Pra onde quer que eu vá... escrita por Amanda Vieira


Capítulo 2
Beatrice


Notas iniciais do capítulo

Música do inicio do capítulo https://youtu.be/wQY1xniiLVY



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"Eita menina brava

Ela esculacha

Na dança ela vem

No estilo magnata" 

 Tudo a minha volta esta girando, minha cabeça esta doendo e meu corpo pesado. O funk estridente preenche o lugar, corpos suados se esfregando uns nos outros. Entrei na boate como acompanhante de um babaca da escola, que facilmente subornou o segurança. Meus pais não sabem que eu estou aqui. Procuro Nina com o olhar, mas não encontro. Tento sair da pista, mas braços masculinos me puxam de volta. Era um carinha que me pagou uma bebida e estava dançando colado em minha bunda.

 A ânsia me sobe e eu tento me concentrar. Não sou acostumada com bebidas alcoólicas e essa noite tinha tomado todas. Estava cansada da minha vidinha de filhinha de papai perfeitinha. Sai escondido de casa e não trouxe meu celular pra não ser rastreada tão facilmente. Aposto que uma hora dessa minha mãe já tinha acionado a polícia e meu pai entrado em contato com seus amigos da segurança, colocando todos atrás de mim.

 Tentei me livrar do cara novamente, mas ele aumentou o aperto em minha cintura, fazendo com que meu estômago se contrai-se. Senti as pernas fraquejarem e respirei fundo, não queria me apoiar no cara porque ele poderia entender errado e as coisas ficariam complicadas. Se ao menos eu consegui-se achar a Nina, ela saberia o que fazer.

 Um segundo cara apareceu e juntos eles prenderam meu corpo entre o deles. Me sentia um fantoche, sem conseguir controlar minhas ações. A pressão do meu corpo sendo esmagado aumentou e ficou difícil respirar. Tentei empurra o que estava a minha frente, em vão. Lágrimas nublaram ainda mais minha visão. Avistei Nina rapidamente, mas ela estava sendo levada por um cara que eu nunca tinha visto para uma área escura afastada da área social da boate.

As coisas começaram a ficar confusas, meu cérebro não conseguindo processar direito as informações e agora, eu estou sozinha no meio de desconhecidos, sem saber o que fazer. Os segundos passam lentamente e não estou mais aguentando me manter de pé. Então toda a pressão desaparece e eu caio no chão, desfalecendo.

Sinto que sou carregada, é como se estivesse flutuando. Escuto vozes distantes, sem conseguir identifica-las. Uma luz forte atinge minhas pálpebras fechadas, me incomodando, mas logo ela se vai e eu fico no completo escuro.

 ...

 Estou encarando um teto braco imaculado sem fazer ideia de onde estou. Meu corpo parece dormente e minha mente está confusa. Levo alguns segundos pra me acostumar com a luz, então olho em volta e me surpreendo com meu pai, sentado rígido, numa cadeira ao meu lado. Ele me olha, com um semblante sério. Suspiro, já sabendo que estou encrencada.

 -Estou a ponto de desistir de tentar te entender, Beatrice. -diz. Fecho os olhos com a vontade de chorar. -Nós sempre fomos próximos, Trixie, então me perdoe se eu não conseguir entender o que te levou a fazer uma besteira daquelas ontem. Pode me dizer no que estava pensando?

 Muitas coisas passam pela minha cabeça neste momento, mas não consigo achar uma desculpa boa o bastante.

 -Responda Beatrice. -intima.

 -Eu só queria fugir da realidade por algumas horas. Queria ser uma adolescente normal que sai com os amigos e comete alguns erros, coisas comuns que todas as pessoas fazem. -respondo.

 -Está me dizendo que queria agir como uma vadia? -diz ríspido, estremeço. -Você se esquece que a maioria das pessoas que fazem esse tipo de coisa não tem a estrutura familiar e financeira que você tem, Beatrice. Essas pessoas que você chama de comuns são pessoas que realmente precisam fugir da realidade as vezes, porque a realidade delas é cruel, tão insuportavelmente terrível que você sequer é capaz de imaginar. Eu te criei pra ser melhor que isso, Trixie, não pra ser uma patricinha metida e arrogante, mas pra saber aproveitar o que a maioria da população apenas pode sonhar. Te ensinei a ser uma garota inteligente e empenhada nos estudos não pra seguir meus passos, mas pra que você possa dar os seus próprios e ter um futuro, pra que um dia, se você tiver um filho, possa proporcionar tudo isto a ele. Mas, em momento algum, me passou pela cabeça que você jogaria tudo isso fora, sem dar valor, agindo como uma verdadeira mau agradecida.

 -Não foi isso que eu fiz! -grito, chateada, as lagrimas inundando meu rosto.

 -Foi exatamente isso o que você fez, Beatrice! Não aja como se fosse uma pobre coitada agora, assuma seus erros, é o mínimo que exijo de você. -retruca.

 Choro, sem saber mais o que fazer. A porta se abre bruscamente e ouço os sapatos de salto alto da minha mãe batendo no piso, fazendo um enorme barulho.

 -Já contou a ela?-pergunta direta.

 -Contar o que?-pergunto, os encarando.

 Minha mãe esta com um vestido social preto, seu rosto está sério. Meu pai está tenso. Sinto um aperto no peito, temendo a resposta.

 -A polícia logo estará aqui, Victor. -diz apreensiva.

 -Por que a polícia está vindo? É porque subornamos um segurança? -pergunto impaciente.

 -Não seja ridícula, Beatrice. -rosna minha mãe.

 -Karen! -repreende meu pai.

 -Vou esperar lá fora. -diz ela, saindo novamente.

 Meu pai suspira e me olha com uma expressão indecifrável.

 -A Nina estava com você ontem? -pergunta.

 -Sim, ela foi uma das que combinou o programa com o resto da galera. -respondo sem preocupação. Os pais da Nina são liberais, então não tem problema contar.

 -E o porque vocês não estavam juntas quando fomos te buscar? -questiona. Franzo o cenho, não quero me recordar da noite passada e o desastre que foi, mas a pergunta parece importante. Dou de ombros.

 -Não sei. Eu acabei me perdendo do pessoal, vi ela rapidamente antes de vocês aparecerem. Ela estava com um carinha. -explico. Meu pai fecha os olhos de repente, me deixando confusa. Quando reabre, suas íris azuis me encaram intensamente, ele puxa minha mão, a apertando.

 -Trixie. -fala meu nome, suavemente. Apenas o encaro, paralisada, sinto que algo grande está acontecendo e não me sinto pronta. Ele suspira antes de continuar. -Querida, a Nina foi encontrada numa vala está manhã.

 Demoro a processar suas palavras. Sinto a escuridão me tomar antes que eu possa reagir. Meu pai está sobre mim, gritando meu nome, mas eu não consigo responder. Então meu pai é puxado pra longe e três enfermeiros surgem diante de mim, eles falam comigo e entre si. Não presto atenção em nada, é como se eu estivesse presa dentro do meu corpo, sem movimentos, sem voz. Uma pequena lanterna é colocada diante dos meus olhos me causando desconforto. Escuto meu pai explicando o que aconteceu e um deles sai do quarto.

 Os minutos parecem demorar uma eternidade, até que alguém se posiciona ao meu lado. É um homem de, no máximo, trinta anos. Ele esta sorrindo pra mim e é muito bonito, seus olhos castanhos-escuro brilham, seu cabelo loiro um tanto bagunçado. Está com um jaleco, mas por baixo veste uma camiseta azul claro.

 -Beatrice? -chama, apenas o olho. -Olá, eu sou o Eric, tudo bem se a gente conversar um pouquinho?

Não sei o que responder, então permaneço em silêncio. Ele se acomoda na cadeira antes ocupada por meu pai e me observa por um momento, o semblante leve traz um ar de confiança, mas não sei qual seu propósito aqui para exigir algo. Espero que ele fale e talvez, converse sozinho. Não acho que tenho muito a contribuir numa conversa nesse momento.

—Então, o que te trouxe aqui? -pergunta. E eu até tento encontrar minha voz pra responde-lo.- Talvez eu deve responder primeiro, não é? Eu sou psicologo do hospital e, sendo sincero, vim porque seu pai ameaçou colocar o lugar a baixo. -ele ri e acabo sorrindo, é o máximo que consigo fazer. -Mas agora eu tenho que confessar, você é a paciente mais bonita que estou tendo o prazer de acompanhar, então eu preciso agradecer seu pai.

 Começo a relaxar com suas brincadeiras, ele é sem dúvidas cativante e não parece fazer esforço para isso.

 -Bia. Posso te chamar de Bia?-pergunta, faço uma careta, sempre achei esse apelido irritante, talvez pelo fato do meu pai preferir Trixie. Ele ergue a sobrancelha. -Não gosta de Bia? Ou não gosta de apelidos?

 -Bia é irritante. -respondo, e o sorriso dele aumenta.

 -Ela sabe falar, uau! -exclama rindo. -Se eu soubesse que te chamar de Bia faria você me responder tinha feito antes. Pode me explicar porque não gosta de Bia?

 -E você, pode me explicar porque todo mundo usa Bia?-retruco.

 -Touché, dona Beatrice. Essa eu realmente não sei. -admite. Sorrio.

 -Meu pai me chama de Trixie. -comento.

 -Trixie é bem mais legal, realmente, seu pai tem razão. -concorda. -Mas você não acha que ele poderia ficar ressentido por eu roubar a exclusividade dele?-pergunta, colocando o indicador no rosto, fingindo pensar, acabo rindo.

 -É possível. -admito.

 -Eu não quero ficar desempregado! -brinca, reviro os olhos.

 O clima no quarto finalmente fica agradável e consigo respirar mais aliviada. Ainda não consigo admitir que o que meu pai falou seja verdade, é muito pra mim. Tenho medo de perguntar qualquer coisa nesse momento, pois sinto que meu mundo nunca mais será o mesmo.

 -Trix. -chama, me tirando dos devaneios. -Precisamos falar sobre seu estado agora, tudo bem?

 Sinto os soluços presos na garganta. Lágrimas inundam meus olhos e seguro a vontade de chorar. Viro o rosto pro outro lado, sentindo o olhar atento de Eric em mim.

 -Primeiramente, eu sei que você está abalada pelo pouco que eu vi na sua ficha e vendo você agora. Não quero ser invasivo, Beatrice, apenas te ajudar a lidar com algumas coisas, pois você entrou em choque minutos atrás e isso não é bom pra saúde. -continua. As lágrimas escorrem pelo meu rosto agora, não sou capaz de conte-las. -Você pode escolher sobre o que quer conversar primeiro, não precisamos entrar em detalhes agora.

 Balanço a cabeça em negação. Não posso lembrar da noite passada por tudo o que ela representa. Eu fui tão burra! Me deixei levar por pessoas inconsequentes e agora estou num hospital, recebendo apoio psicológico, porque minha melhor amiga desde a infância está morta.

 Meu Deus, Nina está morta! Ela foi achada em uma vala... Oh, Deus, não.

 -Ela está morta?-soluço. Então tudo vem com tudo. Choro desolada, começo a gritar e perco o ar. Eric me aperta em seus braços, tentando me confortar. Mas meu mundo ruiu neste momento. Sinto que a qualquer momento o chão vai se abrir e me engolir. Ouço a porta se abrir bruscamente, mas logo ela torna a fechar.

 Não sei quanto tempo passa, ainda estou nos braços de Eric, tentando respirar. Minha cabeça está latejando, minha garganta seca, meus olhos ardendo. Me sinto perdida, meu coração está doendo e nada será capaz de aliviar essa dor.

 -Trix... Eu sei que é difícil, mas você precisa falar, não precisa necessariamente ser comigo...

 -Eu não sei o que aconteceu, eu estava chapada. Meu Deus! -volto a chorar.

 -Beatrice, você foi drogada, se os seguranças do seu pai não tivessem aparecido, a mesma coisa podia ter acontecido com você. -diz Eric, o encaro chocada.

 -Drogada?-grito, horrorizada.

 -Sim, Trix, os exames de sangue confirmaram uso de Valium, mais conhecido como Diazepam, um forte calmante, que misturado ao álcool pode ser fatal. -explica. Me recosto na cama e cubro meu rosto com as mãos. -Você pode me dizer o que estava sentindo antes de ser encontrada pelos seguranças? Sei que você desmaiou em seguida.

 -Eu estava me sentindo estranha. Meu corpo não respondia aos meus comandos, estava tudo girando e eu estava com muita dor de cabeça, achei que era por não estar acostumada a beber... Céus, eu não achei que poderiam ter adulterado minha bebida, eu estive tão atenta a isso a noite toda! -respondo, inconformada.

 -Você consegue se lembrar do que aconteceu?-questiona, nego imediatamente.

 -Eu não conseguia entender o que estava acontecendo ao redor. Eu lembro de procurar a Nina pra me ajudar com algo, mas não sei o que. Só lembro de ver ela indo pra longe... Estava tudo tão confuso! -suspiro, derrotada.

 -É normal você não ter lembranças claras da noite passada, é um dos efeitos causados pela droga. -tranquiliza.

 -A Nina pode ter sido drogada também?-pergunto temerosa.

 -Eu não sei nada sobre o caso da Nina, sinto muito. -responde, assinto.

 Ficamos em silêncio por um momento, ainda estou assimilando as informações quando batem na porta e um homem coloca a cabeça para dentro, ele nos observa, então abre a porta e entra, seguido por uma mulher.

 -Beatrice Oliveira?-pergunta o homem.

 -Sim. -confirmo, ele assente.

 -Policial Rodrigo da Costa e minha parceira Melissa Gomes. -apresenta.

 -Sou Eric Matos Jr, psicólogo do hospital. -cumprimenta Eric.

 -Soubemos que vítima se encontra num estado emocional frágil, é bom que esteja aqui para auxilia-la. -diz a policial, séria. Eric assente e ela me encara. -Beatrice, sei que é um momento delicado pra você, mas precisamos que responda algumas perguntas. -pede.

 -É sobre a Nina?-estremeço e sinto olhares de pena.

 -Viemos por causa da senhorita Cardoso, sim, mas você também é uma vítima e precisamos do seu depoimento. Soubemos que um segurança foi subornado por um de seus amigos para que você pudesse adentrar o local e que foi drogada. -responde o policial Costa. Me incomodo com o jeito que ele joga as informações sobre mim, eu fiquei sabendo disso há apenas alguns minutos e ele espera que eu tenha um discurso pronto sobre o assunto.

 -Desculpe, mas a paciente acabou de ser informada sobre os fatos, peço que prossigam com calma, ela ainda está se recuperando do choque. -intervem Eric e eu o agradeço silenciosamente, é meu herói!

 -Entendo. -concorda Rodrigo, então volta a me encarar. -Desculpe se estamos com pressa senhorita Oliveira, mas estamos esperando desde cedo para falar com você.

 Eu entendo, se estivesse desde cedo tentando descobrir o que aconteceu para causar a morte de uma jovem também estaria impaciente.

 -Eu não me lembro de quase nada, esta tudo confuso ainda. -confesso. Melissa sorri docemente para mim.

 -É algo normal em casos de "Boa noite, Cinderela". -diz, suas palavras me atingindo como um soco. É tudo real, não é?

 -Sua mãe fez uma denuncia do seu desaparecimento ontem a noite, mas como você deve saber, só tomamos providencias após 24 horas. -começa Rodrigo e bufo irritada. Meu caso não era realmente de desaparecimento, mas é completamente absurdo que a policia só tome medidas após 24 horas do ocorrido, muita coisa pode acontecer nesse tempo. Ele me encara duramente, mas opta por continuar. -Assim que seu pai e os seguranças te encontraram e perceberam que havia algo de errado com você te trouxeram para o hospital, que imediatamente comunicou a policia, pois você apresentava evidencias do golpe "Boa noite, Cinderela". Seu pai também denunciou o desaparecimento de sua amiga, a senhorita Nina Cardoso, partindo do principio de que ela também poderia ter sido drogada começamos a fazer buscas pela cidade.

 -Mas só a encontraram quando era tarde demais. -concluo e ele confirma.

 -Estamos aqui pelo seu caso, que inclui abuso de incapaz, coação de menor, entre outras coisas, que também implicam no caso da senhorita Cardoso, por isso pedimos a sua cooperação. -explica Melissa. Respiro fundo, deixando que as lembranças me invadam.

 -Nós combinamos tudo durante a escola. Alguns alunos já são maiores de idade, mas a maioria é emancipado e eles vivem em festas, estão acostumados a noitadas regadas a álcool. -comento. Vejo Melissa anotar algo em um bloquinho de notas. -Eu nunca participei de nada assim, sempre fui a filha e aluna perfeita, não achei que as coisas pudessem sair tão fora da linha. Sinceramente, eu não sabia que estávamos indo a uma boate e quando eu vi o Pedro subornando aquele segurança já não dava mais pra voltar atrás.

 -Isso se enquadra em coação de menor, senhorita Oliveira e já obtemos provas da ocorrência do crime por parte de seus colegas. Seu celular teve que ser analisado. -fala Melissa e tento não me importar com o fato deles terem violado a privacidade do meu celular. -Como você mesmo disse, muitos já respondem por si próprios legalmente, então poderão responder por seus crimes judicialmente.

 -Aposto que seu pai faz questão disso. -comenta Eric, todos o olhamos e ele pede desculpas.

 -Continue, por favor. -pede Rodrigo. Tento me concentrar.

 -Eu tentei ficar junto do pessoal e fiquei de olho na minha bebida, achei que era esperta. -comento, amarga. -Enfim, eu bebi bastante, coisa que não sou acostumada, ao contrario da Nina, os pais dela são mais liberais, ela me incentivou a ir, como ela já estava acostumada eu fui. O Pedro estava me incomodando e acabei me afastando um pouco do grupo pra ver se ele me deixava em paz, em algum momento me perdi deles. Só me lembro de um cara estar me prendendo na pista depois e antes do meu pai chegar um outro cara se juntou ao primeiro e os dois estavam me imprensando entre eles. Eu avistei a Nina uma vez, queria pedir a ajuda dela, mas ela estava indo pra uma parte escura e afastada da boate, não consegui dizer nada ou ir atrás dela. -completo.

 -Tinha alguém com ela?-questiona Rodrigo.

 -Eu não tenho certeza, mas acho que vi uma mão segurando o pulso dela e a puxando.

 O depoimento segue por algum tempo. Os policiais também fazem perguntas a Eric, por ele ser meu psicólogo no momento. Descubro que Nina ao contrario de mim não foi dopada, ela estava em sã consciência, talvez levemente alcoolizada, mas ainda possuía um certo controle sobre seus atos. Estão tentando achar quem foi o responsável, enquanto isso a autopsia está sendo feita e a principal suspeita é estupro qualificado e graças a Deus por Eric, por que eu não sei o que seria de mim neste momento sem seu auxilio.

 Os policiais se vão finalmente, mas já deixando de sobre aviso que provavelmente terão que retornar. Um médico vem falar comigo e após outros exames eu ganho alta hospitalar. Ao mesmo tempo que quero sair logo daqui, tenho medo de voltar pra casa e enfrentar a realidade.

 -Então Trix, nosso tempo está chegando ao fim, foi bom te conhecer. -diz Eric, ao meu lado. Estamos esperando meu pai vir me buscar, ele teve que ir assinar alguns papeis.

 -Eu vou precisar de um acompanhamento psicológico, não vou?-pergunto e ele me olha, curioso.

 -Sim, é o mais indicado, levando em consideração tudo o que aconteceu. -confirma.

 -Mas não será você?

 Eric sorri, e é o sorriso mais bonito que já vi.

 -Seu pai deve contratar um profissional altamente qualificado pra te acompanhar. -diz o óbvio.

 -Mas não seria mais indicado que eu continua-se com alguém que me auxiliou desde o começo?-insisto. -Não quero ter que contar tudo isso novamente pra que outra pessoa possa me avaliar. Viver isso uma vez já foi o suficiente.

 Antes que Eric possa responder a porta se abre e minha mãe adentra o quarto. Ela sorri para nós.

 -Está na hora de ir pra casa, querida. -anuncia.

 -Mãe, antes de irmos, eu conversei com Eric e quero saber o que é possível fazermos para que eu não tenho que me consultar com outro profissional. -digo, a surpreendendo.

 -Bom querida, que eu saiba, Eric é medico do hospital, não tem consultório próprio. Não é mesmo, doutor Matos?

 -Sim, senhora Oliveira. -confirma Eric.

 -Por que tanta demora?-questiona meu pai, entrando no quarto e nos observando.

 -Beatrice quer tornar Eric seu psicólogo particular. -explica mamãe.

 -Por que?-pergunta meu pai, me encarando atentamente. Dou de ombros.

 -Ele me acompanhou desde o começo, já está ciente de tudo. Me acostumei com o jeito dele e não quero ter que me adaptar novamente com outro profissional. -respondo, sincera.

 -Doutor Matos, qual sua opinião profissional sobre o assunto?-continua meu pai. Eric o encara de volta.

 -O argumento de Beatrice tem fundamento. Eu a acompanhei até mesmo durante o depoimento policial, seria o mais recomendável, pois como ela disse, conseguiu perceber um pouco da minha metodologia e até o momento, não fez nenhuma objeção. Em contra partida, também já tenho algum conhecimento sobre seu comportamento. Tenho que admitir que ainda não tive a oportunidade de trabalhar num logo período como o proposto aqui, pois como faço parte da equipe do hospital, acompanho os pacientes apenas durante sua estadia aqui, no geral eles preferem procurar profissionais já conhecidos, mas eu sou um profissional bastante qualificado e disposto a ajudar no quer for necessário. -responde e estou orgulhosa pela maneira que enfrentou meu pai.

 -Certo. Vou pedir pro meu advogado entrar em contato com você para discutirmos um possível acordo contratual, já que não possui firma própria aberta. -diz meu pai e é um grande avanço.

 Minha mãe me ajuda a vestir uma muda de roupas limpas e confortáveis para que eu possa sair. Meu pai está do lado de fora nos esperando e eu peço um minuto para poder me despedir de Eric. O encontro no corredor, olhando uma prancheta.

 -Eric! -chamo. Ele sorri pra mim.

 -Achei que já tinha ido. -comenta, sorrio.

 -Vim me despedir. Não sei se vamos realmente nos ver depois. -confesso. -Obrigada, você me ajudou muito, não foi fácil lidar com tudo o que aconteceu e sei que foi só o começo.

 -Você vai ficar bem, não se preocupe. -garante.

 -Enfim, muito obrigada, você foi maravilhoso. Não achava que terapeutas fossem tão divertidos e gatos! -brinco e ele ri.

 -Eu também não sabia que pacientes podiam ser tão lindas. -retruca.

 -Querida, precisamos ir! -chama minha mãe.

 Dou um abraço rápido em Eric, o pegando desprevenido e me afasto indo até minha mãe.

 -Tchau Eric, espero que nos vejamos algum dia. -falo antes de ir embora.

...

 Colegas processados, a escola responsabilizada por má conduta dos alunos, uma boate fechada, seguranças, psicólogos, muitas brigas, uma pessoa morta.

 Meu pai entrou numa briga judicial contra todos os envolvidos. O enterro de Nina aconteceu marcado pelo arrependimento, inconformismo e sede de justiça. Os dias que se sucederam foram completos borrões, ainda estava me recuperando e o tempo todo surgiam novas pistas e questionários. A polícia nos "visitava" dia e noite, a semana inteira, até fecharem o caso. O cara que estuprou e matou Nina era um frequentador da boate e que ninguém conhecia, ele foi processado, acusado e preso, mas isso não aliviou meus pesadelos noturnos.

 Quanto a mim, eram tantos crimes envolvidos que eu nem conseguia contar. Incriminaram os dois caras com os quais meu pai me encontrou, o que tinha pago minha bebida era o responsável por me drogar. O segurança subornado também recebeu uma dura punição e o lugar foi fechado, acusado de negligencia e descumprimento da lei. Pedro também estava encrencado.

 Ao fim de um mês, eu estava esgotada e mal vivendo. Não tinha tido mais contato com Eric, embora tivesse tentado. Agora eu estava vendo uma das empregadas arrumar minhas coisas, sem chance de impedi-la. Meu pai decidiu que eu me mudaria pros Estados Unidos, pra concluir meus estudos e fazer faculdade, ele não achava mais que o Brasil era um bom lugar pra mim e arrumou tudo conforme sua vontade, me comunicando sua decisão hoje de manhã. Alguns processos ainda estavam em andamento, mas eu não precisava mais permanecer no país pra isso, ele cuidaria sozinho, como sempre.

 Visitei o tumulo de Nina uma ultima vez, ainda me sentindo culpada e ressentida. Entrei no avião decidia a enterrar essa história de uma vez por todas.


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