Celle, o retorno escrita por Nany Nogueira


Capítulo 16
O inverno na alma




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Isabelle desligou o chuveiro, pegou a toalha e se enxugou, tentando conter o sangramento que só aumentava. Vestiu-se rapidamente, chamou um táxi e chegou correndo ao pronto-socorro. Preencheu a ficha, enquanto chorava pedindo atendimento.

Foi encaminhada para o plantonista que após breve exame afirmou se tratar de aborto espontâneo, comum nos três primeiros meses de gestação. Mas, encaminhou a moça para outros exames, cujos resultados confirmaram o parecer do médico.

Isabelle ficou em observação no hospital naquela noite, foi liberada pela manhã. Pegou outro táxi e retornou ao seu pequeno e vazio apartamento. Ela se sentia mais vazia do que nunca, sem nada a que se agarrar. Já amava o seu filho que se foi sem que nem pudesse conhecer o seu rosto. Ficou imaginando se seria um menino ou uma menina, se seria parecido com ela ou com Cris, se Cris ficaria emocionado quando ela finalmente tivesse coragem de lhe contar.

Lembrou-se de quando Sam lhe relatou que escondera a gravidez de Freddie e se deu conta que estava fazendo o mesmo com Cris. A moça sempre nutriu profundo amor e admiração pelo pai e imaginava como Sam teria sido egoísta se não permitisse esse convívio que lhe foi tão bom durante toda a vida e no quanto ela mesma estaria fazendo isso com o filho, que nem pôde nascer.

Ela começou a relembrar todos os tristes acontecimentos: a traição de Cris, o fim do noivado com Richard à beira do altar e a tentativa dele de se atirar da ponte, a demissão e, o pior, o aborto do filho inesperado, porém, já desejado.

Viu-se só e triste. Chegou à conclusão de que todo o seu esforço para ser autossuficiente só serviu para lhe mostrar o quanto as pessoas são importantes na vida dela. Então, tomou uma decisão. Pegou o celular e ligou:

— Mãe, não precisa vir pra cá, vou entregar o apartamento e estou voltando para Seattle, se vocês me aceitarem.

— Deixa de ser boba, menina! Como não te aceitaríamos? Tudo o que mais queremos é ter você de volta!

Ao final daquela semana, Isabelle embarcou de volta à Seattle, só queria o amor e aconchego da família, sabia que precisava disso para ter forças para continuar.

Sam e Freddie receberam a filha felizes e eufóricos. Haviam preparado os pratos preferidos dela para o almoço, bem como nas sobremesas e arrumado o quarto da moça com capricho.

A mãe percebeu que a filha estava triste, distante, com uma personalidade mais calma do que a costumava ter, mas, imaginou ser natural diante de tudo o que Isabelle havia passado nos últimos tempos, esta não compartilhou o aborto com Sam, Freddie, Alison ou com quem quer que seja, porque simplesmente não conseguia falar sobre isso ou externar a dor que sentia, por isso, tornou-se mais calada e melancólica.

Sempre que Isabelle via mães com bebês nas ruas, sentia um aperto no peito e a imaginação começava a trabalhar. Ela se via com o seu bebê nos braços, imaginava-o cada vez de um jeito diferente. Mas, logo afastava os pensamentos, segurando as lágrimas que já marejavam seus olhos castanhos amendoados, herdados de Freddie.

Soube por Sam que Mabel havia sido levada por Melanie para tratamento da saúde psicológica em Cambridge e que Cris estava cuidando sozinho de Ellie, mas, não teve vontade de procurá-lo, até porque o rapaz também não havia feito nenhum movimento na sua direção. Ocupava o tempo procurando anúncios de emprego e enviando currículos.

Freddie ofereceu a ela uma vaga na Microsoft, mas Isabelle a recusou, afirmando que não queria ser indicada, mas conquistar a vaga por mérito próprio.

O inevitável encontro com Cris aconteceu quando Isabelle desceu para pegar a correspondência na portaria, a pedido de Sam.

Cris havia ido buscar Ellie na creche e retornava ao prédio para deixá-la com Sophie.

Ao ver Isabelle, Ellie correu para ela, que a pegou no colo e abraçou, sentindo emoção. A presença da menina, no seu estado de sensibilidade de quem acabou de perder um filho, mexeu ainda mais com seus sentimentos.

Cris percebeu a emoção de Isabelle e após cumprimentá-la, educadamente, disse:

— A Ellie também gosta muito de você e também sentiu muitas saudades.

— Sua filha é um encanto, Cris – acariciando os cabelos loiros da menina – Você tem muita sorte de tê-la. Não posso negar que é um bom pai.

— Eu agradeço pelo elogio. Isabelle, eu preciso dizer que não foi só Ellie que sentiu saudades suas.

— Você também, eu sei.

— Sabe?

— Eu também senti saudades suas.

— Sério?

— Você sabe que não sou de dizer coisas nas quais eu não acredite.

Foi a vez de Cris sentir-se emocionado, aproximando-se de Isabelle, ainda com Ellie no colo, e abraçando-a:

— Eu tive tanto medo de te perder para sempre.

— Nós tivemos perdas maiores, Cris.

— O que quer dizer.

— Nos perdemos um dou outro, muitas vezes.

— E não podemos mudar isso agora?

— Talvez seja muito tarde.

— Eu te esperaria a minha vida inteira se preciso fosse.

— Então, que continuemos na espera do tempo certo. A Isabelle que você vê agora, nem eu mesma sei quem é. Passei por muitas coisas, preciso de um tempo para saber novamente quem sou e o que quero.

— Claro, eu sei que você tem enfrentado muitas batalhas.

— Nem todas você conhece, algumas enfrentei realmente sozinha. Por isso, voltei para meus pais. Talvez estando perto da minha raiz, meus galhos possam voltar a florescer.

— O que eu mais desejo é que você floresça e que suas flores possam perfumar também a minha vida.

— Então, é preciso aguardar que o inverno passe.

— Eu vou aguardar ansiosamente pela primavera.

Os dois trocaram um sorriso. Isabelle entregou Ellie para Cris e subiu.

Cris chegou ao apartamento sentindo o coração ainda acelerado, até sua respiração estava curta. O encontro com Isabelle mexeu com as suas emoções. Ela lhe parecia sem escudo, menos espinhosa do que de costume, mas, ao mesmo tempo, mais triste do que costume. Sentiu por isso.

Ele colocou Ellie no sofá e saiu procurando por Sophie, mas não a encontrou. Sobre a mesa da cozinha, um bilhete da irmã: “Não posso ficar com a Ellie, tenho trabalho em grupo na casa da Cindy”.

Cindy era a melhor amiga de Sophie. Cris ficou contrariado com o descaso da irmã, que não lhe avisou com antecedência. Ligou para a menina, que não atendeu, tampouco respondeu às suas mensagens.

Ele precisava voltar ao trabalho, não poderia deixar o posto militar, sob pena de punição. Carly estava na Prefeitura e Gibby no restaurante. Pensou em Coronel Shay, mas lembrou-se que ele havia ido viajar com Pam.

Tocou a campainha do apartamento da frente, mas Marissa Benson não atendeu. Provavelmente estava na mansão de Charles, onde estava passando a maior parte do seu tempo ultimamente.

Então, só lhe restou os parentes mais próximos de Ellie e também seus vizinhos: Os Puckett-Benson. Tocou a campainha do apartamento do 13º andar e Sam atendeu. Ele explicava a situação quando Isabelle se aproximou, dizendo:

— Meus pais já estão de saída para o trabalho, mas, como sou oficialmente desempregada, posso ficar com ela.

— Você me faria esse grande favor?

— É claro – respondeu ela, pegando Ellie do colo de Cris – Alguma recomendação especial?

— Ellie é boazinha, não dá muito trabalho e come qualquer coisa. Nenhuma recomendação especial, só o cuidado básico com qualquer criança.

— Eu ajudei um pouco com os meus irmãos e gosto de crianças, acredito que vou dar conta, pode ficar tranqüilo.

— Eu confio em você, Belle.

Mais um sorriso trocado e ele se foi, após se despedir da filha e de Isabelle, com um beijo no rosto de cada uma delas.


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