Estalando os dedos, já sem muito sucesso de tanto repetir a ação, Rose tenta se acalmar atrás da coxia. Ela estava nervosa observando suas concorrentes. Por mais que tenha se preparado desde pequena, para ela, não parecia ser suficiente. Não comparado à confiança que as russas tinham ao fazer cada mínimo movimento ou a ousadia das francesas em seus harmoniosos passos. Ela também sabia que poderia ser cortada apenas pelo fato de ser uma otomana. Há cerca de vinte anos, seu avô perdeu a guerra para o império czarista. Ela não era nascida ainda e seu irmão mais velho era apenas um bebê. Seu pai assumiu a linha sucessória. 

Por mais que minha mãe fosse uma escocesa de belos cabelos ruivos, nem Rose ou seu irmão se pareciam com ela. Sua criação foi complicada. Seu pai preferiu mantê-la longe de tudo e todos. Claro, ele tratava seu irmão de forma diferente, era o seu herdeiro. Mas não havia ficado tão para trás. A garota desde pequena conseguia dobrar o pai, por maior que fosse a bagunça que ela havia proporcionado no palácio.

Aos quatro anos, Rose ouviu de um amigo da família que em uma de suas tantas histórias, sobre o balé. Pela descrição dos movimentos, ela ficou encantada. Ela não queria saber das danças de sua cultura. Batendo o pé para suas professoras, aprontando horrores para que desistissem. E o resultado? Ibrahim, seu pai, já não aguentando mais, acreditou no que sua esposa disse: é apenas uma fase.

O tempo passou e a fase do encanto pela dança estrangera não a deixou. Professoras de nacionalidades diversas frequentaram o palácio e o velho piano francês permanecia em um salão reservado para ela. Até que uma tutora em específico, Sonya Karp, chegou contando as histórias sobre a companhia de balé do teatro Bolshoi. Um dos mais aclamados por suas performances. Rose começou a sonhar cada vez mais em ir para lá. Sonya contava as histórias de quando sua mãe fazia as apresentações. Ela havia chegado muito perto de entrar, mesmo como secundária e logo viu em Rose a possibilidade de conseguir o que tanto havia almejado.

É claro que depois de muitas brigas ela conseguiu. Não havia sido fácil. Depois de muita negociação e usando o sobrenome de solteira de sua mãe, Rose ficou sob a responsabilidade de Sonya. Não haveria tanto perigo se não descobrissem de quem era filha. A rivalidade ainda existia, mas a poeira estava se acalmando.

E ali, esperando sua vez, avistou sua tutora na plateia. Em seus plenos dezenove anos, Rose sentia que esse seria um acontecimento marcante para o resto de sua vida. Ouviu sua vez ser anunciada. Alisou a saia do tutu de tule branco e respirou fundo. Tentou ser o mais sutil até chegar ao centro do palco. Posicionou-se e, com os olhos fechados, esperou que a peça começasse a soar.

Ao primeiro toque, todo seu corpo se arrepiou em emoção. Ela iniciou a dança sentindo cada nota a preencher. Os passos fluidos e sentidos. Já não havia mais nada ao seu redor. Nem mesmo seu pé calejado e trabalhosamente enfaixado a incomodou quando sustentou seus pés na ponta de madeira da sapatilha. Já não sentia mais nada além da música e o desenrolas de seus passos.