A resposta à carta fria enviada por Catarina chegou tão rápido que a bibliotecária até se surpreendeu. Ela nunca havia visto o correio trabalhar tão rápido (apesar de, no fundo, saber que aquela era uma falsa sensação ocasionada pela ansiedade).

“Você sabe de onde; não importa quando

Catarina,

 Eu espero que você chegue a ler essa epístola e que não esteja tão brava quanto transpareceu em seu último escrito. A verdade é que eu não fiz para lhe magoar ou afastar de mim, eu apenas necessito trabalhar, como todos.

 Mas, antes que se sinta debochada, deixe-me te dizer algo muito importante. Contemplar a possibilidade de perder seu contato novamente, ou seu respeito, foi um grande baque para mim. Cat, eu sei que faz muito tempo que não nos vemos, que você já é inclusive mãe e da distância entre nós, porém eu realmente sinto algo por ti. Ler todos os desabafos que me enviou há quase três meses me fez compadecer de imediato e, depois de uma pequena troca de epístolas, percebi um sentimento que já estava em mim, guardado, há anos.

 Você se lembra quando nos despedimos? Nossos pais nos levaram à praia de tanto que nós insistimos no dia anterior à sua mudança. Era meu aniversário de nove anos e você me deu um selinho. É engraçado que a maior parte das pessoas nos fazem acreditar que beijos são coisas mágicas, de outro mundo. Isso está certo e errado.

Bem, errado, porque beijar alguém não faz o tempo parar e borboletas surgirem de dentro de você enquanto seus olhos soltam arco íris. Mas certo, porque o simples ato de encostar os lábios significa, para a maioria, doar seu corpo, alma e mente para outra pessoa. É o significado que damos às coisas que as tornam especiais.

Aquele primeiro beijo não me deixou quente, não me fez rodar, eu não terminei levitando, tampouco senti que estava passando a um plano superior da existência. Pelo contrário, foi um selinho simplório e tímido, quase sem graça, mais recebi do que dei. Naquela época ainda não tinha significância.

Se eu fosse descrever quando aconteceu, na véspera dos meus nove anos, seria só uma despedida nojenta da minha melhor amiga, já que infelizmente ela ia se mudar. Contudo, hoje, vinte primaveras depois, eu percebo que quando nossos lábios se tocaram em um ato inocente, temeroso e rápido, selamos um acordo eterno, fixamos um laço indestrutível que, ainda que estivesse adormecido, veio à tona com força total recentemente. Agora eu enxergo o significado e, de alguma maneira, sinto que você também.

 Eu vou dizer o que antes não tive oportunidade, por ser ingênuo demais: eu te amo. Eu te amo, Catarina, e isso significa amar seu filho e sua mãe também. Quero pedir desculpas por não ter estado presente tanto tempo, mas agora eu estou. Eu vou viajar para São Paulo, se você quiser, e vou lidar com esse Afonso de graça. Está disposta a me dar outro selinho?

 Quero um sim, mas aceito um não

 Seu Juli”

 Catarina sentiu-se como se tivesse quinze anos e estivesse vivendo seu primeiro amor e, de repente, todo aquele peso que sentia nos ombros pareceu se esvair. Ela não sabia que Juliano era um poeta. Mas, pensando bem, todos o são quando sentem algo muito intenso. Ela não fazia a menor ideia de como responder. Sentia-se insegura, tudo tão repentino, como iria explicar isso para Manuel?

 Não importava. Seu pai lhe dissera, certa vez, que se precisasse escolher entre algum sonho ou o medo, nunca deveria hesitar em eleger a primeira opção. Facilmente mudou a palavra “sonho” para “amor” em sua mente e se decidiu. Era algo bastante inocente, sabia, mas às vezes na vida é preciso permitir-se arriscar.