Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 5
Se a gente tivesse combinado...


Notas iniciais do capítulo

Boa leituraaa :3



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— Vanessa, vamos logo! — ouvi vovó gritar do andar de baixo.

— Já estou indo — respondi, buscando com pressa minha bolsa. — Inferno! — sussurrei para mim mesma.

Sem tempo para uma busca mais aprofundada, simplesmente peguei uma jaqueta jeans com vários bolsos e coloquei meu celular, documentos e algum dinheiro nesses bolsos, uma vez que optei por um vestido para ir na tal festa da cidade. Ridículo. Eu normalmente não concordaria em ir para um evento cheio de bouldercitiziens simpáticos e loucos por cafés da tarde, mas eu havia combinado de encontrar Luke, então eu não somente iria ao maldito aniversário de Boulder City como ficaria extremamente nervosa com isso.

Estar afim das pessoas é viver um inferno: você se preocupa demais com coisas nada a ver, você surta por absolutamente nada e você também acaba concordando com coisas que você normalmente não concordaria. E ainda por cima adora passar por tudo isso.

— Pronto, pronto — eu disse ao chegar na sala.

— Finalmente — Abigail suspirou, se levantando do sofá e desligando a televisão.

Peguei a chave e abri a porta. Na rua, várias pessoas rumavam no mesmo sentido: a pracinha no centro da cidadela. Pensei em Luke novamente e isso me impeliu a seguir a multidão que marchava no mesmo ritmo.

— Por sua causa — Abigail comentou baixo assim que começamos a andar. — Eu vou ter que aguentar a Gertrudes o caminho todo. Muito obrigada pelo atraso, Vanessa — finalizou com sarcasmo.

No mesmo momento uma velha perua se aproximou de nós com seus brincos excessivamente chamativos. Ela se equilibrava precariamente sobre um salto plataforma e seu vestido lhe caía muito bem provavelmente quando ela tinha a minha idade.

— Bibi, querida! — disse, passando um braço sobre os ombros de minha avó que me mirou com raiva.

Eu engoli o riso e apertei o passo, me afastando rapidamente de Abigail e de Gertrudes, correndo os olhos pela multidão agitada.

— Nessa! — ouço a voz de Joyce, que tenta se aproximar em meio ao mar de gente. A puxo pelo braço na minha direção, enganchando-me nela para não a perder enquanto rumamos para a praça.

— Você não vai acreditar — falo, próximo de seu ouvido para que ela consiga entender minhas palavras em meio à balbúrdia de conversas que nos cerca.

— O que foi? — ela pergunta interessada.

— Hoje a tarde — comecei, não conseguindo segurar o sorriso. — Fiquei ilhada com Abigail na padaria.

— Mentira! — Joyce me interrompe, com os olhos arregalados. — E aí?

— Bem, Luke perguntou se nos encontraríamos na festa — eu respondi.

Joyce soltou um atípico grito empolgado e começou a olhar ao redor, procurando por ele.

— Então nós sabemos o nome dele, hã? — perguntou, andando apressada.

— Joyce, vai com calma — eu ri, sendo puxada por ela em meio à multidão. — Ele só perguntou se a gente ia se ver, não é nada de mais.

— O cacete! — ela diz.

Reviro os olhos e continuo seguindo Joyce pela multidão na direção da pracinha. Já avistava as luzes vindo das barraquinhas dispostas na ampla praça, iluminando a noite que caía lindamente sobre Boulder City. Sim, eu acabei de proferir um elogio à essa cidade. Não o repetirei tão cedo, já sentia meu estômago embrulhar. Estávamos no ponto que a multidão se dispersa e começa a ocupar todo o espaço cercado pelas pequenas tendas que distribuíam comida. Um palanque com a bandeira da cidade se erguia ao fundo, pronto pare receber o discurso do prefeito. No playgroud distante, algumas crianças brincavam sendo observadas por suas mães.

A noite estava com uma temperatura agradável. Avistei minha avó na tenda de caldos acompanhada por Gertrudes com uma expressão clara de "quero morrer". Prendi o riso e desviei o olhar, buscando por Luke em meio a multidão. Nunca que eu o encontraria nesse caos boulderiano. Malditos adoradores de café da tarde!

— Quer encostar em algum lugar? — perguntou Joyce. — Para ver quem está chegando.

— Pode ser — concordei, a seguindo enquanto costurávamos a multidão.

Acabamos sentadas em cima de alguns caixotes, bem ao lado de um poste de luz. De onde estávamos, tínhamos uma boa visão de quem chegava. Vários minutos se passaram e nada de Luke aparecer. Eu já estava murcha e desesperançosa. Onde eu estava com a cabeça?

— Procurando alguém? — a voz que veio de trás de mim me sobressaltou.

Viro o corpo rapidamente para me deparar com Luke de pé bem atrás de mim, com seu sorriso de canto e uma jaqueta jeans muito parecida com a minha.

— Olha só — comento, espelhando seu sorriso. — Se a gente tivesse combinado não teria funcionado.

Ele me encara por alguns segundos e Joyce dá um pigarro para mostrar que ainda estava ali e estava desconfortável. Rapidamente desviamos o olhar, constrangidos por estarmos sendo observados.

— Oi — Luke estende a mão para Joyce que a aperta. — Sou Luke.

— Joyce — ela se apresenta, soltando a mão dele.

— Então, vamos ficar aqui parados ou vamos ir comer alguma coisa? — pergunto na tentativa de quebrar a leve tensão que havia se criado ali.

— Vamos nessa — Joyce diz, se levantando de pronto e se pondo a caminhar um pouco mais a frente, deixando claro que nos daria espaço. Um espaço desnecessário na minha opinião. Eu não sabia o que fazer, o que dizer. Eu estava surtando.

Paramos bem na frente da barraca de Don. Ele nos saudou com um sorriso caloroso e entregou pratos sortidos cheios de seus maravilhosos quitutes em nossas mãos. Agradecemos e marchamos para longe da multidão, buscando algum lugar menos movimentado para que pudéssemos comer em paz. Acabamos optando pela pequena colina ao lado do playground, onde nos sentamos, apoiando o prato nos joelhos. Contrariado minhas ondas mentais pedindo para que fizesse o contrário, Joyce se sentou mais próxima da base da pequena subida, me deixando "sozinha" com Luke novamente.

— Então — ele disse, puxando uma tirinha frita coberta de chocolate de seu prato e mordendo um pedaço. — Aproveitando o melhor de Boulder City nessa sua estadia?

Sorri, engolindo meu pedaço de torta antes de responder.

— Não exatamente — digo de forma comedida. Não queria parecer louca e destilar todo meu ódio por essa cidade assim de cara. — Digamos que eu não sou a maior fã de Boulder City.

— Não curte cidades pequenas? — ele pergunta, me olhando através da oportuna cortina que meu cabelo havia formado ente nós.

— Também — respondi evasiva.

Ele ergueu as sobrancelhas grossas, cobrando uma resposta mais substancial. Suspirei, colocando o cabelo atrás da orelha e endireitando minha postura para olhá-lo nos olhos. Aqueles lindos olhos esverdeados.

— Não gosto das pessoas daqui. Sem ofensa, são todas desinteressantes e obcecadas com cafés da tarde — expliquei. — E, bem, sabe o que dizem sobre cidades pequenas: o povo tem uma língua grande.

— Desinteressantes? — ele perguntou, mordendo outra tira crocante de chocolate.

— Não todos — falei, surrupiando uma tirinha de seu prato. — Eu acho.

Ele sorriu de canto e, ao tentar pegar uma tirinha esbarrou sua mão na minha e a deixou lá.

— Eu sou um dos desinteressantes? — indagou em voz baixa, sem tirar os olhos dos meus.

Eu me sentia entorpecida e hipnotizada por aquele olhar esverdeado que me prendia ali. Antes que eu pudesse raciocinar uma resposta, fui brutalmente interrompida pelo chamado de Joyce.

— Nessa — ao nos olhar, ela me lançou um olhar que claramente dizia "foi mal".

— Fala — respondi limpando a garganta. Luke olhava para o outro lado segurando um sorriso.

— Vou ali, tá bem? — falou com os lábios contraídos pelo riso reprimido. — Encontrar meus colegas de turma.

— Tá certo. Encontro você depois — falo, a dispensando com um aceno e Joy some na multidão. — Você não tem colegas para encontrar também? — pergunto tentando quebrar o clima estranho, me voltando para Luke.

— Durante as férias de verão? — ele retruca, parecendo indignado. — Longe de mim. Alias, eu também compartilho parcialmente do seu ideal sobre os cidadãos de Boulder City.

— Parcialmente?

— Bem, digamos que eu gosto muito de café da tarde.

Soltei uma risada e senti sua mão apertar a minha. Olho para Luke e ele desvia o olhar para o pratinho, puxando a última das tirinhas fritas com chocolate.

— É tão injusto que o seu prato ainda esteja cheio — ele comentou, mordendo pela metade e estendendo o que sobrou na direção da minha boca. Mordo a tirinha antes de puxar meu pratinho para o espaço ente nossos corpos, onde sua mão ainda repousa sobre a minha.

Comemos algumas tortinhas conversando sobre amenidades enquanto a noite avança. Ele é adorável e engraçado, me sinto muito confortável com ele e isso é estranho. Estou confortável demais para que isso acabe da forma que eu gostaria. Ele é ótimo e eu não sinto mais o frio na barriga que eu sentia antes. Não sinto a ansiedade que eu sentia no começo do meu antigo namoro também e isso é muito estranho e novo para mim.

De onde estamos, consigo ter uma boa visão de toda a praça, cheia de bouldercitiziens felizes e celebrativos com mais um ano de prosperidade em sua tão adorada cidade. A massa começa a se unir beirando o palanque e eu consigo ver que o prefeito já chegou com sua família e cumprimenta alguns conhecidos.

— Quer descer para ouvir o discurso? — Luke pergunta em um tom baixo.

— Vamos, eu preciso encontrar minha avó — comento, separando nossas mãos. — E possivelmente salvá-la da velha perua maluca — acrescento para mim mesma.

Nos levantamos, limpando a grama de nossas roupas. Ele desce o pequeno morro e estica a mão na minha direção para me ajudar a descer. Costuramos entre a multidão que abandonava a fila dos alimentos e se amontoava na frente do palanque. Procurei por Abigail o caminho todo, mas não a encontrei.

— Muito grato — começou o prefeito. O silêncio se fez presente na praça. Eu e Luke paramos onde estávamos e nos viramos para o palanque. Ele ainda segurava minha mão. — Eu estou muito agradecido pela presença de todos aqui: amigos, famílias, conterrâneos de Boulder City. É uma honra poder estar aqui comemorando mais um aniversário dessa cidade na qual fui nascido e criado e pela qual tenho tanto apreço.

Bufei de forma desdenhosa, não consegui me segurar. Vi Luke balançando a cabeça com um sorriso nos lábios ao meu lado.

— Nessa! Ainda bem! — a voz de alívio de Joyce me deixa aliviada também. Ela se aproxima pelo meu lado e gruda em mim como se tivesse medo de se separar novamente.

— Ta tudo bem? — pergunto em um tom baixo, pois estão todos em silêncio.

— Nem de longe! Eu encontrei com a minha ex — sussurrou, virei para ela desacreditada.

— Cadê? — procuro no meio da multidão.

— Não sei, espero que bem longe — responde Joyce fazendo uma careta. — Alais, sua avó já foi para casa. Disse para Gertrudes que estava com dor nas cadeiras ou algo assim.

— Ela tá bem? — questiono alarmada.

— Não sei, ela me disse que não era pra você se preocupar.

— Ela já foi tem muito tempo?

— Uns quinze minutos.

Respiro fundo, aliviada por saber onde a velha estava, porém preocupada com ela também. Enquanto uma parte de mim me dizia para relaxar e curtir o momento porque ela tinha inventado a dor para se livrar de Gertrudes, a outra parte dizia que era hora de dar boa noite e debandar para casa.

— Luke, eu já vou indo — decidi optar pelo que me pareceu mais correto. Eu não havia ido para Boulder City para participar de comemorações, ou virar amiga de padeiros. Fui cuidar de minha avó.

— Mas já? — ele indaga, erguendo a sobrancelha.

— Sim, preciso saber se a velha está bem — sorri.

— Tá certo. A gente se vê? — perguntou.

— Claro — concordei.

Não sabia o que fazer agora. A única certeza que eu tinha era de que não nos beijaríamos. Ele me poupou do constrangimento me puxando para um abraço.

— Boa noite, Vanessa — disse.

— Boa noite, Luke.

Peguei a mão de Joyce e nos esprememos multidão afora. Quando eu não era mais cercada por calor humano e sim só pelo ar fresco da noite, eu quase chorei de tanta felicidade.

— Me conta tudo — pediu Joyce enquanto caminhávamos.

Suspirei e refleti um pouco antes de desatinar a falar.

— Não sei — concluí por fim. — Não sei se meu interesse é recíproco, entende?

— Como não? — indagou Joyce, indignada. — Garota, a gente precisa conversar sobre as suas definições de reciprocidade.

Eu ri um pouco.

— Não sei, Joy. Ele é muito legal, conversamos bastante — falei. — Mas eu não tenho certeza que isso vai resultar no que eu havia imaginado. Talvez eu tenha interpretado tudo errado.

— Como assim, menina? O que enfiou isso na sua cabeça, Vanessa do céu?! — Joyce pergunta, balançando os braços indignada.

— Não sei, Joy! Quando eu estou afim de alguém eu costumo me sentir ansiosa o tempo inteiro, fico sentindo um aperto no estômago, uma sensação de tensão, entende? — pergunto, tentando expressar o melhor possível meu sentimento. — Com ele eu fico... confortável.

— Vanessa, não faz sentido nenhum o que você acabou de falar — ela falou. Revirei os olhos, irritada.

— Eu sei que pode não fazer, mas eu me entendo, tá? E também não apareceu nenhum clima para uns amassos nem nada assim — falei, defendendo meu ponto de vista.

— Você não pode se esquecer da minha interrupção! Aliás, me desculpa por isso.

— Eu sei lá o que vai resultar disso, Joy — eu disse com um suspiro. — Mas meus instintos não estão apontando muito para um romance, até porque nem é para isso que eu estou aqui.

Ambas bufamos irritadas e prosseguimos por algum tempo sem dizer nada.

— Eu não dou até o final desse mês pra você se enxergar errada, Vanessa — Joyce desafiou, quebrando o silêncio.

— Isso é uma aposta, Joyce? — perguntei, entrando na brincadeira. — Você realmente quer apostar contra os meus instintos? O meu radar? O meu autoconhecimento?

— Claro. Vintão? — propôs, estendendo a mão, desconsiderando tudo o que eu havia dito.

— Mais que fechado — concordei, apertando sua mão estendida. — Mas você tem que me prometer que isso não vai acabar igual aqueles filmes em que o objeto da aposta descobre tudo e fica triste e se sente usado e todos choram.

Joyce riu.

— Eu prometo.

Caminhamos o resto do tempo em silêncio. Joyce virou algumas esquinas antes de mim para ir para a casa de sua tia, me desejando boa noite e dando dois beijos estralados nas bochechas. Apertei o passo e prossegui o caminho assoviando baixo para espantar o calafrio de estar andando sozinha por aí a noite.

Avistar a luz emanando da janela da casinha verde me aqueceu o coração. Abri a porta com a chave extra que estava comigo e me deparei com Abigail sentada no sofá assistindo à novela enquanto comia bolo que havia trazido da festa.

— Boa noite — saudou sem desgrudar os olhos da televisão.

— Boa noite — respondi, fechando a porta, feliz em constatar que sua saída da festa havia sido apenas para se afastar de Gertrudes.

Tirei a jaqueta e a joguei no sofá pequeno antes de me sentar ao lado de Abigail no sofá, pegando um morango do recheio.

— Aproveitou a festa? — ela perguntou ainda sem me olhar

— Olha, até que sim — respondi, sem querer me prolongar no assunto.

Ela pareceu entender a deixa e não perguntou mais nada. Permanecemos em um silêncio confortável. Abigail era maravilhosa e respeitava muito meu espaço. Era o tipo de pessoa que todos deveriam ter em sua vida. Sem que eu percebesse, acabei encostando minha cabeça em seu ombro e adormecendo.


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Notas finais do capítulo

Quem acha que a Vanessa tá errada levanta a mão o/ ahieahrihaiu espero que tenham gostado, até o próximo capítulo ♥