A melhor coisa de se viver em uma cidade pequena como Forks era que a maior parte das pessoas se conheciam, seus pais e avós provavelmente tinham brincados juntos e os laços acabavam sendo bastantes fortes. Por outro lado, a pior coisa de se viver em uma cidade pequena como Forks era que a maior parte das pessoas se conheciam, assim era impossível que qualquer evento ficasse em segredo por mais que dez minutos. Especialmente quando se estudava em uma escola como o Forks High School com seus míseros trezentos e vinte e dois estudantes. Era nisso que Emmett Cullen pensava encarando a parede bege da enfermaria enquanto a enfermeira Heide Volturi, esposa do técnico de futebol da escola, colocava um band-aid em seu supercílio cortado e lhe entregava uma gaze para estancar o sangramento no nariz.

—Onde aquele idiota está?!- A voz histérica de Rosalie Hale foi ouvida pelo pequeno cômodo da enfermaria fazendo Emmett estremecer e sua cabeça voltar a latejar. Imaginou que ainda teria pelo menos mais cinco minutos antes da namorada aparecer e acabar com o que sobrara dele.

—Dia difícil, querido? – Perguntou gentilmente a mulher de cabelos negros e íris violetas com um sorriso brincalhão na face.  Não era novidade para ninguém que Rosalie estivesse irritada com alguma coisa que o Cullen tivesse feito.

—Você nem faz ideia, tia. – Emmett encostou a cabeça contra a parede, pressionando a gaze no nariz e relaxando o corpo sobre a maca que rangeu com o peso extra. O olho direito que fora atingido em cheio pelo soco de Paul Lahote estava completamente fechado agora e a região ao redor doía de um jeito particularmente desconfortável. – Qual a probabilidade de dizer que eu entrei em coma?

A esperança era a última que morria, já dizia o velho ditado.

Heide riu bem-humorada e lhe entregou uma cartela de analgésicos com quatro comprimidos.

—Tome a cada oito horas se a dor for insuportável demais. No mais eu já terminei por aqui, querido e você poderá receber suas visitas.

—Alguma chance de conseguir uma dispensa? – Já que estava no inferno agora só lhe restava abraçar o capeta, e se pudesse conseguir a sexta feira livre seria a glória.

Novamente Heide voltou a sorrir com um ar de condescendência que começou a irritar o adolescente. Isso e o fato dela sempre parecer terminar as frases com a expressão “querido” o estavam levando a loucura. Quem falava daquele jeito? Era desesperador.

 –Não acho que você precisará se preocupar com isso, querido.  O vice-diretor já está organizando os papeis da sua suspensão. Estou indo agora antes que sua jovem namorada destrua minha sala de espera.

Emmett fechou os olhos e soltou o ar pela boca. Suspenso. Ia ser suspenso, cacetada, sua mãe ia comer seu fígado no jantar. Isto é, se Rosalie deixasse algum pedacinho para ela. E foi só pensar nela...

A porta de madeira envernizada por onde apenas dez segundos atrás Heide desaparecera bateu contra a parede e voltou ao ser empurrada por uma muito possessa Rosalie Hale. Ela brilhava em todo seu esplendor: a pele pálida e suave estava levemente avermelhada devido a raiva especialmente nas bochechas e orelhas, os lábios comprimidos em uma linha fina, os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo e a mochila cor de rosa jogada displicentemente para trás sobre um dos ombros. Emmett sorriu bobamente enquanto encarava aquela figura, nunca se cansaria de observá-la e lembrar o quanto era sortudo por tê-la em sua vida. Pareceu até que saiu do ar por alguns momentos até que uma bolsa rosa cheia de frufrus o atingiu bem no estômago e ele soltou o fôlego que mantinha preso.

— Que bolsa pesada, Rosalie. Cacete, “ta” carregando um corpo aí dentro, mulher? – A mão livre, aquela que não segurava a gaze ensanguentada retirou a bolsa do colo e acariciou a própria barriga numa tentativa de aliviar a dor.

— Eu deveria fazer muito pior que isso seu imbecil. Agora imagine minha surpresa enquanto eu estava na biblioteca tranquilamente devolvendo o livro de química quando ouvi de duas garotinhas do primeiro ano que você tinha vindo parar na enfermaria. Achei que alguma coisa grave tinha acontecido apenas para ouvir logo em seguida que você tinha se metido numa briga com o Paul. Outra vez, Emmett!

Foi impossível evitar que um sorriso esticasse seus lábios ao perceber a preocupação da namorada. Rosalie era uma pessoa difícil e na maior parte do tempo requeria alguma paciência e muito jogo de cintura para lidar com ela, especialmente quando estava irritada por alguma razão, mas por baixo de toda aquela frieza, caretas e expressões humor ácido e enfado havia uma pessoa maravilhosa, muito disposta a ajudar os outros e com um coração enorme, só era preciso saber onde procurar para desbravar aquele tesouro em forma de mulher. Infelizmente o sorriso provocou o repuxar de sua pele tornando-o muito consciente da ferida no canto do seu lábio o que fez gemer de novo. Com o canto dos olhos viu Rosalie cruzar os braços e uma carranca distorcer as feições harmoniosas.

— Sinto muito preocupar você, mas a culpa foi total dele, ursinha. O cara é um idiota e ficou bostejando por aí.

—Eu definitivamente não estava preocupada com você. - Teimou ficando ainda mais vermelha quase a ponto de estourar. Emmett prendeu a gargalhada que estava ameaçando despontar em sua boca. Puxou a namorada pela mão meio contra sua vontade deixando no meio de suas pernas abertas.

—Desculpe por isso, eu realmente não tinha a intenção de fazer você ficar desconfortável de qualquer forma. Você me conhece ursinha, sabe que eu não saio procurando briga por aí, é a confusão que me persegue. Cuida de mim, ursinha. – Aproveitando a posição o grandão encostou o nariz no pescoço de Rosalie provocando cócegas que desarmaram a postura da loira. Ela riu

—Humpf!- Exclamou fazendo charme mas por fim descruzou os braços e acariciou os cabelos negros do namorado.- Não sei o que eu faço com você.

Ficaram assim por um tempo apenas curtindo o silêncio entre os dois até que por fim Rosalie voltou a se pronunciar, agora mais aplacada pelo carinho.

—Você não pode se meter nessas confusões Emm, precisamos de créditos e recomendações para conseguir uma boa Universidade. Você não vai conseguir isso se continuar levando advertências por motivos estúpidos.

Emmett e Rosalie se conheciam desde o ensino fundamental, quando ele se mudara para a pacata e chuvosa cidade de Forks com os pais. Esme e Carlisle Cullen decidiram que uma cidade pequena e aconchegante se enquadrava muito mais com o estilo de vida igualmente pacífico de ambos. Ela como design de interiores e ele como o médico chefe da junta médica do único hospital de grande porte da cidade. A princípio a mudança não agradara muito o pré-adolescente de 11 anos de idade, mas não era como se Emmett pudesse ter escolha. Entretanto, tudo mudou de figura ao encontrar os gêmeos Hale. Rosalie e Jasper foram seus primeiros amigos na cidade.

Eram um trio inseparável e à medida que cresciam os planos para ficarem juntos apenas se expandiam, sonhavam em ir para a mesma faculdade e alugar um apartamento, até planejaram fazer uma tatuagem em comum. As coisas ficaram esquisitas quando aos 15 anos Emmett e Rosalie descobriram que o que sentiam um pelo outro ia além de simples amizade, mas depois de algumas semanas de estranhamento os três estavam em harmonia outra vez, até Jasper começar a se afastar por motivos completamente diferentes.

—Eumasuspensão- Falou rápido e num fôlego só. Quem sabe assim ela não conseguisse ouvi-lo?

—Como é que é? – A loira se afastou voltando a inflar as bochechas com raiva e ficar mais vermelha do que antes. – Você levou uma suspensão??! – A incredulidade estava presente nos orbes castanhas e Emmett esfegou a cabeça em um gesto de nervosismo.

—Teoricamente não, já que o vice-diretor ainda não me entregou a carta de suspensão, mas Heide disse que ele estava vindo.

—Você é inacreditável! Primeiro me leva uma surra do Paul Lahote em pleno pátio e depois ainda toma uma suspensão. – Agora era a vez de Emmett ficar indignado e ele demonstrou isso saltando da maca.

—Ouche! Levei uma surra nada, ta doida? Você tinha que ver como foi que ele ficou. Só me faltava essa, achar que eu ia perder para um otário feito o Lahote. -  Rosalie riu sabendo que iria irritá-lo ainda mais.

— É difícil imaginar que ele tenha ficado pior que você, você está horrível. – Ela comentou observando-o mais de perto. Realmente estava bem feio, o olho esquerdo estava completamente fechado e num tom roxo que lembrava uma berinjela madura demais, o band-aid no supercílio era da Elsa do filme Frozen e o nariz parecia ligeiramente torto embora Rosalie não estivesse certa se fora por causa da briga ou se ele sempre tinha sido daquele jeito.

—Eu quebrei aquela cara idiota em mil pedaços e soquei o nariz  no meio do cérebro dele.- Falou com um brilho perverso no olhar e as narinas dilatando de forma realmente irritada o que surpreendeu Rosalie. Emmett não era daquele jeito esquentado, na verdade ele costumava ver o mundo com muita leveza e bom humor, era disperso e mais preocupado em fazer piada com as coisas que o afligiam do que realmente se aborrecer, o que contrastava com a personalidade séria e focada de Rosalie. Eram as duas faces de uma mesma moeda, mas pelo visto Paul Lahote conseguia a proeza de tirar o brincalhão Emmett do sério.

— Hei, está tudo bem, minha bombinha de testosterona. – Fez piada tentando quebrar o clima pesado conseguindo um ligeiro sorriso em resposta.-Senta aí e me conta o que aconteceu. - Pediu segurando a mão dele que não demorou a acatar o pedido. Sentou-se imediatamente mas passou algum tempo em silêncio antes de suspirar e começar a falar.

—Ele estava falando mal do Jasper.  E de você também. - Rosalie sentiu o coração aquecer sabendo o quanto o assunto era difícil para Emmett. – Estava  fazendo piada com o sofrimento dele e da sua mãe. Dizendo que não sentia pena nenhuma de um “viciadinho” e que o local de gente como ele era na cadeia, longe das “pessoas de bem”. - Fez o sinal de aspas com as mãos. – E que não duvidada nada que você usasse drogas também e depois....- os punhos de Emmett ficaram cerrados e sua respiração mudou completamente à medida que a tensão se instalara em seu corpo.- Depois ele falou coisas sujas sobre você, eu não me atrevo a repetir.  E então a única coisa que deu pra escutar foi o som do meu punho contra a cara dele.

A situação de Jasper era complicada e ainda tema de grande rebuliço numa cidade pequena como a que eles viviam. O irmão sempre fora muito diferente da maioria das pessoas, Jasper tinha uma sede de conhecimento e um prazer pelo desconhecido, ele gostava de aventuras, gostava de fazer coisas novas e odiava a rotina. De repente Forks se tornara insuficiente para ele, assim como a companhia de Emmett e Rosalie. Em suas andaças por Seattle ele conheceu e se apaixonou por Maria, uma jovem que infelizmente o guiou por um caminho difícil de retornar. A curiosidade e o desejo de agradar falaram mais alto que a prudência e antes que pudesse se dar conta Jasper Hale estava envolvido num emaranhado difícil de sair, devia dinheiro para gente poderosa no tráfico e não tinha como pagar, faltava a escola e passou a se isolar por horas no seu quarto quando parava em casa. Foi com pesar que os amigos viram o jovem definhar e murchar até por fim dar um grito de socorro ao tentar retirar a própria vida. Depois de se recuperar no hospital, Jasper fora incluído por vontade própria num programa de desintoxicação e fora internado numa clínica de recuperação onde cumpria o último mês de internamento antes de poder retornar a casa.

—Sinto muito que você teve que ouvir isso. E fico muito grata que você tenha nos defendido. - Ela o beijou sutilmente envolvendo seu rosto com cuidado nas mãos pálidas. Estava fria ao toque em parte pelo nervosismo, em parte pelo desconforto. – Mas violência nunca é a solução Emmett. Não vale a pena perder tempo com Paul e aqueles cachorros idiotas que o seguem. – Wolves of La Push era o nome da banda que Paul e seus amigos faziam parte, apesar do nome o símbolo da banda fora tão mal desenhado que lembrava um chihuahua com dor de barriga ao invés de lobos assustadores.

—Em breve estaremos na faculdade e tudo isso ficará para trás.

Ele assentiu envolvendo a cintura fina com as mãos.

— Não precisa se preocupar, vou conseguir uma bolsa com meu ótimo desempenho no time de futebol. Ou você acha que esse corpo escultural aqui serve só para o seu deleite? – Ergueu as sobrancelhas simultaneamente repetidas vezes

Ela riu e deu um tapa no peitoral musculoso.

—Você é um idiota, Emmett. Mas é o meu idiota.- Beijou novamente os lábios machucados e puxou a mão que segurava seu quadril ao se separarem. – Vem, vamos pegar logo sua suspensão, eu estou doida para saber o que tia Esme vai fazer quando souber das novidades.

Emmett estremeceu, nada era pior do que sua mãe brava. Bem, quase nada para ser sincero, Rosalie e Esme bravas juntas era a pior coisa do mundo com certeza.

— Nem me fale, se bem que a essa altura ela já sabe. Não existem segredos em Forks.

Apertou a mão da garota que amava contra a sua sentindo segurança, levou a mão aos lábios depositando um beijo suave e então começaram a caminhar de mãos dadas deixando a enfermaria para trás. Enquanto as mãos se tocavam Emmett se dava conta de que nada mais importava: nem as fofocas, nem Paul e sua gangue, nem o passado de Jasper. Enquanto tivesse Rosalie ao seu lado tinha um porto seguro, um abrigo na tempestade e a melhor perspectiva de futuro. Sim ela era tudo o que ele queria e isso bastava.