Os cachos cobriam o rosto da moça enquanto ela segurava fortemente o amontoado de envelopes. A fila do correio estava deveras congestionada naquela fatídica sexta-feira à tarde e Catarina resolvera sentar-se em um dos bancos de espera direcionados aos clientes. Detestava ficar em pé, especialmente quando estava nervosa.

 Sua mente voava para aquilo que lhe guiara até aquele ponto; as cartas. Começara a escrever fazia dois anos, quando seu pai morreu, como uma pequena terapia ocupacional e, no início, sequer havia destinatário nas saudações. No entanto, com o tempo, o nome de Juliano Gonçalves saltou sozinho da caneta e nunca lhe incomodou. Sentia-se à vontade o suficiente para confidenciar qualquer coisa à alcunha de seu primeiro amor, já que ninguém jamais teria conhecimento dos escritos. Ou, pelo menos, era o que imaginava até semana passada.

 Soltou uma reclamação inaudível, alguém estava com dificuldade para embalar algum objeto frágil e isso atrasava ainda mais o atendimento. Sua ansiedade parecia pronta para transbordar e o barulho dos ponteiros do relógio fazia tudo parecer uma espécie de filme com gênero suspense. Sua consciência a todo momento pedia para que desistisse da ideia.

 A bem da verdade, sua mãe tinha conhecimento dos escritos desde o princípio, no entanto recentemente havia, por alguma razão inexplicável, deixado escapar que o destinatário era seu namoradinho de dez anos atrás. E argumentando que na pior das hipóteses Juliano já não viveria mais no mesmo endereço e as cartas retornariam, a viúva Maria havia conduzido as coisas até acabarem naquela situação. Cat pensava que isso era o mais provável, porém não o pior cenário.

 E se os envelopes chegassem nas mãos de uma esposa ciumenta? Se Juliano tivesse falecido? Se ele se sentisse ameaçado de alguma maneira, talvez por não se lembrar de Catarina, ou, pior, e se respondesse?

 Na tentativa de silenciar sua mente, resolvera ler a última coisa que tinha assinado. “Vila das Orquídeas, São Paulo, 25 de Junho de 2018”, sorriu ao se dar conta de que aquilo havia sido grafado apenas alguns dias antes.

Caro Juli,

 Eu trago outra reflexão exageradamente filosófica. Acontece que estava em mais um expediente quando surgiu a oportunidade de ler aquele livro da Clarice Lispector que a escolinha do Manuel distribuiu de Dia das Mães. Pois é, ainda não havia tido tempo de começá-lo.

 Então, me deparei com uma frase que fechou minha mente para qualquer outra leitura, como a Clarice costuma fazer sempre. “Queria saber, depois que se é feliz, o que acontece?”. Pode parecer algo besta, mas tente responder e você perceberá o quão profundo é. Eu admito que fiquei refletindo por todo o final de semana, porém foi em um momento razoavelmente banal que entendi. O Pitoco estava brincando no escorregador enquanto eu o observava, em uma pracinha recém construída aqui perto e, apesar de ser bem tedioso ficar supervisionando uma criança, a felicidade do meu pequeno era palpável. Compreendi, de repente, que o próximo passo, depois de consolidar-se feliz, é ter alguém para fazer sentir o mesmo. Do que vale a alegria se não podemos compartilhá-la?

 Abraços da mesma Catarina de sempre”

 Guardou o papel junto com os outros rapidamente e ergueu-se, era sua vez de ser atendida. No entanto, naquele momento, não reconheceu qualquer pitada de dúvida em todo seu ser. Reler a constatação que fizera e relembrar do sorriso de seu filho lhe fez eliminar qualquer medo. Afinal, quem é amado não tem muito o que temer.