Instinto & Coragem - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 9
9 - Feastfires


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :*



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FEASTFIRES

O garoto tremia envolto de uma manta grossa de pele de urso. A neve nem havia alcançado o acampamento ainda, mas ele parecia a ponto de morrer congelado. Sua pele pálida azulava e os olhos, fixos na fogueira, não tinham forças para mesmo piscar. Lorde Lannister sorriu de lado e tomou um gole de seu cantil, com vinho amargo. Quanto mais amargo, mais queimava na garganta, e era disso que precisava agora.

As florestas estavam cada vez mais densas. Pela trilha de caça, nenhum sinal de lebre ou veado, todos os animais dormiam e se escondiam, pois pressentiam o inverno. Fora alertado disso, mas precisava de uma desculpa palpável para vir até ali, a última extensão de terra do Reino do Rochedo. Seus homens, um punhado de guardas e apenas Sir Luca como grande alma enobrecida, preparavam os cavalos para passarem a noite. Iriam embora pela manhã, quando a tempestade passasse. Tytos havia enfrentado muitos invernos e conhecia aquelas rápidas nevascas da noite. Vinham apenas para assustar os corvos e cobrir as árvores, assim que o Sol despontava no horizonte, já havia partido e as crianças pouco podiam aproveitar do véu branco.

Outra fogueira foi feita mais próxima do posto dos vigias e uma terceira, acesa para mantê-los mais quentes. Escutou o uivo de um lobo. O pio de uma coruja. Aqueles que não se incomodavam com o frio, mas que vigoravam quando todos os outros estavam desprevenidos. Lembrou-se de uma antiga história sobre um caçador que, perdido durante o inverno no meio de uma floresta quase infinita, no Norte, encontrou uma criança da floresta que lhe concedeu um pedido, qualquer poder que quisesse ter. O caçador decidiu ser um lobo, pois os lobos haviam devorado seus companheiros de caçada, eram animais fortes e respeitavam-se mutuamente, diferentemente dos humanos, que matavam uns aos outros por mesquinharias. O filho da floresta concedeu-lhe seu pedido e assim surgiu o primeiro Lobo Gigante.

As histórias o enchiam de melancolia. Tyman adorava ouvir histórias quando menino, obrigava a mãe a contar ao menos três antes de dormir. Quando ela morreu, deixando Tyte, um bebê não desmamado, ele e o outro irmão decidiram que criariam Tyte da forma que foram criados, com histórias e caçadas de brincadeira. Detestavam os jogos das crianças, não conseguiam se entreter com o entra-no-meu-castelo e ignoravam as tentativas dos cavaleiros de lhes ensinarem a duelar. Queriam aventuras, como os heróis das histórias tinham. Queriam se transformar em lobos e serpentes gigantes, do Norte até Dorne, descobrir tudo o que a terra tinha a lhes ensinar.

Mas acabaram consumidos pelos humanos. Os seres sem honra ou respeito, que matam uns aos outros por mesquinharias.

— Senhor Lannister, nós poderíamos voltar para Feastfires hoje? – pediu o medroso Willem, finalmente desperto de seu torpor enregelado. O garoto se aproximara mais do fogo e esticava as mãos, brincando com as sombras projetadas no chão.

— Enfrentar a tempestade é perigoso, Senhor Willem. A trilha seria encoberta e nossos cavalos fugiriam assustados. Demoraríamos ao menos a noite inteira para chegar ao castelo. Mas, se esperarmos até a neve passar, meus rastreadores reencontrarão a trilha e os animais estarão gratos por termos poupado-lhes sofrer. Compreendo que esteja preocupado com vossa mãe, mas precisamos ser fortes para suportar a noite. Mantenha suas energias dentro de si, para mantê-lo quente.

— Mamãe virá atrás de mim. Ela nunca permitirá que passemos a noite aqui – Willem olhou para ele, parecia quase alertá-lo. O modo como ainda chamava Lady Elinor de mamãe fazia o lorde se sentir um pouco menor, talvez mais jovem.

— Lady Elinor é uma mulher sensata. Ela sabe que não permitiremos que o senhor passe nenhuma dificuldade.

— Não temo por mim – Willem o respondeu com rapidez – Ela nunca me deixou vir até a floresta porque é perigoso. Alguns camponeses dizem ter visto lobos por essa região e muitas ovelhas foram atacadas.

— Lamentável. O inverno é sempre assim, milorde. – Tytos esticou-lhe o cantil, para fazê-lo calar a boca.

— O que é isso?

— Vinho amargo. Não vai deixá-lo bêbado, mas vai aquecer sua garganta. – aconselhou, tentando não soar tão velho quanto agora se sentia. Estava matraqueando com um menino!

Mas eram as crianças os únicos seres humanos livres dos pecados mortais, não?

Willem aceitou o cantil e tomou um gole, sem esboçar careta. Não se importava com o gosto amargo, aparentemente. Ou o vinho não lhe era estranho. Imaginar Lady Elinor dando vinho ao seu pequeno garoto era surpreendente, até mesmo para um pequeno garoto de doze anos. Ele devolveu a bebida e Tytos notou que havia desaparecido uma boa quantidade, quase não pesava mais nada.

— Você bebe, garoto?

— Com os guardas, nos muros da fortaleza. Quando não consigo dormir, escalo pela janela até as ameias e fico com eles até adormecer entre os archotes. Eles me ensinaram a beber e a cuspir. – Willem parecia orgulhoso, mas ainda assim se censurava com as bochechas ruborizadas. Mesmo sem a mãe por perto. – Mamãe não sabe disso, mas ela diz que manter um bom relacionamento com aqueles que me servem é bom. Principalmente se me servem pessoalmente, com armas nas mãos.

— É muito sábio de sua parte ouvi-la.

— Sempre é sábio ouvi-la. – concordou ele. Notoriamente, Senhor Willem oscilava entre a típica imagem de uma criança recém-saída da primeira infância e um jovem com mais maturidade que muitos bobos cor-de-rosa da Corte do Rei. – O senhor bebe?

— Não – O lorde afastou-se do cantil e esticou as mãos para a fogueira, da forma que Willem fizera antes. Tytos não percebeu seus atos, até que já sentisse as pontas dos dedos aquecidas. – Não sou bom em nada em particular. Imagino que isso o surpreenda.

— Imagino que só somos genuinamente bons naquilo que não percebemos ser, até que outra pessoa nos diga isso. Eu sou muito bom em contar piadas. Eu não percebo até ter contado uma, na verdade, mas os guardas sempre me dizem.

— Piadas sobre o quê, jovem lorde?

Willem enrubesceu imediatamente. Tytos não imaginou que aquilo fosse sério. O que poderia deixá-lo tão atormentado de repente? Estavam entre homens, ambos senhores, e os demais não passavam de escudeiros e cavaleiros menores. Tudo o que ele dissesse seria levado em conta como os grandes anais de uma criança enobrecida. Ser filho da ferrenha Lady Elinor não seria pesado tão a sério.

— Obscenas – ele explicou, olhando os próprios pés. – Os guardas falam sobre isso, eu apenas imagino, depois falo a eles.

— Eu não esperaria menos da conversa de guardas nas ameias, mas não se preocupe milorde. Todos os bons homens já falaram sobre isso. Não se sinta mais culpado que os outros.

— Eu não penso sobre isso, eu apenas... quando os guardas conversam, eu apenas respondo a altura. Eles gostam de mim por isso.

Tytos assentiu.

— Quando eu era menino, uns dois anos mais velho que você, meu pai saiu para caçar com meu tio e nos deixou sob os cuidados de nossa tia. Tia Annlane. Ela era gorda e passava o dia todo em sua sala de costura, comendo e conversando com suas companhias. Eu e meus irmãos podíamos brincar livremente por todos os lados e, uma vez, nós seguimos alguns guardas que estavam rindo e contando moedas em sacolas de pano. Eles foram até Lannisporto e entraram em ruas estranhas. Imaginamos as mais diversas aventuras e conspirações, mas no final tratava-se apenas de um bordel. Não imagina tamanha a decepção minha e de meus irmãos.

— O senhor sentiu vergonha pelos soldados?

— Vergonha? Os homens não sentem vergonha por bordéis e prostitutas. São as damas que devem se envergonhar disso. Por sua vez, são as prostitutas que disponibilizam seu trabalho, não as condene antes de saber por que o fazem. A maioria delas não teria outra forma de sobreviver.

Willem continuou silencioso, mas não o ignorava.

— Voltamos correndo para nossa casa e Tia Ann nunca soube de nossa pequena fuga. Quando eu e meu primeiro irmão ficamos mais velhos, alguns dos homens de meu pai se ofereceram para nos levar até uma dessas casas, novamente. Eu já estava noivo de minha esposa, na época, mas meu irmão aceitou e nunca mais deixou de visitar as donas da noite, como ele as chamava. Tyman dizia que eram os seres mais poderosos de Lannisporto, podiam torrar todo o ouro de um comerciante em apenas uma noite.

— Seu irmão se casou?

— Não, Tyman nunca chegou a se casar. Mas tem três filhas bastardas. Todas de cortesãs. Nós as protegemos em Lannisporto, para que não fossem criadas na presença de rameiras. Elas são moças tão bem educadas e honradas quanto qualquer outra dama virgem. – Tytos notou que estava defendendo as filhas de Tyman para um menino de doze anos e desistiu do assunto. – Em todo caso, imagino que Tyman tenha aproveitado mais a sua vida do que eu.

— Sinto muito pelos seus irmãos, Lorde Lannister – Willem confortou-o com um sorriso de lado, mas Tytos achou engraçado. Engraçado e triste que se desse melhor com um menino de doze anos que com os seus próprios subordinados. – Mas... não tem nada que o senhor seja bom? Nada mesmo?

— Bem – O lorde aprumou-se em seu lugar perto da fogueira. – Tyte sempre disse que eu era o melhor contador de histórias.

— Adoro histórias. Mamãe me conta histórias quando tenho medo de algo.

— Eu conheço mais histórias de heróis, na verdade. Não gosto muito de cavaleiros e princesas.

— Tudo bem, gosto de qualquer tipo de história. Conte-me uma!

Tytos coçou a barba, pensando seriamente em qual história contaria. Havia tantas em sua memória!

— O senhor gosta de lobos?

— Gosto, embora tenha medo deles.

— Ótimo. Vou contar a história de um lobo que não o assustará. Esse lobo uma vez foi um homem. O homem era caçador e saiu durante o inverno à procura de caça para alimentar sua aldeia, junto de mais doze caçadores, que eram seus amigos...

 

º   º   º

 

Suas duas damas de companhia e a preletora estavam tediosamente bordando na sala que Lady Elinor destinara a elas. Passar os dias dentro daquele cubículo empoeirado não se parecia com o tipo de hospitalidade pela qual os Prester eram conhecidos, mas devia se lembrar que a senhora do castelo não nascera Prester. Seu tio, que não se importava com ela mais do que se importava com o Rei, praticamente a condenava àquela construção deteriorada e pobre. Os criados eram tão magros quanto os cordeiros, o castelão estava sempre caminhando de um lado ao outro, supervisionando a vida de todos e as pessoas em geral eram frias, com caras inexpressivas e palavras duras.

Feastfires se parecia com um moinho, sempre em funcionamento, onde ninguém conversava sobre nada, mas todos precisavam estar lá para sobreviver. A península do reino era importante para prevenir e proteger a capital contra ataques e invasões por mar. Durante a última guerra Rochedo-Ferro, Feastfires fora tomada logo no começo pelos piratas por não estar em boas condições. Desde então, sua importância vinha diminuindo. A Casa Prester continuou com o domínio do castelo, mas foram rudemente afastados da vida social, quando o lorde em questão fez o juramento diante de Sua Majestade, o rei anterior ao atual, de nunca abandonar a península. A Casa inteira fez esse juramento, para se redimir.

Mas Feastfires não mudara muito desde então. Através de pesquisas e contatos, Elia descobriu que as finanças da região eram poucas, por se tratar de um terreno arenoso e com poucas fazendas. Os pastores de ovelhas pagavam suas taxas com lã, leite e carne, para que o castelo continuasse em funcionamento. Mas o dinheiro de verdade, pago pelos vassalos dos Prester, mal davam conta da manutenção dos muros e do salário dos guardas. Também soube que Lady Elinor vinha trabalhando sobre o assunto, mas os avanços deveriam levar mais dez ou quinze anos para que valessem a pena.

Elia não queria ficar presa àquele lugar, casada com um homem jurado a nunca deixar seu castelo. Ela queria viver no continente, onde havia festas e torneios, principalmente se pudesse estar casada a um nome importante dentro dos salões. Não tinha sonhos altos, nenhum Reyne ou Tarbeck para ela, suas famílias nunca se dariam bem e seu sangue não era tão nobre, mesmo depois de ter sido oficializada pelo nome Lannister. Talvez essa tenha sido a única digna atenção que seu tio lhe dera, um favor ao irmão. Ela e as irmãs viviam como órfãs de um cavaleiro honrado, ao mesmo tempo em que eram sobrinhas de um dos homens mais detestados do reino.

De toda forma, Elia não queria se casar com o garoto Prester. Ele era apenas um menino, provavelmente mal sabia o que homens casados faziam com suas mulheres. E ela já tinha mais de vinte anos... Estava chegando a uma idade em que as rugas começavam a surgir e os seios começavam a cair. Não queria admitir, mas o desespero surgia no fundo de seu peito.

O dia amanhecera nevado e ela rapidamente vestiu-se de sua roupa mais quente: um longo tecido grosso, rudemente bordado com linhas e gravetos, num fundo vermelho vinho. Havia veludo nos punhos e no corpete, nada mais prestigioso. Seu pescoço muito branco se destacava e os cabelos louros sem vida caíam emaranhados, pois não tivera paciência para as criadas. Se o senhor seu futuro esposo não estaria ali para vê-la, qual o problema de não se arrumar? Feastfires continuaria com sua vida pacata, da mesma forma que sua Lady mal se dignava a vestir-se feito uma lady. Continuar nesse padrão traria alguns benefícios, caso a vissem como uma humilde pretendente de seu senhor.

Talvez conseguisse convencer Will a reabrir as portas para as temporadas de caça na primavera. Quando fosse a lady, poderia pensar em um futuro grandioso!

Sem aquelas damas entediantes e a preletora com os bordados.

 

º   º   º

 

Como mãe, Elinor sentia-se aflita. Como senhora, ela se sentia desnorteada. Nunca, desde seu casamento há muitos anos atrás, viu-se perdidamente angustiada em frente à porta de Meistre Edmon. Visitar o homem era um costume silencioso, mas notou que segurava a barra do vestido para subir cada degrau com pesados passos decididos. Queria martelar a porta do pobre meistre com seu punho, mas controlou-se no mínimo para não soar grosseira. Meistre Edmon tinha os cabelos desgrenhados e bocejava, com a camisola e a cama desfeita engomada em livros e pergaminhos antigos. Seus estudos sempre viravam a noite, ela se lembrou. Não deveria subir a torre tão cedo.

— Meu filho passou uma noite inteira sob a neve e a única mensagem que tenho é a de um cão que nos trouxe a carta de Senhor Lannister envolta de baba dizendo que “está tudo bem”.

— Milady – Meistre Edmon cumprimentou-a com um sorriso de lado, ele compreendia os tormentos de uma mãe, mas sempre pensou que Lady Elinor prezava demais por seu domínio sobre o filho. – Senhor Lannister é um homem adulto e sabe muito bem sobre caçadas e sobre o clima. Ele tem caçadores consigo e outros cavaleiros experientes. Se a decisão de permanecer na floresta foi unânime, não há por quê se desesperar. E ele se preocupou em informá-la de que todos passaram a noite bem. Por favor, acalme-se.

— Eu sei, eu sei – Elinor inclinou-se sobre a porta e o jovem meistre percebeu que estava soando mais velho do que realmente era. Ora, Elinor tinha ao menos o dobro de sua idade! E era ele quem dizia para que se acalmasse? A senhora de Feastfires trazia uma expressão desconsolada, junto de olheiras de sono e inchaços nas mãos, onde apertou-se com as unhas durante a vigília no muro da fortaleza. – Eu só... Willem é tudo o que tenho. Toda a família que me restou e todo o amor que tenho. Se sou responsável por ele, então é normal que me sinta assim, certo?

Meistre Edmon não sabia como respondê-la, seus vastos conhecimentos não se aplicavam a experiência de ser pai. Ele nunca seria um para saber exatamente os sentimentos de Elinor. Não a invejava, mas se compadecia. A Mãe ama a todos os seus filhinhos e lhes oferece misericórdia. Seria problemático se a mesma Mãe tivesse de ser o Pai e o Guerreiro, o Ferreiro e o Estranho para seus filhinhos. Esta não era a posição que uma mulher como Lady Elinor deveria tomar, com tantas responsabilidade e preocupações. Ninguém nunca esperaria que fosse perfeita, pois nem mesmo os homens que nascem para ser lordes o são, logo, quem a poderia condenar por seus tropeços?

Envolveu-a em uma braço, passando os braços sobre as costas da senhora, que era mais alta e mais esguia. Ele, franzino ao seu lado, puxou-a para o quarto e a levou até a cama, antes que começasse a chorar de histeria. Deitou-a confortavelmente, derrubando os livros no chão e a cobrindo com os cobertores limpos. Então, sem pestanejar, começou a preparar uma poção de sonhos profundos para ajudar a sua senhora a sonhar por todas as horas que seu filho permanecesse distante. Era tudo o que ele e os elos em sua corrente poderiam fazer por ela.

Se o senhor de Feastfires bate a sua porta procurando ajuda, ele oferece a mão que tiver.

Esse era o seu juramento.

Colocou a taça nos lábios de Elinor e ajudou-a a engolir o suco. O resultado viria dentro de dez minutos, então colocou travesseiros macios sob sua cabeça e organizou o quarto do jeito que podia. Quando os olhos de sua senhora finalmente se fecharam, Edmon fechou a porta do quarto e se retirou, descendo as escadas em silêncio. Nada alcançava a sua torre, os sonhos de Lady Elinor continuariam protegidos.

 

º   º   º

 

Willem não gostava do peso da espada, nem da sujeira que ela fazia em oponentes. Imaginar-se encarando o homem que, dentro de poucos segundos, poderia estar agonizando no chão em meio a sangue, o enojava. Mas tudo era diferente com o arco. Esticando a corda e mirando a flecha, podia ignorar as consequências dramáticas, substituindo pela emoção de ver as pernas voando no ar. As caçadas consistiam em instantes de arco, montados em cavalos, instantes com a espada e machados, caminhando com os cães.

Após muito caminhar, ele se rendeu aos resmungos. Os rastreadores não encontraram nada por quase duas horas, mas, assim que se aproximaram do Lago das Águas Paradas, um deles ergueu a mão e mostrou marcas do que seriam vestígios de uma pequena família de cervos naquela região.

Os grupos dividiram-se então em busca dos animais. Willem iria com dois escudeiros e um rastreador para oeste, uma trilha distante demais para haver qualquer perigo ou cervo. Aparentemente os homens de Feastfires que vieram junto da caçada insistiam em não envolver seu jovem senhor nas carnificinas que se seguiam ao abate. Para ignorar o tédio, às vezes ele imaginava uma lebre saltando um arbusto e corria a frente, com o arco preparado. Em outros momentos, podia jurar que havia encontrado um esquilo no topo de uma árvore e disparava uma flecha, derrubando apenas folhas e galhos finos.

Seus companheiros apenas se entreolhavam, ora o achando louco, ora o achando infantil. Willem não se importava com esses julgamentos tolos de garotos de sua idade. Quando via que poderia apreciar a beleza de algo, simplesmente se colocava a admirar aquilo e era simples assim. Como observar a alvorada no alto dos muros de Feastfires.

A conversa com Lorde Lannister ainda ecoava em sua mente. As palavras do homem pareciam muito mais sábias do que poderia ter esperado, ele quase soava como sua mãe, embora menos divertido e mais fúnebre. Tytos emanava a memória de um garoto que perdeu os dois irmãos menores em uma guerra e convivia com as consequências de ter defendido seu rei até o fim, odiado e devastado. Ele ouvira de alguns garotos no paço que a Casa Lannister financiara toda a guerra e que, agora que seus cofres estavam vazios e a mineração era lenta, o Rei Casterly devia quase o trono inteiro aos leões.

Mas... Não era um homem mau. Não era bom, absolutamente ainda não o conhecia, mas não parecia mau. Ele era triste, como sua mãe e as pessoas que conhecia em Feastfires. Irmãos mortos, pais doentes, futuro incerto, trabalho exaustivo e nenhum sorriso para transbordar nos lábios. Willem gostava de seu lar e das pessoas que viviam ali, mas adoraria trazer-lhes mais do que aquilo. Mais do que vidas cinzentas para serem vividas dia após dia. Ele deveria ser um lorde bom, o qual não existia há décadas em Feastfires.

— O que está pensando agora, senhorzinho? – um dos meninos perguntou. Era o mais irritante deles, com cabelos ruivos e olhos de raposa, parecia estar sempre desdenhando de tudo o que Will fazia. E chamava-o de senhorzinho. Willem nunca gostou daquele apelido.

— Já repararam que a cor das folhas muda de acordo com a árvore? Aposto que as folhas de um salgueiro em Feastfires é diferente das cores do salgueiro de Lannisporto. – respondeu-lhe, imaginando que nada compreenderia do que havia dito.

— Lannisporto não tem salgueiros, senhorzinho. – riu-se o escudeiro. – Tem casas aos montes e muitas lojas de comércio. As praças sempre se preenchem antes do nascer do sol e continuam cheias ao pôr do sol. Você nunca viu tantas pessoas juntas, vivendo em perfeitas condições.

Willem olhou para um lado escuro de arbustos peculiarmente encobertos do Sol e ergueu uma sobrancelha. Plantas que nasciam se escondendo dos raios de luz?

— Com certeza não vi Lannisporto, mas consigo imaginar formigueiros. – retrucou sem olhar os seus acompanhantes. Eles não pareciam felizes com a resposta. Ser ardiloso não era algo que sua mãe lhe ensinara, mas não conseguia evitar quando as palavras subiam pela garganta. Devia ser uma natureza herdada de seu pai devasso.

Sem pensar muito se receberia uma resposta rude ou um pescotapa, soltou a flecha que estava tencionando inconscientemente e os quatro escutaram o som de uma lamúria seguida da queda no chão atrás do arbusto. Quando afastou os galhos, encontrou uma criatura humanoide, com pés de lebre e um focinho não formado totalmente. Grotescos lábios salivavam com a língua para fora e os olhos eram iguais aos de um animal, tirando o fato de serem grandes como os de humanos e estarem encarando-o profundamente, conversando com sua alma, passando toda a raiva que aquele ser sentia para Will.

O primeiro reflexo foi se afastar horrorizado, mas não sentiu medo de verdade. Aquilo era tão curioso que se ajoelhou novamente e observou-o morrer com a flecha fincada no estômago. Os braços humanos ao seu redor estavam imóveis, mas os dedos finos tingiam-se de vermelho e as unhas eram negras e longas. Um ser que habitava a floresta, a sua floresta, morando em arbustos que não recebiam a luz do Sol. Não soava tão inacreditável agora, vendo-o. Os contos que o meistre lhe contara sobre as magias e os dragões de reinos distantes finalmente pareciam palpáveis. Palpável? Ele esticou o braço, querendo tocar na criatura.

Mas foi parado pelo punho de um dos escudeiros. O menino encarava o monstro metade lebre, metade humano, com o mesmo horror que Willem sentira, mas em seus modos havia também descrença e raiva. Eles o afastaram do corpo do animal e o segundo escudeiro tirou de sua mochila uma pederneira, estalando as pedras rapidamente. Os dois meninos ajoelhados ao redor da criatura, tomavam todo o cuidado para não tocar nela.

E então, seu corpo já frio e sem vida começou a pegar fogo.

Willem só compreendeu quando já era tarde demais, o cheiro de pelo e carne queimados subiam para as árvores. Gritou e jogou-se em direção as chamas, mas o seguraram, o impediram, prendiam seus braços, tampavam sua boca. Aqueles garotos mais fortes queriam destruir, apagar a existência daquela coisa, aquela coisa tão extraordinária e fascinante. Willem não podia deixá-los fazerem aquilo, quem acreditaria nele? Quem o ajudaria a descobrir mais? Por quê?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Que tipo de criatura Willem encontrou na floresta? Por que Lorde Tytos precisava ir para Feastfires? E mais: como estão as coisas em Riverspring? O que aconteceu com o irmão de Serana? Quem venceu o torneio?
Beijos da Kyung!



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