Gentileza, bullying e batata frita escrita por LiKaHua


Capítulo 6
6. Bobo da Corte


Notas iniciais do capítulo

Enfim chegamos ao último capítulo, perdoem por ter ficado grande, confesso que não saiu exatamente como eu previ que seria, mas acho que no momento foi o melhor que pude fazer e por isso me sinto de algum modo satisfeita. Tenho em mente que dei o melhor de mim nesse conto (e eu sou realmente ruim escrevendo contos, é difícil diminuir o pensamento em tão pouco hahaha). Quero agradecer muito a quem leu essa história, a quem comentou e a quem deu apoio para que eu a escrevesse. Não sei se vai ser minha última no Nyah por um bom tempo, mas realmente me sinto muito em casa escrevendo aqui. De coração, eu e Jake agradecemos imensamente o carinho!



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Quinta-feira, dois dias antes do baile

            Minha mãe estava tão radiante com a ideia de eu ir ao baile — para bem verdade, minha mãe ficava radiante quando eu participava de qualquer evento social, uma vez que eu evitava todos quanto pudesse —, que se ofereceu para arcar com as despesas do smoking, da flor que eu deveria dar para Louise e até mesmo o aluguel da limusine. Apesar de ser muito popular, Louise não tinha amigos próximos o bastante para que o programa da noite envolvesse pessoas além de nós dois, por isso — e pelo fato óbvio de ela ter aceitado ir comigo depois de rejeitar todos os caras bonitos — eu estava tão nervoso que mal podia respirar.

            Os preparativos para o baile começaram e a escola inteira não falava em outra coisa, mesmo o jornal da escola estava com colunas especiais sobre o tema, a moda e os principais candidatos à rei e rainha. Eu tive que fazer um artigo inteiro sobre as festas nos anos 60 que era o tema do baile, não sabia como era sofrível escrever uma coluna social até ser obrigado a fazê-lo. Louise avaliava os textos antes de serem passados para a montagem, ela grifava coisas que deveriam ser refeitas dava sugestões de onde encontraríamos mais fontes para aperfeiçoar e dar mais referências nos artigos.

            Desde que eu entrara para o jornal percebia várias mudanças na minha rotina na escola, apesar de ter que aturar Jason e Lester nas aulas, o que era inevitável, não havia mais zoação nos corredores, violência nos banheiros e nem pegadinhas no armário. Desde que a foto de Lester Rogers usando avental fora posta na primeira página com um artigo mordaz de Daisy a violência gratuita dirigida a mim tinha diminuído drasticamente, como se fazer parte do jornal tivesse me elevado a outro patamar do mundo escolar — ou eles estavam com muito medo das habilidades de Ellis em encontrar podres em seus computadores pessoais. Particularmente não a queria como inimiga.

            Mas — e acho que esse era o ponto mais importante —, a oportunidade de trabalhar no jornal me mostrou um potencial que eu não sabia ter até começar a escrever os artigos, descobri que gostava muito daquilo, não apenas do desafio de escrever sobre algo que nunca tinha feito antes ou que tinha pouco conhecimento, mas do ato de escrever em si, por isso, graças a Louise Marshall eu não apenas tinha me livrado de uma dúzia de valentões como havia conseguido diminuir e muito minhas opções de faculdade o que, naquela idade, era algo realmente complicado. Quer dizer, você tem 16, 17 anos e eles querem que saiba o que você vai fazer o resto da sua vida quando você não sabe nem o que quer comer no café do dia seguinte.

— Está realmente ótimo, Jake! — Elogiou Louise. — Apenas acrescente um ou dois parágrafos sobre os movimentos estudantis da época, acho que vai enriquecer ainda mais. Nos arquivos compartilhados no seu computador tem alguns artigos sobre o assunto.

— Certo. — Anuí, sem jeito.

— Ah e Jake! — Ela me chamou quando estava prestes a sair. — Tudo certo para o fim de semana, okay?

            Sorri quando ela me deu uma piscadela. Ainda não conseguia acreditar que ia ao baile com Louise Marshall, muitas vezes como aquelas ela precisava me lembrar disso para que eu conseguisse internalizar que era real. Não tivera coragem de dizer a ela o real motivo de a ter convidado para o baile, mas estava disposto a contar porque queria ser sincero com ela, contudo, no fundo sabia que eu a havia convidado por muito mais que um ano inteiro de paz na escola, eu realmente queria ir com Louise ao baile, eu iria com ela para o inferno se ela me pedisse.

*

Sexta-feira, um dia antes do baile

            Tive uma surpresa quando cheguei à escola na sexta. O baile seria no sábado à noite, ninguém sabia que eu levaria Louise, para todos os efeitos ela não iria ao baile, fora um acordo entre nós. Não apenas porque ela queria fazer uma surpresa para todo mundo, mas porque ela sabia que se descobrissem que íamos ao baile juntos muitos garotos ficariam no pé dela na intenção de borrar meus planos.

É uma questão de autopreservação. — Explicou. — Estou ocupada demais com o jornal esses dias para ter um bando de caras babões me torrando a paciência por causa do baile.

            Quis perguntar por que ela havia aceitado meu convite, mas não tive coragem. Entrei na escola com tempo sobrando, procurava chegar sempre mais cedo para evitar Jason e sua trupe, mas não aquele dia, como se tivesse previsto meus planos ele já estava no corredor dos armários ao lado de Sam e Jules, suspirei e caminhei vagarosamente até meu armário tirando de lá os livros que precisaria durante o dia, por sorte estava tudo limpo.

— Não pense que por estar no jornal está a salvo, Mattews. — A voz de Jason me surpreendeu e precisei de muita desenvoltura para não sobressaltar-me.

— O baile ainda não passou, Jason. — Retruquei, engolindo o nó na garganta.

— Você acha mesmo que tem alguma chance de ir ao baile com Louise Marshall? — Ele riu, zombeteiro. — Louise Marshall que recusou todos nós, vai ao baile com uma aberração como você? Se toca, Mattews, você é o bobo da corte e não o rei.

— O baile ainda não acabou então, até lá, você também não é rei, Jason. — Encarei-o. — Pelo menos está honrando sua palavra, o que já é muito vindo de alguém como você.

— Pode acreditar que esse baile vai ser memorável pra você, Jacob. — Ameaçou. — Vou me certificar disso.

            Fiquei parado enquanto eles se afastavam, Sam deu uma olhada para mim como se pedisse desculpas o que só fazia com que meu ressentimento por ele crescesse ainda mais. Fechei os olhos e respirei fundo, não ia chorar ou gritar de jeito nenhum, nunca antes dera a Jason o gosto de me desestruturar por mais ferido que estivesse.

— Isso é o que nós vamos ver, Jason Dawson.

            A voz veio por trás de mim e estremeci virando-me com um sobressalto a tempo de ver Ellis Francewell parada diante de mim, de pé ela parecia menor, os cabelos muito pretos estavam meio presos no alto da cabeça, o resto solto descia até a cintura, tinha uma franja pintada pela metade de roxo assim como uma grande mecha do lado direito da cabeça, usava roupas simples, jeans, tênis, uma blusinha branca bem descolada que dizia Geek to freak and shut the fuck up! Provavelmente customizada, sob uma jaqueta jeans cheia de bottons de bandas e animes. Os olhos eram castanhos e pequenos, ela era magra e ninguém acreditaria que tinha 16 anos, olhando para ela não parecia mais que 12 e menos que 15. Com aquela expressão de desafio no rosto eu não sabia se achava ela fofa ou assustadora embora a parte racional do meu cérebro dissesse que a última opção era a escolha sábia.

— Você devia dizer que eles ainda estavam te enchendo. — Disse ela parando a dois armários do meu. — Sabe, somos do jornal, mas não temos olhos nas paredes.

— Tudo bem, eu me viro. — Respondi ainda surpreso.

— Eu percebi. — Ela sorriu. — Gosto da sua resiliência, Mattews. Não esquenta com o lance do baile, Louise tem tudo sobre controle e eu sou parte da equipe organizadora, vou reforçar a guarda para que o Dawson não consiga armar nada contra você.

— Obrigado... eu acho.

— Nem todo mundo é babaca como o Jason e o Lester, Jacob. — Disse ela fechando o armário. — Você devia se abrir mais.

            E saiu deixando ali no meio do corredor com a maior cara de idiota provavelmente. Logo os alunos começaram a encher o lugar e me forcei a procurar a sala de álgebra II. Talvez Jason tivesse razão e eu fosse o bobo da corte, mas pelo menos eu não estava sozinho, não mais.

*

Sábado, dia do baile

— Fique parado, querido, ou vou acabar espetando você! — Reclamou minha mãe enquanto fazia os últimos ajustes no smoking.

            Eu não conseguia ficar imóvel, meu corpo inteiro tremia convulsionado pela adrenalina e a ansiedade, dali a alguns minutos eu estaria em frente à casa de Louise Marshall e, em poucas horas, estaríamos no baile da escola juntos. Eu sentia pressão equivalente às contrações de um parto normal. Outra espetada, mas não emiti qualquer sinal de dor, ao que parecia, mamãe estava tão ou mais nervosa que eu.

— Pronto! — Disse por fim. — Dei apenas um abainhado falso, tirarei antes de devolver.

— Obrigado, mãe.

— Ah, querido, você está tão lindo! — Ela sorriu, os olhos aquosos. — Estou tão orgulhosa.

— É realmente um péssimo momento para a senhora me deixar emotivo, sério. — Censurei-a.

— Tudo bem, desculpe. — Passou as costas das mãos pelo rosto. — Está com o dinheiro? As chaves?

— Sim, peguei tudo. — Mas chequei novamente só para ter certeza.

— Não precisa voltar logo, aproveite o máximo. Divirta-se, Jake!

— Certo. Obrigado mesmo, mãe. — Sorri dando-lhe um abraço.

— Eu te amo.

— Também te amo.

            Peguei o buquê de Louise e saí para a limusine que já esperava em frente à minha casa. O motorista era um homem simpático que me sorriu cordialmente quando entrei e dei-lhe o endereço da minha acompanhante, cada rua até a casa dela parecia uma cidade inteira, parte de mim ainda esperava chegar lá e descobrir que era só uma pegadinha, que ela não iria comigo, ou mesmo ver outra limusine com um cara bonitão na frente e ela entrando com ele. Tentei afastar esse pensamento, Louise não era esse tipo de pessoa, ela fora sincera comigo desde que começamos a nos falar no episódio do banheiro. Respirei fundo várias vezes na tentativa de me manter calmo — e falhou miseravelmente.

— Nervoso? — O motorista indagou com um sorriso quando parou no sinal vermelho. — Na sua idade eu também achava que isso era uma coisa do outro mundo, mas não é, você vai se divertir e conversar bastante com uma garota legal.

— Ela é bem mais que uma garota legal, acho que é por isso que estou tão nervoso.

— Ora, ela aceitou ir com você ao invés de qualquer outro cara, por si só essa é uma razão para não ficar nervoso, significa que dentre todos na sua escola, para ela, você é o mais legal. — Encorajou-me ele. — Apenas seja você mesmo, é o que ela espera.

“Não fique nervoso, Jake, só seja você mesmo”. Lembrar dessas palavras de Louise dias atrás me fez sorrir e tranquilizar um pouco.

— Obrigado. — Disse e ele sorriu.

— Não por isso. — O sinal abriu e ele deu a partida de novo. — Vamos buscar sua princesa.

*

            Não ter ninguém na frente da casa de Louise foi bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque me dava a esperança de que ela ia mesmo comigo, ruim porque ao abrir a porta ela podia estar vestindo um conjunto de moletom e me dizer que mudou de ideia. O motorista ainda me encorajou mais um pouco antes que eu finalmente saísse da limusine e caminhasse trôpego até a porta da frente, segurando a caixa de plástico onde estava o buquê de lírios que era o escolhido pelas meninas na votação. Bati a porta três vezes quando uma senhora na casa dos 35 anos veio atender, os cabelos ruivos, o sorriso franco e os olhos verdes me diziam que era a mãe de Louise Marshall.

— Boa noite, senhora Marshall... — Forcei minha voz a soar firme — sou Jacob Mattews, vim buscar Louise para o baile da escola.

— Ah, então você é o adorável Jake? — Ela sorriu e seu rosto iluminou-se. — Entre querido, Louise está esperando você!

            O sotaque irlandês da mãe de Louise era muito mais forte que o dela própria, mas por alguma razão ficava charmoso, a casa abria-se em um hall pequeno onde um aparador ficava ao lado da porta, um espelho vintage estava pendurado acima dele, havia um lustre de vidro no hall bem no meio onde dois lances de escada levavam ao andar de cima, uma porta do lado direito levava à sala de estar, dali eu podia ver o papel de parede vermelho com arabescos dourados e um jogo de sofás de couro sintético marrom. Louise Marshall desceu as escadas gloriosa em um vestido verde água colado até a sua cintura e abria-se numa saia em dois tons que ela precisava levantar para não tropeçar. O decote era discreto, mas a curva do colo era visível e a deixava sexy de uma maneira muito bonita, os cabelos estavam presos em um coque solto no alto da cabeça num penteado complicado, fios lhe emolduravam o rosto acentuado por uma maquiagem bem leve, era como ver a própria Afrodite vindo em minha direção.

— Nossa... — Sussurrei, completamente atordoado pela presença dela. Só quando ouvi a risadinha da mãe dela percebi que havia falado mais alto do que pensava.

— Olá, Jake! Você está lindo com esse smoking! — O sorriso dela quase me fez perder o ar completamente.

— Louise... você está... nossa... Nossa!

            Ela deu uma risada discreta aparentemente sem jeito. Me senti mais idiota que nunca, mas não havia nada que eu pudesse dizer e fosse capaz de expressar a dimensão da beleza de Louise naquele momento, apesar de sempre tê-la achado estonteante, vê-la produzida daquele jeito mostrava que só enxergávamos uma fina camada da sua beleza no dia a dia, ela resplandecia como se fosse o próprio sol, imaginava que Botticelli tivera uma visão semelhante para pintar O Nascimento de Vênus. Me atrapalhei um pouco com a caixa de plástico do buquê, sem conseguir escapar do nervosismo, não ajudou em nada o fato da senhora Marshall não parar de tirar fotos de cada movimento que fazíamos — as mesmas fotos das quais com muita insistência conseguira escapar da minha mãe.

— Apenas uma, eu prometo! — Pediu em tom de súplica. — Não é todo dia que você vai à um baile da escola, Jacob, quero guardar esse momento!

— Para me envergonhar para uma esposa que eu possa ter um dia? — Ironizei.

— E todos os meus netos, logicamente. — Riu ela.

            Cedi, afinal, ela estava certa, eu nunca aceitava os eventos sociais da escola que não eram obrigatórios. Aquele era meu primeiro baile incentivado pela chance de passar o terceiro ano inteiro imerso na tranquilidade de não ter pelo menos Jason Dawson no meu pé. Fugi depois da foto prometida, sabia que se abrisse o mínimo de espaço ela não me deixaria escapar até ter o suficiente para um álbum inteiro.

            Louise me ajudou a colocar o buquê em seu pulso, ficou bonito e destacava com o vestido embora eu achasse que nada seria capaz de deixa-la mais linda do que estava naquele momento, sério, não era possível alguém como ela ser real, cada vez que eu a olhava me convencia mais disso.

— Agora juntem-se, lado a lado — pediu a mãe dela toda sorrisos — isso mesmo! — E mais uma sucessão de cliques e flashes veio sobre nós como o tapete vermelho da première de um filme. — Coloque a mão sobre o ombro dele, querida! Ótimo!

— Desculpe por isso. — Sussurrou Louise para mim. — É meu primeiro baile na escola desde que nos mudamos, ela estava desapontada por ter dito que não ia antes.

— Tudo bem... — Sorri, mais flashes e cliques. — Por que mudou de ideia, então?

— Porque você me convidou. — Ela sorriu e me deu uma piscadela.

            Senti-me mal nesse momento, apesar de querer realmente que ela me acompanhasse no baile, o motivo inicial do meu pedido fora outro e esconder dela estava me fazendo sentir um canalha idiota que a estava usando em benefício próprio. Ela conseguiu que a mãe parasse a sessão de fotos para que pudéssemos ir até a limusine — que ela ficou realmente surpresa em ver.

— Muito exagerado? — Indaguei.

— Imagina, isso é incrível, Jake! — Sorriu extasiada.

— Bom, esse também é meu primeiro baile e minha mãe estava tão entusiasmada quanto a sua.

            O motorista abriu a porta e eu a ajudei a entrar e colocar a saia do vestido toda para dentro. Não me sentei ao lado dela, mas de frente, parecia errado ficar ao lado dela principalmente quando parecíamos a bela e a fera lado a lado. Por um momento fiquei imerso em pensamentos, sequer havia notado que o motorista fechara a parte de comunicação entre ele e as pessoas atrás para nos dar privacidade.

— Sei o que está pensando e não estou chateada com você, Jake. — Disse ela e voltei à realidade ao ouvir isso. — Ellis me disse sobre todo o plano do Jason, desde o começo. Ainda que tenha sido essa a razão de me convidar, fique feliz por tê-lo feito.

— Como...

— Eu trabalho no jornal, investigar é o nosso dever, nos dê um crédito, sim? — Ela deu uma risada.

— Não foi por causa disso. — Rebati, sem jeito. — No início até foi, eu queria mesmo me livrar de Jason e fazer ele engolir as palavras dele, mas...

— Depois começamos a conversar e você mudou de ideia. — Deu de ombros. — Por isso não estou chateada e por isso aceitei ir com você.

Permaneci de cabeça baixa, mal dava para sentir o carro se movendo, Louise continuou:

— Quando descobri o plano de Jason fiquei muito irritada por ele me usar dessa forma para humilhar outra pessoa. — A irritação na sua voz era nítida. — Já havia decidido não ir ao baile porque achava uma perda de tempo, mas quando Ellis me contou o que ele planejava, esperei que me convidasse só para calar a boca dele e, confesso, me deu um prazer particular recusar todos os convites que chegaram para ir ao baile.

“Sabe, Jake, desde que me mudei para cá por causa do trabalho do meu pai, tinha em mente que seria imparcial com todo mundo. Não era minha intenção fazer amigos, eu ia estudar e ir pra faculdade, ponto final. Assim como você eu também sofri bullying na escola anterior, não violentamente como fazem aqui, mas eu era muito odiada e havia pessoas que eram ainda mais odiadas que eu lá, essas sim sofriam coisas horríveis. Acho que é muito idiota você machucar alguém por ser diferente de você, por isso quis entrar para o jornal e para todas as atividades que meu tempo desse conta, porque era algo que eu podia fazer por essas pessoas.

“Quando te disse que estava em processo de me tornar uma pessoa melhor, aquele dia na quadra, quis dizer que eu sabia o que você aguentava todos os dias, mas nunca fazia nada a respeito, primeiro porque não conseguia uma oportunidade, tinha medo de interferir e aquilo só piorar as coisas pra você, segundo porque você não dava muita abertura, me aproximar parecia errado a maior parte do tempo. Mas aquele dia no vestiário foi a gota d’água, acho que até mesmo você tem um limite para suportar humilhações porque o meu chegou aquele dia, foi desumano para dizer o mínimo, ninguém merece passar por isso, Jake.

“Já estava me sentindo mal por ser uma espectadora passiva e finalmente pude te ajudar de alguma forma e, Jake, você é tão legal, mas foi tão contaminado pelas palavras de ódio daqueles babacas que não enxerga a si mesmo. Você olha para você e só vê que está acima do peso, só vê a aparência que não gosta, mas não vê a sua personalidade carismática, a sua inteligência brilhante, o seu talento para escrever e a sua sagacidade e sensibilidade. Não aceitei seu pedido para me acompanhar ao baile porque estava com pena de você ou com raiva de Jason, mas porque de todas as pessoas que me convidaram você era o único que valia a pena porque eu sei que está aqui hoje pela pessoa que eu sou e não porque vai ganhar status na escola ou porque quer se exibir.”

            Estava estarrecido. Primeiro porque não conseguia acreditar que alguém pudesse odiar Louise — o mundo poderia ser mais bizarro? —, segundo por tudo aquilo que ela disse de maneira tão emocional e sincera. Até então eu havia imaginado várias possibilidades para a aproximação dela e mesmo sua defesa inicial àquele dia na primeira vez que ela enfrentou Jason por minha causa, parecia surreal que alguém como eu fosse notado por uma garota como Louise Marshall, enquanto pensava que ela não estava a fim de se misturar ela só estava irritada de mais para querer fazer parte de alguma panelinha que resumia seu tempo a diminuir os outros.

— Eu sinceramente não sei o que dizer... — ri, nervoso.

— Essa é uma das coisas que eu adoro em você, Jake, você é muito transparente. — Ela sorriu tomando a iniciativa e sentando-se ao meu lado no banco de couro preto.

— Não sei como alguém poderia odiar você. — Comentei.

— Eu posso dizer o mesmo de você. — Ela me deu uma cotovelada amigável no braço. — Tem gente babaca em todos os cantos do mundo, Jake, mesmo na Irlanda.

— Como a Ellis descobriu sobre o Jason? — Quis saber, curioso.

— Isso é um mistério até para mim, mas se tem algo que quer esconder da Ellis, melhor que não esteja online. Isso vale para SMS também.

            Ambos rimos e naquele momento me senti muito melhor, tudo estava em pratos limpos, descobrir aquele lado de Louise era uma novidade deliciosa que não havia bullying no mundo capaz de apagar a felicidade que sentia naquele instante. Ali estava eu, ao lado da garota mais incrível que já havia conhecido, tendo o melhor tempo da minha vida sem sequer ter chegado ao baile.

*

            Ellis segurava uma prancheta com a lista de alunos e acompanhantes e checava todo mundo antes de entrar na quadra, usava um vestido preto tubinho que parecia ter sido inspirado em qipaos chineses, os cabelos estavam presos em um penteado tão ou mais elaborado que o de Louise, ela parecia realmente linda. Ao lado dela estava Brat Carlson, ele também fazia parte do jornal, artigos de esportes, era intimidador o suficiente para garantir que ninguém ali enfrentasse Ellis embora eu desconfiasse que poucos se atreveriam a tanto.

— Boa noite, gente! — Cumprimentou-nos cordialmente. — Vocês estão deslumbrantes! Aqui, a ficha de voto do rei e rainha do baile, votem em si mesmos ou vou usar tudo em seus computadores contra vocês!

Ela entregou a Louise um papel com nomes e quadradinhos impressos, minha acompanhante riu, Ellis parecia muito uma personagem de desenho ou videogame.

— Seu desejo é uma ordem, majestade! — Riu Louise.

— Eu tenho muito juízo para contrariá-la, Ellis. — Sorri e ela anuiu.

— Divirtam-se!

            Assim que entramos percebi o ótimo trabalho do comitê de decoração, tudo era preto, vermelho e branco, os balões, as cortinas e bem vintage, com direito, inclusive, a cortina de discos de vinil. Notas musicais e sombras de artistas famosos da época decoravam as paredes, as toalhas das mesas eram xadrez com bibelôs de decoração vermelhos, as pessoas responsáveis pelo som e a organização estavam vestidos à caráter — embora não fosse obrigatório muitos alunos também estavam — o ar de tudo era bem divertido, mesmo que a música que tocasse ali nada tivesse a ver com os anos 60.

            Jason fora acompanhado de Shelly O’Brien, a capitã das líderes de torcida, presenciei o momento que ele cuspiu o ponche batizado que tomava — porque eu não me iludia que ninguém tivesse batizado o ponche — ao me ver entrar de braços dados com Louise na quadra. Sam estava conversando com Kelly Miningham do clube de astronomia e líder do clube de culinária, sorriu ao nos ver. Lester não conteve a cara de surpresa quando viu Louise ao meu lado, ele também a havia convidado e sido rejeitado, acabara indo ao baile com Suzanne Mitchel, uma das líderes de torcida amigas de Shelly. Não apenas eles, mas a maioria das pessoas que nos via começava a cochichar entre si e expressavam olhares de surpresa.

            Senti meu corpo congelar por um momento, mas Louise apertou meu braço levemente e me incentivou a continuar andando até uma das mesas, a música alta continuava tocando, era um tipo de música eletrônica que não conhecia.

— Tudo bem, Jake. — Sorriu-me ela. — Não ligue para eles, vamos nos divertir.

            Jason veio em nossa direção e Louise cruzou os braços com uma expressão tranquila no rosto, como que se preparando para a guerra.

— Mattews, então você conseguiu mesmo a façanha de trazer a rainha da escola para o baile. — Sua voz era carregada de sarcasmo mordaz.

— Decepcionado porque nenhum dos seus amiguinhos conseguiu o feito, Dawson? — Louise sorriu tão ferina quanto. — Você devia saber que o meu nível de caráter excede músculos.

— É, parece que você aprecia bem mais gordura em excesso.

— Mas com muita inteligência. — Anuiu ela ainda sorrindo. — Algo que, presumo, você não conheça uma vez que é acéfalo.

— O que você pensa sobre mim é um problema exclusivamente seu, Dawson. — Disse finalmente impregnado pela postura de Louise. — Agora eu agradeceria se você deixasse a minha acompanhante e eu conversarmos em paz.

A expressão de fúria dele aumentou ainda mais, tinha certeza que o desejo de me socar bem ali no meio de todo mundo era quase incontrolável.

— Isso não muda nada, Mattews, você é um bobo da corte, nunca será rei.

— Deixe o baile terminar antes de cantar vitória, Jason! — Provocou Louise. — A coroa ainda não foi pra sua cabeça.

            Jason se virou para sair, mas Louise o deteve ficando de pé e segurando-o pelo braço, o olhar gélido dela me fez estremecer e Jason virou-se não apenas surpreso, mas ainda mais furioso que nunca.

— Tome muito cuidado com as suas pegadinhas essa noite, Dawson, Ellis e eu temos um material muito interessante sobre você prontinho para aparecer até mesmo no The Yorker. — Ameaçou. — Sugiro que curta a festa muito quietinho se não quiser que seus amiguinhos descubram seus podres.

            Ele puxou o braço e atravessou a quadra saindo com Shelly atrás dele sem entender o que havia acontecido, nesse momento uma música lenta começou a tocar, Louise voltou-se para mim em um convite silencioso para dançar e aceitei, caminhamos até o meio da pista de dança entre os outros casais que nos olhavam cheios de curiosidade.

— Vamos ter uma noite divertida de baile de escola — disse ela enlaçando os braços em volta do meu pescoço —, ninguém vai atrapalhar isso.

            Olhei para a porta da quadra, mas Jason não havia voltado ainda, me perguntei se ele estava se preparando para cumprir a promessa, se eu seria ridicularizado no nível de Carrie, a Estranha no meio de toda a escola — coisa que não me deixaria nada surpreso — o peso do olhar de Lester não ajudava a acalmar o clima sombrio que pairava à minha volta.

— Você está tenso. — Louise sorriu. — Relaxe, Jake. O Jason planejava ridicularizar você hoje, Ellis já deu um jeito no plano dele, não se preocupe com nada, apenas vamos nos divertir.

— Acho que eu já tive emoção o bastante para o próximo ano inteiro.

— Seu bobo, no próximo ano eu vou te enlouquecer tanto com o jornal que a palavra emoção vai ganhar um novo significado na sua vida. — Riu ela.

— Obrigado por me avisar com antecedência, pedirei a minha mãe para agendar um terapeuta para o próximo ano. — Brinquei.

            O riso de Louise encheu o lugar de vida, não fazia ideia se aquilo que eu sentia por ela, que me fazia parecer um completo boboca na sua frente, podia ser definido como paixão, mas não me lembrava da última vez que havia me sentido tão feliz.

*

            Ellis e Jules sentaram na nossa mesa, Louise e eu havíamos dançado tanto que não queríamos levantar a menos que fosse muito necessário, Jules pegara vários salgados e doces e trouxera para a mesa, como Ellis confirmou que Lester havia batizado o ponche, Set comprou refrigerante e sentou-se conosco acompanhado de Lizzy Bars, sua acompanhante e presidente do time de lacrosse feminino. Enveredamos em uma conversa descontraída sobre o jornal, planos para a faculdade e mesmo para depois do baile, Set nos convidou para ir a uma lanchonete no centro que ficava aberta até mais tarde, Louise concordou desde que eu fosse junto e como a limusine só estava alugada até as 23h, combinamos que sairíamos do baile mais cedo uma vez que o carro de Jules não cabia todos nós.

            Demeter nos cumprimentou brevemente, havia ido ao baile com Liliana Mullër a aluna intercambista ítalo-alemã do clube de teatro da escola que estava ensinando-lhe a falar alemão. Dave Abott juntou-se a nós no meio da noite, acompanhado de Nichole Hillys, ela era a monitora do laboratório de ciências. Eu havia tido uma chance de agradecer-lhe pela indicação para a peça e ele fora muito simpático comigo, podia dizer que estávamos a um grande passo de sermos amigos. Quando fazia uma retrospectiva do meu primeiro ano até ali, percebi o quanto havia mudado desde que Louise Marshall entrou no meu caminho, quantas pessoas prestavam atenção em mim mesmo que não notasse isso e quantas eu tivera a oportunidade de conhecer um pouco melhor, era um incrível novo começo que me dava esperanças de um último ano cheio de cores e diversão.

— Atenção, por favor, sua atenção! — A senhora Eagle usou sua potente voz soprano para fazer todos se calarem. — Anunciaremos agora o rei e a rainha do baile.

            Uma onda de tensão e expectativa dominou a quadra, ela fez o suspense dramático típico para abrir a envelope que continha o nome do casal, notei que Jason e Shelley não haviam voltado para o baile.

— Louise Marshall e Jacob Mattews!

            A voz da professora soou como um eco do além nos meus ouvidos, as pessoas começaram a bater palmas e alguns garotos a assoviar, Louise sorriu para mim segurando minha mão como que para me convencer a segui-la até o palco, Jules e Ellis levantaram para ir conosco ouvi algumas felicitações no caminho até o palco, mas estava tão estupefato pela surpresa que não conseguia responder, todas aquelas pessoas estavam nos aplaudindo, o diretor colocou a coroa de rei na minha cabeça e me entregou um cetro que era mais pesado do que parecia, Louise recebeu sua coroa da senhora Eagle e um buquê de rosas, todo mundo aplaudia feliz e vi Sam no meio das pessoas gritando várias vezes “É isso aí, Jake!”. Naquele momento concordei com R.J. Palácio quando escreveu Extraordinário, todo mundo merecia ser aplaudido de pé pelo menos uma vez, aquela coroa não significava que eu havia feito algo grande ou que era uma grande honra, mas queria dizer que, dali em diante, a minha vida abria-se para novos caminhos e oportunidades.

— Agora, em honra ao rei e a rainha — Ellis pegou o microfone do diretor e anunciou — haverá uma apresentação especial de Jason Dawson.

            Nesse momento, Jason entrou na quadra, acompanhado por Ian Smith e Gabreel Larson ambos do time de futebol americano — aparentemente amigos de Jules e Ellis —, vestia uma fantasia de bobo da corte com três vezes o seu tamanho e, de nítida má vontade, contou piadas na frente de todo mundo e foi obrigado a dançar enquanto todos riam e tiravam fotos. Não tinha ideia de como o obrigaram a fazer aquilo, mas descobri que não me senti nem um pouco melhor por vê-lo naquela situação.

— Ele ia te obrigar a vestir isso. — Sussurrou Louise para mim. — E eu sei que você o faria se fosse forçado por ele e sua gangue. Ellis descobriu logo que o plano de me convidar foi armado.

— Pode pedir que parem e deixem ele ir? — Pedi.

— Se é o que você quer. — Louise fez um gesto para Ellis que acenou para Ian e Gabreel. Jason saiu correndo da quadra. — Você é uma ótima pessoa, Jake. Parabéns por ser quem você é, garanto que estou honrada de ser sua rainha hoje.

            Sorri sem saber o que dizer. Ellis puxou uma salva de palmas e fomos convidados a dançar uma valsa, mesmo estando cansados demais para pensar em nos mover. Enquanto o globo de espelhos lançava luzes coloridas no centro da quadra, Louise e eu dançávamos devagar cercados por todos os alunos da escola.

— Para o meu primeiro baile, esse foi memorável. — Disse ela, sorrindo.

— Eu posso dizer o mesmo, você conseguiu amigos assustadores. — Ri baixinho.

— Bem, é bom que vá pensando em me convidar no próximo baile, estou requisitando sua companhia até a formatura. — Sorriu docemente.

— Mal posso esperar. — Sorri de volta, extasiado.

            O som da valsa instrumental, outros casais juntaram-se a nós para dançar, dei uma olhada nas pessoas que agora estavam próximas de mim, era muito pouco tempo e não nos conhecíamos a fundo, mas eu tinha certeza que a partir daquele momento ainda que as coisas não fossem mais fáceis — pois sempre haveria Jasons e Lesters —, mas dessa vez eu tinha a certeza que não estava lutando sozinho e, enquanto pudesse, ninguém mais passaria as coisas horríveis que passei na escola.

Era apenas o começo. O começo de algo incrível que era a minha vida.


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Notas finais do capítulo

Apesar de não ter estudado em uma escola americana, eu passei por muitos episódios de bullying psicológico durante minha vida escolar, ainda da quarta série até o ensino médio e a faculdade, sei como é complicado isso, me identifico com o Jake porque também como por compulsão e por ansiedade, se você tem um problema parecido, procure ajuda médica, está bem? E se você passa por bullying não fique calado, conte para alguém, peça ajuda, a melhor arma contra a violência é não se calar diante dela e deixá-la nos subjugar. Espero que, como o Jake, pessoas que passam por isso encontrem bons amigos que fiquem ao seu lado, gosto de pensar que, apesar da injustiça que engole a sociedade que vivemos, as pessoas boas terão coisas boas na vida, como aconteceu com o Jake.
Obrigada por ter lido o meu conto e seja lá quem colocou aquela foto no grupo e pediu por histórias, se você leu esse conto espero que tenha gostado dele!

Abraços!

Kath.