A Luz Que Ilumina a Escuridão Dentro de Mim escrita por teffy-chan


Capítulo 7
Capítulo 7 - Na Floresta




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De alguma forma Kotarô conseguiu adiar a conversa que prometeu a Natsumi por mais alguns dias. A cabana onde estavam vivendo passara a migrar para lugares mais perigosos e o grupo estava tendo mais dificuldade para encontrar comida e água potável, de forma que não tinham tempo para se preocuparem com mais nada além de sobrevier.

 

E quando completaram 25 dias desde que chegaram a Escuridown, o grupo finalmente tinha conseguido acampar em um lugar mais calmo. Eles tinham jantado água-viva outra vez, mas isso nem de longe serviu para encher o estômago de Kotarô. Depois de informar que iria procurar algo decente para comer (coisa que não haviam encontrado nos últimos 25 dias), ele se afastou dos amigos e caminhou por alguns minutos até encontrar um bosque. Não foi difícil encontrar algo comestível nem acender uma fogueira, ele já estava acostumado a fazer isso. E, enquanto jantava, não conseguia parar de pensar no que diria a Natsumi quando ela começasse a lhe encher de perguntas outra vez.

 

De todos ali, ela era a última pessoa que ele queria que soubesse sobre o tipo de vida perigosa e errada que tinha antes de conhecer os amigos. Sobre o caminho de trevas que trilhava desde que conseguia se lembrar. Sentia-se um tolo por não ter percebido antes o quão erradas eram as coisas que ele estava fazendo durante tantos anos. Os tipos de trabalhos que aceitou… céus, ele não queria contar isso para Natsumi. Não para ela, que era como um raio de luz que parecia estar purificando as trevas que havia dentro dele. Natsumi era muito bondosa e delicada, ela provavelmente não aguentaria o choque se soubesse de tudo isso. Kotarô queria protegê-la, mas se contasse essas coisas para ela só iria machuca-la.

 

— Ei – como se soubesse que o garoto estava pensando nela, Natsumi surgiu diante dele, sobressaltando-o – O que está cozinhando aí?

— Segredo – ele abriu um sorriso – Prove primeiro e depois eu digo o que é – Kotarô estendeu pedaços de um animal irreconhecível espetados em um palito de madeira para ela. Natsumi franziu o nariz, mas aceitou. Também estava faminta.

— Tenho certeza de que nunca comi isso antes. Eu me lembraria do gosto – Natsumi disse depois de provar.

— Tem razão, você nunca comeu isso – ele concordou – Mas, e então? O que achou?

—Bem…

— Cuidado!

 

Natsumi não viu quando ele se levantou. Quando percebeu o que estava acontecendo, ela tinha sido agarrada pela cintura e arrastada para um metro de distância de onde estava instantes atrás. Kotarô estava muito perto dela e segurava uma serpente pela cabeça com uma das mãos.

 

— Mas que bichinho traiçoeiro – ele resmungou, pressionando a cabeça do animal e esmagando seu crânio – Você está bem?

— Sim… - só então Natsumi percebeu o que tinha acontecido. A serpente tinha se aproximado sem que ela percebesse e aparentemente estava prestes a picá-la e Kotarô a salvou. De novo. Ela devia mais favores àquele garoto do que podia contar. Notou então que ele ainda a segurava pela cintura e corou – E-Estou bem, obrigada. Pode me soltar agora.

— Ah, certo – Kotarô aparentemente não tinha percebido que ainda a estava abraçando. Ele voltou a se sentar onde estava – Bem, de qualquer forma agora temos mais comida para o jantar.

— O que? Isso aí que você está assando são serpentes? – Natsumi perguntou incrédula – Você me deu serpente para comer?!

— É gostoso, não é? – ou ele ignorou ou não percebeu o tom indignado na voz de Natsumi – Ah, não se preocupe. Essa espécie é inofensiva, mas adoram assustar pessoas desavisadas. É melhor você sentar aqui também. As serpentes não atacam perto do fogo – Kotarô acrescentou e a garota bufou, sentando-se ao lado dele. Era melhor do que ser atacada novamente, e estava começando a ficar com frio também – Então, o que veio fazer aqui? Onde estão os outros?

— A Haruna começou a Terceira Guerra Mundial dos Travesseiros com o Artefato dela – Natsumi contou – O professor Negi está lá tentando acalmá-las, coitado. A Konoka e a Setsuna sumiram de repente, eu nem vi para onde elas foram. E eu não estava com vontade de participar, então vim procurar você.

— Essa guerra de travesseiros não vai acabar nunca – Kotarô riu – Mas parece divertido. Por que você nunca participa?

— Porque eu não quero o prêmio! – ela exclamou. Natsumi não sabia se ele perguntava essas coisas para provocá-la ou se era burro mesmo.

— Está bem, não precisa gritar.

 

Parece que era a segunda opção. Kotarô era meio idiota mesmo. E por que raios Natsumi gostava de alguém assim? Espere aí, a pergunta era por que ela estava pensando que gostava dele! Não era possível que ela gostasse dele desse jeito, Kotarô era mais jovem do que ela… bem, pelo menos parecia ser. Era uma diferença pequena, mas a incomodava. Pensar nisso a fez lembrar de um dos motivos que a fez ir até lá.

 

— Ei, Kotarô. É verdade que os youkais não têm a idade que aparentam?

— Alguns sim – ele respondeu, surpreso com a pergunta – Depende da raça. Existem youkais que demoram vários anos para envelhecer. Outros crescem e envelhecem no mesmo ritmo que os seres humanos. Existem até alguns que crescem como se fossem pessoas normais, mas, quando atingem a idade adulta, param de envelhecer do nada. Eu já conheci um cara que parecia ter uns 18 anos em idade humana, mas na verdade tinha mais de 180 anos! – ele contou – Você está perguntando isso por causa da Setsuna? Ela é apenas meio-youkai e é amiga de infância da Konoka, certo? Ela deve ter a mesma idade que você e as outras. Caso contrário, a Konoka teria percebido se ela estivesse crescendo em um ritmo diferente do dela…

— Não estou perguntando isso por causa da Setsuna – Natsumi o interrompeu.

— Não? – ele inclinou a cabeça para o lado, confuso – Então para quê quer saber sobre isso?

Natsumi o encarou com irritação por alguns segundos. Não era possível que Kotarô fosse tão idiota assim. Ou ele estava tentando fazê-la de idiota? Não, Kotarô não era o tipo de pessoa que deixava os outros constrangidos de propósito. E então se lembrou de que ele não estava acostumado a receber atenção. Não esperava que pensassem nele, já que estava sempre rodeado de amigos populares que eram sempre o centro das atenções. Assim como Natsumi se sentia uma coadjuvante, ele agia da mesma forma, mesmo que inconscientemente.

— Kotarô… você me prometeu que iria me contar o que está te atormentando tanto desde que chegamos a Escuridown, e como sabe tanto sobre animais nojentos e comestíveis, e resgates, e todas essas coisas esquisitas, mas ainda não me disse nada – Natsumi lembrou – Aquela guerra de travesseiros deve durar a noite toda, então eu duvido que alguém dê por nossa falta. Acho que é uma boa hora para conversarmos.

— O que isso tem a ver com o assunto de antes? – Kotarô perguntou, virando o rosto para o lado.

— Nada, mas você prometeu! – ela exclamou – Eu estou pensando nisso há dias, me corroendo de preocupação, e você não me conta nada, e… atchim!

— Você não devia ter vindo atrás de mim. Vai pegar um resfriado.

— Bem, o que você esperava? Nós só trouxemos roupas de verão, mas acabamos presos nessa ilha, e aqui faz o maior frio a noite… - Natsumi interrompeu-se quando Kotarô jogou seu casaco para ela – Ei, também não precisa…

— Eu disse que te protegeria. Isso também vale sobre te proteger de possíveis resfriados – Kotarô sorriu, fazendo-a rir também. Natsumi o vestiu. Como imaginou, as mangas ficavam curtas, mas ela era magra, então coube sem problemas – Você não pode simplesmente deixar isso para lá? Por que você precisa se preocupar tanto?

— Bem, é normal se preocupar com as pessoas de quem gostamos, caso não saiba! – Natsumi exclamou. E imediatamente se arrependeu do que tinha dito.

— O que? – Kotarô voltou a encará-la, perguntando-se se tinha entendido direito.

— É que… bem, é claro que eu me preocupo com você… e quero saber mais sobre você, sobre seus problemas… saber se posso ajudar… lógico que me importo com você, porque… porque eu gosto de você.

 

Céus, ela disse. Não conseguia acreditar que tinha dito. Sentia seu rosto queimar e não conseguia encarar Kotarô. Os olhos estavam fixos nas cinzas que tinham restado da fogueira. Estava morrendo de medo da reação dele, torcia apenas para que ele tivesse entendido, pois não ousaria dizer aquilo de novo. Ou não. Talvez fosse melhor se ele não tivesse entendido, assim poderia continuar fingindo que nada daquilo tinha acontecido.

Porém…

 

— Bem, eu também gosto de você.

— O que?! – Natsumi o encarou pasma. Talvez não tivesse ouvido direito. Não era possível receber uma resposta dessas nem em um milhão de anos.

— Eu te disse isso no dia em que decidi que faria um Pacto Provisório com você, não disse? – Kotarô falou como se quisesse checar a informação. Natsumi lembrava-se de ele ter dito algo assim, porém jamais imaginou que seria nesse sentido – Por que está agindo estranho agora? Você já sabia disso.

Natsumi ainda tentava digerir a informação. Realmente, Kotarô havia dito que gostava dela naquela ocasião, mas em que sentido exatamente? Qual era o “gostar” que ele estava falando? Se for o que Natsumi pensava… se nada tinha acontecido desde aquele dia, então provavelmente jamais aconteceria. Ou talvez fosse culpa dela, por nunca ter se manifestado. Mas será que era naquele sentido mesmo? Bem, Kotarô sempre falava que a protegeria na frente de todos e tinha acabado de dizer que gostava dela, sem aparentar estar constrangido com isso. Kotarô era sincero demais… mas também era muito ingênuo. Se fosse o mesmo “gostar” ao qual ela estava se referindo, então ele jamais faria nada além de dizer que gostava dela.

 

— Eu acho que você não entendeu o tipo de “gostar” ao qual estou me referindo – Natsumi arriscou. Talvez ele fosse muito lento afinal. Talvez tivesse interpretado mal suas palavras – O “gostar” que eu estou dizendo… acho que não é o mesmo “gostar” que você está pensando.

— Não é? – Kotarô arregalou os olhos em choque. Por um instante Natsumi pensou tê-lo visto decepcionado. Ou ela imaginou, ou ele conseguiu disfarçar muito bem. E então ele corou, coçou atrás da cabeça e começou a rir – Ah, agora fiquei sem graça. E completamente confuso. Se não é desse “gostar” que você está falando, então eu não entendi o que você quis dizer, Natsumi.

— É esse o problema! Ah, droga! Por que você nunca entende o que eu falo?! – Natsumi bagunçou os cabelos ruivos com as mãos.

— Bem, você também não entende o que eu falo – Kotarô disse mais sério.

— Hein? Como assim?

— Eu te falei que não queria conversar sobre a forma que eu vivia antes de conhecer você e os outros para te proteger. Mas você continua insistindo no assunto – ele explicou – Você disse que gosta de mim. Mas acha que vai continuar gostando de alguém que já roubou vilarejos do interior sem motivo algum? De alguém que derrotou os inimigos dos outros? Que feriu pessoas que nem sequer conhecia? Alguém que fez isso apenas para ter dinheiro e poder?

 

Natsumi o encarou em silêncio durante longos instantes, os olhos arregalados, tentando entender o que o garoto tinha acabado de dizer. Como ela não disse nada, Kotarô deu um longo suspiro e prosseguiu:

 

— Eu tenho vivido assim desde que consigo me lembrar. Costumava viver no meio de florestas e bosques, comendo todo o tipo de coisa que você possa imaginar… certo dia, de alguma forma, uma pessoa ficou sabendo sobre os meus poderes de youkai e me ofereceu um trabalho. Ela disse que me pagaria para ir buscar um objeto para ela. Eu não posso dizer o que era ou quem era essa pessoa, não quero te colocar em encrenca por causa disso… mas parecia uma tarefa fácil, então eu aceitei. Trouxe o objeto e recebi o dinheiro. E então percebi que poderia ganhar mais dinheiro assim, e não precisaria mais me esconder dos humanos na floresta. Ah, eu tinha que me esconder, sabe, por causa das minhas orelhas e da cauda – ele explicou. Realmente, as orelhas caninas se destacavam acima dos cabelos negros. A cauda então, nem se fala – Enfim, passei a me disfarçar de humano, usando uma touca… era mais difícil esconder a cauda, geralmente eu amarrava um casaco na cintura. E passei também a fazer mais trabalhos Derrotar os inimigos de outras pessoas no lugar delas. Buscar objetos para os outros. Lutar com alguém e servir como distração porque o chefe mandou. Só quando aconteceu aquele incidente com a Konoka foi que percebi que o que eu estava fazendo era errado – Kotarô encarou as cinzas da fogueira – “Traga aquele objeto para mim”. Estavam me mandando roubar uma coisa. “Derrote ele para mim”. Estavam me pagando para acabar com uma pessoa que na verdade estava lutando por alguma causa nobre. Eu demorei tanto tempo para perceber uma coisa tão óbvia… sou tão estúpido! – ele exclamou, escondendo a cabeça com as mãos – Lamento por você ser a Ministra Magi de alguém como eu. Você também deveria ter escolhido o Negi…

 

Kotarô interrompeu-se quando sentiu a garota puxando-o para perto de si e o envolvendo em um abraço apertado. Ele demorou alguns segundos para processar a informação. Pensou que Natsumi ficaria com medo dele depois que soubesse sobre seu passado. Talvez até com raiva. Mas não esperava por aquilo.

 

— Não foi culpa sua – Natsumi sussurrou no ouvido dele, sem soltá-lo do abraço – Você era só uma criança, e não tinha ninguém para te dizer o que era certo e o que era errado. E precisava de dinheiro para sobreviver… bem, todo mundo precisa, não é? Essas pessoas é que eram cruéis e te enganaram. A culpa é delas, e não sua Kotarô.

— O que você está dizendo… é claro que é culpa minha – Kotarô murmurou, sem conseguir entender porque Natsumi estava sendo tão legal com ele – Fui eu quem roubou todas aquelas coisas. Também fui eu quem derrotou aquelas pessoas que estavam lutando por um motivo melhor do que o meu… e fiz mais coisas que não posso te contar…

— Mas você não fez isso porque queria. Eles falaram aquilo de um jeito que parecesse um trabalho comum para não levantar suspeitas, para que você não percebesse que estava cometendo um crime – Natsumi respondeu, afagando os cabelos dele. Kotarô sentiu o rosto esquentar. Aquilo estava ficando estranho. Ele estava perto demais de Natsumi, tanto que podia sentir o cheiro dela. Talvez devesse se afastar. Mas não tinha a menor vontade de fazer isso. Na verdade queria era abraçá-la de volta. E foi isso o que ele fez.

— Só você para pensar assim, Natsumi. A maioria das pessoas me jogaria em uma cela se soubessem disso – Kotarô forçou uma risada, escondendo o rosto no ombro dela. Natsumi sentiu lágrimas quentes molhando seu pescoço e não o soltou até que o choro cessasse.


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Notas finais do capítulo

Heey~ pessoas!
Bom, só para constar, o próprio autor nunca chegou a esclarecer quais foram exatamente os crimes anteriores que o Kotarô cometeu antes de se envolver no sequestro da Konoka. Mas, pelas poucas pistas que ele dá pelas conversas que ele teve com a Natsumi, eu concluí que seja algo desse nível. Enfim, esse é o meu capítulo favorito até agora, e é também o penúltimo.
Qual o sentido de "gostar" vocês acham que eles estavam falando? São tantas possibilidades, né... kkkkkkkkkk
Deixem reviews por favor e façam uma autora feliz!!! *o*



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