmente debochar dos irmãos Ritchson não era o melhor caminho. Eles eram todos feitos de glória, assassinatos perfeitos e sofisticação. Mas que se fodesse, certo? Não podia ficar pior. Os olhos verdes de Cashmere brilharam com um fogo leve de irritação.

— Eu fui perfeitamente clara, Cato. Você é novinho em folha. Você e a Clove são novinhos em folha. Você é um carreirista, não tem como fugir disso. Você pode ficar por aí rondando com os 12 ou sei lá com quem, mas isso não vende, isso não cola nem pra eles, nem pro pessoal daqui. Que tipo de patrocínio você vai conseguir para os seus tributos se todo mundo daqui te vê como a porra de um pária?

E foi isso. Cashmere parecia ter sido fabricada pelos Jogos. Não havia ninguém que entendia melhor sobre o que vendia na Capital, sobre o que as aberrações de lá queriam ver. Ele sabia o que vendia, também, mas ele sabia mais sobre Snow sendo muito claro sobre sua posição já assumida de exilado. Ele sabia mais sobre o que os rebeldes assumiriam se o vissem voltado atrás de sua imagem de garoto de ouro da Capital.

Ele sabia sobre o namorado de Clove vendo eles andando juntos por aí vendendo as ideias da Capital.

Cato ficou em silêncio por longos minutos, ponderando. O que ele ganharia se negando além de mais problemas, mais informações usadas para aqueles usos escusos? Sabe-se lá o que Cashmere podia deixar escapar. Ele tomou a decisão.

A única lealdade real era entre ele e Clove.

— Isso não é outro favor, isso sou eu pagando o que te devia. – Ele declarou, seus olhos nunca deixando os dela. Cashmere o mediu por mais um tempo antes de acenar vagarosamente com a cabeça. – A gente está conversado, então.

Cato fez menção de apertar o botão do elevador quando Cashmere segurou seu braço.

— Esse tipo de campanha precisa de planejamento. Vamos sentar e discutir isso.

Ele se sentou na mesa do Distrito 1, então, e conversou com os mentores de Cashmere, Gauis e Rendwick, outras duas pessoas cheias daquela beleza sufocante enquanto arquitetava aparições e todas as ilusões que as pessoas da Capital precisavam para colocar o dinheiro na mesa.

— Dois novatos não vão ofuscar a gente. Nenhum conseguiu, nenhum vai conseguir. Eu não posso arcar com o risco de ser superada, não nessa edição, tenho certeza que você entende – Cashmere disse, e uma pontinha de alguma coisa não tão falsa quanto as outras transpareceu, mas Cato não ia mais se fiar nessas coisas. Se ela queria proteger o irmãozinho dela ou não, que se fodesse. Ele tinha falado que não podia ser visto com Clove e mesmo assim, porque a lealdade não significava nada naquelas terras, ele estava ali, sendo forçado a fazer planos para que o maior número de pessoas os vissem juntos. – Então vamos dar uma concorrência pros 12, ok? Pelo menos tenta. 

A última coisa que Cato queria fazer era rir. Nada parecia mais distante de uma exteriorização apropriada de como ele se sentia. No entanto, quando ele chegou de volta ao andar do 2 e Lyme franziu as sobrancelhas levemente como se perguntasse o que tinha acontecido, ele mal conseguia prender o riso ao se lembrar de suas palavras há o que pareciam anos no Distrito 2.

Os dois vão ser mortos imediatamente se houver traição, se considere avisado.

Voltar a fazer parte da elite dos cachorrinhos do Snow poderia ser considerado traição pelo caráter rígido que era Lyme, uma cidadã do 2 apesar de tudo, do 2 onde tudo era preto no branco. Depois de jurar que queria ver tudo destruído, ele iria voltar a panfletar a ideia da Capital, a ser o melhor que ela tinha a oferecer.

Como que existia um lugar em que uma traminha de escola daquela podia virar uma coisa ameaçadora de verdade?

Em tese, Clove não ia precisar ter muito trabalho, já que tudo isso conversaria bem com sua persona na Capital, ainda que sua persona na Capital devesse negar a de Cato. E ele sabia que Snow não iria comprar aquela história, ele jamais ia acreditar que ele havia simplesmente decidido se converter à Capital de novo.

Ele só veria Clove e ele juntos de novo, desobedecendo suas ordens expressas. 

Contando com a sorte que há anos havia o deserdado, talvez Snow estivesse ocupado demais com Katniss para prestar atenção nos dramas internos entre seus peões preferidos. Mesmo assim, Teo e Gaia estavam sozinhos no Distrito 2. Se ele acabasse alvejado dos dois lados que nem as chances indicavam, eles seriam os próximos.

E que Deus ajudasse quem quer que mexesse com isso.

A cabeça de Cato doía enquanto ele se preparava para o jantar com Gauis, entornando todas as bebidas que via, refletindo sobre o ponto exato em que parou de entender o que lealdade significava.


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Notas finais do capítulo

PRONTOOO! E aí, o que cês acham? 10/10 né, gente, ninguém barra eles dois!! O grande mistério é: Por que Cato está deixando Wade escapaaar hein? Enfim.... Tudo de bom que esse ano está acabando, ano que vem sem falta alguma melhora né não?! Feliz Ano Novo, desejo só coisas maravilhosas pra vocês e OBRIGADAA. Beijão c:



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