O Bosque escrita por Julia MKL


Capítulo 4
4




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Eu tinha apenas quatro anos quando disse a todos "Bernon vai morrer. Bernon vai morrer se não cuidarem do bode".

Bernon era um senhor baixinho, marido de Ilse, uma de nossas vizinhas. Ele e alguns rapazes cuidavam dos animais do vilarejo e muitos comentavam sobre o Bode Grande, um animal agressivo que tinha chifres um pouco maiores do que os outros de sua espécie. Mas ninguém levou a sério quando eu disse para terem cuidado.

Em uma certa tarde, a corda que o prendia não estava bem firme e o animal de soltou. Antes que alguém pudesse intervir, Bernon foi atacado pelo bode, cujos chifres atravessaram o corpo de homem. Ele morreu, diante dos olhos de muitas pessoas.

A primeira coisa que acontece quando alguém está sangrando é correrem para verificar se a pessoa está bem, geralmente. Mas quase imediatamente, há também uma onda de caos que se espalha.

Haviam gritos e vozes e pessoas soluçando. O bode fugiu. Chacoalhavam o cadáver de Bernon, tentando acordá-lo, enquanto alguém repetia "Bernon está morto. Ele está morto" sem cessar.

"Por que não amarraram esse bicho direito?" gritou alguém.

Os homens começaram a jogar a culpa uns para os outros e eu fiquei imóvel, observando, até que Adolph olhou em minha direção. "Você. Você sabia que isso acontecer. Você soltou a corda?"

Assustada, dei um passo para trás. É claro que não havia soltado a corda, eu não estava sequer perto de onde o bode estivera. Balancei a cabeça negativamente e mais olhares se voltaram em minha direção. "Isso é culpa sua", alguém disse.

Será que era mesmo? Não, não devia ser. Eu sonhei que Bernor morria, e tentei avisá-los, mas ninguém me ouviu. Ninguém nunca me ouvia.

Aquele dia ficaria na memória do vilarejo. Todos o restante da minha vida a partir daí, era composta por pessoas me olhando feio e dizendo para suas crianças não se aproximarem de mim. Os sonhos não pararam, é claro. Mas eu não falei sobre isso com mais ninguém.

 

Eu acordei de um sonho que na verdade era mais como uma memória. Éramos criança, eu estava solitária como sempre e algumas crianças do vilarejo riam e falavam coisas ruins sobre mim de longe. Anna olhou feio para eles e se aproximou. Ela sorriu, e com o sol batendo em seus longos cabelos loiros a menina quase parecia um anjo. A partir daí nos tornamos inseparáveis. Eu amava Anna, ela era minha melhor amiga. Mas eu também sentia uma gratidão enorme por ela ter feito o que fez.

Me levantei, torci o nariz para a pouca comida que tínhamos em casa e saí, deixando que os raios de sol tocassem a minha pele. Sol. Maravilhoso sol da manhã. Tudo brilhava coberto pela neve sob os raios de luz. O vilarejo não era muito grande, havia a floresta a minha esquerda e montanhas altas lá no horizonte. Era tão bonito. Meu lar era tão bonito.

Peguei minha capa e saí. O capuz eu havia ganhado de minha avó oito anos antes, era de um tecido vermelho escuro e bem quente. Minha avó era uma das melhores pessoas que eu já havia conhecido, a única que me pegava no colo e me embalava quando eu dizia ter medo dos meus sonhos, sussurrando "não tenha medo, mein kind". Sua morte havia me impactado mais do que a qualquer um, por isso, eu usava a capa com capuz vermelho: era a única coisa que me restava dela.

Há poucas pessoas do lado de fora a essa hora, já que os lenhadores saíram para cortar lenha e os ferreiros ainda estão abrindo seus estabelecimentos. Não há nada morto, felizmente.

Quando Anna acorda, a manhã deixa de ser silenciosa.

Ela abre a porta de sua casa e sorri ao me ver. Sai furtivamente, mas assim que seus pés tocam o chão, ela deixa toda a sutileza de lado.

"Você não vai acreditar" ela diz. "Mamãe ficou furiosa comigo ontem" a garota passou a mão por seus cabelos lisos, ajeitando-os com seus dedos. A roupa que Anna usava era um vestido azul claro um pouco desbotado com alguns detalhes em tecido branco. O azul do vestido destacava a cor de seus olhos, era o favorito da garota. Sob seu ombro havia uma capa longa com capuz semelhante a minha, mas a sua era marrom.

"O que você fez dessa vez?" Perguntei com um sorriso.

"Eu tentei cozinhar da forma como você falou. Amolecendo a carne primeiro."

"E ficou ruim?"

"Ficou maravilhoso!" Anna disse com entusiasmo. "É por isso que a mamãe ficou furiosa, todos elogiaram."

Eu ri. A porta da casa de Anna abriu novamente e meu coração quase parou ao ver Willard. Seu cabelo claro estava bagunçado e a barba por fazer, mas um sorriso iluminava seu rosto. "Ah, a cozinheira", ele disse.

A loira colocou as mãos na cintura. "Diga isso mais alto se quiser dormir com as cabras hoje", falou.

O rapaz riu e bagunçou o cabelo de Annastasia ao passar por ela. Ele olhou em minha direção.

"Bom dia, Emilie. Foi sua mãe quem ensinou Anna a cozinhar?"

"Não! Foi apropria Milie aqui quem me deu a receita", disse Anna passando um braço em torno do meu ombro.

"Eu só falei pra amolecer a carne antes do resto. Não é nada demais", me encolhi, diante da atenção. Podia sentir meu rosto queimar.

"Graças a você tivemos uma refeição ótima." O sorriso de Willard se alargou ainda mais, seus olhos brilhando. "A má notícia é que provavelmente a tia Helga provavelmente vai querer estrangular você também."

O rapaz se despediu com uma risada, indo em direção a seus afazeres do dia. Eu não conseguia deixar de sorrir diante da atenção que havia recebido. Anna me soltou e se virou para a direção oposta, falando sobre como Willard era irritante, mas que iria perdoá-lo já que ele havia elogiado sua comida. Eu a acompanhei por alguns passos, um pouco distraída.

Então, uma brisa fria pareceu passar por mim, e me arrepiei. Anna seguiu andando e falando, mas por um momento, algo não parecia certo. Puxando o tecido de minha capa com mais força, olhei para trás. Grandes olhos nos observavam por entre as árvores.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando da história, pois eu estou amando escrevê-la!

Sempre digo que até mais ou menos esse ponto, a história é escrita para contextualizar o leitor: Mostrar quem são os personagens, onde vivem, como se relacionam com as pessoas a sua volta e quais os problemas que enfrentam. É a partir de agora que as coisas vão ficando mais interessantes, e as relações entre alguns personagens podem mudar.

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