Instinto & Coragem - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 3
3 - Feastfires


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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3

FEASTFIRES

 

Todos os dias, quando o Sol aparecia pelo alto das lendárias muralhas de Feasfires, a Senhora da fortaleza abria sua janela e olhava o movimento entre uma torre e outra. A amurada tinha guardas sonolentos que se colocavam nos bancos, sempre observando o horizonte. A torre do meistre, embora a menor, tinha o maior movimento, sempre com novos livros e o jovem homem caminhando de um lado para o outro em leituras que ele chamava de “adquirir conhecimento”. Elinor achava isso bom e não lhe negava os livros de que precisava, quando vinha pedir. A torre mais alta, embora fosse ocupada pelas salas da administração da Casa Prester e as contas do tesoureiro, nunca abria as janelas antes do desjejum, algo que ela própria havia designado, que todas as atividades começassem após a primeira reunião com seus mestres. No salão abaixo das torres, havia os quartos de todos que trabalhavam ali, no subsolo, os quartos dos servos e a cozinha. O pátio de Feastfires não permitia muitas comitivas, no máximo cinquenta homens enfileirados. As muralhas estavam anexas às torres e o portão era uma vala escavada desde o começo da trilha até as tábuas de madeira e ferro. Após o ritual de ver a sua fortaleza, Lady Prester vestia-se sozinha com um simples tecido azul e prendia os longos cabelos castanhos em uma trança.

— Milady - os guardas a cumprimentavam enquanto descia as escadas da Torre Prester. Não havia corredores, apenas a escada e as portas para os quartos. A maioria inutilizados.

Abriu gentilmente a porta do quarto de seu filho, o garoto nunca precisava ser acordado, mas mesmo assim ela gostava de caminhar junto dele até o Salão de Banquetes. Willem, que havia sido um bebê doce e silencioso, com os cabelos e olhos castanhos como os dela, crescia sem que ela percebesse, estava tão grande! Ele abotoava a camisa em frente ao espelho, camisa costurada por sua zelosa mãe, com bordados de fogo nas mangas. Era a sua preferida. Tinha o rosto de seu avô, mas a altura de seu pai, mesmo aos treze anos. Feições agradáveis, bom manejo com a espada (ao menos durante os treinos) e um talento raro para arquearia. Elinor encostava-se a porta e o observava em silêncio. Willem era o futuro da Casa Prester, mas para ela não importava qual seria o seu título, desde que pudesse protegê-lo do mal no mundo.

Imaginava que todas as mães pensassem assim, vendo seus filhos se prepararem para descer as escadas e tomar o desjejum. Lady Elinor rezava aos deuses para que a ajudassem a dar um bom exemplo ao seu filho, também rezava por boas colheitas e por mais anos de paz. Se lhe perguntassem, diria que é uma mulher de fé. Mas Elinor acreditava que os deuses agem através dos homens e não pelos homens, então fazia a sua própria parte, para realizar aquilo que pedia. Desde que Willem completara os doze dias de seu nome, três propostas de casamento apareceram e evaporaram. Nenhuma para o seu filho, é claro, e sim para ela.

Elinor assustou-se quando o meistre a tocou suavemente, mas nenhum dos dois soltou ruído sequer, deixando que o garoto continuasse a se vestir sem perceber os intrusos.

— É a resposta de Sor Bettley, milady. Receio ser um pouco… indecente para o desjejum. Eu ia deixá-la nos seus aposentos, mas… - Meistre Edmon sorriu - Também há uma nova carta do Mestre das Cobranças que a Senhora colocou no porto, ele reclama sobre a petulância dos pescadores.

— Não se faz dinheiro em um porto que não tem cidade - Elinor mostrou seu sorriso que a tornara “lady” ou invés de Senhora Mãe, como para muitos poderia ter sido. - Informe-o que, assim que a construção do armazém começar, os pescadores com certeza se mostrarão mais amigáveis.

Edmon assentiu e desceu as escadas, deixando-a a sós com seu filho. Willem já a havia percebido e ouvia o diálogo próximo da bacia em que lavara o rosto. Para o garoto, sua mãe era como uma fortaleza, imponente e segura. Ela sabia lidar com a falta de dinheiro que abatia a Casa Prester por anos, sabia como amenizar o atrito entre os habitantes da península e os senhores, sabia até mesmo como organizar as suas aulas de esgrima, arquearia, cavalgadas, as lições com o meistre, reuniões, conselhos, banquetes, leitura… Willem só conseguia definir sua mãe como “forte”, a mais forte mulher que já vira. Seus mestres diziam que ela era a salvação da Casa Prester, em relação ao antigo Lorde que arruinou o nome da família com bebida e jogos de azar. E Willem sentia-se exatamente do mesmo jeito: rodeado pela pessoa mais forte que ele já conheceu. Sufocado pela pessoa mais forte que ele já conheceu.

Um dia ela morreria, um dia ele completaria dezoito anos e tomaria posse do título de Senhor da Península. Esse dia… o assustava. Como ser melhor que ela? Como conseguir manter o que Lady Elinor já havia construído? Portos, vilarejos, plantações. Ela os preparava para dias melhores, para a organização das terras e prestígio das Casas. Willem ouvia a tudo o que ela dizia, via tudo o que ela apontava, memorizava os conselhos e os repetia antes de dormir. Se achava alguma das piadas dela boa (em geral Lady Elinor tinha um ótimo senso de humor), contava aos cavalariços e eles choravam de rir. Se gostava de uma das camisas que ela lhe fazia, ele a observava por horas até encontrar o começo do bordado, o final da linha, os nós, as cores, os pensamentos que ela tinha enquanto bordava. Ele temia não ser bom o suficiente, não ter a sabedoria ou a inteligência suficiente. Mas uma das primeiras lições que Elinor o ensinara não era ser bom em tudo o que fizesse, mas sim tentar ser bom em tudo. Com esforço e suas próprias forças, dedicar-se a qualquer papel que precise ser feito, dar as ordens e cumpri-las, desejar e realizar.

— Você vai se casar com Sor Bettley? - ele perguntou, mas sabia a resposta.

— Para ele te matar durante o sono? Sou a viúva de Tyron Prester, não uma fortaleza fácil para qualquer um. Eu lhe ensinei o que propostas de casamento significam. - a mãe o olhava com a premissa “repita o que eu ensinei” que lhe era familiar.

— Uma viúva jovem de um Lorde que tem apenas um herdeiro, case-se com ela e mate o menino. Seus filhos serão os detentores do título. - Willem sorriu - Eu entendo esse jogo, mãe. Mas a senhora pode acabar se cansando de mim.

— Cansar-me de você? - Elinor ergueu as sobrancelhas e tomou-o pelo braço, como gostava de andar com ele pela fortaleza. - Só uma mulher tola se cansaria de você, Will.

— É isso que farei para escolher uma esposa. Vou ser terrivelmente irritante para todas e aquela que não fugir, então a escolherei.

Lady Elinor virou-lhe o rosto e disse incisivamente:

— Se fizer isso, então estará se casando com a única tola do grupo.

— Se eu for malvado e cruel, mulherengo e infiel, apostador e bêbado, e somente uma continuar fugindo de mim, devo me casar com essa?

— Se fizer tudo isso, então não deve se casar com ninguém. -  sua mãe continuou a caminhar - E eu mesma me encaminho para puní-lo.

Willem riu, pois sabia que ela falava a sério e que ele nunca faria algo desse tipo. Não conseguiria escolher uma esposa por si mesmo, sua indecisão o deixaria velho e impotente antes de ter certeza de uma noiva. Mas a mãe saberia qual pretendente o faria um homem melhor, com uma família e herdeiros. Por isso falava de casamento sempre que podia, talvez desse modo Lady Elinor começasse a pesar qual donzela oferecer a mão de seu unigênito, antes que algo acontecesse e Willem nunca pudesse saber qual seria a sua escolha.

Novamente pegou-se pensando em um futuro sem a mãe e percebeu que estava com medo. Queria ser forte para enfrentar o que viria, mas não saberia até que acontecesse. Rezava aos deuses para que demorasse muitos anos, ainda. Elinor era uma mulher jovem, seu filho era quase um homem formado, as chances vinham a seu favor. Mas é impossível para um filho que ama e admira a sua mãe conseguir ser corajoso para enfrentar as possibilidades da vida. Como uma sábia mulher, ela lhe ensinou a pesar suas decisões e encarar os contratempos. Mas sempre que tinha de tomar uma escolha, ele pensava “o que ela faria?” e percebia novamente que ela não era imortal.

Isso fazia dele um covarde?

— Podrick precisa preparar os cachorros para a chegada de Lorde Lannister e sua família, eles desejam caçar na floresta durante a próxima semana. Prepare também os cavalos, não sabemos se eles terão os próprios para usar.

— Sim, milady - o Mestre do Canil e dos Estábulos recebeu sua ordem do dia.

Todos os mestres tomavam o desjejum no Salão de Banquetes junto de sua Lady e o jovem senhor para ouvir o que ela diria, o dia só começava após as primeiras orientações, diante de todos para saberem o que havia sido ordenado. Ao final do dia, teriam de dizer também na frente de todos se haviam cumprido ou não a tarefa. Esse era o modo de Lady Elinor controlar a sua própria fortaleza e, consequentemente, conquistar o respeito daqueles que a serviam.

— Sor Walder Roggers treinará com o jovem senhor Willem no pátio, assegure-se de que seu lorde aprenda algo novo hoje.

— Ele aprende rápido, Lady Elinor.

— Meistre Edmon, tome um tempo dos seus estudos para escrever as respostas de Sor Bettley e Lorde Lannister. Se alguma nova mensagem chegar, avise-me imediatamente. A não ser que eu esteja bordando.

— Como desejar, milady.

— Willem, seja um bom filho e ouça o que Sor Podrick lhe disser durante as aulas, não seja corajoso antes de ser habilidoso. Autoconfiança sem uma base sólida é como construir um castelo na praia. A areia irá se desfazer e a maré subirá pelas muralhas. Então tenha certeza de que sabe nadar.

Os senhores e senhoras do salão riram com o tal comentário de Lady Elinor, todas as manhãs havia algum comentário a mais para alegrá-los. Muitas vezes era o que mais esperavam ouvir de sua lady. Willem assentiu com convicção. “Autoconfiança sem uma base sólida é como construir um castelo na praia”, repetiu em sua mente. Autoconfiança sem uma base sólida…

— Estão dispensados para os seus afazeres. Tenham um bom dia. - Lady Elinor sentou-se novamente em sua cadeira e esperou que todos se fossem, incluindo seu filho.

Ela era a última a deixar o salão pois imaginava que isso significasse algo, mesmo que não pudesse diferenciar o quê. Tudo o que ela fazia era para significar algo, uma centelha de lealdade, ordem, progresso, o que quer que inspirasse os homens que serviam sua Casa.

Há quinze anos ela era Lady, o título só passou a valer após a morte de seu esposo, Lorde Prester (o Bêbado). Morto em uma sarjeta de taverna, quão honroso. Era engraçado pensar que ele nascera na nobreza e morrera no meio das fezes enquanto ela havia nascido na sujeira e estava agora ali, governando Feastfires com seus punhos e força de vontade. Nunca desejou esse futuro grandioso, fora a filha de um comerciante, sua mãe lhe ensinou a correr atrás dos seus sonhos, a nunca desistir mesmo que tudo pareça dar errado. A roda da fortuna, uma hora em cima, uma hora embaixo. Ela sabia que destino existia, mas somente se você usa as próprias mãos para fazê-lo.

Casou-se como lorde pois era preciso, seu pai gostou da ideia, sua irmã mais velha morreu antes do casamento, ela assumiu o compromisso em seu lugar, deu à luz a um menino, seu esposo morreu alguns anos depois, ruína e caos na península das Terras Ocidentais e…

Lady Elinor. Não tinha o sangue necessário para inspirar essa devoção. Mas mesmo assim… não queria se cegar pela arrogância, construiu seu próprio título através de inteligência e lealdade, seus soldados conheciam isso e seu filho aprenderia a ser bom também.

A menos que estivesse longe demais para aprender. A carta que pedia abrigo de Lorde Lannister também pedia outras coisas. Oferecia um diálogo de pai para mãe, um lugar em Lannisporto para que Willem treinasse junto dos filhos do Lannister e uma aliança entre uma de suas sobrinhas e o garoto. Elinor fora alertada de que os leões eram uma família de oportunistas e mentirosos, que não aprovavam o rei e poderiam ter arranjado várias das revoltas em cidades grandes, como vinha acontecendo desde a última Guerra Dorne-Rochedo.

Ainda tinha muito a pensar, muito a conversar com Meistre Edmon. Feastfires não era uma fortaleza reconhecida por seu poderio militar ou fortuna, tudo o que tinham era a palavra “Incansável” escrita no pórtico na entrada para a fortaleza e a história de que eram leais, honrados e de um sangue nobre. Elinor não gostava quando diziam aquelas histórias para ela, afinal não era uma Prester de verdade e queria construir os dois pilares importantes para a sua família: militar e fortuna. Seus pais foram ricos um dia, eles conseguiram isso trabalhando. Mas como uma Lady poderia trabalhar para arranjar sua riqueza sem que isso erguesse a revolta dos camponeses e pescadores? Soldados não trabalhavam de graça, nem lutavam para defender uma Casa. Eles estavam ali mais para defender suas famílias que para servi-la. Talvez fosse esse o seu importante diferencial para a gestão de Feastfires: ela sabia o que eles pensavam pois já fora uma entre milhares de pessoas normais.




Lady Elinor e seu filho estavam em frente aos criados e ao lado dos soldados, no exato lugar em que a carruagem pararia e abriria sua porta. Era a primeira vez em anos que a Casa Prester recebia uma família mais importante que ela mesma em sua fortaleza e todos pareciam ansiosos por aquilo. Lorde Lannister trouxera sua família de navio, um dos inúmeros em sua frota no porto de Lannisporto, apenas mais uma demonstração de sua riqueza. As carruagens pintadas de vermelho exibiam os brasões do leão dourado, assim como bandeiras balançando no alto dos entalhes de ouro. Quatro cavaleiros montados e em armaduras douradas cavalgavam a frente das duas carruagens, mais oito cavalgavam atrás. Quando entraram no pequeno pátio de Feastfires, precisaram contornar a fonte para que não fossem atropelados por seu Senhor. Lorde Lannister tinha a fama de ser um homem alto e formoso, Elinor duvidava que fosse pedir a sua mão em casamento, já que o seu nome era muito inferior ao nome Lannister. E isso fora o que a incomodou mais. Meistre Edmon dissera a mesma coisa: por que Lorde Lannister deseja casar sua sobrinha com Willem?

Nada lhe foi respondido enquanto os Lannister a cumprimentavam como hóspedes e seguiam para os seus aposentos, onde poderiam trocar as roupas de viagem antes do banquete em homenagem à visita. Lady Elinor passara toda a manhã organizando os estandartes pendurados com o brasão do touro vermelho de sua Casa e o leão dourado dos visitantes. Também mandou colocar três mesas a mais no salão e velas novas em todos os candelabros e lustres. Havia flores recém colhidas e que sobreviviam ao começo do inverno, elas enfeitavam as fileiras de mesas e lareiras, todas limpas e acesas. A noite em Feastfires costumava ser fria naquela estação, não havia muitos recursos hidráulicos ou térmicos para o aquecimento das paredes e do piso, algo que ela planejava mudar quando o tesouro da família possuísse reservas suficientes. Não entraria em dívidas, nem que isso significasse um pouco de frio.

— Lady Prester, a milady esteve muito ocupada com nossa chegada, eu imagino - Lady Elia Lannister se juntou a ela em sua caminhada por entre as mesas, analisando o trabalho dos servos e se os pratos estavam todos bem lavados. Não costumavam usar tantos…

— Feastfires não recebe um convidado há dez anos, Lady Elia. Não podemos dar uma razão para isso. - Elinor disse com um tom de voz gentil e sorridente, como fora educada a fazer.

— Realmente é uma surpresa - Elia parou em frente a mesa do lorde e pousou a mão sobre a cadeira entalhada com chifres em que os lordes da fortaleza se sentavam. Hoje era o seu lugar durante os desjejuns, mas pertencia a Willem, assim que ele completasse a maioridade. - Feastfires era um lugar muito receptivo, meu pai me disse que os grandes lordes vinham até aqui durante o verão para caçar, era um lugar belíssimo.

— Ainda é, milady.

— Claro que é, eu não quis dizer… - a mulher respirou fundo - Sou péssima com as palavras, Lady Elinor… A senhora, por outro lado, parece saber exatamente o que dizer. Eu a invejo por isso.

— Só faço o que fui ensinada a fazer. Minha mãe prezava muito por minha educação. Minha e de minha irmã.

— É verdade que Lorde Prester estava prometido a sua irmã? Deve ter sido um choque assumir o compromisso com ele. Você tinha quantos anos?

— Treze - Elinor lembrou-se da viagem de barco e de sua irmã morrendo doente, sem nenhum meistre a bordo. Diziam que ela espalharia a doença para todos e que seu corpo começaria a feder antes que aportassem em Feastfires. Concordaram que uma cerimônia ao estilo das Terras dos Rios seria mais apropriada e ela foi queimada em uma estaca, flutuando nas ondas. Elinor nunca mais conseguiu pisar em um navio. - Mas o finado Lorde Prester concordou em esperar o meu sangue. Não demorou, é claro.

— Papai disse que eu me casarei com Willem - Lady Elia ergueu uma sobrancelha e sorriu, mas não havia gentileza em seus modos, apenas arrogância. Ela era cínica e a subestimava por não ser “nobre”. Elinor sempre recebera aquele tipo de lorde e lady em sua casa, nada lhe importava mais. Sabia sorrir para isso. - Ele é só um garoto.

— Eu esperava uma moça mais jovem, é verdade. - Lady Elinor riu de leve e virou as costas para Elia Lannister, a mulher ainda erguia as sobrancelhas, mas agora com irritação. - Não conseguiu um casamento antes, milady? A Casa Lannister é muito venerada, tenho certeza. Feastfires não é exatamente um lugar excitante para se viver.

— Tornarei esse lugar excitante, quando for a Lady. - Elia lhe respondeu com confiança. Ela provavelmente nunca havia lidado com os números e a administração, se soubesse de todo o trabalho que vinha com o cargo, não o desejaria. - E quanto a casamentos, eu nunca achei um pretendente que fosse digno. Willem me pareceu realmente um garoto bom.

— Ele é bom - concordou, qual mãe não concordaria? Mas Elinor sabia que seu Willem era realmente um garoto bom. - Doce, gentil, inteligente.

— Soa como um cavaleiro de canções.

— Will não é cavaleiro, muito longe disso. Sua habilidade com a espada é considerável e tem uma boa pontaria, mas mesmo assim não serviria para machucar pessoas e aceitar ordens de homens maus.

— Um coração puro, isso me alegra imensamente. Quando os homens experimentam a maldade, não conseguem se distanciar dela. Mas se Willem é mesmo tão adorável, acho que não devo mais procurar por pretendentes. - Elia resplandeceu com um sorriso de lado e os olhos azuis adoráveis de um Lannister. Seus cabelos não tinham o louro dourado, mas sim o castanho claro que lhe combinava muito bem ao rosto fino de bochechas redondas. Ela parecia belíssima, embora alguns segundos antes estivesse fatalmente cansada com a viagem e falta de sono. A mudança deixou Elinor curiosa com o que aquela moça havia aprendido de sua própria mãe. - Espero que ele goste de mim. Não me ache velha. - ela riu.

— De forma alguma. - Willem deixou seu lugar escondido por um dos pilares do salão, parecia envergonhado e ao mesmo tempo muito feliz de estar ali. Elinor nunca o vira com aquele sorriso bobo de paixão no rosto, era estranho. Um garoto doce apaixonado à primeira vista, haveria alguma coisa mais aterradora? Lady Elinor segurou-o pelos ombros e o trouxe para perto de si, protetoramente - Você é muito bonita, milady.

— Obrigada, Will - Elia novamente resplandeceu - Peço licença à Lady para me retirar ao banho, estou muito cansada para outro diálogo, lamento Lorde Willem.

— Tudo bem - ele balbuciou - Certo, mãe?

— Claro, descanse, Lady Elia.

Elia fez uma mesura e se foi, deixando mãe e filho sozinhos no Salão de Banquete. O lugar precisava de uma iluminação melhor, logo os servos viriam para acender mais velas.

— Ela é linda. - Willem suspirou. - E velha.

— Não diga algo tão indelicado de uma dama nobre como Lady Elia. - Elinor o repreendeu, mas estava feliz por ele conseguir ver por cima da névoa de seu amor jovem. - Ela é linda, sim.

— Você não gosta dela. - o filho sorriu como fazia apenas quando eles estavam sozinhos. Elinor adorava aquele sorriso, nada no mundo seria tão galante. - Dá para perceber só do jeito que você a olha.

— Eu a olho do mesmo jeito que olho as demais ladies.

— Exatamente. Você odeia todas - ele tomou seu braço para que caminhassem em direção ao pátio. Do lado de fora os guardas levavam baús e pertences dos Lannister para dentro. - Porque elas te menosprezam e você odeia isso.

— Ódio é um sentimento forte demais, eu não gosto. - Elinor tocou-lhe a ponta do nariz, mas seu filho não sorriu como costumava fazer.

— Eu não quero me casar com Elia Lannister. Ela acha que será uma Lady melhor que você, mãe, e isso é impossível.

Ela parou de caminhar e o encarou, pois estava muito surpresa com aquele elogio. Willem se tornava um homem, bem diante dos seus olhos, e ela não havia percebido até que ele a surpreendesse! Aquilo a enchia de orgulho e de medo. Algum dia ele se tornaria o Lorde que todos queriam e não precisaria mais dela. Era natural que os filhos esquecessem seus pais para criar a própria família, mas seria doloroso demais vê-lo distante. Talvez fosse permitida de continuar em Feastfires, mas apenas como uma antiga senhora viúva, paparicando netos e sendo chamada de Lady Viúva. Willem nunca a deixaria para morrer em uma torre escura e úmida, ele era atencioso demais para isso. Aquelas ideias a faziam pensar em quão firmes as bases que ela fizera para Willem eram em seu coração. Se as virtudes que ela se esforçava para passar a ele seriam preservadas, mesmo depois de sua morte. Talvez esse fosse o maior medo dos pais.

— Elia é uma Lannister e sua família tem muito prestígio, Will. Ela é uma proposta irrecusável. Estaríamos sendo presunçosos e tolos, todos nos chamariam de petulantes.

— Nosso símbolo é um touro, que nos chamem de petulantes. - Willem mordeu os lábios - Qualquer um que a visse por dez minutos saberia porquê a recusamos.

— Uma donzela na idade de Elia…

— Não seja hipócrita - novamente ela se surpreendeu. - Você não se importa com a idade dela ou com a situação dela.

— Não, mas…

— Você está defendendo ela? - Willem parou a sua frente franzindo as sobrancelhas. - Papai se casou com uma mulher sem nascimento nobre e isso foi o melhor para a Casa. Eu quero me casar com alguém que seja o melhor para a nossa Casa, também. E Elia não é. Não somos orgulhosos, nem excitantes. Feastfires precisa de estruturas sólidas antes de ser um retiro “excitante” novamente.

— Estou contente que pense assim.

— Fui criado para saber o que fazer com uma fortaleza decadente. Você me disse para olhar as coisas friamente e nunca me desesperar. Elia é linda, mas não é mais lady do que as outras. - Willem encolheu os ombros - Estou falando demais?

— Para um garoto de treze anos, sim. Deveria estar mais ocupado com espadas e ladies.

— Vou fazer um esforço. - ele sorriu daquela forma doce e ela não resistiu a acariciar seus cabelos. Era um menino bom, muito bom.




Lady Elinor ainda sentia dores de cabeça por causa do vinho do banquete na noite passada. Ela demorou a levantar da cama, o que era estranho, e as criadas a vestiram, algo mais estranho ainda. Enquanto penteava os próprios cabelos, Elinor observou sua aparência no espelho e repreendeu a si mesmo por estar sendo tão desleixada em uma ocasião importante. Mas a verdade é que ela não fora feita para receber convidados e detestava imaginar que ainda faltava seis dias para os Lannister irem embora. A maior parte do tempo os homens estariam caçando, mas Lady Elia e as filhas do atual Lorde Lannister passariam as tardes tagarelando pelo pequeno pátio ou passeando com seus cavaleiros no bosque próximo da praia. A sala de costura não era utilizada há anos, desde que ela se tornara Lady da fortaleza. Costurar se tornou uma atividade para as noites de insônia, deitada na cama. Mas afastou esses pensamentos de lamento e se censurou por estar sentindo autopiedade.

— Todos já estão no salão, milady.

Ela estava atrasada, atrasadíssima. Elinor desceu as escadas rapidamente, parando apenas para olhar o quarto de seu filho, vazio. Pelos deuses, até mesmo o garoto já havia se trocado e fazia os bons modos aos visitantes. Estava dando razão para dizerem sobre ela, para rirem de Williem. Apressou-se mais ainda.

— Lady Elinor, é perigoso correr nas escadas - Mestre Othel a segurou pelo braço antes que acabasse cruzando com seu carro de livros e balanças. Othel levava o cargo de mestre tesoureiro muito a sério e era por isso que Elinor confiava a ele as finanças de Feastfires.

Sorriu para ele e continuou andando apressadamente para o Salão de Banquetes. Os lordes e mestres já estavam ali, seus homens comuns sentados nas três mesas a esquerda e os convidados Lannister sentados nas duas mesas a direita. Eles comiam e conversavam em voz baixa, mas todas as conversas pararam quando Lady Elinor entrou para se sentar em sua mesa longa de frente para as demais. Willem estava mastigando um pedaço de pão e sorriu ao vê-la tão desconcertada e envergonhada pelo atraso. Nunca Elinor foi tão desleixada logo pela manhã.

Assim que se sentou, um criado trouxe pão e leite. Serviu-se e ergueu os olhos, ainda continuava um silêncio assustador e todos os olhos a encaravam. Seu desjejum normalmente começava sem que ela precisasse dar uma ordem para isso. Então notou que seus mestres já haviam terminado de comer e aguardavam pacientemente pelos anúncios da manhã. Aquilo a deixou ainda mais inquieta, pois não sabia como funcionava as coisas nas outras fortalezas do reino.  Levantou-se e, esboçando um sorriso alegre, apoiou-se na mesa.

A ponta de seu cabelo escapou no coque e a trança se desfez até balançar no final de suas costas. Elinor ruborizou imediatamente e provocou risadinhas da parte direita do salão, mas todos os demais continuaram sérios e pacientes.

— Mestre Podrick, os cães estão prontos para a caçada?

— Sim, milady. - Pod se levantou.

— Leve-os para o pátio e mantenha três garotos para correr junto dos cavalos, quando chegar a hora. - ela não desviou os olhos da mesa de seus mestres. - Sor Roggers, hoje está dispensado de seus serviços, Lorde Willem estará na caçada, junto de nossos convidados. Encarregue-se do treinamento junto de Julien.

— Sim, milady. - Roggers era um cavaleiro de Feastfires que, embora não tivesse feito um grande ato heróico, aprendera muito sobre a espada por vontade própria e agora parecia ser o único daquela península montanhosa. Ele não era o melhor homem para treinar Willem, mas Elinor gostava dele e Will não tinha interesse em torneios ou duelos.

— Meistre Edmon, recebemos algum corvo?

— Lady Elinor, recebemos uma mensagem de Meistre Conan em Dente Dourado, ele nos avisa que o inverno chegará em Feastfires muito em breve. Isso pode ser um inconveniente para a caçada de Lorde Lannister, já que os animais costumam se preparar previamente para essa estação.

— O momento foi infeliz, mas já estamos todos aqui. A caçada durará cinco dias, é o suficiente para que os homens aproveitem as florestas. - ela enfim olhou para o lorde e ele retribuiu o olhar com um meneio grato. Mas não havia muita simpatia em seus atos.

— Como desejar, milady. - Meistre Edmon sentou-se.

As próximas tarefas eram sobre o dinheiro e a administração de Feastfires, porém ela não queria conversar sobre isso com os convidados ali. Nunca manteve segredo dos seus planos para as pessoas na fortaleza, mas não confiava naqueles nobres sentados em seu salão. Eles a subestimavam tanto por ser mulher quanto por ser filha de um comerciante de Jardim de Cima.

— Os demais podem encontrar-me no gabinete do lorde, resolveremos os assuntos pendentes - ela sorriu - Willem, meu amor, gostaria de dizer alguma coisa?

Willem ergueu a cabeça, surpreso com aquilo. Ele normalmente nunca dizia nada aos mestres, mas agora que tinha a oportunidade, levantou-se e pigarreou antes de também se apoiar na mesa. Elinor se sentou e percebeu que isso deixou seu filho ainda mais vulnerável. Ele sabia como fazer as coisas e o que dizer, mas talvez não fosse bom em receber convidados, assim como ela.

— Não se sintam relaxados só porque estarei fora. Minha mãe os esfolará se encontrar algum de vocês descansando na sombra do nosso pátio - ele ergueu as sobrancelhas, mas algo a incomodou. Não havia sombra no pátio, apenas muralhas e uma fonte sem água. Então Willem abriu o sorriso amável e riu.

Os mestres, até então em silêncio mortal, um a um começaram a rir também e logo estavam dando tapinhas nos próprios ombros.

— Sim, jovem lorde. - Sor Roggers respondeu com o punho levantado.

Elinor demorou para terminar o desjejum, todos se levantaram para preparar a caçada, mas ela continuou mastigando o pão como se fosse uma pedra e beber o leite como se fosse gelo. Willem ficou ao seu lado, ele não tinha muito para fazer, já que os criados arrumavam as suas coisas e ele não tinha muito afeto com os cavalos, do mesmo jeito que ela. Às vezes, Elinor pensava que havia mais de si mesma no menino do que dele e isso a preocupava. Seria ruim se Willem se esforçasse para ser como ela ao invés de se preocupar em ser um bom lorde do seu próprio jeito.

— Nunca mais faça isso, por favor - ele pediu.

Os homens partiram quando o Sol alcançou um alto ponto no céu. Cães, cavalos, garotos para correr e várias flechas. Seria a primeira caçada de Willem e ele estava animado, porém não parava de olhar Lorde Lannister como se não quisesse estar ao lado do velho. Elinor observou a partida até que desaparecessem por entre as árvores. Feastfires possuía diversas torres e a menos utilizada era a do lorde. Ela percebeu que os criados haviam acabado de acender as velas, todas ainda grandes e sem sinais de fumaça pelas paredes. O gabinete do lorde cheirava a mofo e uma criada batia na almofada da cadeira do lorde, enquanto os mestres da administração da fortaleza aguardavam em pé. Elinor cumprimentou-os com um sorriso e dispensou a moça.

— Peço perdão por chamá-los até aqui, senhores.

— Não há nada a ser perdoado, milady. Nós entendemos. - Mestre Conan foi quem a respondeu.

Elinor conversou sobre as mudanças que planejava fazer, para o conforto das três senhoras Lannister que permaneceriam em Feastfires durante os próximos cinco dias. Também deu instruções para a construção do armazém no porto e para a compra de mais madeira bem acabada de Lannisporto, com o auxílio da bondade de Lorde Lannister. Quando terminaram, após dez minutos, Elinor desceu a torre do lorde e viu mais criadas indo para a torre das senhoras, onde a sala de costura estava limpa e provavelmente abrigava as entediadas Ladies Lannister. Não conseguiria ficar lá, sentada junto delas, todo o dia. Pela primeira vez em sua vida, Elinor olhou ao redor e não soube o que fazer.

Um pensamento bobo passou por sua cabeça: Willem não estava ali.

Respirou fundo e caminhou até os aposentos do meistre. Edmon estava estudando, como sempre, e assim que ela entrou ele deixou o livro e se levantou.

— Posso fazer algo pela senhora?

— Eu preciso de um livro. - Elinor observou as pilhas de livros do meistre. - Pode ser sobre qualquer coisa.

Edmon lhe entregou um exemplar das histórias sobre os antigos heróis do Rochedo, a maioria da Casa Casterly ou Lannister. Ela logo se enjoou dessa leitura, preferia alguma coisa sobre arquitetura ou números a ler sobre feitos de heróis considerados irreais. Não percebeu quando a neve começou a cair do lado de fora da janela. Seu quarto era muito calmo e acabou dormindo o que não havia descansado na noite passada. Só despertou após três horas de neve, quando uma criada entrou para trocar os cobertores por algo mais quente e pesado. A mulher pareceu tão surpresa quanto a própria Lady Elinor quando se levantou e olhou para a janela, o vidro estava esbranquiçado, mas podia ver a noite caindo. Seu estômago voltou a roncar de fome.

O inverno chegou muito mais rápido do que Meistre Edmon previra, isso arruinaria a caçada dos lordes. Esperava que Willem não estivesse passando frio.

Desceu as escadas até o pátio. As medidas contra o inverno estavam sendo tomadas por todos os lados, sem que ela precisasse ordenar.

— Eles estão voltando? - ela perguntou para o Mestre do Canil, que deveria estar junto da caçada. Ele balançou a cabeça negativamente.

— Lorde Lannister quer continuar, vim buscar capas e tendas para os homens.

Elinor olhou as nuvens no céu e os pequenos montes de neve se formando no chão.

— É melhor retornarem. Mande Willem voltar.

Ele concordou e, assim que saiu com um grupo novo de criados e suprimentos, Elinor subiu a muralha e sentou-se entre as amuradas, em um dos bancos de seus guardas. Eles se trocavam com couro por baixo da armadura, para evitar o frio. Os encarregados para aquela vigia pareciam tremer antes da noite alcançá-los. Elinor continuou, vestida com sua roupa da manhã e os cabelos desmanchados. Os soldados passavam apreensivos por ela, mas continuou ali, imóvel, olhando a estrada. Continuaria ali até que seu filho voltasse. Ordenou que limpassem a entrada da fortaleza e que servissem o jantar para as senhoras sem a sua presença.

— Milady - Sor Roggers colocou um manto grosso de lã sobre os seus ombros. - Está muito frio aqui fora, é melhor que vá para dentro.

— Estou esperando Willem, Sor. - Elinor sorriu, mas começava a sentir a dor nos membros por causa do frio. A neve não havia diminuído, seus cabelos estavam encharcados e a muralha coberta de branco.

Roggers olhou para a estrada e então sentou-se ao seu lado.

Eles continuaram a velar, até que a noite ocultasse a floresta lá embaixo e a neve ocultasse a estrada. Os soldados trocaram os brasões com madeira e fogo, os céus pararam de nevar, porém o vento começou a soprar e espalhar a neve. Elinor jurou aos deuses que continuaria sentada ali, caso devolvessem seu filho a salvo ainda naquela noite.

— É só uma noite, eles ficarão bem. - Sor Roggers se levantou.

— É a primeira caçada dele. - ela suspirou.

— Minha mãe dizia que todas as mães ficam assustadas com as primeiras vezes de seus filhos. Ela me disse isso quando eu entrei para um torneio, em Castelo de Prata. Mas não faz mal deixá-los encontrar os seus caminhos, isso só a preocupará mais, Lady Elinor.

Elinor ergueu o rosto e sorriu.

— Boa noite, Sor.

E continuou a olhar a estrada.

Elinor Prester

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Eu adorei escrever sobre a Elinor, tanto que demorei a terminar o capítulo, hahaha.
Estou sentindo falta de fichas para os Lannister e os Casterly, sei que nem todos gostam de enviar para as Casas Grandes, mas aqui vai uma lista das Casas que eu considero mais influentes:
Casterly
Lannister
Tarbeck (nenhuma ficha até agora)
Reyne
Lefford
Westerling
Hawthorne
Beijos da Mell!



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