Um Estranho No Natal escrita por Damn Girl


Capítulo 4
O Inferno de... Christian (Richard)




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Londres, planeta Terra. 24 de Dezembro de 2016... depois de alguém chamado Cristo.

          A frustração de estar preso em outro mundo atingia principalmente meu ego ferido. Faziam anos que eu não falhava em uma missão. A vontade de guardar segredo e esperar por uma oportunidade de reencontra-los era tentadora no entanto, ao contrario do casal à minha frente, eu não era mais um adolescente há décadas, não poderia me dar ao luxo de ser irresponsável e culpa a idade. Tinha de lidar com isso de alguma forma e acionar outro Perseguidor antes que o condenados fugissem dos perímetros de Lumminous e fizessem algo pior pelo caminho. A cada minuto perdido eles ganhavam quilômetros de vantagem, contudo no espaço vazio deixado por eles não havia qualquer indício do que usaram para desaparecer. Nenhum aroma diferenciado, um grão de poeira ou sinal de poder que desse uma pista do que eu tinha de fazer para voltar... Nada. Somente o estranho círculo traçado no chão pelo garoto.

          Sem alternativa, fechei os olhos foquei nos poderes psíquicos tentando me comunicar com meu Mestre - o Vampiro que me transformou. Ignorei os pensamentos infantis do garoto e da menina loira e fui cada vez mais distante. Pensei em sua face debochada e no sorriso irritante apelando para a poderosa ligação de sangue e ódio que possuía com ele. No entanto dei de cara com uma imensidão de sombras e vazio. Mesmo assim resolvi arriscar:

          Criador? Está aí?? Estou bastante encrencado. Sabe, acho que entrei em um daqueles outros planetas dos quais me disse outro dia que existiam. Você precisa acionar outro Perseguidor. 

          Silêncio. Suspirei, sentindo o primeiro mal-estar que sabia que estaria por vir desde que fui acertado na floresta por aquelas malditas adagas. Tentei então ser mais respeitoso, eu realmente precisava dele ou as coisas iriam ficar muitos ruins, não somente para os humanos de meu mundo como para todos os mortais ao meu redor.

          Meu Senhor, poderia vir ao meu encontro? Eu fui... eu..

          Me calei. Se eu contasse tudo o que realmente tinha acontecido ficaria enclausurado por mais três décadas. E se ele visse o aconteceu, visse esse lugar por si só talvez não ficasse tão aborrecido. Mas um instante depois de alguma forma eu soube que este mundo era distante demais e que eu jamais conseguiria me comunicar. Ele jamais viria aqui.

         Cretino imprestável!

          Deixei o xingamento no ar só para o caso dele estar ouvindo e pude jurar que ouvi uma de suas gargalhadas, zombando dentro de mim.

— Maldição... - Sussurrei desanimado num tom de voz inaudível aos humanos, então tratei de me recompor. O Criador ia dar por minha falta e me procurar em algum momento, afinal eu era seu primogênito, o filho preferido. Me importunar era mais importante a ele do que aos meus "irmãos"e  "irmãs". 

          Encarei os humanos próximos a mim pensando que talvez seria melhor me envolver com eles, só para o caso de precisar ficar mais tempo do que o planejado e ignorei a leve contração de dor que senti na altura do estômago. 

          Além de me deixar ser levado para um lugar estranho, ainda deixei que me acertassem com as adagas embebidas de sangue impuro mais do que uma vez. As coisas realmente ficariam ficar muito, muito piores. 

         O rapaz ao meu lado não parecia muito melhor, igualmente aborrecido com algo. Desde que eu pegara a humana no colo para salvá-la seu cheiro se tornou mais metálico e azedo, e alguns pensamentos que escutei sem querer demonstraram que ele estava com ciúmes. No entanto agora sentia que havia algo há mais no sangue dele, um centelha de desespero e preocupação. Ele continuava a olhar para o mesmo ponto que eu, e lembrei-me de suas prévias palavras.

— Que quis dizer com "vocês arruinaram meu exorcismo?" - Perguntei por fim, com a certeza de que a situação não poderia ficar pior do que estava. Eu teria de matar os dois antes de ir para casa e limpar os indícios de  tudo que ocorrera antes que eu ficasse verdadeiramente mal, e como se meu corpo discordasse que tivesse tempo senti uma nova pontada, desta vez em meu braço direito. Olhei de esguelha para o corte pouco abaixo do meu ombro, esperando pela resposta. 

          Ele virou para mim com o semblante fechado. Divido entre a relutância e a raiva e mantendo certa distância, me empurrou com as pontas dos dedos para trás. Normalmente aquilo não me moveria, mas sua insignificante força humana fez com que eu me desequilibrasse um pouco e desse um passo para trás. 

— Você e seus amigos foderam com tudo! - Ele gritou exasperado e me empurrou novamente dessa vez com as duas mãos espalmadas. - Porra, sabe quantos dias estou vigiando os passos deste fantasma... Puta que pariu! Eu não não tenho poder nenhum, senhor perfeição!! Meu trabalho depende da minha estratégia se eu não quiser para no hospital a cada espírito que exorcizo, e então me surge quatro... demônios, e o próprio diabo no meio da parada!  

— Meu Deus, Christian!! 

— Não Jaynet, deixa eu terminar! - Ele ergueu o dedo e apontou-o em riste diante de minha face, suas veias saltaram do pescoço e o sangue dentro delas se agitou. Aquilo mexeu comigo mais do que qualquer agressão física que ele pudesse exercer sobre mim. Me forcei a encará-lho nos olhos, sentindo-me um novato descontrolado novamente prestes a abocanhá-lo. - Eu não quero saber o inferno de onde vieram, o shopping inteiro está correndo perigo por sua causa e você vai me ajudar ou eu.... eu tasco água benta cima de você!!

         Água o quê?

         Voltei os olhos para a menina. Não sei se as semelhanças com Bethanny me deixavam mais suscetível a ela, mas senti que naquele momento era ela a mais amena e sociável. Confesso que não entendi metade das coisas que ele disse, no entanto uma das palavras novas me chamou a atenção.

— Fantasma? - Perguntei a tal Jaynet.

— É... basicamente o que eu sou. Um espírito, uma pessoa que morreu e que por algum motivo não foi para o céu... ou inferno. - Ela deu de ombros encabulada. Assenti, mesmo ainda sem compreender. - É por isso que não tenho sangue, eu não estou aqui fisicamente, estou em espírito... Enquanto Christian é vivo, você pode ver a diferença pelo brilho em minha pele.

          Guardei minha espada na bainha e fiquei processando o que ela acabara de dizer. Parecia tão viva e humana para mim, não via quaisquer diferenças entre os dois.

— Porque alguém morto iria para o céu? Isso não faz o menor sentido. E o que é inferno, afinal? - Disparei, confuso. Até então tinha tentado fingir que sabia de tudo, mas o fato era que a maioria das coisas neste mundo eram diferentes do meu e segurar minha curiosidade estava se tornado cada vez mais impraticável. 

 - Você não sabe? - Perguntou surpresa.

         Eu não perguntaria se soubesse!

         Fechei meu semblante, me sentindo mais irritado do que de costume. Uma irritação desproporcional e repentina... anormal. Minhas emoções estavam à beira de um colapso e de repente eu queria testar se o que ela disse era verdade, que testar se podia fazê-la mal ou não. Mantive minha mãos no cabo da espada, sentindo os dedos arderem em expectativa. 

— Há um costume no nosso mundo. As pessoas acreditam que quando morremos não é o fim de fato, que os bons deixam o corpo e vão para o céu, enquanto os ruins vão para o inferno. - Christian me explicou fitando a espada em minha cintura como se não conseguisse desgrudar os olhos dela. Soltei o objeto e abri um sorriso dissimulado. O garoto era observador.

 - O que acontece quando as pessoas de seu mundo morrem?  

— Vão para o Vazio. É difícil explicar o que o Vazio é com palavras, você tinha que ver. - respondi Jaynet e suspirei lembrando de todos que conheci e que morreram. - É como uma dimensão individual modulada através de seus sentimentos e arrependimentos, que pode ser tanto boa quanto ruim. Meu Criador disse que os humanos ficam lá por algum tempo e depois retornam. 

— Retornam?... Como Zumbis? - Senti a tensão de Christian chegar até a mim.

           Aquela conversa estava me cansando. Apoiei uma das mãos na pilastra de sustentação do prédio esperando que ele explicasse por conta própria o que queria dizer, mas Jaynet o interrompeu. 

— Errr... bem.. então, como eu dizia.... - Ela também pareceu um pouco tensa. - Aqui em nosso mundo as vezes os mortos não vão para lugar nenhum, permanecem invisível aos humanos vivos até que alguma pendencia que possuem se resolva e eles possam continuar. E é aí que Christian entra como Mediador desses dois planos. Ele tem o poder de se comunicar conosco e nos ajudar em nossas pendências. Quando o espírito está com raiva como o que você viu mais cedo, ele pode se tornar perigoso... vingativo. Pode interagir com objetos entre outras coisas mais perigosas, e medidas mais drásticas são tomadas pela segurança dos vivos, como o exorcismo que estávamos fazendo...

— Antes de seu bando e você aparecerem e estragarem tudo. - Completou Christian com uma carranca em sua face. 

— De nada adianta ficar assim, Chris. Nós o capturaremos amanhã ou num outro dia.

— Amanhã pode ser tarde demais. - acrescentou azedo a ela.

          Jaynet baixou os ombros cabisbaixa. O garoto ficou mais algum tempo me encarando, e então se rendeu. Aparte a raiva que estava começando a sentir da forma como ele me tratava, aquilo parecia realmente muito importante para os dois então pigarrei chamando a atenção de ambos para mim. 

— Eu posso ajudar. -  falei lentamente, mal crendo no que ia propor. -  Vou consertar o que nossa presença causou a este mundo primeiro, e depois descobrir como voltar para minha.... hum... casa

          De toda forma levaria algumas semanas até que eu "adoecesse" de vez e eu senti que devia isso aos dois. 

— Pois não faz mais que sua obrigação! 

—Chega! - gritei, agarrando-o pelo antebraço cansado do adolescente imaturo a minha frente. - Eu não tenho tenho intenção alguma de cortejar sua mulher, se é isso que tanto lhe incomoda... E se esse fantasma é tão perigoso quanto diz devia tê-lo como prioridade!

           Christian virou os olhos em direção a Jaynet e a encarou, então baixou a cabeça. Observei sua face transcender do branco a uma tonalidade avermelhada e suas mãos tremerem. Gotículas de suor se acumularam por toda palma e ele prendeu a respiração.

— Ela é minha amiga. Eu não... - Respondeu tão baixo que mesmo eu quase não o ouvi.

           Seu semblante se tornou tão desolado, tão perdido que senti-me imediatamente arrependido. Eu havia quebrado seu orgulho expondo o que se passava em seu interior daquela maneira. Os dois não eram um casal como eu imaginava e peguei-me perguntando mentalmente a razão, já que ambos pareciam nutrir o mesmo sentimento do qual eu abominava. 

            Argggh, que importa! Odeio essas baboseiras românticas.

            Nessas horas dou graças por nunca ter me envolvimento com ninguém. Humana ou vampira, sentimentos amorosos seria algo que eu passaria a eternidade afugentando. É um sentimento que só serve para trazer sofrimento, até mesmo neste mundo. Por que eu desejaria algo assim? Ou melhor, por que qualquer pessoa desejaria algo assim?

           Ainda assim eu não tinha o direito de interferir em suas escolhas. O ideal era pedir desculpas e afastar a ambos - e a mim - desse assunto.

— Peço perdão garoto, não queria ter dito o que disse.

           O silencio permaneceu pairando de maneira densa no ar. Os dois pareciam parados, perdidos em seus pensamentos e como um lampejo de uma ideia, tratei de voltar imediatamente ao assunto anterior. 

—Pelo que disseram sobre céu, inferno e esses tais espíritos sou um mediador também.

— Por que diz isso? - perguntou Christian com a mesma ansiedade em mudar de assunto.

— Eu vejo os tais espíritos, toquei na garota. Devo ser, que outra explicação se encaixaria? 

— Se for assim seus amigos mal educados também são. Deve ser uma outra coisa. - rebateu.

— Por que não discutimos isso fora do depósito do Shopping? Aproveitamos e vemos se Osama Bin Laden ainda está por aí tentando matar alguém... Tem tanta coisa mais interessante para fazer lá fora. Você via adorar o shopping Richard, o cinema daqui é muito bem equipado e veja só a coincidência, Anjos da Noite está em cartaz! Deve ser o destino!!! - Ela voltou o olhar para seu mediador com um sorriso cúmplice e alegre nos lábios. - Ele vai se identificar total, não acha Chris? Ele tem um ar de Selene, só que homem e bem mais refinado.

           De esguelha vi Christian revirar os olhos, mas abrir um sorriso cúmplice para ela. Enquanto Jaynet lhe entregava a bolsa de prender nas costas com seus estranhos pertences e se metia no meio de nós dois, entrelaçando-nos pelos braços.

— Não temos tempo para assistir o filme, temos um fantasma para capturar. Mas se quer saber  está mais para um personagem de Castlevania. 

           Discutindo sobre quem eu parecia ou não como se eu soubesse do que falavam ou como se não estivesse presente, os dois seguiram até a entrada do depósito. Me deixei ser levado por eles ignorando o cansaço incomum e o sutil ardor que começava a me consumir de dentro para fora. Sempre havia sangue impuro nos treinamentos de propósito e levaria semanas até estar totalmente fora de controle. Não havia nada com que eu me preocupasse, disse a mim mesmo enquanto os seguia pelos corredores atraentes e muito bem iluminados. 

           Foi o pior erro que eu poderia cometer.


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