Cem Anos Depois escrita por Adson Kamps


Capítulo 7
VII - A Bruxa Carpinteira


Notas iniciais do capítulo

NÃO ESQUEÇA DA ABERTURA:
https://www.youtube.com/watch?v=39jpjVXhqPA



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— Calma aí, Ella – suplicou Aurora arfando enquanto levantava pela terceira vez após tropeçar no vestido – Como você consegue correr com essa coisa? – Gritou irritada.

— Você já correu de sapatinho de cristal? – Perguntou virando para trás. – É mil vezes pior que isso! Agora ande; depressa!

Rosnando, a princesa voltou a correr atrás da mais velha que se apresentava habilidosa quanto a saltar de galhos ou pedras. Como ela aprendeu isso? pensou consigo mesma. Tropeçou novamente na barra do vestido e foi ao chão – Argh!

Suspirando pesadamente, Cinderela olhou para trás e balançou a cabeça de forma negativa – Francamente – voltou alguns passos e ajudou a menina a se erguer do chão – Bibidi-Bóbidi-Boo! – Apontou com a varinha cortando cerca de um palmo e meio da barra do vestido.

— Ei! – Reclamou Aurora – Era meu vestido preferido! – Fez beiço na direção da outra.

— Escuta aqui garota! – Disse Cinderela agarrando os ombros da mais nova e sacudindo ela – Nós estamos fugindo de um lobisomem! Ouviu bem?! LO-BI-SO-MEM! – Falou cada sílaba pausadamente como se estivesse falando com uma criança. – Não temos tempo para se preocupar com isso! A não ser é claro, que você queira morrer! Você QUER?!

Aurora de olhos arregalados balançou a cabeça negando de uma forma assustada – Muito bem! Agora, vamos! – Ella falou pegando a mão da mais nova e a puxando consigo enquanto corriam pela floresta.

A princesa Mongestern sentia como se estivesse de volta nos seus pesadelos. Entrar mais fundo na floresta era como ser mandada de volta a Maldição do Sono, sendo obrigada a lidar com as diversas criaturas que surgiam e desapareciam do nada, um novo desafio a sua mente que por algum milagre se conservava sã mesmo após tudo o que passara.

Suas tias lhe contaram a alguns anos que a Floresta dos Reinos não era de todo bela; havia uma parte obscurecida pela grande quantidade de sequoias e carvalhos que com suas copas faziam-na parecer sempre noite, abrigando monstros e criaturas horríveis tais quais o lobisomem que as perseguiam. Até mesmo as árvores eram terríveis: rostos deformados eram moldados no tronco das mesmas para espantar os humanos ou qualquer um que ousasse entrar no território sombrio. Agora, enquanto fugia, Aurora não pode deixar de pensar que aquele pedaço de escuridão havia dominado todo o resto.

Lembrava-se também que somente duas humanas viviam naquele local obscuro, sendo elas a Vovó Tsavorita, avó da verdadeira Chapeuzinho Vermelho e a Velha Bruxa. Suas tias sempre criticaram a vovó da menina por morar em um local como aquele. “Onde já se viu uma mulher daquela idade, sem magia nenhuma, morar no Bosque Ewige Nacht?” dissera uma vez Primavera “Nem mesmo nós gostamos de chegar perto daquele lugar, quem dirá morar!”.

Agora ela imaginava se a vovó não levava uma vida dupla como suas tias e Ella, fingindo ser outra pessoa para esconder segredos. Aurora odiava que escondessem coisas dela, até porque sempre fora um livro aberto com todos, então não via motivo para mentirem para si.

Uma coruja grasnou saindo do tronco de uma árvore, o que fez Ella desviar para a esquerda ao invés de seguir adiante – Você sabe para onde está indo? – Gritou a mais nova em meio ao barulho das asas dos morcegos que voavam ao seu redor.

— Não! – Respondeu Cinderela no mesmo tom de voz – Não faço ideia... Espere! – Parou bruscamente a beira de um penhasco com Aurora as suas costas observando a altura da queda que levava até um lago de águas negras lá no fundo – Droga! – Praguejou baixinho a de vermelho.

— Hã... Ella – chamou a princesa – Acho melhor você se virar, tipo, agora.

— O que é? Estou pensando em como nos tirar...! – Vociferou irritada, mas quando viu o que estava a sua frente parou bruscamente a sua fala. Um enorme ser de longas orelhas e olhos vermelhos faiscando de raiva às encarava. A boca com dentes afiados – cada um do tamanho de uma pena de escrever – salivava perante a apetitosa refeição que se encontrava na sua frente – Oh deuses... – Murmurou assustada com o Lobo a sua frente.

— Posso atacar? – Perguntou Aurora com sua espada já em mãos.

— Nem pense nisso – disse Cinderela retirando a varinha da manga de sua capa – Você não vai pular em cima dele sozinha como se fosse uma guerreira nata!

— Estou aberta a sugestões – disse a outra já em posição de luta, como se fosse saltar a qualquer momento em cima da criatura. Desde que havia conseguido derrotar Gaston, Aurora se tornara mais confiante em atacar os outros. Mas não havia comparação entre esfaquear alguém por trás e matar alguém que está lhe vendo, certo?

Cinderela estava com a cabeça a milhões tentando pensar no que poderia fazer com a sua mágica. O Lobo parecia ser uma criatura muito antiga para alguém do seu nível de habilidade conseguir derrotar. O máximo que podia fazer era dar-lhe sapatinhos de cristal, mas não achava que ele estava indo para um baile.

O monstro se ajeitou sobre as patas, prestes a pular sobre as duas – Abaixe! – A mais nova puxou a outra para o chão quando o Lobo pulou por cima delas. Só pode ver um clarão azul – vindo sei lá de onde – impulsionando o Lobo para frente, fazendo com que ele caísse do precipício, bem na água negra do lago onde ficou se debatendo até afogar-se. O corpo dissolveu-se em uma névoa acinzentada como se nunca tivesse existido.

— Mas o que...? – Murmurou se pondo de pé e ajudando Aurora a se levantar. Uma risada foi ouvida nas suas costas, e quando olhou para lá viu uma mulher pequena parada próxima às árvores.

— Adeus, Totó! – Ouviram uma voz esganiçada gritar – Olá benzinhos, precisam de ajuda? – Perguntou a Velha Bruxa.

— Então você é a Velha Bruxa? – Questionou Cinderela incrédula. A mulher a sua frente não parecia nada com uma bruxa – pelo menos as que conhecia eram feias -, estava mais para uma vovó.

— Na verdade de onde vocês veem eu sou chamada de outra forma – disse a mulher rindo e em seguida fechando a cara – E eu prefiro essa outra forma, obrigada.

— Eu sei quem é você – disse Aurora sentando sobre um banquinho de madeira – Minhas tias me contavam que no Bosque Ewige Nacht vivem duas mulheres idosas – por algum motivo Cinderela teve a impressão que Aurora quis frisar a última palavra – Mas nós já corremos por boa parte dela e só encontramos uma casa.

— Você sabia que aqui era o Bosque Maldito? – Perguntou a de vermelho, incrédula – Por que não contou? Poderíamos ter evitado tudo isso... Sem ofensas – dirigiu-se a anfitriã da casa.

— Ora, não ofendeu – a velha abriu um sorriso amigável – Embora sua amiga tenha tentado me chamando de idosa, isso também não me abalou – ergueu uma sobrancelha para a princesa de azul.

  Aurora revirou os olhos e voltou a falar – Pode parar com esse teatro, pois eu sei o que você é da Chapeuzinho Vermelho e...

— Você conhece minha sobrinha-neta? Ai que bom – disse a senhora batendo palmas – Como estão ela e minha irmã, Tsavorita?

— Sobrinha-neta? – Aurora piscou os olhos, surpresa – Espera, você não é a Vovó?

— Não que eu me lembre – deu um risinho —Nunca tive filhos, para falar a verdade, enquanto minha irmã teve uma e logo nasceu minha sobrinha. Oh, desculpe o equívoco, sou Dorothea.

— Mas isso não é possível! – Exclamou Aurora ultrajada – Minhas tias sempre criticaram Vovó Tsavorita por morar no meio da Floresta Maldita sem possuir magia, como elas não sabiam que ela é uma bruxa?

— O que? Achou que era uma louca desvairada por morar aqui sem possuir poderes mágicos? – Caiu na gargalhada – Tudo bem, talvez seja um pouquinho. Na realidade nós somos muito parecidas e com as idades próximas, por isso a confusão. Mas é bom vocês saberem que todos os moradores da Floresta dos Reinos e dos seus arredores tem magia correndo pelo sangue.

— Todos? – Perguntou Cinderela curiosa – Até mesmo nós? – Apontou para Aurora e depois para si.

— Provavelmente. Mas agora me digam – a idosa pegou uma lixa e pôs-se amoldar algo em uma tabua de madeira – O que vocês, princesas, vieram fazer nessa floresta? Não viram os avisos em cada árvore?

Cinderela se lembrou de ter visto uma marcação de perigo em uma árvore antes de entrar na floresta, mas mesmo assim negou.

— Na verdade não. Viemos aqui porque estávamos à procura do Coração do Lobo. Pelo visto além de termos perdido o mesmo uma vez, acabamos de perdê-lo de novo.

— O Coração do Lobo é? – A mulher fez uma cara de admiração – E por qual motivo queriam ele? Iam encantar algo? – Perguntou ainda moldando o que parecia uma lâmina de espada na madeira.

— Sim. – Disse Cinderela.

— Não – disse Aurora.

As duas se encararam de testas franzidas enquanto a bruxa caia na gargalhada.

— Pode confiar em mim mocinha, não vou tentar impedi-las e tão pouco farei mal a vocês. Fique tranquila que qualquer lenda que você tenha ouvido sobre mim era mentira.

— Hunf – a princesa fechou a cara – Não confio em magia.

— Disse a garota que viveu com três fadas, uma bruxa e está andando comigo a mais de duas horas. – A vermelha revirou os olhos.

— Minhas tias mentiram para mim sobre meu passado. – Aurora encarou os sapatos – Malévola me amaldiçoou. E a sua magia não fez nada mais do que atear fogo em uma casa – a bruxa assoviou, admirando a discussão – Acho que tenho os meus motivos, não? – Levantou o rosto encarando a mais velha com os olhos cheios d’água.

— Aurora... – Cinderela sentiu-se mal pelas suas acusações, queria muito se desculpar, mas foi interrompida pela mesma antes.

— Estamos procurando o príncipe Phillip de Traumplaces e o príncipe Henry de Minuitlands. Você pode nos ajudar de alguma forma? – Dirigiu-se completamente à Dorothea, ignorando Ella que ainda a encarava.

— Bem, não existe nenhuma magia de localização tão poderosa quanto esta que utiliza o Coração do Lobo, mas eu posso oferecer a você isso – estendeu uma espada de madeira recém-criada – Ela é feita a partir do tronco de uma Árvore Tulgey, embebida pela poção do crescimento e processada no vale dos cogumelos – Aurora não entendera uma terça parte depois que a bruxa disse tronco— Pegue-a.

Aurora pegou relutante a espada que parecia um brinquedo de criança, porém, após ser tocada pelas mãos da princesa o cabo virou um couro confortável e a lâmina virou prata pura com alguns detalhes em preto – Wow! – Arregalou os olhos surpresa.

— E para você eu dou isto – estendeu a Cinderela dois frascos de barro marcados em verde – Sangue de Górgona, um é mortal e o outro medicinal – viu a cara de descrença da garota – Acredite, isso será importante para vocês durante a sua jornada.

As duas princesas ficaram encarando seus novos objetos “poderosos”, Aurora admirada pela espada nova – que viera de bom agrado já que a sua estava cega – e Cinderela pensando se não teria sido mais proveitoso tentar a sorte para pegar o Coração do Lobo antes.

— Podem passar a noite aqui, se quiserem – ofereceu a senhora com um sorriso, já moldando outra coisa na madeira – Amanhã cedo vocês partem para a busca.

— Obrigada – disseram as duas em uníssono, indo se ajeitar em qualquer canto da casa.

Em um local distante dali, alguém as observava através do Espelho Mágico com a capa balançando ao vento. Encarou a entrada da Floresta a sua frente.

— É agora. Mostre-me o caminho – disse e adentrou no mato sendo guiada pela magia do vidro reflexivo.

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