Terra de ninguém escrita por Jotagê


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Essa história foi inspirada numa postagem feita pela autora ACCajuela, no grupo do Nyah! no Facebook. Espero que gostem! :)



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Pois é, você tem o planeta inteiro só para si, literalmente. Tudo ao seu alcance, do lícito ao ilícito: cantar Taylor Swift aos berros sem medo de ser julgado, talvez dar aquela coçadinha marota se preciso e dar uma navegada infinita pelo XVideos. Sem ninguém para assistir, apontar ou interromper com assuntos indesejados. Com tudo isso em mente, você pensa em como ser a única pessoa na Terra parece bastante divertido...

Pelos primeiros vinte minutos. Agora, três meses depois de aquele maldito vírus devastar a humanidade inteira sem aviso — deve ter sido algum caçador escroto que copulou com um orangotango na África e espalhou um vírus mortal e desconhecido por todo o mundo, certeza —, só consegue se sentir solitário e entediado. Você nem sabe mais se é um cagado por sobreviver ao vírus, ou um fodido por ser o único sobrevivente.

Sua mãe morreu, seus amigos morreram, sua namorada morreu e vocês mal conseguiram transar, merda. A maior lástima é que até seu cachorrinho Zombie morreu, mas talvez seja porque ele já tinha vinte anos nas costas, mesmo. “Tomara que ele não faça jus ao nome”, você pensa enquanto começa a se imaginar lutando contra seu pet morto-vivo. Não seria legal.

Apesar disso, o mundo à sua volta parece normal e mais vivo do que nunca. Sabe como é, sem a raça humana pra estragar tudo.

Quase nada naquele lugar remetia a um cenário pós-apocalíptico. Claro, os pombos soltavam um cantar melancólico ao sobrevoar os postes, provavelmente por não terem mais ninguém pra cagar em cima além de você. Mas, fora isso, a eletricidade funcionava normalmente, os prédios ainda estavam abertos e os carros continuavam dominando a estrada.

Mas tudo isso com um odor fétido, porque todo mundo está morto, podre e decomposto nessa porra. Nem o perfume Avon na sua bolsa consegue dar conta do fedor. Sim, aquele perfume que você roubou (bom, não é roubar se você não tem a quem pagar) do mercadinho enquanto coletava suprimentos para sair em busca de algum sobrevivente — de preferência, uma sobrevivente.

Contudo, sua bunda ainda continua colada no chão do mercadinho de tanto tempo que você passou ali, já que você é tão preguiçoso que não sai do lugar nem pra conseguir uma transadinha. Caham, mas o foco é prolongar a espécie, claro. O seu subconsciente enfim grita para que abandone o ócio e saia em sua jornada.

“Pelo amor de Deus, sai daqui e vai viver tua vida! Até o cadáver da moça do caixa tem mais vida que você e tá te julgando!”

De súbito, uma motivação vinda de sabe-se-lá-onde domina seu corpo. Você agarra a mochila surrada e a enche como pode, com o que acha que precisa e aguenta carregar, sem esquecer o mais importante: a água, o Cup Noodles e o biscoito Treloso! O Sol da manhã ainda esquentava o chão de asfalto, mas não intimidaria o último humano no mundo — caramba, isso daria um filme foda.

Você nota que as vinhas e ervas já tomaram conta da cidade de uma maneira quase sobrenatural. Em tão pouco tempo, a natureza fez mais pra deixar a cidade ecológica e colorida do que o prefeito fez no mandato inteiro. Entre gritar se havia alguém por perto e desviar de defuntos apodrecidos pelo chão, você vai perdendo as esperanças de encontrar outro sobrevivente dessa praga. Não que você seja um manézão preguiçoso de merda, mas está agindo como um.

Talvez seja melhor tirar essa caminhada para pensar um pouco mais nas opções possíveis pra continuar a espécie, certo? Você poderia tentar uma inseminação artificial... Mas precisaria de outra pessoa e provavelmente um diploma pra isso. Não seria mais fácil só foder?

Bom, o coronel Mauricio tem uma criação de gado bem grande e... Não, nem pensa nisso, seu doente!

Mas será que nenhum dos cadáveres ainda consegue... QUÊ? Para com essa porra!

É, duas verdades acabaram de ser comprovadas. Você é perturbado e a raça humana, provavelmente, vai ser extinta — ainda bem, assim ninguém vai ser amaldiçoado com esses seus genes imundos. Credo.

...

Essa busca não parece nada além de inútil. Uma tarde inteira de caminhada ininterrupta levou a outra cidade tão vazia como a anterior, e muito provavelmente, todas as outras estariam desse mesmo jeito. Suas pernas fraquejam sob o pânico iminente de imaginar que você está mesmo sozinho nesse mundo, o que o leva de joelhos ao chão, sem resistência.

Nada mais faz sentido, muito menos esconder as lágrimas que vão inundando seu rosto cada vez mais. Você torce, num restante vão de esperança, que alguém apareça para chama-lo de maricas por chorar daquele jeito, mas sabe bem que não há mais ninguém para fazer isso.

Suas lágrimas começam a diminuir vagarosamente ao ouvir uma respiração paralela à sua respiração ofegante e chorosa. Você avista uma sombra cobrir o chão sob seu corpo, uma sombra humana, e seu coração se enche de alegria e alívio só de pensar que há outra pessoa pra passar por esse inferno com você!

Ao levantar a cabeça, você encontra à sua frente a criatura mais formosa que já viu. Uma moça linda, de feições tão angelicais que parecia uma deusa enviada apenas para te salvar. Os longos cabelos ruivos dançavam graciosamente junto à melodia do vento, balançando em volta de seu rosto pálido e realçando seus lábios vermelhos. Você não se importa com o que vai acontecer dali pra frente, só quer abraça-la e ouvir que tudo vai ficar bem...

Infelizmente, eu não posso fazer isso por você. Foi necessário cravar essa seringa em seu pescoço, mas eu não espero que você entenda isso enquanto o veneno esverdeado contamina seu sangue. Sua garganta começa a fechar de imediato, enquanto você agoniza em espasmos dolorosos sobre o chão, com um líquido espumoso e sem cor saindo aos montes da sua boca.

— Finalmente! — comemoro após um longo suspiro aliviado, saboreando o prazer na sensação de dever cumprido. Sinto como se a natureza inteira também bailasse de felicidade, ao meu redor — Esse foi o último.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham apreciado a leitura! Se quiserem, podem encontrar meus outros trabalhos no meu perfil!

Não tenham medo de comentar e dar suas opiniões sobre a história! Eu não mordo e nem dou seringadas fatais nas pessoas. Só de vez em quando. ;)

Kisu! ~