A Herdeira do Quarto Trono escrita por R31


Capítulo 3
O Silêncio do Tempo


Notas iniciais do capítulo

Olá meninos e meninas, donzelas e lordes, bem vindos e bem vindas à esta história fabulosa!
Bem, como não tenho muito à acrescentar, vamos direto ao assunto. Eu os aconselhos a se acomodarem bem antes de começar a leitura pois o caminho a ser seguido é longo e o tempo é curto!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/756772/chapter/3

 

 

“Nárnia acontece. Quando menos esperarem, pode acontecer”.

As Crônicas de Nárnia.

 

Chegou a ser engraçado o espanto da bibliotecária quando nós, em um grupo de doze alunos, adentramos na biblioteca da universidade. Ela se assustou conosco e devo dizer, em minha defesa, que isso se deve ao fato de Jessica Bridge e Mack Salomon entrarem no palco da sabedoria (ou seja, na biblioteca) discutindo em voz alta a respeito da total falta de noção do rapaz em ter bebido até tarde da noite ontem e hoje está totalmente em modo ressaca agora.

Segurando-me para não revirar os olhos e não brigar com eles, entrego a autorização por escrito do professor para termos livre acesso à sessão jurídica e legislativa tanto dos alunos quanto dos professores até o fim do terceiro período. A bibliotecária até aceita a autorização, mas em seguida ela lança um olhar duro em direção à Jessica e Mack.

Nathan, que estivera concentrado num diálogo baixo, sobre um assunto que não fiz questão de descobrir do que se tratava, com Victor London até então, bufou, cutucando Mack com o cotovelo. Só então Salomon e Bridge percebem a atenção negativa que estavam atraindo e logo se calaram.

—Finalmente - murmuro, grata pelo silêncio repentino dos dois.

—Se a senhora puder liberar o acesso à sessão jurídica o mais rápido possível, agradeceríamos. -Nathan fala, saindo de trás de todos e se pondo ao meu lado, como se fosse uma espécie de vice-líder. Não comento nada no momento, mas a mulher que ali trabalhava nos lançou outro olhar duro, desta vez destinada a todos nós em um todo.

—Estou cansada de vocês alunos deixarem tudo para a última hora. -Diz ela, olhando para nosso grupo por sobre os óculos meia-lua com ar de superioridade.

Respiro fundo, trocando um olhar rápido com Nathan, já que era ele a estar de pé ao meu lado. Vejo nos olhos dele que o mesmo sentimento de indignação corria em nossas veias. Precisei, mais uma vez, me controlar para não dizer nada impensado.

—Não é o nosso caso -digo à ela, apontando para a folha de autorização, logo em seguida, cruzo os braços atrás das costas casualmente -, como pode ver na folha que acabo de lhe entregar, nosso trabalho foi solicitado ainda hoje.

A mulher nos olha, surpresa, antes de suspirar.

—Tudo bem, sigam-me... Mas em silêncio.

Sorrio, aliviada. Nenhum dos outros grupo teve a mesma ideia brilhante que eu e quando eles viram, já era tarde de mais… Não que eu esteja me gabando, mas tenho o direito de me sentir um pouco orgulhosa de ter pensado isso antes, não?

Parecia que tudo estava indo aos conformes até que a bibliotecária se virou para nos levar até a sessão jurídica. Será possível que algumas pessoas simplesmente não entendem o que significa ficar em silêncio?

Murmúrios e risadas altas foram ouvidos dentre os alunos e peço com a maior calma possível:

—Qual é pessoal, três anos fazendo direito e vocês ainda não aprenderam à respeitar regras? -Não sei exatamente o que minha voz soou, mas eu sentia nela um tom de súplica.

Um silêncio se instalou ali e, ao invés de sentir um objetivo alcançado com sucesso, tudo o que senti foi fracasso como líder.

—Será que você pode parar de bancar a mandona agora, Laura? -Exclama Mack no exato momento que a mulher desapareceu atrás de algumas prateleiras cheias de livros e nós íamos segui-la. Olho para trás e vejo Mack atrás de todos os outros, perto da porta de entrada, como se estivesse ali por mera casualidade. -Não estamos mais sob a mira do professor agora.

Limito-me a revirar os olhos e, sem dizer nada, segui a mulher da biblioteca ajeitando a alça de minha bolsa no ombro.

—Idiota. -Resmungo o mais baixo possível. Em passos decididos atravesso a biblioteca tentando ignorar os gracejos de Mack. O que está acontecendo aqui afinal? Nathan gentil? Mack irritante? Eu acordei num mundo paralelo hoje é?

—Nem fique se estressando com isso, Laura - diz Victor em tom baixo, para não incomodar ninguém, se apressando para caminhar ao meu lado. -Ele só está irritado porque a líder do grupo desta vez é você, não ele.

—Eu não pedi para ser líder  -lembro à ele e Victor sorri, compreendendo a situação.

—Isto é verdade. -Diz outro rapaz, Nathan (isso só pode ser brincadeira), passando a caminhar ao nosso lado. -Laura até tentou me persuadir a trocar de papel com ela, mesmo o professor tendo acabado de dizer que somente os líderes não podem fazer isso. Fiquei me perguntando o porquê disso…

Já que agora eu caminhava entre Nathan e Victor, decido realmente me jogar de cabeça nessa conversa. Era isso ou aguentar os insultos de Mack.

—Sim - concordo de má vontade - mas isso foi por que eu achava que era isso o que você queria.

—E no que isso iria me ajudar? Eu tenho que me concentrar em me aperfeiçoar na arte de convencer às outras pessoas, porque quero ser advogado. Quem tem de aprender a controlar a situação aqui é você que quer ser juíza. Eu sei que é difícil, mas temos que começar por algum lugar.

—Eu sei disso. Eu apenas… não sei se sou capaz de liderar, só isso… -Murmuro, morrendo de raiva de minha própria sinceridade.

—Não entendo porque as pessoas costumam menosprezar seus próprios talentos. -Victor diz, casualmente, olhando diretamente para frente.

—E você Victor, não está menosprezando seu dom de suspeito principal? -Questiono, tendo tirar de mim o foco da conversa.

—Certamente que estou, sim, excelentíssima. -Victor faz uma reverência com a cabeça que me pareceu hilária. -Pretendo fazer isso até que a senhorita pare de tentar nos desviar do foco principal da conversa…

—E que foco de conversa é essa? -Faço-me de inocente, exibindo um sorriso mínimo.

—Você, oras. -Resmunga Nathan, revirando os olhos e cruzando os braços. Vi nele um indício de irritação, mas eu não poderia ter certeza. -És nossa líder, Laura, todos sabem que você tem capacidade mais que suficiente para isso, e você é a única que não vê isso?! -Nathan bufa, segura meu pulso e se inclinou para mim, sussurrando próximo ao meu rosto e, como se já não bastasse à proximidade do seu rosto perto do meu, vejo que ele estava mesmo falando sério. As somas desses fatores me deixaram se reação. - Você é a herdeira dos grandes reis. Haja como tal!

Meus olhos se arregalaram de surpresa e meu queixo despenca. Como?

Como assim?

O que ele quis dizer com isso?

Que ele acredita? Ele acreditou em meus tios?

Como? Quando isso mudou?

Victor percebeu que havíamos parado de caminhar, se virou e viu meu olhar choque para cima de Nathan e franzindo a testa, Victor questiona:

—Está tudo bem? -Como não respondemos, London pareceu se irritar. -O que você disse a ela, Crawford?

Todos os outros alunos de nosso grupo passaram por nós naquele exato momento, olhando-nos com curiosidade.

Nathan e Victor sorriram e incentivaram que eles seguissem caminho, o mesmo aconteceu quando Mack e Bridge passaram por nós. Mack sequer olhou para mim, mas Bridge lançou um sorriso envergonhado para mim, como se pedisse desculpas. Acenei com a cabeça, como se eu dissesse que estava tudo bem. Acho que ela me entendeu muito bem.

Quando todos os demais passaram por nós e finalmente pudemos conversar mais a vontade, sentia a mão de Nathan ainda sobre meu pulso e, London voltou a nos questionar:

—E então?

—Não foi nada demais, só algo que somente ela pode entender. -Asperamente a voz Nathan soa, ele ainda estava me encarando, seu hálito foi direto para meu rosto. Seus olhos permaneceram sobre os meus por mais alguns segundos antes que ele me soltasse novamente. Crawford segue caminho. -Não é nada com o que você tenha de se preocupar, London.

—Não foi o que me pareceu…

—De qualquer forma, isso não é da sua conta. -Crawford lança a mim um último e significativo olhar. -Agora vamos. Não temos tempo a perder.

Eles seguem pelo corredor, indo em direção à parte da biblioteca restrita aos professores - por isso a autorização. Dou alguns passos, seguindo-os, mas paro por um momento.

Precisei ficar sozinha por um momento, para tentar absorver o efeito que as palavras de Crawford causaram sobre mim. Eu estava confusa, para dizer o mínimo.

Repeti-as em voz baixa.

Você é a herdeira dos grandes reis. Haja como tal”? Isso não soa, de maneira alguma, como coisa de que é um completo descrente. Muito pelo contrário. Será que ele sabe de algo que eu não sei? Impossível, ele não ouviu nada que eu já não tivesse ouvido e de muitas formas, eu fui aquela que acreditou sem prova alguma, Nathan jamais aceitou sequer a menor hipótese do que fosse sem ao menos um resquício de fragmentos de provas físicas - não é a toa que ele vai ser advogado.

Sempre fora assim. Nathan sempre foi do tipo que precisa ver para crer… a não ser que…

Balanço a cabeça, em negação.

Não, não pode ser... Isso não faria o menor sentido. Afinal, o que um descrente poderia fazer para merecer a chance de conhecer Nárnia com os próprios olhos? Ainda mais sendo Nathan Crawford? Isso é ridículo!

—Esse homem vai é acabar por me enlouquecer. -Resmungo comigo mesma, antes de seguir caminho atrás dos outros.



A área da biblioteca restrita aos professores era muito diferente da dos alunos. Para início de conversa, as estantes dos professores eram todas em mogno, os títulos disponíveis são sempre os mais avançados e atualizados, deixando praticamente as “sobras”, ou seja, os livros que vão se desatualizando, aos alunos. As mesas, feitas da mesma madeira era mais largas e adequadas para reuniões e estudos em grupos e a iluminação não havia nem como se comparar.

Havia ali também algumas poltronas de couro para professores cansados que quisessem relaxar lendo uma boa literatura Não era incomum alunos precisaram usar a sala para buscar informações específicas e, uma vez lá dentro, dificilmente os alunos sentem vontade de frequentar a biblioteca à eles destinados novamente.

E quem pensaria diferente? A área dos alunos, suas cadeiras duras e desconfortáveis, a iluminação natural horrível em dias de chuva e em dias normais também, a iluminação dos abajures e nada era a mesma coisa, livros com grafia errada e páginas roídas por ratos.

Se esta era a biblioteca da melhor universidade da Inglaterra, o que poderia ser dito da pior?

E foi neste contexto que, quando entrei na área restrita aos professores, senti a atmosfera mudar, a sensação de frieza e impessoalidade lá atrás deu lugar à uma sensação calorosa e acolhedora. No canto logo adiante, havia uma lareira acesa e neve se acumulava do lado de fora das janelas. Quanto à neve, eu não estava surpresa, ainda é inverno em Londres, mas a lareira, isso sim era novidade. Nas poucas vezes que frequentei este lugar no inverno dos últimos três anos, nunca a vi sendo usada de fato.

Sem me dar conta, meus olhos pousam sobre as chamas acesas e em minha cabeça, lembro-me da imagem do leão rugindo na lareira de minha casa. Uma vontade de me aproximar, sentar na frente da lareira e simplesmente observar as chamas dançarem enquanto consomem a madeira, ficar em silêncio e sentir minha pele absorver o calor me toma e senti meu corpo paralisar no lugar, indeciso.

Eu queria tanto ver o leão novamente, mas meu interior se rebelou, afirmando que isso sequer era algo racionalmente possível. Mas o que era Nárnia se não algo racionalmente impossível? E eu acredito!

—O que você está olhando tanto, Laura? -A voz de Bridge soa, tirando-me de meus devaneios.

Balanço a cabeça, me lembrando de que eu estava ali por uma razão específica. Meus colegas de equipe já estavam todos reunidos e sentados numa das grandes mesas de mogno. À mesa, haviam exatamente doze cadeiras forradas, onze já estavam ocupadas, com exceção de uma, a do extremo oeste. No extremo leste, a cadeira de destaque estava ocupada por Mack.

—Eu só estava observando que nunca vi essa lareira acesa antes. -digo. Caminho até a mesa e tomo meu lugar, pendurando minha bolsa na cadeira. Noto que à minha esquerda estava Victor e à direita estava Nathan. Nenhum dos dois pareciam satisfeitos; perguntei-me o que pode ter acontecido, sendo que eles tinham o melhor humor até agora a pouco.

—Como você espera nos liderar se fica com a cabeça nas nuvens, Willians? -Dispara Mack do outro lado da mesa, ele tinha uma expressão de presunção no rosto e entendo de imediato o que poderia estar acontecendo ali. Mack deve ter irritado Crawford e London e isso os tirou do sério, já que, assim que Mack se pronunciou, tanto Nathan quanto Víctor demonstram reações de quem se segura para não explodir.

Puxando a cadeira e me sentando, respiro fundo e abro um sorriso de desafio para Salomon.

—O trabalho de uma líder e de uma juíza, Salomon, é estar atenta a todos os detalhes, por mais insignificantes e mínimos que eles possam parecer. Se esta biblioteca fosse a cena de um crime, você perderia metade das provas apenas por não prestar atenção.

Silêncio. Todos me olharam espantados e calados e mas vi também que alguns sorriram apoiando-me. No fim, o que importa foi que consegui fazer com que Mack ficasse quieto.

—Então, se alguém aqui ainda acha que Laura não tem capacidade de nos liderar, manifeste-se agora, pois esta será sua última chance. -Nathan diz, se dirigindo a todos.

—Se ela fizer jus ao seu sobrenome, para mim já está mais que bom. -Diz Luana Lupim, todos olhamos para ela, que estava lendo um livro aparentemente novo, mas extremamente grosso, provavelmente de 1500 à 1800 páginas.

—Como assim Luana? -Perguntou Tifany Hondurag, que sentava logo ao lado de Lupim, tentando ler o mesmo trecho do livro. Luana ergue os olhos para me encarar, eles brilhavam de curiosidade e interesse.

—Laura, você nunca nos disse que seu tio foi um dos juízes mais influentes da história inglesa… - Dizia ela. Tifany se agitou em seu lugar:

—Sério? É o que diz aí? Deixa ver!

—Espere Luana - Victor toma a palavra e eu o fuzilo com os olhos. Eu gosto muito de Victor, mas tinha horas que ele sabia ser tão inconveniente quanto Nathan-, todos queremos saber mais sobre isso. Mas primeiro me digam, como é que ninguém aqui mais sabia disso? -Todos olharam para mim, em expectativa.

Meu corpo congelou. Eu não esperava por isso de maneira alguma. E fui impelida a dizer a verdade.

—Só… Só mais uma pessoa em nossa turma sabia disso… -Gaguejo, sem querer. -Mas eu nunca falei nada porque não queira que ninguém pensasse que tenho algum favorecimento por conta disso…

—Sim, isso é óbvio-  insistiu Victor, empolgado - mas quem mais sabia disso?

Paraliso mais uma vez. Meu Deus, isso está mesmo acontecendo? Eu não quero dizer quem mais sabia disso…!

—Eu sabia. -Nathan diz, alto e claro e eu queria desaparecer. - Eu estava sentado ao lado de Laura e da família dela no tribunal quando o juiz Pevensie deu sua sentença e entrou para a história.



Victor passou os dedos pela folha do livro com curiosidade. Luana havia entregado o livro para que ele lesse o trecho do livro “Causas e casos da Inglaterra” que parece ter saído muito recentemente, algo como no fim do ano passado. Todos o olhavam com expectativa e, mesmo não gostando, me obriguei a ouvir também. Dependendo do que aquele livro diz sobre minha família, de duas uma: eu faço minha família entrar na justiça contra a editora por danos morais ou eu compro uma edição para mim e emolduro num quadro a parte que fala do caso que meu tio julgou.

—É mesmo, o caso Holmes versus o Estado… - Diz Victor olhando para a folha ainda. -Me lembro da repercussão desse caso na época…

—Pare de enrolar e vá direto ao assunto, London! - Tifany exclama, impaciente.

—Tudo bem, calma! Deixe-me ver… ah, sim. Caso Holmes versus o Estado...

 

Pela primeira vez na história dos tribunais da Inglaterra, um civil tem sua causa ganha contra o Estado de sua majestade real em tribunal. O cidadão em questão, Jonathan Holmes Lianforb entrou com processo contra o Estado por uso indevido de imagem, abuso de autoridade, difamação e negligência. O caso que vinha sendo avaliado por três longos anos, foi à julgamento em 30 de março de 1963, tendo cobertura completa pelos principais jornais, rádios e, pela primeira vez, foi também transmitido por televisão.

Era de se esperar que todos os envolvidos estariam com os nervos à flor da pele, principalmente o juiz responsável pelo caso, Edmundo Pevensie (33  anos), devido à grande pressão por parte da coroa. Entretanto, não foi isso que testemunhamos. O juiz Pevensie, para a surpresa de todos, ocupava seu lugar transmitindo calma, uma perfeita paz e equilíbrio, demonstrando grande paciência e sabedoria com uma imparcialidade impecável e assim, quando sua sentença foi anunciada a favor de Jonathan Holmes Lianforb, ninguém ousou questioná-lo, um feito verdadeiro, de fato.

Este humilde repórter que vos fala ousa dizer que, se este caso entra agora para a história, uma das razões para isso se deve pelo fato que nem mesmo o Estado ousou recorrer à decisão do julgo de Edmundo Pevensie, um feito que nenhum de seus antecessores jamais ousou conseguir.

(BBC de Londres, abril de 1963)”.

 

Respirei fundo, aliviada pelos elogios feitos à meu tio, mas confesso que fico também decepcionada, soava um eufemismo aquilo: as razões que deram aos motivos de Holmes de processar o governo pareceram poucas na mão da mídia e eu sabia que os crimes cometidos eram bem maiores e piores do que aqueles ali descritos.

O caso Holmes teve grande repercussão sim, principalmente dentro da minha família, me lembro de perfeitamente de visitar meu tio em sua casa, dias antes do dia do grande julgamento. Toda a família estava reunida para comemorar antecipadamente o aniversário de Edmundo, já que o julgamento cairia bem no dia do aniversário dele.

Recordo-me de estar com meus pais, Pedro e Lúcia também estavam presentes, e ouvi tio Edmundo dizer ao meu pai que, se o Estado não apresentasse nenhuma informação convincente de que eram inocentes e que não foi eles quem destruíram a vida do pobre homem e de toda sua família, ele dizia que não teria outra escolha a não ser condenar o Estado.

Minha mãe surtou, disse que isso era loucura e que esse ele fizesse aquilo, estaria arruinando a própria carreira. Edmundo a olhou com ar sério e disse algo como “Se você resolveu apagar da memória o que nos torna nobres, Susana, eu não pretendo fazer o mesmo! Jamais esquecerei. Eu não vou decepcionar minha família de novo, não vou decepcionar Aslam! Eu vou fazer o que deve ser feito! Doa a quem doer!”

Eu tinha pouca idade na época, mas nunca esqueci o ar determinação que tio Edmundo tinha naquele dia e me lembro de o olhar e pensar: quando eu crescer, quero ser tão corajosa quanto meu tio.

 

—De onde você tirou esse livro, Luana? - Questiono, agora eu era a curiosa.

—De lugar nenhum, este livro já estava aqui, aberto sobre a mesa quando chegamos. -Ela responde de imediato e vivacidade.

—Ah, sim… - Murmuro sorrindo. -Victor, me passe esse livro…

—Aqui… - Victor me passou o livro sem questionar-me.

Olhando para o livro, vejo que suas folhas realmente exalavam cheiro de novo. Observo também o trecho do livro que vinha a mencionar a atuação de meu tio nessa história. Uma onda de nostalgia me toma ao me deparar com as fotos dos principais envolvidos no caso; lá, constavam as fotos da vítima, dos culpados, advogados, investigadores, peritos, promotores, redatores. Ao centro, em destaque, estava meu tio. Edmundo vestia um terno mais sofisticado, seu rosto encarava sério a câmera e seu olhos eram uma incógnita, mas eu sabia, por trás do profissional sério, justo e altamente competente também havia um sujeito brincalhão, chato e que prezava a família mais que tudo. Não precisa ser gênio para entender que ele era meu tio favorito…

Todas as fotos eram em preto e branco ou em efeito sépia. Na época eu tinha o quê? Oito, nove anos? Se o mundo não girasse, se eu não tivesse crescido, se Londres não fosse tão agitada, todos esses anos teriam se passado, silenciosos, e nem teríamos notado. O tempo: silencioso e mortal. Se não prestarmos atenção a hora chega e passa e assim ficamos para trás facilmente.

O fim do segundo período chegava e eu nem teria notado se Nathan não tivesse comentado para Victor:

—Faltam dois minutos para o inicio do terceiro período... -Nathan anuncia, olhando para seu relógio de pulso. Saio de meus devaneios. O tempo nunca se pronuncia e se eu continuar achando distrações serei eu a ficar para trás.

Respiro fundo e fecho o livro num baque e olho para a capa dele, que era dura, em alto-relevo e o que mais me chama não era o símbolo da justiça em tons prateados na capa - a deusa grega Themis, símbolo do Direito, a mulher de olhos vendados portando uma espada numa mão e na outra segurava uma balança-, mas sim um detalhe ausente. O livro não possuía a etiqueta da biblioteca da universidade.

—Victor, esse livro não é do acervo da biblioteca -pergunto com os olhos ainda colados no livro -, será que alguém o esqueceu aqui?

Ele não responde, mas eu também não dou muita atenção. Volto a folhear o livro, encontrando assim o índice. O “Caso Holmes” se encontrava na página 237, havendo ali também uma matéria só sobre esse assunto.

—Qual o último caso acompanhado nesse livro? -Nathan pergunta, do nada, se inclinando sobre o livro também.

—Não sei, só um segundo... -Virando as folhas, vimos que aquele índice era gigantesco, ocupava 15 folhas completas. A mão de Nathan, que era maior que a minha, entrou em meu campo de visão e em meu espaço pessoal tão de recente que cheguei a levar um susto.

—O que está acontecendo, Laura? -Ri Nathan, do meu sobressalto. -Está tão distraída que chega a se assustar com qualquer coisa?

—Não é da sua conta, Crawford  -resmungo e ele dá outra risada, mas desta vez, ele não diz mais nada. O dedo dele percorre a página de baixo para cima de forma vaga.

—Siglas... Referências... Índice alfabético... Ordem cronológica... Mapas... -Murmurou ele, conforme ele ia lendo os títulos ali descritos. Como ele estava concentrado nisso, permiti-me, pela primeira vez em muito tempo, olhar para ele realmente, sem ser olhadelas de relance.

Sempre o admirei, mas... Desde que brigamos, não admitia isso nem para mim mesma. Quando mais jovem, tinha o costume de prestar atenção em cada detalhe do seu rosto, como a curvatura levemente sutil de seu nariz, que denunciava o fato dele já ter levado um soco no nariz, os tons achocolatados de seus olhos que escondiam tantas coisas que eu não conseguia imaginar o que eram, suas sobrancelhas negras que se franziam ou se arqueavam conforme as emoções que ele se sentia confortável em demonstrar, os cílios mais compridos que os meus (algo que sempre o invejei, admito) e seus lábios... O que nunca tive chance de experimentar. E agora, algo a mais acrescentava seu visual, a barba por fazer.

Senti meu estômago afundar em decepção ao notar que, com o passar do tempo ele tornou-se tão atraente e, por outro lado, era triste pensar que um rosto tão belo era o cartão de visitas de um verdadeiro cretino.

De repente, as expressões no rosto dele que eram de diversão passaram a ser de confusão.

—Que estranho, aqui tem capítulos referentes de casos ocorridos de até dezembro de 1985- diz ele. (Nota da autora: lembrando que este momento da história se passa em fevereiro de 1973, ok? ^^).

—Como é? - Acabo rindo, para disfarçar. De qualquer forma, já ouvi tanta baboseira desse rapaz que já não dou muita atenção às suas tentativas falhas de me enganar. -Por acaso você saiu para beber com Mack ontem?

—Não, estou falando sério! Veja por si mesma! -Ele até pareceu falar sério, mas acabo por voltar a dar risada. -Pare de rir, estou falando sério! Veja! -Ele aponta para um dos títulos no índice, irritado.

Sorrindo, balanço a cabeça, pensando seriamente em dar um tabefe nesse cabeçudo irritante por suas brincadeiras sem graça.. Por fim, me inclinei sobre o livro novamente e olho para onde ele apontava.

—Caso Bell versus Illinois, janeiro de... 1984? -Hesito, será que eu li direito? -Caso Splintter versus Peclimuss, julho de 1985? Caso Hamllery versus Estado, novembro de 1985? Forbs versus Klaus, dezembro de 1985?! -Murmuro, sem acreditar em meus próprios olhos. -Sera que esse livro é uma piada de mau gosto? Misturando casos reais com casos fictícios?

—É isso ou somos nós que estamos lendo errado. -Diz ele, lendo as datas novamente e com mais calma, mas nada mudou, era isso mesmo.

—Não pode ser -digo, indignada - isso tudo deve ser inventado! Vou perguntar aos outros o que eles acham.

—Vá em frente - diz Nathan, dando de ombros. Pego o livro nas mãos e me viro para Victor.

—Victor, dá uma olhada nisso aqui, achamos que esse livro é uma... -minha voz morre no meio da frase. Victor estava olhando fixamente para dentro de sua mochila e sua mão estava parada lá dentro, mas o estranho era que ele mal se movia, nem parecia respirar. Notei que ele não piscava. -Victor?

Silêncio. Nada. Nem o menor dos movimentos.

—Victor? -Chamo novamente e nada ainda. -Victor! Para com isso! Isso não tem graça! -Me irrito e o empurro com força, mas para minha surpresa foi o mesmo que se eu tivesse tentando empurrar uma estátua de mármore bruto. Sob as palmas de minha mão, o braço e o tronco dele estava frios como gelo. Toco de relance seu rosto e sinto-o gelado como a neve também; parecia que ele estava morto. -Ah meu Deus!- Exclamo dando um pulo para trás. Então sinto a mão quente de Nathan sobre a minha.

—Laura, acalme-se! -Nathan me olha, estava sério e calmo ao mesmo tempo. Pensei, por um momento, de que isso era uma brincadeira de muito mais mal gosto do que um livro de casos jurídicos fictícios misturados à casos reais. Olho ao nosso redor e vejo todos, exceto Nathan, paralisados nas mais diversas formas, até mesmo Mack e Bridge.

—O que raios está acontecendo aqui?! -Exclamo, me levantado e me afastando da mesa. Crawford se levanta também, sem soltar minha mão em momento algum, permanecendo impassível. -Que brincadeira é essa?

—Acalme-se! -Repete, passando a segurar-me pelos ombros, me obrigando a olhá-lo. -Olhe ao seu redor, o que isso lhe parece?

—Parece... -Hesito, fazendo que ele disse. Tudo estava congelado no tempo, até mesmo a neve do lado de fora da biblioteca estava parada flutuando sobre o ar. -Parece que tudo no tempo parou... Tudo, menos nós.

—Sim -concordou ele, olhando para as janelas também- , é isso ou entramos numa fenda do tempo sem querer. Bom... Isso ao menos explicaria os dados supostamente futurísticos desse livro. -Diz ele, pegando o livro da minha mão, voltou a folheá-lo calmamente. Mas eu me senti ainda mais indignada, essa explicação fajuta pareceu muito mais chula, em minha opinião.

E como raios Nathan consegue ficar tão calmo? Eu estou quase tendo um enfarte aqui!

—Nathan! O que está acontecendo?- Pergunto, incrédula ainda.

—E eu lá vou saber? -Resmungou ele, voltando a se sentar em seu lugar, como se fosse completamente normal todos, exceto você e sua ex- melhor amiga, estarem paralisados no tempo! -Sei tanto quanto você sobre o que está acontecendo aqui. Agora se sente, venha. -Diz-me ele, dando uns tapinhas sobre a cadeira vaga ao lado dele. Vendo minha hesitação, acrescenta: - De nada adianta ficar se desesperando por isso, garota. Vamos, não tenho o dia inteir... -Ele parou, percebendo o que iria dizer. -Ah, esqueça, não temos o tique taque de relógios determinado este momento. -ele dá risada -, pode ficar aí o quanto você quiser…

Sem se preocupar, o rapaz se volta para o livro novamente. Fiquei sem saber o que fazer.

—Sente-se e relaxe, Laura - murmura ele, sem desistir.

—Achei que temos todo tempo do mundo agora. -Retruco e um sorriso aparece na cara dele.

—Viu? Se preocupar por quê?

Olho ao nosso redor novamente, eu simplesmente não conseguia me obrigar a relaxar.

—Não posso fazer isso. Eu tenho que saber o que está acontecendo!

—Ah, tá bom. Você quem sabe. -Diz ele simplesmente, voltando a folhear o índice.

O quê?

O QUÊ?

Como assim, “Você quem sabe”?!

A desconfiança vem sobre mim como uma avalanche.

Aproximo-me sorrateiramente por trás da cadeira dele e olho para o livro por cima do ombro dele. De repente, meus olhos e o dedo dele pararam sob o mesmo título: “Especial: Willians e Crawford- O adeus de gigantes, dezembro de 1980”.

—Mas o quê?! -Nathan exclama e aproveitei o momento para tentar pegar o livro da mesa. Infelizmente, não fui ágil o bastante, pois Nathan segura o livro bem na hora.

—Me dá esse livro!- Exclamo.

—Calma, Laura, eu também quero ler! -Diz ele, arrancando o livro das minhas mãos. -O que deu em você? Podemos ler o livro juntos... -Ele se levanta, deixando o livro sobre a mesa e se pondo bem à minha frente.

—Não. -Respondo, irritada. -Eu não confio em você.  Sinto que você está escondendo algo importante de mim...

—Como o quê? O poder de controlar o tempo? -Dispara, sendo debochado. -Sou tão humano quanto você, Pevensie!

—Então por que está tão calmo?

Quase perco a paciência de vez, mas foi justamente ali que ele pareceu me entender e seu olhar se suavizou.

—Eu realmente não sei o que está acontecendo, mas acredito que há alguém que sabe. Aposto que Ele vai cuidar de tudo... -Antes que eu pudesse pensar a respeito do que ele queria dizer com isso, um grande barulho de vidro se quebrando violentamente soa vindo do outro lado da área onde estávamos.

Sem sequer trocar uma palavra ou olhar com Nathan, disparo naquela direção e sinto-o correndo logo atrás de mim. Eu mal estava raciocinando direito, tudo o que eu queria era saber era o que se passava.

A primeira coisa a notarmos foram as fortes rajadas vento que colidiram contra nós carregando flocos e neve e cinzas, o vento era tanto que chegou a bagunçar meu cabelo e derrubar alguns livros, e ali, atrás das últimas estantes, vi labaredas de fogo se erguer no ar.

Por um segundo pensei que havia alguém tocando fogo na biblioteca com um daqueles lança-chamas usados na guerra, mas no fim, não era nada disso.

Assim que nos aproximamos o bastante, só deu tempo de dar uma breve espiada e, no momento seguinte, o braço de Nathan passa por minha cintura, puxando-me violentamente para trás.

Tudo foi muito rápido, não havia tempo- ironias à parte- para prestar atenção em tudo, mas sinto minhas costas se chocarem com o peitoral de Nathan no exato momento que uma forte labareda de fogo atinge o chão onde eu estava a um minuto antes.

O que havia ali fugia da racionalidade: um dragão! Por Deus! Um enorme dragão feito de chamas puras!

Essa criatura se ergue sobre nós, olhando-nos furiosamente... Hã... Corrigindo rapidamente: para nós não, o dragão olhava furiosamente direto para Nathan.

—Isso é impossível! -Grunhe Nathan. Eu sabia que aquela não era a hora mais adequada, mas, não consegui evitar a risada debochada que sai da minha boca.

—Certo, é só um dragão, Nathan, tão normal quanto tudo ao seu redor parando no tempo…

—Francamente, Laura! -Exclama ele furioso.

Naquele momento, o dragão pareceu tomar ar e nós já sabíamos o que aconteceria se ficássemos ali parados feito bobocas.

—Crianças! Corram! -Uma voz grave soa, vinda de lugar nenhum, mas que retumbou por todo o local. Não havia tempo para pensar, apenas segurei a mão de Nathan e, juntos, corremos o mais rápido possível.

Assim que surge o primeiro espaço fora do alcance do fogo do dragão à nossa direita, nos jogamos nele. Foi bem na hora certa, pois no segundo seguinte, uma parede de chamas avançou pelo corredor, consumindo tudo o que havia pela frente.

—Ah, meu Deus! -Grito, me encolhendo contra o corpo de Nathan ao sentir o calor do fogo quase nos atingir.

Assim que o fogo cessou, fui a primeira a levantar, como o espaço onde estávamos era como um beco sem saída, para sairmos dali, teríamos de encarar o dragão mais uma vez. O dragão rugiu, desta vez, lançando suas chamas nos lustres do local. Se quiséssemos sair vivos dali, o momento de distração certo era aquele.

—Vamos Crawford! Temos que sair daqui! Venha!

Mesmo ofegante e de coração batendo com força no peito, desta vez era minha vez de pensar por nós dois. Nathan parecia estar em estado de choque.

—Nathan! -Grito, puxando-o pelo braço. Demora um segundo, mas ele finalmente se recompõe e se levanta. Juntos (e de mãos dadas ainda, diga-se de passagem), corremos por mais duas fileiras de estantes antes de nos deparar com a mesa onde nossos amigos e colegas de sala estavam congelados no tempo. A culpa veio sobre mim como uma onda: se eles morrerem, a culpa será toda minha!

—O que vai acontecer a eles? - Pergunto, as lágrimas já se acumulavam em meus olhos devido à fumaça que saia dos livros e estantes que agora estavam em chamas. Infelizmente, Nathan também não sabia o que fazer.

—Abaixem-se, crianças! -A voz grave volta a ressoar no local, o tipo de voz que você não pensa duas vezes antes de obedecer, ainda mais numa situação de risco. E novamente, não houve tempo para pensar: Nathan pulou sobre mim, derrubando-me,  um segundo antes que uma nova e gigantesca labareda de fogo passou queimando sobre nossas cabeças. O calor ali era ainda mais insuportável, assim como o rugido do dragão. Como Nathan me protegia com seu corpo e seu rosto escondia-se na curva do meu pescoço, pude ouvi-lo gritar algo como:

—Eu vou matar você, seu desgraçado! Quantas vezes forem necessárias!

O fogo acima de nós ainda estava lá quando outro som de vidro se quebrando soa, desta vez, mais próximo de nós e uma rajada de vento congelante sopra, retardando o fogo.

—O que está acontecendo aqui?! -Choramingo de medo, mesmo sabendo que, se sairmos vivos dessa, provavelmente Nathan iria zombar de mim por isso.

O fogo sobre nós finalmente se cessou por um momento, o silêncio reinou neste lugar. Nathan ergue o olhar para ver o que se passava e então ele fica muito menos tenso e chega a sorrir abertamente.

Confusa, giro para o lado, saindo de debaixo dele e olho ao nosso redor. Quando vi o que estava acontecendo, minha garganta se fecha, reprimindo um grito de susto.

À três metros de nós, parado soberanamente atrás da mesa onde nossos colegas estavam, havia um leão enorme, seu tamanho era descomunal, mesmo para um leão. Sua juba era dourada e de aspecto macia, seus olhos pareciam gentis e selvagens ao mesmo tempo. De repente, o Leão olha em nossa direção e estranhamente senti uma paz e uma coragem que jamais senti antes.

Senti-me como se eu pudesse vencer o mundo.

Mesmo sem nunca tê-lo visto antes, eu sabia muito bem quem Ele era e, de repente, descobri que não era a única.

Aslam! -Exclama Nathan, mesmo sua voz soando baixa, o nome do Grande Leão soou na biblioteca como se fosse um trovão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam, de verdade gente, eu amo ler comentários e terei o prazer de responder todos.

Acho que é isso. O próximo capítulo virá com bônus!

Até mais ^^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Herdeira do Quarto Trono" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.