Além Do Horizonte escrita por Amber Brownie


Capítulo 2
Capítulo 1 - A Garota Do Penhasco




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ALÉM DO HORIZONTE

— Capítulo 1 —

A Garota Do Penhasco

 

Sala do clube de interesses históricos, 16:45.

Só haviam duas pessoas trabalhando em algumas pilhas de papel que estavam espalhadas pela única mesa do local. Em completa tranquilidade, apenas o som de folhas de papel preenchia o silêncio entre nós.

— Precisamos decidir isto até o final de semana.

Suspirei enquanto tentava separar os papéis nas pilhas à frente.

— Essa semana já está muito cheia, não vai dar tempo.

— Está tentando adiar ainda mais Syaoran?

Aquele tom de voz que ela usou, era uma resposta retórica. Eu poderia argumentar que o tempo que estávamos perdendo para decidir um tema para o festival cultural e organizar os registros históricos do clube para uma simples reunião não fazia muita diferença. Porém, apenas gastaria meu tempo para nada. Passei para a próxima página.

— Precisamos também de uma nova edição para o festival cultural. Vamos decidir hoje como podemos começar a elaborar. Alguma sugestão?

Ela me jogou uma folha que a separei na pilha de afazeres da semana. Parecia ter finalmente terminado por hoje.

— Uma coletânea de histórias samurais parece bom.

Levantei o rosto e recebi um olhar de desapontamento da garota a minha frente.

— Não vamos repetir o que fizemos ano passado, isso é falta de criatividade.

— O que você sugere então?

— Vamos criar uma edição sobre o Período Sengoku — respondeu dando de ombros — com referências as mídias atuais.

Isso parecia uma boa opção se quiséssemos promover o clube de um modo mais amistoso. Ele não era nada popular para a maioria dos estudantes, alguns sequer sabiam que existia. De qualquer forma, o clube de interesses históricos era apenas uma fachada para que grupos de feiticeiros se reunissem. Atualmente só temos três membros ativos enquanto os outros apenas passavam uma vez ou outra.

Quando o reabrimos no primeiro ano, no entanto, houve uma repentina procura por outros alunos para se filiar, a maioria como o esperado, rapazes. Calouros e veteranos de todas as classes batiam com frequência à nossa porta para tentar entrar no clube. Eu sabia muito bem que não era de estudar história exatamente o que eles estavam a procura.

Li Meiling. Ela tem compridos cabelos pretos lisos que iam até à cintura fina, a franja reta batia em seus longos cílios em contraste com seus olhos amendoados vermelhos e a pele pálida do rosto e pescoço. Era a perfeita imagem de uma melhor amiga que poderia encorajar qualquer rapaz a tentar algo mais que isso. Mas também era a imagem cuspida de uma jovem da alta sociedade. Havia uma aura elevada ao seu redor e isso sempre causava atenção onde estava. Apesar de parecer uma jovem bonita e educada, Meiling tinha uma mania irritante de encontrar motivos para me provocar.

De qualquer forma, mesmo que nossos sobrenomes sejam iguais e sermos primos de segundo grau, um raio de distância muito maior nos separa, e não me refiro a traços sanguíneos ou familiares. Meiling tinha todo o potencial para se tornar a próxima líder do clã que futuramente herdaria toda a fortuna e poder da família.

O clã Li é uma das mais poderosas famílias de magos atualmente. Eles têm dezenas de propriedades na China, sua origem, e onde está concentrado a maioria dos feiticeiros do clã. Também possuem alguns terrenos no Japão, no caso, aqui em Tomoeda. Ou seja, sua influência era bastante abrangente.

O motivo que viemos para Tomoeda há um bom tempo é, na verdade, uma das missões mais importantes do clã para Meiling. Me observar e gerenciar essa região de influência que eles têm sobre controle. Como isso é uma grande responsabilidade para alguém tão jovem, ela está tendo o apoio de uma das matriarcas para assim que terminar o colegial assumir diretamente o seu posto.

Eu particularmente, procurava apenas um pouco de paz. As tentativas para me esconder de outros magos que me atacavam, que acontecia com frequência, nunca eram o suficiente quando vivia na China. Por isso, assinamos um contrato onde mudamos para o Japão e eu seria observado pelos Li e Hiiragizawa, outro clã de feiticeiros que viviam em Tomoeda com quem tinham uma aliança antiga.

Antes que eu pudesse fazer qualquer sinal de protesto, Meiling já tinha trazido duas pilhas de livros, os quais empurrou de forma sorrateira para o meu lado, fingindo olhar algo na janela. Sem ter motivos para reclamar, peguei o primeiro livro do topo e li o título.

— Takeda Shingen e Uesugi Kenshin, legendários rivais no período Sengoku.

— Por que o clímax estaria logo no começo? Isso é meio chato — Meiling disse contraindo as sobrancelhas com o semblante desanimado, os braços cruzados no peito volumoso.

Algo me dizia que isso iria durar mais do que pensava.

— Então como você quer prender o leitor?

— Hmm, talvez algo que lembre… Ninjas! O quê?

Devo ter um olhar incrédulo no meu rosto. Coloquei o livro de lado e peguei outro.

— Você não sabe, não é?

— Syaoran, você que não está ajudando.

Meiling cerrou os olhos com a mão no queixo, escondendo a boca. Podia jurar que vi o canto dos lábios se curvarem em um sorriso debochado.

— O que você quer fazer afinal, Meiling?

— Oras “o que”, precisa ser algo forte e importante como “Os Dez Heróis de Sanada”, não?

— Então, porque não fazer “Os Dez Heróis de Sanada” então?

— Porque isso já foi feito, que resultados vamos ter usando a mesma estratégia?

Suspirei cansado. Não adianta, Meiling não me escuta de qualquer forma. Acabamos decidindo procurar exposições passadas do clube para decidir o que fazer. De um livro para outro, observei o relógio da parede, me contradizendo ao desejar que o tempo passasse mais rápido mesmo que eu quisesse que demorasse. Senti Meiling me encarar por cima dos papéis, talvez ela imaginasse que eu estava fingindo ler até a hora de ir embora, ignorando completamente a triagem.

Minha preocupação se materializou quando senti uma presença conhecida se aproximar. Meiling parecia que ter voltado a se concentrar nos livros sobre ninjas, então me levantei aproveitando a situação, porém, atrai seu olhar novamente. Ela tinha um reflexo bem treinado e sem hesitação.

— Preciso sair agora.

— Você vai deixar todo o trabalho em cima de mim? — indagou ela, uma crescente onda de raiva crescendo com as palavras. Suspirei com pesar.

— Eu não vou.

— Mas é o que está fazendo agora.

Tive que agir rápido ou essa conversa só iria se estender.

— Meiling! Volto logo, ok?

Pude relaxar por um momento depois que fechei a porta do clube. Não queria que ela se aproximasse demais ou poderia atrair a atenção de Meiling.

Alguns segundos depois que saí percebi que tinha feito a coisa certa porque a presença tinha parado de se aproximar e estava inerte em algum lugar mais à frente. Comecei a andar adiante no corredor. Quando passei pela escada senti alguém me observar.

Vislumbrei a figura de uma garotinha escondida nas escadas, talvez ela pensava que tinha conseguido se esconder de mim. Logo eu, que podia sentir qualquer presença distinta há metros de distância!

Bom, de qualquer forma.

Eu preciso ser honesto ao dizer que desde aquele dia, Kinomoto Sakura tem me perseguido. Isso já fazia semanas. Não estava acostumado a ser seguido por nenhuma garota em qualquer escola que estudei, então isso era novidade para mim. Sei que se isso tivesse acontecido no primeiro ano, sem dúvida ficaria excitado com a experiência, ainda mais por uma garota linda como Kinomoto, mas essa situação era a de longe mais dolorosa.

Veja bem, ela era como um gato assustado, então se eu fizesse algum movimento brusco poderia espantá-la ou ela me atacaria. Isso nunca acabava bem, então se eu queria evitar que algo acontecesse precisava tomar cuidado.

Voltei a andar atento aos seus passos as minhas costas. Quando me virei Kinomoto estava encostada na parede, sem olhar para mim. Francamente, o seu corpo estava totalmente à mostra. Ela era péssima nisso. Talvez tivesse lançado um feitiço muito ruim ou ela realmente achava que eu não estava a vendo ali?

Demorei um pouco esperando que se movesse, mas ela continuou parada. Isso era algum teste para saber até onde eu ia sem comentar sobre ela? Comecei a andar novamente fingindo não vê-la. Era incrível que mesmo sendo perigosamente mortal ela agia como uma tonta em momentos assim.

Andei um pouco mais, quase no fim do corredor onde não havia muito movimento, não queria chamar atenção de outras pessoas, ainda mais depois das coisas esquisitas que eu a tinha visto fazer. Quando me virei mais uma vez, dei de cara com a estátua viva de Kinomoto segurando a espada dourada na mão com um pé no ar. Mas que diabos… Por acaso ela pensava que isso era uma brincadeira de pique-esconde?

Eu não sabia dizer exatamente o que ela estava pensando com aquilo, mas pareceu se arrepender da sua investida. O resto aconteceu muito rápido.

Um momento parecia estar prestes a me atacar, mas quando percebeu ter sido pega, seu reflexo automático foi se esconder no local mais próximo. Infelizmente ela abriu o armário de limpeza e derrubou tudo o que tinha guardado nele em cima de si, fazendo um barulho estrondoso. Depois daquilo, era impossível continuar fingindo que não tinha percebido sua presença.

— Você está bem?

O choque passou pelo seu rosto. Será que ela achava realmente que mesmo depois de toda aquela bagunça eu continuaria andando com se não tivesse visto nada?

— Oh!? Li-kun. Q-que co-coincidência, não é? — gaguejou Kinomoto com um sorriso forçado amarelo com uma mão atrás da cabeça. Ela se sentou sobre os joelhos ignorando os materiais de limpeza que tinha acabado de derrubar.

— Isso não é nenhuma coincidência! — retruquei a observando olhar ao redor sem querer me encarar de volta — O que você está fazendo?

Seu sorriso se desmanchou e ela hesitou baixando os olhos para a bagunça ao seu redor, um pouco sem graça. Imagino que ela estivesse procurando uma boa desculpa, e parecia ter acabado de achar uma quando pegou uma das vassouras que estavam jogadas no chão.

— H-Hoje é meu dia de limpeza! Vim pegar os materiais para limpar a sala!

— Kinomoto, nesse andar só tem o clube de interesses históricos e astronomia. Porque você teria que vir até aqui, quando há um depósito de limpeza ao lado da classe?

Seu rosto ficou azul enquanto ela parecia muito desconcertada ao ser pega em sua aparente mentira bem elaborada. Seu semblante ficou irritado e ela parecia desapontada.

— E-eu não tinha como saber disso… — murmurou, e começou a arrumar os materiais de limpeza. Eu apenas a fitei e de algum modo, percebi o que ela estava fazendo.

— Você não vai ter tempo de encontrar outra desculpa.

— Hoeee! E-eu n-não es-estava!

— É só olhar para você agindo dessa forma suspeita.

— I-isso foi porque você me acusou! — fez beicinho.

Oh, ela estava se fazendo de vítima agora.

Fiquei ali parado observando Kinomoto arrumar o armário parecendo muito irritada, talvez por não ter conseguido manter a mentira ou por sua emboscada ter dado errado. Percebi o quão seu rosto vermelho aborrecido era adorável quando não queria me caçar pela escola. Pelo menos agora eu poderia voltar para casa sossegado dessa vez.

Logo percebi que ela tinha virado o rosto emburrado para mim.

— Você está me escutando?

— Ah sim, estava. A sua emboscada não deu certo, não é?

Seu rosto ficou mais vermelho ainda.

— E-eu não falei nada disso! Eu estava falando que eu deveria arrumar uma desculpa.

— É mesmo. Então, você já tem uma boa?

— A-até mais!

E assim ela saiu correndo como vento. Não pude conter minha risada. Quando Kinomoto não incorporava sua personalidade de uma feiticeira assassina, ela agia como uma pateta. Mas quando você a conhece melhor, ela é muito gentil.

A porta do armário de limpeza ainda estava escancarada e a bagunça de Kinomoto ainda estava no chão. Suspirei enquanto recolhi os materiais do chão e os guardei dentro do depósito. Ainda bem que ninguém me veria ali.

Esse basicamente era o nosso relacionamento. Não é bem que eu precise deixar ela longe de Meiling, mas como falei antes, o clã Li tem muita influência aqui. Mesmo que eles saibam que Kinomoto exista, mantê-la longe de alguém filiado ao clã era o melhor que eu podia fazer para que ela não tivesse problemas. Além do mais, se descobrirem que Kinomoto sabe sobre os meus poderes, pode trazer problemas a ela também.

Tentei voltar o mais rápido que pude para a sala do clube ou Meiling teria certeza de que eu estava a deixando com todo o trabalho de seleção. No fim das contas, ela estava lá lendo outra obra. Mas de alguma forma a minha pilha de triagem pareceu ter dobrado de tamanho.

— Sem progresso?

— Não, alguém deixou com que eu lidasse com a seleção sozinha até agora.

Ela estava se fazendo de vítima, mas sua postura era impassível. Se atuasse um pouco melhor, ninguém teria dúvidas que eu estaria tirando vantagem dela.

— Eu sinto muito — foi tudo o que eu disse voltando a pegar o livro que estava lendo antes de sair. Não sabia dizer se Meiling tinha consciência do quão estranho era o meu relacionamento com Kinomoto. Porém, acho que ela estava ciente que passávamos algum tempo juntos.

— Então você finalmente conseguiu deixar de ser um perdedor?

Oh, então ela sabia que eu estava com outra garota. É óbvio para ela. Ou é algo que pode ser visto pela minha cara? Eu não tinha comentado nada sobre até agora. Vamos ver até onde ela vai com isso.

— Deve ser reconfortante ser perseguido pela aluna nova, que não sabe o masoquista que você é.

— Não me chame de masoquista — retruquei tentando proteger a minha dignidade.

— Eu pensei que você tinha que se esforçar para que o seu sonho de me fazer declarar meu amor por você se realizasse?

Fui pego desprevenido, não esperava por essa retórica. Afinal do que diabos ela está falando? Nem parecia que há apenas alguns segundos eu estava praticamente andando em ovos.

— Declarar o quê? — Seu tom de deboche se intensificou.

— Oh, então você prefere declarar seu amor?

— E desde quando esse é o meu sonho afinal? — retruquei emburrado, mas Meiling apenas deu os ombros.

— Eu só pensei que com a vida patética que você tem, eu não poderia ser um objetivo? — ela estava aparentemente afetada pela minha indagação como se todo o seu esforço não tivesse valido a pena.

— Não. Você precisa mesmo agir dessa forma todas às vezes?

— Mas essa é a minha missão. Preciso te lembrar do seu objetivo.

Meiling assumiu uma postura inocente.

— Pensei que a sua missão era me vigiar.

— Isso também. Mas lidar só com isso é muito entediante não acha?

— Me desculpe, mas eu não sou uma marionete com quem você pode jogar!

— Não grite! A sua namorada de infância apenas está com ciúmes.

Pelo jeito que ela sorriu impiedosamente, tinha sido a sua vitória. Fechei a cara no mesmo instante. Meiling recomeçou a falar. Eu estava pronto para rebater suas retóricas, no entanto, percebi que agora ela soava como estivesse debatendo negócios.

— A propósito, Syaoran.

— Sim? — respondi.

— Sobre Kinomoto Sakura.

Meiling foi direto ao ponto, não podia esperar menos dela. Então os Li sabiam de alguém como Kinomoto na área deles. Afinal, ela não era uma pessoa comum.

— Então você sabe sobre ela…

— Provavelmente antes de você.

Meiling colocou uma das antologias em cima da mesa. Meus sentidos estavam formigando — o perigo estava no ar.

— Se isso continuar, é melhor que você se afaste de Kinomoto.

— Por quê?

— Um membro da família Li está te dando o primeiro aviso — ela me encarou, subitamente séria — se você não entender o que estou tentando te dizer, você é um idiota. Bom, isso é tudo por hoje.

Dizendo isso, Meiling agarrou sua bolsa e passou pela porta. Fiquei um bom tempo lendo mais alguns volumes sozinho na sala do clube e logo também encerrei o meu dia. Mesmo depois de trancar a porta do clube, não fiquei surpreso quando encontrei com a figura de Kinomoto a minha espera no corredor.

— Você não pode deixar seus ataques apenas por um dia?

— Porque você sempre fica até tarde?

Ela tinha ignorando totalmente a minha retórica.

— Seria um problema você ficar me atacando na frente de outras pessoas por aí.

— Oh. Não é preciso se preocupar com isso, eu sempre tenho certeza de que estamos sozinhos — retrucou Kinomoto. Uma situação como essa parecia totalmente normal para ela.

— Bom, nesse caso, obrigado pela preocupação. Mas eu nunca tinha visto nenhum mago usar sua magia em conjunto com sangue.

Em reflexo, as mãos dela subiram até o peito. Preso em um colar dourado, havia um pingente em formato de estrela, também dourada.

— Isso é por causa de uma maldição que caiu na minha família, anos atrás. Tínhamos muito poder e os outros magos nos viam como uma ameaça. Foi o que acabou matando a todos do meu clã. Eu sou a última sobrevivente.

— Oh, entendo…

Isso realmente não deve ser nenhuma surpresa, houve uma época que muitas famílias mágicas disputavam por poder tanto no Japão quanto na China. Alguns sobreviventes devem ter conseguido de exilar, outros capturavam inimigos e os mantinham como troféus.

Um mahoujin brilhou em seus pés, no centro dele havia uma grande estrela de cinco pontas. Ela estendeu a mão direita até a altura do peito. O sangue fresco começou a deslizar da sua mão até o chão. Parecia extremamente doloroso só de observar. Mas coisas mais estranhas ainda estavam para acontecer.

Primeiro, ele começou a se acumular como se estivesse vivo. Quase sensível. Quando sua mão estava cheia de sangue, parou de se acumular e mudou de forma. Essa era a parte mais estranha. O sólido vermelho-escuro brilhou e se tornou um dourado brilhante moldado como uma espada, com um metro de comprimento. Kinomoto manuseou a espada longa e fina com pequenos rubis no punho com leveza e rapidez e se colocou em posição de luta. Aquela era a minha deixa.

— Você é a primeira pessoa que continua a lutar comigo depois que descobre da minha imortalidade.

— Elogios não vão te salvar.

— Eu não estou te elogiando!

Ela estava esperando a minha vez. Eu estava com o meu pingente a mão, pronto para materializar a espada. Então corri em sua direção e passei direto por ela seguindo até as escadas.

— P-por que você está fugindo!? — ouvi ela gritar atrás de mim em pânico.

— Essa é a minha estratégia de retirada! Está claro que eu não posso derrotá-la!

Kinomoto soltou um grito alto de insatisfação.

— Eu não acredito nisso!

Desci as escadas a sentindo correr atrás de mim, não queria atacá-la. Não pense que é por ela ser mulher ou algo do tipo, mas, porque aqui eu realmente estava em desvantagem. O treinamento básico de artes marciais que tive quando era criança e treinando sozinho em casa, não se comparava aos reflexos bem treinados e golpes fatais dela.

Kinomoto estava atrás de mim quando eu estava no penúltimo patamar da escada. Eu não tinha tempo para contra-atacar, então joguei um dos meus talismãs em sua direção. Corri pelo corredor quando ele explodiu em uma nuvem de fumaça.

Consegui com sucesso a despistar. Fiz meu caminho em volta ao corredor principal e saí do prédio. Qualquer um a essa altura comemoraria a vitória, mas Kinomoto devia estar planejando uma emboscada ou algo parecido. Ou seja, se que quisesse evitar seu ataque eu tinha que seguir para um local completamente aberto.

Infelizmente, Kinomoto foi mais rápida nisso do que eu.

Ela tinha pulado do segundo andar caindo na minha direção. Sabia que não teria tempo o suficiente então apenas materializei minha espada e bloqueei seu ataque. As espadas se chocaram com força, felizmente consegui ser empurrado para longe dela. Kinomoto se desequilibrou, mas conseguiu manter o ritmo da corrida depois de uma cambalhota perfeita. Se ela continuasse assim, em pouco tempo iria me alcançar.

Foi só depois de corrermos por um tempo que percebi para onde ela estava me guiando sem que eu percebesse. Veja só, essa é uma estratégia sutil. Normalmente quando você está fugindo de alguém, nem sempre tem o controle de onde está indo, então o perseguidor pode influenciar a escolha da sua rota de fuga.

Dessa forma, Kinomoto estava me fazendo correr até algum beco, em que minha única hipótese de tentar sair sem ela me perfurar era contra-atacar. Mesmo que as minhas artes marciais não fossem tão boas quanto as dela, a experiência por passar diversas vezes por essa situação me fazia ser algo perto de um especialista em fugas.

Não posso negar que ela era inteligente quando entrava no modo de feiticeira em ataque. Minha primeira tentativa de fuga seria antes de chegar no destino. Antes que eu fizesse isso, entretanto, Kinomoto já tinha me alcançado. Ela girou o corpo cortando o ar em cima da minha cabeça quando eu me agachei para esquivar dela.

De um modo mais simples que seja entendido, eu estava sendo obrigado a percorrer até o final.

Diminuindo os passos da corrida, bloqueei mais um ataque que me cortaria ao meio. Nisso consegui jogar um amuleto de água que a pegou de surpresa. Ela abriu um escudo contra a corrente de água. Essa era a minha chance de fugir.

Então, eu senti uma presença surgir do nada vindo em nossa direção. Mais precisamente as minhas costas. A voz de Kinomoto gritou ao meu lado.

— Li-kun, cuidado!

Kinomoto tinha conseguido cortar a corrente de água em duas, mas não era eu quem ela encarava. Segui seu olhar e vi um vulto negro se mover no corredor dentro do prédio vindo na minha direção. Ele atravessou a janela que trincou o vidro antes de enfim quebrar. Vários pedaços se espalharam sobre a grama.

Impedi que a lança negra se aproximasse do meu pescoço. Dei uma cambalhota para trás me afastando dele. Kinomoto foi ágil e deu um salto me usando como apoio evitando que o corpo negro perfurasse meu peito. Ela desferiu um golpe certeiro na criatura que foi cortada ao meio, caindo de joelhos no chão.

— O-obrigado — consegui dizer, um pouco atordoado pela cambalhota, me aproximando dela. Olhei ao redor. A criatura misteriosamente tinha sumido sem deixar rastros. Observei a figura de Kinomoto continuar agachada sobre o vidro e me apressei em ajudá-la a se levantar — Ei, você está bem?

— Sim.

Ela não me olhou, mas sua respiração estava ofegante como a minha. Vendo o quanto ela parecia desgastada, decidi ser um cavalheiro. Afinal, Kinomoto tinha acabado de me salvar, seja lá o que fosse aquilo. Passei um braço em sua cintura e coloquei o seu antebraço no meu ombro e a levei até onde não havia vidro na grama. Então o estômago dela roncou alto. Contraí meus lábios abafando uma risada. Kinomoto ficou adoravelmente vermelha.

Ela se negou que eu a acompanhasse até em casa, mas aceitou quando ofereci um jantar por minha conta em agradecimento. Parecia faminta como se não comesse há dias. Por isso não me importei muito quando pediu mais comida. Não posso mentir que isso me preocupou um pouco. Segundo o que Kinomoto mesmo tinha me dito, ela era a última sobrevivente de seu clã. Será que ela não tinha outros parentes? Ou alguém que lhe ajudasse com dinheiro?

Um momento, ela parecia tão forte e mortal, e em outro, tão frágil e gentil. Isso estava me levando a um ponto que eu teria que decidir, entre ficar fora de problemas ou os enfrentar. Tentei não pensar sobre isso, pelo menos naquela noite.

No outro dia, na hora do intervalo, fui comprar meu almoço na cantina como sempre. O refeitório estava agitado e barulhento. Normalmente eu comia na sala do clube, mas hoje Meiling tinha mandado uma mensagem à noite pedindo para encontrá-la aqui por algum motivo. Na fila da cantina, percebi a figura de Kinomoto um pouco mais a frente, antes de passar no caixa.

Ela também tinha notado a minha presença. Seu semblante passou de calmo para sobressaltado como água para o vinho. Eu não podia simplesmente passar por ela como se não a conhecesse. Decidi ser simpático e acenei para ela. Isso piorou seu estado. Olhava para a sua bandeja como se estivesse impedida de fazer alguma coisa sobre mim. A fila voltou a andar e Kinomoto parecia ainda mais indecisa ao que fazer.

Montei uma tigela de kitsune-udon e me dirigi ao caixa para pagar pela comida. Antes que eu saísse, Kinomoto se aproximou. Ainda segurava a bandeja de comida contrariada, seu rosto parecia um pouco vermelho antes de falar:

— O-obrigada pelo jantar de ontem.

Ela agiu do mesmo modo de quando tentou arrumar uma desculpa no dia anterior e sumiu entre os estudantes que se amontoavam na entrada da cantina, antes que eu pudesse a perguntar qualquer coisa. Me limitei a sorrir.

Andei um pouco com a minha própria bandeja de comida pelo refeitório até encontrar Meiling sentada em uma mesa. No fundo, onde haviam poucas pessoas por perto. A sua frente o resto do almoço estava de lado, a tigela vazia, enquanto ela tomava um copo de chá. Me sentei a sua frente, colocando a bandeja com meu almoço sobre a mesa.

— Então posso saber porque você me pediu para vir a lanchonete hoje?

Meiling parou de tomar seu chá e se virou para me encarar.

— Amanhã eu não vou poder ir ao clube.

— Era só isso?

— Sim — respondeu observando o copo de chá. Meiling parecia estar pensando em falar algo, avaliando a situação primeiro até que enfim ela voltou a quebrar o silêncio — O que vou te dizer agora em diante, é para mim mesma entendeu?

— Sim.

— Você vai ficar em completo silêncio enquanto eu falo? — Meiling me encarou. Eu não pude responder. Não estava entendendo aonde isso iria chegar. Vendo a minha hesitação, insistiu: — Então?

— Eu já entendi.

Ela observou ao redor e se aproximou do centro da mesa. Eu a imitei até que ficamos bem próximos. Meiling começou a murmurar baixo de forma que só nós dois iríamos escutar o que ela dizia.

— A família Li está observando Kinomoto Sakura.

— Porque?

— Você sabe que os Li prezam ao máximo a paz entre os clãs, ainda mais com a aliança com os Hiiragizawa. Crescemos bastante graças a isso, e principalmente a nossa influência entre os outros clãs também, depois que um mago muito poderoso sumiu. O nome dele era Clow Reed.

Clow Reed. Esse nome era muito popular entre os feiticeiros. Ele tinha sido um dos magos mais poderosos de todos os tempos. Muitos dos livros de magia tinham seu nome. Ele foi o responsável por unir a magia oriental e ocidental em uma única.

Mas isso foi há séculos atrás. Clow já devia estar morto nos dias de hoje. Por que Meiling estava querendo dizer que Kinomoto está envolvida com alguém que sumiu há vários anos?

— E o que isso tem a ver com Kinomoto? Ela não é alguém ruim é?

— Nós não ainda temos certeza sobre isso.

Apenas assenti olhando para baixo, mas sem realmente fitar o meu kitsune-udon.

— Por isso, é melhor que você se afaste dela o quanto antes.

Eu a observei tomar o chá com calma. Me pergunto se eles sabem do poder amaldiçoado de Kinomoto, se por acaso os Li a considerasse uma ameaça como ela própria falou… Uh. Senti um arrepio instintivo — nada disto iria levar a algo bom. Só percebi que Meiling tinha se afastado quando voltou a falar, interrompendo meus pensamentos.

— Mas, acho que mesmo que eu lhe diga isso, você ainda vai se envolver com ela, não é?

Suspirei dando de ombros. Não sabia bem o que fazer, mas sem dúvida Kinomoto iria continuar me perseguindo em nossa estranha relação.

— Bom, eu sou imortal. Então não deve ter nenhum problema para mim.

Meiling pareceu concordar. Sua voz se tornou fria por um instante.

— Você não deve colocar seu nariz nessas coisas Syaoran.

 

Continua...


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal! O que acharam do primeiro capítulo? Espero que tenham gostado!

Bom, vocês já devem ter percebido no prólogo que toda a história é narrada pelo Syaoran. Algumas mudanças foram feitas na fic porque eu ainda estava decidindo algumas coisas como os crossovers entre Sakura Card Captor, Tsubasa e xxxHolic porque eu quero explorar o universo mágico da CLAMP. Principalmente um mestre dos magos chamado Clow Reed, ahh sim, iremos ouvir bastante sobre ele.

Ah, e mesmo que não siga a linha do novo arco Clear Card, algumas referências e personagens vão ser tirados de lá também. (a propósito,vocês também estão acompanhando?)

Muito obrigada a Suzzane pelo comentário e por acompanhar a história!

Acho que isso é tudo, até o próximo capitulo!



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