Milk and Honey escrita por Eponine


Capítulo 1
Capítulo Único




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James continuou sentado em sua janela, mordiscando um biscoito, observando a idosa regar manualmente cada planta de seu jardim, poucos dias após sua mudança. Ela era curvada e cada dolorido passo que dava equivalia a, no mínimo, cinco passos de James, em um dia que ele estivesse tranquilo. Imaginou-se velho e teve arrepios, tendo certeza que não suportaria não conseguir dar dois passos sem ter uma tremedeira digna de uma queda. Ser velho, para ele, parecia um pesadelo.

“Ei!”, chamou James para sua gata ao vê-la entrar no quarto. O animal viu o sorriso desesperado por afeto de seu dono e refez o caminho, desaparecendo. Desacreditado, retornou a observar a idosa, sentindo-se mais entediado ainda. Poderia ter aceito o convite de Remus e ter ido viajar com ele e Sirius para o interior da Inglaterra, ficar no campo...

Gargalhou.

Ele não tinha paciência para campo e pesca, aquilo parecia um saco. Sirius foi porque estava aceitando qualquer coisa que lhe prometesse um pouco de paz mental, ficou um pouco biruta após ter fugido de casa. Naquelas primeiras semanas de férias, dedicou alguns dias para pegar transporte trouxa e ir visitar Peter, mas ele logo se entediava de ter que explicar suas piadas. Outros amigos ele via em festas esporádicas, mas nada era divertido o suficiente sem Sirius e Remus. Pensou em Lílian e logo repreendeu, sabendo que era a ansiedade tentando captura-lo.

Naquele verão, tudo que ele queria era silêncio e paz, na calma companhia de seus pais...

“JAMES!” urrou sua mãe no andar debaixo.

“Ah não”, gemeu o garoto, tirando os óculos e apertando a ponte do nariz. Férias de verão em casa significava que o elfo doméstico ganhava férias e James se tornava o elfo. No primeiro verão que Sirius passara em Godric Hollows, ele não entendera as reclamações de James sobre as tarefas, entretanto o amigo estava ali apenas por três meses, e James esteve por quinze longos anos, ele sabia do que estava falando: Todo dia alguma coisa diferente aparecia para James fazer, por mais que ele já tivesse feito tudo que fosse humanamente possível.

Achou o cúmulo quando se viu arrancando gnomos do jardim, uma tarefa que ele considerava de caipiras. Olhou para trás, conferindo se sua mãe o vigiava pela janela da cozinha, e pensou em uma fuga. Limpou o suor em sua testa, sentindo o sol queimar seu coro cabeludo, e surpreendeu-se ao não ver os olhos azuis de águia de sua mãe o vigiando, conferindo se não estava maltratando os gnomos. Olhou os bichinhos na gaiola, se descabelando em fúria,  e mostrou o dedo do meio, pronto para arrancar outro do solo.

“Pode tirá-los do meu jardim também?”, a voz falha e demasiadamente simpática atraiu James, que teve que olhar para baixo para notar a idosa que estava na entrada do jardim da casa dos Potter. O garoto empurrou os óculos para o meio de seus olhos, já exausto em ter que sorrir para a senhora.

“Não sou jardineiro, senhora”, disse de forma simpática, rezando para que fosse embora logo para que ele pudesse continuar a sofrer em silêncio. Jardineiros especialistas em se livrar de gnomos normalmente eram abortos.

“Claro que não”, sorriu ela com seus dentes amarelados e as rugas fazendo dobras inimagináveis em um rosto diferente do de James, liso e límpido como papel recém feito. “Em que ano está?”. Ela apoiou-se na cerca branca e James continuou a fitar seu rosto protegido do sol pelo chapéu simpático em seu cabelo branco ralo. O garoto soube que não se livraria dela.

“Vou iniciar o sétimo”, ele coçou a nuca e balançou-se um pouco, como se fosse recomeçar a puxar um gnomo, para ver se ela se tocava, mas a idosa animou-se.

“Eu me lembro do meu sétimo ano...”, Ah não, pensou James pela oitava vez no dia. “E me lembro que inventei uma forma de como me livrar de gnomos”. Os olhos de James se iluminaram e ele checou se sua mãe estava na cozinha.

Antes que pudesse falar, ela largou a cerca.

“Bem. Não vou incomodá-lo, vou deixa-lo com seus gnomos. Acredito que seja o senhor Potter, certo?”, ele assentiu. “Muito prazer senhor Potter, sou Batilda Bagshot. Depois que o senhor terminar o trabalho, pode ir a minha casa tomar leite com mel, tudo bem?”

Batilda Bagshot?”, indagou James, largando a raiz do gnomo, ignorando a barulheira na gaiola. “A senhora escreveu meu livro de História!”

“Escrevi?”, sorriu ela, virando-se para atravessar a rua.

James olhou para a janela novamente e para os gnomos na gaiola. Tirou sua luva e jogou no chão, alcançando a idosa com poucos passos, nem um pouco ressentido em largar suas obrigações, seus pais apenas suspirariam.

Sabiam que não podiam esperar muito dele.

 

 

 

 

 

 

 

 

James acordou sozinho naquela manhã, após um sono calmo, algo raro em seu histórico.

Observou o sol invadir seu quarto e iluminar os livros, a escrivaninha, os pôsteres de seu time. Sentiu o cheiro do café da manhã sendo preparado no andar debaixo e sentiu sua boca clamar por algo que definitivamente não teria na mesa. Calçou seus chinelos e desceu as escadas, assistindo sua elfa Mimi mexer-se calmamente atrás de sua mãe, mordendo uma torrada, aparentemente atrasada para algo.

Pegou a chaleira de leite, sentiu o vapor quente deitar em seu rosto enquanto derramava um pouco em uma xícara e abriu um pote de mel. Misturou a colher cheia no líquido e levou a boca, tendo seu cabelo bagunçado por seu pai, pegando suas coisas e sumindo pela porta, e sua mãe, pouco depois, dando-lhe um beijo na bochecha e sumindo em um estalar de dedos.

O sol escaldante do verão queimava a nuca de James enquanto ele bebericava a cópia mal feita da melhor bebida que já tomara em sua vida, em silêncio.

Sua casa era uma fotografia familiar, mas abandonada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Batilda, por que não teve filhos?”, perguntou James, fuçando a prateleira.

Se sua mãe estivesse ali, provavelmente lhe daria um tapa por chamara mulher sem colocar um respeitoso senhora na frente da sentença. Entretanto, aqueles dias passavam como meses e James já sentia uma intimidade tão sufocante com Batilda que, chama-la de senhora seria desconsiderá-la. Eles conversavam sobre tudo: passou dias e dias explicando como era Hogwarts naquele momento, já que ela não visita há tempos, explicou detalhadamente a vida de seus amigos, como era sua dinâmica com os outros, o quão exaustivo as vezes era estar em um lugar onde não havia privacidade...

Batilda apenas relembrava momentos, e ouvia atentamente tudo que James tinha a dizer. Não era moralista, ele podia dizer que fora ele quem pendurou Snape em uma das torres de Hogwarts, sabia que ela não ia repreendê-lo da mesma forma que seus pais ou sua avó talvez o fizesse.

“Não sei”, disse, sincera. “Não tive tempo”.

Tempo?”, esganiçou James, “me desculpe, mas você teve tempo. E bota tempo nisso. Não vou perguntar sua idade, pois não quero ser indiscreto”.

“O tempo passa muito rápido. Não parece que foi ontem que você achou seu amigo pendurado no armário de vassouras?”, riu ela, fazendo James gargalhar ao relembrar da forma como conheceu Peter, trancado e pendurado no armário de vassouras por bullys sonserinos.

“Realmente”, concordou, ainda rindo. Pegou um livro trouxa e voltou a sentar no sofá, onde Batilda anotava vagarosamente algo em pergaminho. “Vou pegar esse emprestado, ok?”, ele colocou os pés na mesinha e folheou as páginas velhas de A Montanha Mágica do Thomas Mann. Olhou a idosa. “Como é ter que fazer tudo devagar?”.

“Normal”, ela olhou o garoto, sorrindo. “Eu não noto a diferença como você, e nem tenho pressa, como você”.

“Minha cabeça dói só de pensar em ficar devagar!”, ele fechou o livro “Meu deus, eu não vou poder jogar Quadribol!”

“Falta muito tempo para você ficar velho, pare de se torturar”.

“Eu quero saber logo o que vai acontecer comigo. Onde vou morar, com quem vou me casar... Eu já te disse sobre...”

“Lílian? Sim”, retrucou ela, voltando a seu pergaminho. “Por que não a convida para tomar leite com mel?”

“Nah, seria estranho.”

Seria estranho porque Sirius enviara um berrador gargalhando por três minutos após ler a carta de James, onde ele contava da amizade que estava formando com a muito idosa Batilda Bagshot. “Puta merda, você deve estar muito sozinho!”, gritou no berrador entre risos. Às vezes, quando via Batilda pintar um quadro vagarosamente, em silêncio, ele achava o mesmo. Solidão era um problema recorrente entre ele e seus amigos, e Sirius era um fugitivo oficial nesse requisito, ele não suportava ficar sozinho nem para ir ao banheiro. Remus, diferente dele, apreciava a solidão e preservava seus longos momentos sozinho. Peter acostumou-se, mas não a amava como Remus amava. E James...

James apenas convivia.

 

 

 

 

 

 

              James se permitiu sorrir para os olhos escuros da garota que o observava do outro lado do parque de Godric Hollow’s.

                O campeonato de bexigas estava a todo vapor e James estava realmente concentrado no que estava acontecendo apesar da iluminação intensa dos postes de luz dentre a noite que rodeava os poucos jovens de férias no povoado. Mordeu o canudo em sua boca sugando o resto do suco que sua mãe chamava de puro diabetes e jogou a caixinha na cabeça de Mark Renton, um garoto ruivo que James passou boa parte da infância perturbando.

                “Morgana e Arthur. Eles realmente transaram um dia? Por que isso não foi mostrado nos quadrinhos?”

                “Como você pode ser tão burro, DW? Eles não podem mostrar sexo nos quadrinhos!”, retrucou Freddie, sentado no banco de madeira, observando as bexigas voarem. “Potter boy, quem é aquela garota te encarando?”

                Ele olhou novamente a mesma garota negra do outro lado do parque e sorriu, voltando-se para Freddie em seguida.

                “Acredito que seja prima de Fiona”, disse. O garoto de madeixas louras sorriu para James de forma maliciosa e ele retribuiu, mas aquela amizade já não era algo que ambos nutriram quando pequenos, quando dedicavam dias inteiros a tacar ovos podres na janela das casas das pessoas. Lembrou-se do dia em que a recém chegada de seu quinto ano letivo, Alice Draper, agora Longbottom, teve o azar de abrir a janela de seu quarto bem na hora que o jovem James de dez anos jogara o ovo podre elaborado por meses entre poções descritas em sua amada revista infantil, Mundo Bizarro.

                Quando o ovo explodiu na cara da garota, James e Freddie correram pelas ruas de Godric Hollow’s gargalhando de nervoso e loucura.

                No ano seguinte, após uma longa temporada em Hogwarts, e Freddie em Ilvermorny, a amizade fora morrendo aos poucos até se tornar lembranças felizes de uma época que eles jamais conseguiriam ressucitar.

                “Ei, Mandrágora, vem cá!”, James sempre esboçava um sorriso com os apelidos. Ter vivido em uma vizinhança onde todos tinham um apelido lhe fizera um Deus em Hogwarts, onde ele também dera um apelido a todos. O garoto esquelético e anêmico aproximou-se do grupo de garotos reunidos no banco onde Freddie e James estavam sentados. “Quem é aquela garota?”

                Ele virou-se para conferir e voltou sorrindo.

                “Imbolo”, ele colocou as mãos no bolso da calça, “é uma intercambista, está na casa de Fiona, é de Uagadou”.

                “Opa eu nunca beijei alguém chamada Imbolo!”, sorriu Dedo-duro fazendo os meninos rirem.

                “Nah, ela está interesse no Senhor Potter aqui...”, Freddie tapeou as costas de James que se conteve em um riso falso, feliz pelo assunto ter sido interrompido por um ponto sofrido do time roxo no campeonato das bexigas. No fim da batalha, Fiona aproximou-se do grupo, levando sua prima, e James deu uma saída à lá Remus, simplesmente sumindo, pegando a rua de sua casa.

                Já em sua casa, arrependeu-se. Pensou nas idas para Hogwarts onde gastava horas falando das intercambistas que pegou durante o verão, e apesar de já ter ficado com as belíssimas estudantes de Uagadou, ele não quis aquela conquista daquela vez. Fitou o teto sentindo o sopro exaustivamente quente atravessando sua janela e levantou-se, descendo as escadas devagar para não acordar Mimi ou seus pais. Sentou-se no banquinho alto e apoiou-se na bancada da cozinha, tirando do gancho o pouco usado telefone amarelo. Havia gravado aquele número como se desse acesso ao mais farto cofre de Gringotes.

                Fitou a rua vazia pela janela, aguardando pacientemente, sem assustar-se com o barulho estranho que aquele artefato trouxa tinha.

                “Alô?”, ele sorriu igual a vez que quebrava a janela do gabinete de Dumbledore ao chutar uma maçã no jardim, ou seja, de nervoso. Seu coração estava batendo tão alto que provavelmente dava para ouvir do outro lado.

                “Oi”, ele enrolou o dedo na linha.

                “James”, disse Lily do outro lado, e um barulho de fundo diminuiu, provavelmente uma TV. “No mundo trouxa nós não ligamos para as pessoas depois das nove da noite”.

                “Desculpe, eu não sabia... Eu ligo amanhã en-“

                “Mas para você eu abro uma exceção”, disse, nunca intimidada em cortá-lo entre frases.

                Ficaram em silêncio por alguns minutos.

                “Quer que eu fale o que estou assistindo?”, perguntou ela, após longos tortuosos minutos de silêncio.

                “Pode ser”, respondeu.

                Fitou o céu iluminado pela Lua Cheia, mas não pensava em Remus enquanto Lílian contava sobre um episódio de Doctor Who, pouco intimidada em imitar as vozes dos personagens.

 

 

 

 

 

 

 

 

                “No último ano eu forcei o Explosivinho a me colocar no jornal de Hogwarts para que eu pudesse entrar no baile do Slugh, já que ninguém fizera o favor de me convidar. Entrei poucas semanas antes do baile, quando eu já tinha perdido minhas esperanças de um convite, minha função era tirar fotos. Eu mostrei meu portfólio, mas não teve muito apelo já que grande parte das fotos eram de Snape pendurado em algum lugar, Sirius bebendo duas garrafas ao mesmo tempo, Peter caindo de algum lugar... Mas minhas fotos dos jogos garantiram minha entrada, sou um mestre em fotografar momentos incríveis dos jogos, infelizmente só os que não participo.

                “Essas fotos são da última comemoração na Sala Comunal, também gosto de tirar fotos das festas, mas normalmente são duas ou três, porque sempre acabo bêbado. Aqui está ela, a ruiva... Conversando com essa garota, a Fahra, ela é intercambista da Índia, ótima garota e tal... Enfim, no baile do Slugh. Aquela noite foi um divisor de águas em vários aspectos, Sirius achou uma ofensa eu trocar uma noite de Lua Cheia com Remus por um baile ‘estúpido’, mas essa mesma noite ele preferiu jogar truco com Charlie e os outros no esconderijo de sempre. Charlie é um amigo nosso da Corvinal, enfim, ele é um panaca, mas eu o adoro. Naqueles últimos meses, Remus estava um completo saco, ele tem uns períodos depressivos e eu sei que deveria ser mais compreensível, e eu tento ser, mas é muito difícil aguentá-lo sem as medicações, beira ao insuportável, então meio que ninguém insistiu para acompanha-lo naquela Lua Cheia...

                “Eu lembro que comi vários bolinhos de camarão e todas as taças de champanhe disponíveis até o professor Slughorn me proibir de chegar perto da mesa de quitutes. Ano passado, pelo convívio forçado nas aulas de Herbologia, Lílian percebeu que não sou tão insuportável assim, mas o desprezo dela não diminuiu por completo. Olhe, eu assumo que não valho nada. Eu passei grande parte desses anos interessado em enfiar meu órgão dentro das garotas, rir da cara de qualquer um que tirasse uma nota menor que a minha e fazendo idiotices, eu já contei da vez que eu tive a brilhante ideia de fazer uma guerra de velas antigas da sala de Astronomia e quase deixei Peter cego, ou quando achei razoável chutar um coco verde em Hogwarts e atingir e destruir (sem querer, claro) uma veste de milênios de uma família russa do professor de Defesa Contra as Artes das Trevas no segundo ano... Eu assumo tudo isso, mas eu era sem noção, digo, quem não é sem noção aos quinze, tudo bem que eu só tenho dezessete, mas você entendeu.

                “O que eu quero dizer é que a pouca convivência com Lílian se tornou um completo vício, eu acordava ardendo de felicidade toda segunda feira porque eu sabia que teria duas horas de Herbologia com ela, e o resto da semana era uma tortura, porque... Bem, nas aulas de Herbologia somos os únicos Grifinórios, sabe, matéria para N.I.E.M’s normalmente são bem diversificadas, no resto da semana ela tem acesso a seus amigos e eu não me torno mais necessário. Mas voltando ao baile do Slugh, enquanto eu tirava fotos de pessoas feias, Snape seguia Remus para dentro do Salgueiro Lutador.

                “Eu vi isso no exato momento em que pedi para tirar uma foto de Lílian, atrás dela, eu vi um vulto negro e magricela paralisar a árvore e entrar. Eu sabia que era Snape, ninguém era tão feio quanto ele.

                “Tirei a foto e Lilían continuou conversando comigo, mas meu cérebro estava literalmente parado. Eu realmente podia ter ficado ali e... E quem me garante que eu não teria beijado Lílian no fim daquela noite? Antes da foto nós nos divertimos falando das plantas de Slughorn e das subcelebridades ali presentes. E ela estava sorrindo pra mim, não de deboche ou escárnio... Eu pedi para que ela tomasse conta da minha câmera, que eu precisava dar uma conferida em Remus. Eu corri para o jardim enquanto chamava Sirius pelo espelho, mas naquela altura da noite ele provavelmente estava morto de tanta droga. Então eu entrei no Salgueiro e...”

                James fitou o nada, afundado na poltrona de Batilda.

                A mulher idosa não parecia ansiosa para ouvir o resto, parecia já saber o final. Ele enfiou a mão no bolso e apertou o crachá gélido de Monitor Chefe. Mostrou para a idosa, que ergueu a mão para ver, colocando seus óculos vagarosamente. A sala escura de Batilda por conta dos móveis de madeira escurecida e os livros acumulando pó davam um estado depressivo a James. Bebericou a xícara de leite e mel, recuperando um pouco de sua arrogância.

                “Primeira vez na história de Hogwarts, sabia?”, ele pegou o crachá que ela lhe devolvera. “Remus não respondeu minha carta, acredito que ele vai ficar ressentindo até o recesso de Natal. Sabe, não é minha culpa, aquilo estava tipo, insustentável”.

                O gato branco da idosa esticou-se na janela onde algumas crianças corriam, animadas.

                Ele lembrou-se do olhar de fúria de Sirius quando todos acabaram no gabinete de Dumbledore e James não teve receio em dizer que quem provocara aquilo fora o Black.

                “Está orgulhoso?”, perguntou Batilda, chamando com os dedos sua gata, que deitou-se prontamente em seu colo. Ele observando o carinho que ela fazia no pescoço do bichano e suspirou, ainda afundado em memórias. Quis saber se Batilda também fizera coisas estupidas quando jovem, e se a perspectiva do futuro as vezes lhe parecia fútil e não tão atrativa. Eventualmente ela diria.

                “Orgulho não tem nada com isso”, e guardou seu crachá, não sentindo ansiedade em usá-lo.

                “Bonito”, disse, virando mais uma página de um livro de fotografias japonesas.

                “O quê?”

                “A vida. Há muito tempo”, virou outra página.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                Ela colocou um pimentão na sacola que James segurava e o garoto amarrou, colocando na cesta que segurava.

                Perderam alguns longos minutos na sessão de chás, onde Batilda explicara a James como ela fizera um homem acreditar que estava tomando um chá sendo que era um verissaterum poderoso. Atraíram olhares curiosos enquanto riam feito duas crianças aprontando algo. Conversavam sobre tudo, desde café à comidas de outros países, combinaram de visitar a Síria alguma vez na vida para que pudessem comer um bom sanduíche de falafel, já que os de Londres eram uma imitação barata.

                James não sentia que estava passeando com sua avó, apesar de ser essa a impressão da balconista do café onde foram encontrar as amigas de Batilda. Após pedir o copo mais infantil possível, onde saltavam chocolates e marshmallows, a mulher decidiu pedir um igual ao de James após um café puro. As amigas de Batilda contavam lentamente os problemas que tiveram em Gringotes ao tentar entrar no cofre e James tinha que ser forte ao segurar a risada, porque as histórias se resumiam a elas impedindo filas quilométricas tentando lembrar a senha ou assinar algum pergaminho.

                “James, como estão suas férias?”, perguntou Miranda, com grossos óculos, ela não podia tomar café porque seu organismo funcionaria até demais e ela estava se recuperando de uma colite daquelas, que resultara em uma bolsa de colostomia. James tentou não ficar apavorado quando ela lhe contara que a bolsa era literalmente uma bolsa para seu coco, costurado em sua barriga.

                “Devagar”, disse ele, comendo um marshmellow, “gosto de Hogwarts, lá eu fico sempre ocupado”.

                “É difícil ser filho único, ainda mais dos Potter”, disse Peggy, “Seu pai é um bruxo muito importante, em breve você vai assumir a cadeira no Diretório Sangue Puro”.

                “Nah, eu quero ser Medibruxo. É mais animado”.

                “Bem, eu fui uma Medibruxa uma vez... “contou Margareth, vagarosamente, e após uma pequena interrupção para pedir um cappuccino, ela já não lembrava do resto da história.

                Após o café, James leu um pouco do icônico diário de Peter, descoberto no quarto ano, para Batilda, que ria tanto quanto James, às vezes até ficar sem ar e parecer estar passando mal, então o garoto salta do sofá, assustado, e ela continua rindo como se nada tivesse acontecido. Assistiram juntos um filme trouxa, o preferido de Batilda, Brief Encounter.

                Comeu mais um pedaço de bolo de laranja, enquanto tomavam leite com mel, entretidos com o filme e James não se irritava com os comentários bobos de Batilda, como “eles não tomam banho nunca”. Ele não era muito fã de filmes trouxas, muito menos em preto e branco, mas aquele o pegara de jeito.

                Antes do fim, Batilda adormeceu. Viu o filme até o final, entendendo do porque ser o preferido da mulher. Pegou a manta na poltrona e a cobriu, fechando as janelas da casa antes de sair. Pensou em acordá-la, o sofá ia terminar de matar as costas dela caso adormecesse ali, mas ela sempre reclamava da dificuldade em dormir... Decidiu deixa-la, dando água e comida para o gato antes de sair.

                Ligou para Lily antes de dormir, e contou sobre o filme, apenas para no final a garota dizer que já havia assistido. Perguntou o porquê dela não ter dito:

                “Queria saber como tinha visto os personagens”, contou ela.

                Ficaram em silêncio.

                “Podemos ver um filme antes de voltarmos”, disse ela, quebrando o silêncio.

                James sorriu para a bancada, vermelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                “Oi querido”, sorriu sua mãe, tirando os óculos ao vê-lo entrar na sala. “Como foi?”.

                “Legal, trouxas sabem fazer um bom filme”, disse, jogando-se no sofá. Sua gata pulou em seu colo e ele tentou recuperar as energias em segundos, criando coragem para se por de pé. “Lílian mora muito longe, estou exausto”.

                “Por que não foi de lareira?”, perguntou não muito interessada. James rolou os olhos para a mulher, nem se dando o trabalho de explicar já que ela não se lembraria que Lílian era nascida trouxa e não tinha uma série de coisas em casa. Levantou-se, indo em direção da porta principal. “Onde você vai?”

                “Ver Batilda”

                “Oh querido, ela não está”, ele uniu as sobrancelhas, confuso. Ela fora passear sem ele? Sentiu-se traído.

                “Ela foi ao teatro? Nós íamos ver a peça juntos, eu disse que voltava antes das cinco!”

                Sua mãe virou-se no sofá, o olhando com pesar.

                “Querido ela tropeçou em casa hoje, foi levada para o St. Mungus... Acho que vai ficar lá por um tempo. Eu sinto muito”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                James não pôde ir até o fim da semana no St.Mungus, pois ela ainda estava passando por muitos exames e as Poções eram fortes demais para a reconstrução de seus ossos já falhos. Levou o diário de Peter para diverti-la, mas quando caiu, acabou machucando o rosto por não ter o reflexo de antes para protegê-lo, o rosto estava roxo demais para rir.

                Assistiram Brief Encounter em silêncio, e Batilda nunca se lembrava das cenas, mas dizia se lembrar do que sentiu quando viu pela primeira vez. Suas amigas chegaram depois, e tomaram leite com mel, mas Batilda só pôde tomar um pouco do chá aguado do hospital.

                Contou para as cinco idosas como fora a sessão de cinema na casa de Lílian e como a irmã dela tem uma cara fechada simplesmente assustadora. Quando James disse que assistiram Hiroshima Mon Amour, Margareth disse que aquilo com toda certeza fora uma estratégia sutil da garota, o que o deixou feliz. As quatro foram embora após um tempo e o horário de visitas já estava terminando.

                “Vá até meu quarto e pegue o embrulho roxo”, disse Batilda, sonolenta. “Estava na livraria e finalmente me lembrei de quem você tanto parece”.

                “Ok”, e Batilda riu, sabendo que ele não era do tipo que falaria ‘Ah, um presente? Jura? Não precisava!’. “Não vou poder sair de Hogwarts, mas podemos trocar cartas!”

                “Claro”.

                “Posso contar as novidades toda semana, se der, agora além de Capitão e melhor aluno, também sou Monitor Chefe”, exibiu-se, sério. A idosa sorriu e James beijou sua bochecha, se despedindo.

                Finalmente em Godric Hollow’s, pegou o resto dos brinquedos da gata que ficaria em sua casa até que Batilda se recuperasse, e subiu para o quarto da idosa para buscar seu presente. O lugar cheirava a melaleuca e mel, uma mistura inusitada para James. Sentou-se em uma cadeira de balanço com o embrulho mãos, o retirando delicadamente.

 

 

OS MENINOS DA RUA PAULO

Ferenc Molnár

 

 

                Abriu a primeira página:

Para James, quem muito me lembrou o líder deste incrível grupo de amigos.

 

                Folheou o livro em silêncio e o fechou, colocando em seu colo, fitando a parede de quadros com fotos ao redor da cama de Batilda, com o sol fraco do fim da tarde invadindo o local. Desceu para a cozinha e imitou quase religiosamente a forma como Batilda misturava o mel sob o leite quente na xícara, sentando-se na poltrona da sala de estar.

                Bebericou em silêncio e de olhos fechados.

                Quase esboçou um sorriso.

 

 

 

 

 

 

 

milk and honey - jackson c. frank

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Essa fanfic foi inspirada em um artigo da NY Times, infelizmente em inglês, mas é sobre um rapaz que encontrou seu melhor relacionamento em uma sincera amizade com uma idosa que era sua vizinha, o link: https://www.nytimes.com/2017/02/24/style/modern-love-when-your-greatest-romance-is-friendship.html

Os meninos da rua paulo é um livro incrível sobre um grupo de amigos, vale a leitura, aqui tem um pdf com um trecho: https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/41235.pdf

Brief Encounter é um de meus filmes preferidos da vida, parece uma versão extendida de 'sobre cafés e você' do menores atos, no youtube tem inteirinho legendado, vale muito a pena:
https://www.youtube.com/watch?v=PGQ6xBMLfeQ

Espero que tenham gostado.

:)



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