Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 49
A Culpa que Carrega o Filho de Gallifrey


Notas iniciais do capítulo

Olá! ^.^

Meu avô nos deixou ontem. Conosco ficaram ótimas lembranças e uma saudade que jamais deixará de existir. Contudo, encontrei consolo e apoio vindo de ótimas pessoas! Pessoas incríveis, que tornaram tudo muito mais leve. Amo você vovô André! Jamais o esquecerei.

Agora, no capítulo dessa semana:

"Uma criatura chamada "Tormento" não pode significar boa coisa -foi o que todos pensaram. E de fato, estavam certos".



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Ofélia se pôs a chorar e Luisa fitou-a, extremamente encabulada. Adriana voltou-se para o Doutor, enquanto este juntou muito bem as duas sobrancelhas, formando um V.

O Doutor estava sem ação. Tudo ao seu redor pareceu se dissolver, como se o tempo acelerasse tanto, que fosse impossível distinguir onde estava. Por algum motivo ele sentira um imenso vazio dentro de si. Uma sensação esquisita, como se alguém estivesse junto dele durante todo o seu trajeto. Toda a sua vida havia sido monitorada de perto por alguém, alguma entidade invisível e totalmente imperceptível, causando-lhe um arrepio frio na espinha, seguido por uma sensação estranha atrás do pescoço, como se alguém estivesse respirando perto demais, resultando em um súbito eriçamento dos pelos da nuca. Tudo em um único segundo.

O Doutor balançou a cabeça, tentando se livrar de um pensamento incômodo que lhe veio à mente. Algumas lembranças, há muito tempo esquecidas, começaram a criar laços com sua memória atual, como se fossem resgatadas e postas em destaque, entre tantas outras boas lembranças. Mais do que simples arrepios e sensações estranhas: Seus pensamentos pareciam estar criando vida própria, como se pudessem responder por si próprios, e comandar o resto de seu corpo. O Doutor gemeu, caindo para trás. Luisa imediatamente correu para acudi-lo.

—Ai meu Deus! –ela gritou, assustada, tentando colocá-lo sentado. –Doutor! Doutor! Fique comigo... –ela incentivou-o, segurando-o contra seu peito. Ele havia perdido a consciência, e isso a deixara em total desespero. Mesmo assim, ela tentou se recompor e manter a calma, apesar de seus olhos discordarem, liberando cada um, uma lágrima que escorreu avidamente por seu rosto. –Por favor... Não nos deixe! Nós precisamos de você... 

“Você... Você... Você... Você...”

O Doutor acordou. Mas não estava mais na sala de ensaio. Muito menos no colo de Luisa. Ele estava em um tipo de galpão abandonado, velho, e cheio de feno por todo o chão. Era dia e não havia um som sequer em todo o lugar. Mais devagar que o normal, ele ergueu-se do chão, pondo-se em pé com dificuldade. Quando finalmente conseguiu se estabilizar, viu a sua frente uma coisa que nunca mais pensou que teria que ver de novo: Uma caixa constituída por engrenagens e tantas outras pecinhas mínimas, como um relógio. Ele caminhou até ela, com receio. Não que sentisse medo, mas cada centímetro de seu corpo parecia lutar para que ele não andasse de encontro com aquela coisa. Por fim, já quase cara a cara com o objeto, agachou-se ao seu lado e contemplou-a sem pressa. Sem conseguir se deter, sua mão adiantou-se e tocou a superfície, que imediatamente despertou as engrenagens, como se tivesse dado corda ou algo parecido. Seqüêncialmente, o Senhor do Tempo hesitou e caiu para trás, agora visivelmente assuntado. Um forte redemoinho começou a se formar, agitando toda a estrutura do pequeno galpão, e inacreditavelmente, todas as sombras que haviam no lugar começaram a se juntar, como se não fossem realmente derivadas de alguma coisa. Como se não precisassem que alguém as fornecesse. Todas entraram em colapso no centro do galpão e o Doutor levou a mão acima do rosto, protegendo-se dos destroços. Quando voltou a olhar, a pupila de seus olhos se dilatou ao extremo, quando vislumbrou o Tormento. A criatura encapuzada rodeou-o, levitando á trinta centímetros do chão. Era branca feito papel, tinha dois grandes olhos amarelos com pequenas pupila negras no centro –uma aparência um tanto doentia para um alienígena. –Tinha alguns estranhos cachos dourados, caindo por baixo do capuz negro, onde dois pequenos chifres saiam dos dois lados da cabeça. Tinha, gravado em cada lado do rosto, duas cicatrizes diferentes, muito parecidas com o formato deixado no chão pelo laço da sapatilha de Ofélia. A criatura parou á sua frente. O Doutor, ainda ao chão, não se moveu. Apenas sua respiração acelerada cortava o silencio.

Doutor? Pode me ouvir? Doutor...? —a voz de Luisa ecoou distante, por todo o galpão, ressonando como um alerta, para o Senhor do Tempo. Sem dúvida alguma, precisava escapar dali o mais rápido possível...

O que é você...?—gemeu, esforçando-se para conseguir se levantar.

O Tormento inclinou-se para ele.

Sou o fantasma do seu passado que voltou para lhe assombrar, Senhor do Tempo!—ele disse, saboreando cada palavra. O Doutor arregalou os olhos, mas naquele instante, a voz de Luisa cortou novamente o ar:

Ele vai ficar bem... Vamos fazer no três: Um, dois, três... Vai!—ele ouviu a muitas milhas dali, pouco antes de sentir o rosto todo molhado. Então finalmente voltou a si. Ao abrir os olhos, exasperado, encontrou a amiga logo a sua frente, junto com Adriana, ambas segurando um balde de água nas mãos. 

—Funcionou! –comemorou Drica.

Doutor!—Luisa atirou-se sobre ele, abraçando-o como se não se vissem há meio século. –Eu fiquei tão preocupada...

—Eu não... –ele gaguejou, com a cabeça em outro lugar. –Não! Isso não pode ser...

—O que houve? –perguntou Luisa, estranhando a reação do amigo quando ele próprio afastou-a de si. –Você não parece nada bem... –ela segurou suas mãos. –Está suando frio! Doutor... Por favor me conte: o que foi que aconteceu?

—Ofélia tinha razão –ele suspirou, baixando a cabeça. –Ele me quer.

—O quê? Como assim? O que ele poderia querer com você? –prontificou-se Luisa, olhando de Ofélia, para o amigo.

—Eu vivi muito. Mais do que todo mundo nesta sala –ele suspirou, fitando-a exausto. –Acredito que ele tenha sentido uma forte atração pela minha energia. Eu tenho muito para ele consumir, estou certo? –seus olhos fitaram Ofélia, de repente.

—Está. –ela respondeu, igualmente exaurida. –Ele o quer porque acredita ter achado a maior fonte de consumo para si. Com seus medos e traumas, ele poderia se entreter por um longo tempo... E, mesmo depois, após se saciar com você, o Tormento terá força suficiente para quebrar as barreiras que o impedem de expandir seus poderes, sair daqui por completo, partir em uma jornada pelo espaço á fora, e fazer com que toda a existência enlouqueça, com seus próprios pecados...

—Mas para quê tudo isso? –interveio Luisa, que resistia em aceitar a situação atual. –Esse tal de Tormento é um alien. Isso já deu pra notar, mas o que eu não entendo, é por que ele precisa dos nossos medos e traumas?

O Doutor fitou-a com bastante paciência e respondeu em um murmúrio.

—Ele se alimenta do nosso próprio tormento. Todo mundo já se sentiu atormentado uma vez na vida. Por diversas vezes, talvez. Situações comuns ás vezes nos fazem atiçar um certo tormento dentro de nós, mas para a filosofia pessoal dele, quanto maior a culpa, mais energia negativa fornece essa pessoa. É nessa culpa que está compactada toda a energia negativa presente em nossos corpos, e é disso que o Tormento se alimenta.

Ele quer nos jantar?—indignou-se Luisa.

—Provisoriamente, á mim. –corrigiu o rapaz. –Mas acho que eu renderia uns bons séculos de saciedade... O problema é que haverá um dia em que essa energia vai acabar e eu estarei seco. Quando isso acontecer, ele partirá em busca de mais energia, como Ofélia relatou, e causará um desequilíbrio universal. Nesse meio tempo, as pessoas que não forem consumidas, serão torturadas, tendo seus próprios medos como seus capatazes e executores pessoais.

—Isso é terrível... –murmurou Luisa, pasma. –Mas como você...?

—Ele sabe de todas essas coisas porque o Tormento está dentro da mente dele –explicou Ofélia, aproximando-se de Luisa, devagar. Ela sentou ao lado da garota e segurou sua mão. –Me desculpe por ontem...

—A culpa não foi sua... –interveio Luisa, acalmando-a. –Ofélia, eu não a julgo pelo que você fez. Você está visivelmente arrependida pelos seus atos e é isso o que realmente importa! –ela segurou de leve a bailarina pelos ombros, agora uma de frente para a outra. Uma lágrima escorreu abertamente pelo rosto de Ofélia e Luisa enxugou-a sem demora. Então, após um minuto de reflexão, comentou: –Nem mesmo sei porque eu a descriminei daquela forma... Não costumo pensar coisas ruins de uma pessoa. Muito menos á primeira vista. Não sei como isso pôde acontecer...

—É simples –o Doutor disse e todas se voltaram para ele. –O Tormento nos atraiu pra cá. É obvio que você tem grande influencia receptiva de energias. Você deve ter absorvido tudo, como uma esponja, ou uma antena parabólica, se preferir. Essa era a energia presente na casa, e não a sua própria. Você apenas repercutiu-a...

—Então eu meio que absolvi a energia e devido a isso, passei a ficar com uma aura carregada? –resumiu Luisa.

—Em resumo, é isso. –ele afirmou, já recuperado da intervenção do Tormento. –Agora, já que estamos fazendo perguntas, então tentem responder a minha: Se o Tormento me escolheu como vitima, então por que ainda estou consciente?

Imediatamente, as outras três se entreolharam com assombro, e não deu nem meio segundo para que Luisa desabasse para trás, já fora de si.

Não, não, não, não, não!—o Doutor gritou, segurando Luisa antes que sua cabeça colidisse com o chão. Então, foi a vez dele segurá-la no colo e ampará-la.

—Por que ele a escolheu agora? –indagou Ofélia, confusa. –Eu vi os pensamentos do Tormento enquanto estava interligado comigo... Ele queria você!

—Está tentando nos confundir... –o Doutor explicou, fitando cada canto escuro do aposento, com precisão. –Ele sabe que Luisa é intimamente ligada á mim... Talvez esteja tentando despertar algumas sensações ainda dormentes em meu corpo... E infelizmente, ele sabe que esse é o melhor jeito de conseguir ativá-las...

—Invadindo a mente da sua amiga? –pressupôs Ofélia.

Colocando-a em perigo.—especificou ele.

 

*    *    *

Luisa já estava fora de si há algum tempo. Assim como fora feito com o Doutor, o Tormento vasculhou sua mente á procura do lugar perfeito para executar sua tarefa. Luisa acordou em outro lugar, em um ambiente importante para ela e muito familiar á seus olhos, por assim dizer: Sua casa. Ao levantar-se do chão da sala de estar, ela se deparou com a mãe aos prantos, chorando na mesinha de canto, enquanto falava ao telefone. No trajeto até ela, a garota avistou uma carta estranha em cima do sofá. O envelope era laranja e tinha um símbolo de um cavalo alado como emblema. Luisa estremeceu quando a lembrança do desenho do animal lhe veio á tona. Isso só podia significar uma coisa:

—Mãe, que carta é essa? –ela chamou bem baixinho. Quando Sally notou sua presença, foi logo se despedindo de quem quer que fosse no telefone. Então dirigiu-se finalmente à filha:

—É do acampamento de verão do Percy. –ela explicou, enxugando os olhos já vermelhos de tão inchados.

Uma carta do acampamento?—Luisa pareceu surpresa e ao mesmo tempo desconfiada. -Nós não recebemos notícias do acampamento desde...

—Desde a carta de recomendações que dizia que nós nunca deveríamos interferir ou tentarmos nos comunicar... –completou a mãe. Sally não agüentou e sentou-se na cadeira mais próxima, com o coração apertado.

Mãe...?—a menina segurando suas mãos, já também com os olhos cheios de lágrimas, pressentindo algo de ruim. O Doutor tinha razão: Luisa costumava ser muito receptiva sobre as emoções dos outros. Ela não era capaz de ver uma pessoa triste sem acabar sofrendo junto. –O que aconteceu? 

Houve um ataque... –Sally soluçou. –Foi de noite. Ninguém estava preparado... Creio que também ninguém tenha sentido nada.

Então ele...?—Luisa caiu de joelhos no chão. Lágrimas escorreram livremente pelos cantos de seus olhos. –Mãe, por favor! Por favor, não me diga que algo aconteceu á ele! Por favor! MÃE!

—Eu sinto muito filha... –Sally afundou-se nas lágrimas, segurando Luisa pelos braços. –Eles enviaram um telegrama... Acabou.

Não...—Luisa gemeu em desespero, balançando-se de frente para trás, entre os braços da mãe. –Eu não quero esquecê-lo! Eu não quero esquecê-lo!

Mas nós iremos... Você sabe que sim. –a mãe interveio inesperadamente. De repente, de onde Luisa imaginou que viria um apoio, veio uma pontada insensível nas costas: E de sua própria mãe! Luisa ergueu-se de um salto, afastando-se de imediato de Sally, com o braço trêmulo na frente dos lábios.

Você não é minha mãe! Minha mãe nunca diria uma coisa dessas! —relutou, apertando as mãos contra a própria cabeça, tornando a chorar. A mãe ergueu-se do sofá, agora com as feições mais duras do que nunca. Ela caminhou até a direção da menina, mas deteve-se no caminho, apanhando o porta-retrato com uma foto da filha, na época com cinco anos, junto de um menino de seis anos; ambos dentro da piscininha de encher, onde uma vez, Luisa quase se afogara.

Está vendo isso?—a mãe deu mais um passo, indicando a foto com as mãos, encurralado a filha contra a parede. Quando ela tocou na superfície do vidro que protegia a foto, a imagem do menino desapareceu, deixando apenas Luisa na piscininha de maiô, espirrando água com as mãos, sozinha. –Não há mais nada para se lembrar... Ele não faz parte do nosso convívio. Por que chorar por uma pessoa cuja você só teve contato quando ainda nem era capaz de se lembrar direito das coisas?

Luisa segurou o choro, então respirou fundo: não se renderia tão facilmente. Devagar, a garota tomou fôlego e brandiu com todas as forças que lhe restavam:

Porque um dia ele fez parte da minha vida, e se tornou importante pra mim!

Seu grito de persistência e esperança varreu o inimigo para longe, desfigurando todo o cenário ao redor. Sua abordagem fora inteligente, mas infelizmente, isso também acabou com ela. Daqui para frente, ela estaria completamente á mercê do Tormento.

Luisa e a mãe reapareceram, já com uma conversa engatada, agora no jardim da casa:

—A propósito, minha querida... –falava Sally. –Eu já comentei que eu e seu pai vamos nos separar, não é?

Separar?—ela perdeu o chão pela segunda vez. –Por quê?

—Porque ele não dá mais notícias e eu estou merecendo coisa melhor... –Sally balançou os cabelos jovialmente.

—Mas mãe... É do papai que estamos falando! Vocês dois se amam incondicionalmente... Você sempre diz isso!

Eu tenho a vida inteira pela frente, piralha!—ela gritou ameaçadora. –Você quer o quê? Que eu fique esperando por ele pelo resto dos meus dias? Falando nisso, eu estou com ótimas idéias para uma vida nova... E espero, francamente, que você também não dê de ficar mais no meu caminho!

Com esse desfecho rude, Luisa foi cair em outro lugar: Estava na casa de sua prima Maria Jackson e esta, que sempre fora tão pacífica, olhou-a com os olhos mais enraivecidos de toda a história.

Você é uma idiota! —gritou. –Achou mesmo que eu ia continuar acobertando você e aquele inconseqüente do Doutor? Sarah Jane tinha razão sobre vocês dois! Vocês não prestam!

Maria! Prima... Não faça isso... Você não é assim! —Luisa cambaleou para trás.

Eu sempre fui assim! Foi você que sempre foi cega de mais para poder enxergar esse meu lado! —retrucou a outra, com agressividade. –Eu sempre te apoiei... Sempre te ajudei. E esse é o agradecimento que recebo? Eu quero mais é que vocês dois entrem naquela cabine azul e sumam de vista para sempre!

Outro lugar se formara ao seu redor, e desta vez, Luisa estava sentada em uma mesinha de lanchonete, junto de Ned, agora como seu atual namorado.

—O que eu não consigo entender... –ele falava agitado, como se já estivessem lá sentados conversando há horas. –É como você pode ter me trocado por aquele cara!

—Eu não troquei ninguém! –Luisa defendeu-se. –Ned. Eu juro! O Doutor e eu já passamos daquela fase. Agora nós dois somos só amigos...

Mas eu sei de tudo o que você fez com ele!—ele gritou, socando a mesa, revoltado. –Acha mesmo que eu vou acreditar que todos aqueles beijos e abraços de vocês dois não significaram nada?

Ned, pelo amor de tudo o que é sagrado nessa vida! Eu estou confusa... –ela soluçou, sentida, cobrindo o rosto com as mãos. –Eu não sei o que deu em mim... Eu gosto de você! Gosto de verdade! –ela tentou segurar sua mão, mas ele esquivou-se dela.

Não importa mais, porque já não há mais nada entre nós!—ele disse endurecido, levantando-se para vestir o casaco. Luisa segurou seu braço, detendo-o por um segundo:

—Eu não tive culpa. Eu não tive culpa de nada! É o meu coração... –ela não conseguiu conter as lágrimas. –Sempre foi você. Desde o principio... Sempre foi você... Hoje eu sei disso!

Então porque raios você não pára de pensar nele, Luisa?—ele exigiu saber. Todos ao redor, olharam espantados para a direção do casal. –Eu acho que, ao menos, eu mereça uma resposta satisfatória!

Luisa engoliu o choro, mas mesmo assim foi difícil falar com o nó estalado em sua garganta e com o corpo todo querendo tremer. 

—Eu passei por uma fase difícil... O tempo em que meu pai se afastou e eu passei a viver só com minha mãe foi uma fase muito difícil na minha vida. E, por acaso, o Doutor estava lá quando eu precisei de apoio. Eu o conheci muito antes de você. Ele sempre foi meu melhor amigo, assim como Melissa sempre foi minha melhor amiga...

—E eu, Luisa, sou o quê? Um brinquedinho de passagem na sua vida?—ele ralhou.

Não! Você é tudo que sempre sonhei!—ela gritou desesperada, mas ele não se convenceu.

—Então como me explica tudo o que fez? Ter fugido com aquele aproveitador inconseqüente...

—Ele não é um aproveitador inconseqüente, Ned! É meu melhor amigo! –ela retrucou. -Muitas garotas têm amigos homens hoje em dia... Você devia saber que isso é mais normal do que...

Amigos, não ficantes!

—Eu e você nem éramos namorados na época! –ela gritou, irritada. –Não sei porque você fica se pegando com coisas do passado...

—Coisas que ainda ocorrem, pelo que andei sabendo... –ele retorquiu. –Vocês têm uma Máquina do Tempo! Como é que eu posso saber que naqueles minutos em que você se levantou e foi até o banheiro, você não estava na verdade, dando uma voltinha pelo Tempo e Espaço, e voltando alguns segundos depois para parecer que nada aconteceu, hein?

Ele a deixou em uma encruzilhada. Luisa suspirou, admitindo:

—Você está certo. De fato, no momento, eu estou confusa sobre os meus sentimentos... Mas vá por mim, isso é tudo uma fase. Quanto a essa sua desconfiança, só há uma coisa a se fazer: Você vai ter que confiar em mim.

—Quer saber de uma coisa...? –ele fitou-a bem amargamente nos olhos, antes de se retirar: -Eu quero mais é que aquele Doutor estúpido morra!

Novamente ela acordara em outro lugar, mas desta vez estava em pé, andando ao lado do Doutor, com um sorvete cada um, em mãos. A cena fora contínua, como a ultima com Ned, como se o Doutor e ela já estivessem caminhando junto há horas.

—O que você acha de nós irmos até Órion? –propôs o Doutor, sorridente.

—Qualquer lugar pra mim está bom... –ela sorriu, entrelaçando seu braço no dele. Quando de repente...

—CUIDADO! –tudo acontecera muito rápido. Eles estavam atravessando uma rua deserta, então um carro surgiu do nada e acelerou em sua direção. Imediatamente, o Doutor arremessou a menina longe, protegendo-a do acidente. Porém, quando Luisa (que saiu só com uns arranhões sem importância) voltou-se para trás, a cena que viu fez seu mundo desabar.

—DOUTOR! –ela correu até ele, deitado sobre o chão, desfalecido. O dono do carro fugira, dando uma arrancada no veículo, logo após atropelá-lo. –Não! Doutor... –ela chorou em cima de seu peito. O amigo ainda abriu os olhos e fitou-a por um curto intervalo de tempo.

—Ai... –ele gemeu baixinho, passando a mão quase sem forças, sobre a própria barriga. Luisa imediatamente foi conferir o ferimento e se desesperou ao ver que era realmente muito grave.

—Calma... –ela acariciou-lhe os cabelos. –Temos que estancar isso aqui... Tem que parar de sangrar... –ela tirou um curativo de dentro da bolsinha que tudo tem, mas quando sua mão se aproximou do ferimento, o Doutor segurou seu pulso, acenando negativamente com a cabeça.

—Está acabado... –ele sussurrou para ela. Então, por algum motivo estranho, luzes douradas começaram a contornar-lhe os membros, como se a sua energia vital estivesse saindo para fora do corpo. –Os Senhores do Tempo tem esse pequeno truque...

Luisa foi obrigada a se afastar dele.

—Que droga é essa?

—Chama-se regeneração... Eu sempre me regenero antes de morrer. –ele explicou. –Eu já ia comentar isso com você...

—Ah é? Quando? –ela sorriu, ao mesmo tempo que uma lágrima escorreu de seus olhos. 

—Quando estivesse prestes a morrer. –ele gemeu e ela tropeçou para trás. Porém, por algum estranho motivo, poucos minutos depois a luz se apagou de repente, e o Doutor não se mexeu. Entretanto, o sangue continuou escorrendo do ferimento...

—Não! –ela abraçou-o fortemente, voltando a chorar. –Acorda! Acorda! Vamos... Acorda! Acorda, por favor... –ela resistiu muito. Não conseguia crer que ele havia falecido. Por fim, beijou-lhe a testa, em despedida. Já não havia mais o que se fazer por ele. Já não havia vida naquele corpo. A alma do Doutor que ela conhecera e amava, se esvaia dali para o além morte. Inconformada, ela chorou em silencio, inclinada sobre o corpo do amigo.

Mas foi a sombra que Melissa fez sobre ela, que a despertou daquele estado de isolamento:

—Melissa! –ela levantou-se de imediato, abraçando a melhor amiga na mesma hora. –Eu senti tanto a sua falta!

—Sentiu coisa nenhuma! –Melissa atacou-lhe, afastando-a de si com as mãos, feito uma patricinha. –Você partiu com o “pouca telha” e nem se preocupou comigo! Nem se preocupou em me avisar! Pensou o quê? Que eu não ia ligar? Mais eu ligo sim senhora! –ela rugiu, estressada.

Méli... Poxa, me desculpa!—ela pediu, mas Melissa resistiu firmemente.

—Eu te odeio! Odeio o Doutor! Odeio todos na face da Terra! E veja: graças á vocês dois, eu fiquei perdendo tempo com viagens estúpidas enquanto poderia estar pensando no meu futuro!

—Isso não pode estar acontecendo! –Luisa murmurou. –A Melissa de verdade jamais diria uma coisa dessas!

—Ah, claro! Porque agora, assim de repente, você acha que me conhece de verdade! –ela retorquiu, abrindo o jogo. –Quer saber? Some da minha frente!

—Mas Melissa... Nós sempre estivemos juntos! Somos um trio!

Então agora somo um solo!—ela retrucou. -Que você e aquele Doutor maluco se danem, porque eu tô fora!

 

*    *    *

Adriana esquentava compressas com água em uma velocidade impressionante. Ofélia apanhava toalhas e qualquer tecido que fosse considerado quente, enquanto o Doutor ouvia os batimentos de Luisa, cada segundo mais acelerados.

—E então? –perguntou Ofélia ao Doutor. –Ela vai ficar bem?

—Ainda não sei. –ele admitiu com pesar. –Contudo, estou fazendo o possível e o impossível aqui hoje, e vocês duas são as melhores ajudantes que alguém como eu poderia ter em um momento delicado como este...

—Mas você pode salvá-la, não é? –perguntou Drica, chegando com a ultima compressa de água quente, em mãos. O Doutor colocou a bacia em cima do criado mudo da cama onde a menina estava deitada, molhou uma toalha na água quente, torceu-a para tirar o excesso de água e colocou-a na testa da menina, desacordada.

—Ela é minha companheira –ele disse decididamente. –Está sob minha responsabilidade... –Drica e Ofélia se entreolharam tristonhas enquanto ele falava. –Eu tenho que conseguir!

Depois de alguns minutos em silêncio, só em observação, Drica aproximou-se do Doutor:

—Você disse à ela hoje cedo, sobre o que você sente? –ela quis saber.

—Não tive chance. –ele revelou, pensativo. –Nem tive coragem.

Drica suspirou profundamente, e pousou a mão nas costas do Doutor.

—O amor ás vezes é complicado –ela recitou. –Ele não escolhe gênero, idade, cor ou raça. O importante, no final, é amar. Ás vezes o destino acaba colocando uma pessoa em nosso caminho e nós nem sabemos direito o porquê...

—Mas eu sei muito bem porque ela está comigo –ele irrompeu inesperadamente, sem tirar os olhos da companheira. –Ela irradia esperança e alegria. Está sempre rindo... Sempre é espontânea nos momentos certos!

—Assim como você, eu presumo? –concluiu Drica. –Você procurava alguém que o entendesse... Ela procurava fugir da realidade que vivia. Até que vocês dois se completam bem...

—Tem razão. Mas eu andei pensando muito desde o episódio de ontem à noite... –ele fez uma pausa, tentando encontrar as palavras certas. –Imagino que nós nos entendemos muito bem porque compreendemos perfeitamente os sonhos e os desejos um do outro, o que nos torna bastante íntimos e inseparáveis... Talvez seja por isso que sentimos um sentimento tão forte um pelo outro. Porque meio que nos correspondemos... –ele explicou, contudo, não aprecia feliz. –Ela é sempre muito autêntica e sincera comigo...

—E isso não é bom? –insistiu Drica. –Vocês têm tudo a ver um com o outro... E ela não guarda segredos de você! Do que mais precisa para enxergar o quanto sua relação é harmoniosa?

Ele ficou quieto, sabia que não conseguiria fazer Drica entender o lado dele, porque no fundo, a verdade era dolorosa.

—Você ficou quieto de repente... Foi alguma coisa que eu disse? –ela quis saber. O Doutor se viu novamente em uma encruzilhada: poderia se abrir para ela e depois se arrepender amargamente de ter dito a verdade, ou então, ao invés disso, poderia guardar tudo á sete chaves, sem nunca tocar nesse assunto de novo, como em geral, ele sempre fazia. O Doutor não gostava de tocar nesse tipo de assunto, expondo seus sentimentos, porque no final, as pessoas nunca compreendiam seu lado com a eficácia que ele esperava, e isso acabava fazendo-o se sentir meio deslocado entre o restante da humanidade. E ele odiava se sentir deslocado, porque isso o lembrava de seu lado solitário e insano.

—Quer saber a verdade, Drica? –ele propôs e, após ela ter assentido, ele resolveu abrir o jogo de uma vez por todas: –Lembra que o Tormento quis logo me escolher desde o princípio? Sabe por que ele fez isso? –ele fez uma pausa, esperando tentativas de respostas. Como não houve nenhuma, ele prosseguiu: -Porque eu não envelheço... Eu me regenero. Isso significa que eu posso viver muito mais do que a estimativa de vida de um humano comum.

Adriana ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre o que ele disse:

Luisa sabe disso?—foi a primeira coisa que Drica pensou em dizer.

—Não. –ele afirmou. –Ainda não, mas pretendo contar pra ela um dia... O fato é que não há como um Senhor do Tempo feito eu ficar com uma humana como ela... –ele fez uma pausa, em que esfregou a mão na testa. –Especialmente porque eu sei o que acontecerá no final...

No final?—Ofélia emendou, aproximando-se dos dois. –O que isso significa?

—Significa que eu sempre consigo dar um jeito de enganar a morte e que, quando eu estiver na metade do meu trajeto, daqui a não sei quantos anos, séculos, ou sei lá, ela já não existirá ao meu lado. –ele fungou, com um brilho diferente nos olhos brilhantes. Diferente e distante. –Será que vocês conseguem se imaginar no meu lugar, por um segundo sequer, e ter a desagradável sensação de continuar seguindo em frente, enquanto todos os outros ficam para trás? Todos os seus amigos mais íntimos e paixões intensas... Imagine você ter que ver toda a relação que acabou de construir com mais alguém ficar para trás, assim de uma hora para a outra, e agir como se não fosse nada demais, porque afinal, tudo faz parte do seu cotidiano... –sua voz se tornou embargada no auge da conversa e ele teve que parar por um instante. –E depois, enquanto você é obrigado a continuar seguindo em frente com a sua vida, porque não há outra opção, você toma conhecimento de como se sente mal quanto a isso, o que te deixa louco, já que você não pode fazer nada para mudar a situação...  Já imaginaram como é se sentir dessa forma? Porque, de um modo geral, é assim que eu me sinto todos os dias!

As duas baixaram os olhos.

—Eu imaginei que não. –ele constatou. –Ás vezes é muito bom ser diferente dos demais, mas em grande parte das vezes, isso atrapalha minha vida pessoal...

—E você nunca optou por gostar de alguém da sua própria espécie? –indagou Ofélia.

—Já sim, mais isso já faz muito tempo... –ele disse, distante. –Agora não há mais nada. Houve uma guerra devastadora entre o meu povo e outro... Eu tive família e tudo mais que tivesse direito, por lá, no meu antigo planeta... Mas agora eu sou o último da minha espécie. Destinado a seguir sozinho nessa longa jornada, para todo o sempre... –ele fitou o céu pálido, através da janela. -Para pessoas como eu, a vida não dá segundas chances.

Os três ficaram em silêncio por um curto intervalo de tempo.

—Então... –Drica prosseguiu, depois de um momento de reflexão, tentando encontrar as palavras certas a serem usadas: –Você acha que tudo isso só passa de uma fase na sua vida, e que, se você tem Luisa ao seu lado hoje, amanhã pode não tê-la mais. É isso?

—É isso. –ele assentiu. –Eu já tive vários companheiros de viagem... Humanos de todos os tipos e egos, alienígenas, robôs, entidades, gêneros indecisos, um cara imortal com atração por tudo que respira...—ele brincou para descontrair: Não podia se esquecer do valente Capitão Jack Harkness. –Luisa é minha melhor amiga atualmente, agora, nessa temporada... Eu queria muito que pudesse durar para sempre, mas não há como fazer isso acontecer. E também, não posso comprometê-la. Ela só tem dezessete anos! Ainda tem o resto da vida pela frente e não pode ficar perdendo todo o seu tempo com esse velho bobo! Não! Ela é uma garota muito esperta... Uma hora dessas, ela ainda vai acordar e chegará a essa mesma conclusão, por si própria... –disse ele, cultivando esperanças. –Um dia ela ainda preferirá seguir com sua própria vida, na Terra, e logo chegará a crer que essa será a melhor decisão que ela possa ter tomado.

Adriana deu de ombros, vencida.

—É, parece que você tem razão... Eu realmente te avaliei mal, á primeira vista. –admitiu ela. –Pensei que você fosse mais um daqueles jovens apaixonados, sem coragem de admitir o amor que sentia por uma donzela, quando na verdade, estava era lutando contra um sentimento que causaria um destino difícil, para ambos os dois. É, o amor é mesmo engraçado...

O amor? —o Doutor pegou-se murmurando, então alguma coisa imediatamente lhe acendeu uma lusinha em forma de idéia dentro de seu cérebro genial: -O AMOR!

—O que tem?

Tudo que o Tormento despreza!—ele gritou, eufórico, erguendo-se da cadeira. –Sabe o que eu detesto de verdade com todas as forças? Coisas obvias! Eu falei isso ontem o dia todo, não é? Bem, isso até que faz sentido agora, porque novamente eu ignorei o obvio... Hã! Isso ainda vai virar um esporte! Ô se vai!—ele deu um tapa nas costas da cadeira, entusiasmado. –E sabem o que eu notei de mais novo? Bem, primeiramente eu notei que tenho sido um imbecil nos últimos minutos. Certo, sentimento de culpa... Eu sabia que isso ocorreria mais cedo ou mais tarde, mas fazer o quê? –ele tagarelou sem parar para respirar. –O fato principal é que uma estranha situação aconteceu conosco... E sobre o que não conseguimos parar de falar? Sobre amor! Sim! Coincidentemente um dos sentimentos que o Tormento mais despreza nessa vida. Ofélia foi a primeira a ser pega, e por quê? Por que era mais fraca? Não! A resposta certa é: Porque ela estava se sentindo sozinha no período em que a melhor amiga esteve fora. E por que eu fui pego? Porque, desde ontem à noite, andei perdido em lembranças tristes que fizeram parte do meu passado... No que resultou na preferência do Tormento em me escolher hoje cedo, já que eu tenho o maior histórico de decepções afetivas... Mas isso não importa agora! A pergunta certa a se fazer agora é: O que fez parar a investida do Tormento contra nós? No meu caso, não foi somente o balde de água fria que vocês jogaram em mim, se é o que pensam... Eu me lembro muito bem de ter ouvido a contagem regressiva pronunciada por Luisa antes da água me atingir, e por conta disso, meus sentidos já voltaram a funcionar muito antes do susto, o que claro, terminou o trabalho de me despertar das profundezas do meu subconsciente. –ele subiu em cima da mobília para chamar a atenção para o que estava dizendo. –Então, em que conclusão chegamos? Não sei! Só consigo pensar em uma coisa: Que não devo ficar triste pelo meu destino inalterável. Tenho mais é que aceitá-lo! Desde que eu sempre faça a minha Luisa voltar para casa em segurança... E é isso o que realmente importa agora!

—Tá, mas o que o amor tem a ver com tudo isso? –indagou Ofélia.

—Adriana conseguiu trazer você de volta mais cedo... Como foi que fez isso? –ele voltou-se para Adriana.

—Eu estava recitando algumas poesias para a Lia, como sempre faço durante o café, então de repente, ela saiu correndo com as mãos nos ouvidos e veio parar na sala de ensaio, onde vocês nos encontraram, pouco depois...

—E eu estaria chutando certo se dissesse que os poemas eram sobre amor?

—Eram sim. –confirmou Drica.

—BINGO! –ele gritou, não cabendo em si de tanta euforia, pulando da mobília, de volta para o chão. –Ofélia foi pega pelo desapego e solidão; Eu fui pego pela tristeza e raiva do meu próprio destino; Já a Drica foi à única que não foi pega! E adivinhem porquê...

—Adriana é completamente devota ao amor e a esperança de viver! –solucionou Ofélia. –Ela nunca foi pêga, pois ela controla perfeitamente seus sentimentos e não há energias negativas reinando sob ela...

Drica não respondeu. Apenas contentou-se em ouvi-los falar, afinal, não poderia ser feita apenas de alegrias. Ninguém poderia. Porém, seus amigos estavam empolgados demais com todas aquelas deduções, de modo que, cada minuto pareciam chegar cada vez mais perto de solucionar o mistério todo que os envolvia, e é claro que ela não iria estragar seu maior momento de glória com explicações técnicas... Poderia deixar isso para mais tarde.  

—O que nos leva a última constatação do dia... –o Doutor continuou, prendendo-lhes novamente a atenção. –O que a minha Luisa alegre e saltitante teria para conseguir gerar uma energia supostamente negativa e tão forte, que nem o meu elo psíquico é capaz de quebrar?

 Adriana deu de ombros, porém, Ofélia pareceu ter uma teoria:

—Ontem à noite... –começou; Ela parecia um pouco desconfortável ao mencionar a noite anterior, em que estivera muito rude e bisbilhoteira. –Eu me lembro claramente do Tormento ter dito à ela, através de mim, algumas coisas que a magoaram bastante e a fizeram chorar...

—Tem razão! –afirmou o Doutor. –É isso mesmo! A Luisa é um pouco insegura às vezes e, acho que tem medo que as pessoas a esqueçam de alguma forma, virando a página, e deixando-a de lado...

—Isso explica tudo! –completou Ofélia com uma palma. –Ela deve estar sonhando com um monte de situações da qual já passara por isso... Ou então, como isso é só um medo dela, o Tormento pode estar alimentando esse receio com pesadelos completamente fictícios... Eu me lembro que tinha uma centena deles enquanto estava sendo manipulada pelo Tormento. Tá aí um dos motivos de eu sempre estar de mau-humor...

—Então, se a Drica conseguiu despertá-la da prisão no seu subconsciente, talvez seja apenas uma questão de tempo até conseguirmos quebrar o efeito em Luisa!

—E despertá-la como? –indagou Drica.

—Eu tenho um plano completamente simples e eficaz... –o Doutor sorriu ardiloso. –Eu vou trazê-la de volta, entrando na mente dela.

—E você consegue fazer isso? –espantou-se Ofélia.

—Consigo. –ele garantiu. –É só vocês me prometerem que não vão contar à ela depois. Acreditem, ela me mataria se soubesse...

As duas prometeram e ele pôs a mão na massa—ou melhor, pôs a massa cinzenta para funcionar...

Em pouco tempo depois, ele estava conectado a ela. Abriu os olhos, e agora podia se ver caminhando por entre um túnel profundo, com dezenas de portas por todos os lados: as lembranças de Luisa estavam todas misturadas.

—Onde você está? Aonde? –ele perguntou a si mesmo. Por onde começaria a procurar pelo Tormento? –Ah! Bem que poderia haver uma porta com um cartaz bem grande escrito: “Área Restrita. Liberada a Entrada Somente para Pessoal Autorizado!”. –ele brincou, inquieto.

Socorrooooo!—o Doutor se sobressaltou quando uma das portas á suas costas de abriu, e Luisa saiu correndo corredor afora, segurando uma cadeira nas mãos, como se estivesse defendendo-se de algo. Imediatamente ele sorriu, dando de ombros: -Até que essa foi rápida... Luisa!

A garota voltou-se imediatamente para ele, pasma.

—Doutor? –guinchou. –O que você está fazendo aqui?

—Eu vim te visitar... –disse simpático. –Cheguei em má hora? –perguntou ao ver cinco tentáculos de uma lula gigante atravessarem a porta, na direção deles.

—Imagine. Inspeção rotineira... –ela retorquiu. –Só estou limpando alguns arquivos antigos... Nada de mais.

—Quer ajuda? –ele perguntou, ao vê-la tentar atacar um dos tentáculos da lula, com os pés da cadeira.

—Se não for dar trabalho...

—Trabalho nenhum! –ele girou a chave sônica entre os dedos e ativou-a contra a maçaneta da porta, criando uma reação em cadeia que imediatamente fez a porta de aço se fechar num baque surdo, empurrando á força os tentáculos do bicho, para dentro. Quando tudo acabou, o Doutor jogou a chave de fenda sônica para cima, apanhou-a no ar e assoprou a ponta verde, como se fosse um revolver.

—Obrigada... –Luisa enxugou a testa, deixando-se escorregar no chão com as costas grudadas na parede oposta á da porta da lula gigante.

—Foi um imenso prazer poder lhe ser útil, senhorita... –ele brincou, entendendo-lhe a mão. Ela aceitou, então franziu a testa:

—Como é que você chegou aqui?

—Eu vim de bonde.

Luisa fez cara de “Ah! Fala sério!” e pôs as mãos nos quadris.

—Tá bom... Tá bom! –ele resmungou, vencido. –Eu entrei na sua mente... Mas antes que você me encha de sermões, será que pode me dizer pra que lado o Tormento foi? Eu gostaria de ter uma boa conversa com ele...

—Está olhando pra ele –ela sorriu. O Doutor demorou a entender, então, quando a verdade veio á tona, ele arregalou os olhos, dando um passo para trás.

É você?

—Eu posso assumir qualquer forma que desejar... –ele disse, sentindo-se o tal. Desde que tenha alguma ligação com o dono da mente.

—Eu não queria falar nada, mas devo admitir que nessa você se superou...—o Doutor bateu palma. Não parabenizando-o, mas de modo cínico. –Já pensou em ser indicado ao Oscar para o papel de melhor “Cara de Pau do Ano?”, porque você está realmente merecendo...

—Muito interessante... –o Tormento avaliou-o, ainda por trás dos olhos de Luisa. –Você é esperto e muito bem humorado... Odeio pessoas assim.

—Ah, eu imagino... Os exemplos de vida são sempre os mais difíceis de digerir, não é não? –cutucou o Doutor.

—Oh sim... Atrevimento... Uma ponte para o tipo de sentimento que procuro... Não adianta esconder o jogo, Doutor, eu conheço todos os seus truques!

—Não, não... –o Doutor negou. Seus olhos faiscavam de excitação: -Esse aqui você não conhece!

Ele empurrou o Alien contra a parede e tornou a correr corredor afora, longe de seu alcance. Ele precisava parar para se recompor, mas não sabia mais como parar, nem onde parar, já que suas pernas se acostumaram com o clima de corrida, e todos os caminhos ao seu redor, eram compostos por portas... Como ele encontraria Luisa agora? E o Tormento? Como faria para se livrar dele? A resposta chegou-lhe antes da hora: Quando ele parou para respirar, deparou-se com uma porta abrindo bem devagar á meio metro de distancia dele, fazendo a madeira ranger. Ele encarou a porta por um instante, então caminhou em sua direção.

Veio a entrar no espaço que essa guardava e espantou-se com o que viu: aquele era um escritório. E adivinha que era o dono...

—Você não devia correr sozinho por aí... –alertou o Tormento, com os pés em cima da mesa. –Não sabe que há uma lula gigante á solta?

O Doutor ficou muito sério. A porta atrás de si fechou-se sozinha com um baque, e ele nem se moveu.

—O que você quer de mim? –perguntou o Doutor.

—Você sabe o que eu quero... Sei disso, porque está dentro da sua mente.

—Você sabe muito bem do que eu estou falando –insistiu o Doutor. –Não tente me enrolar...

—Hum... –o Tormento encostou-se na poltrona reclinável. –Então você acha que tem mais? Mais ainda do que querer me alimentar da sua energia e depois, da energia de todo o universo? —o Doutor não respondeu, mas manteve a pose firme. O Tormento sorriu malignamente. –Garoto esperto...

—Então é verdade –ele constatou. –Nós temos mesmo velhas contas a acertar, não temos?

O Tormento lançou-lhe um olhar de pouco caso.

—Se está se referindo ao dia que foi exilado de seu planeta... Eu devo intervir, e dizer que não tive nada a ver com a decisão tomada pelo comitê de julgamento dos Senhores do Tempo...

—Não é sobre isso –o Doutor informou. –É sobre a minha participação na grande Guerra do Tempo.

—Ah... Está falando do “dia D”?—lembrou o Tormento. –Bem, eu posso ter tido qualquer coisa a ver com isso...

—Eu sabia! -o Doutor disse com repulsa. –No fundo eu sempre desconfiei que aquela voz na minha cabeça... Aquela voz que sempre me dizia que não haveria outro jeito... Outro jeito de parar os Daleks sem destruir meu povo...

Houve um estalo e o Tormento desapareceu por detrás da mesa do escritório, então houve um segundo estalo e ele reapareceu bem á sua frente. Abriu os braços e sorriu provocativo:

—Eu sou muito bom com sugestões, não sou? O segredo é deixar a mente da pessoa totalmente livre de qualquer outra opção aparentemente razoável...

Seu filho da mãe!—o Doutor reagiu, partindo para cima dele, mas antes que pudesse alcançá-lo, ele desapareceu como fumaça no ar. –Por sua culpa eu os destruí! Por sua culpa eu estou sozinho!

—Minha culpa uma ova! –ele reapareceu ao lado de um espelho coberto, á alguns metros de distancia. –Eu apenas lhe dei as ferramentas... Você resolveu executar!

—Parecia ser a única coisa a se fazer naquele dia... –o Doutor sussurrou, ao que um lágrima escorreu em seu rosto.

—Foi a coisa certa a se fazer, não se lembra? –o Tormento tentou bagunçar a mente dele. –Não se lembra de como ficou ao saber que a guerra havia acabado?

De como fiquei? Eu fiquei arrasado! —retrucou o Doutor. –Você destruiu tudo o que eu tinha! Tudo o que os Senhores do Tempo construíram... Você desviou o curso da minha história! Por sua culpa eu os destruí e fui condenado a ser o único sobrevivente... E ter de passar o resto da minha vida sozinho.

—Eu lhe dei uma escolha e você, muito ingênuo, aderiu a ela... –interpôs o Tormento. –A culpa não é minha, se você se iludiu com a única chance que tinha...

O Doutor trincou o maxilar.

—Espere só até a Proclamação das Sombras saber que você anda violando as leis universais... –gritou o Doutor.

—Isso foi uma ameaça, Senhor do Tempo? –indagou o Tormento, adotando uma postura ainda mais sombria. –Cuidado com as palavras... Alguns dizem que elas têm poder. E de fato tem mesmo. Porque, se você pisar um só centímetro fora da linha, eu acabo com a sua amiguinha! –e puxou o tecido que cobria o espelho. Imediatamente, o Doutor prendeu a respiração quando a imagem de Luisa apareceu refletida nele, mas com uma diferença um tanto peculiar: ao invés do espelho estar refletindo sua imagem, ele tinha concentrada em seu interior a forma verdadeira da garota. A verdadeira Luisa estava presa do outro lado do espelho.

Como se fosse impulsionado por alguma coisa ás suas costas, o Doutor disparou na direção do espelho e segurou sua moldura oval prateada, procurando por algum indício daquilo ser apenas um truque para deixá-lo assustado.

—Luisa... –ele tocou o rosto dela, por cima do vidro do espelho e ela fitou-o com tamanha intensidade, como se houvesse sido desperta. A garota se movimentou. Criando conhecimento de onde estava, ela se exasperou do outro lado, tocando a superfície do espelho. Seus dedos espalmaram-se contra o vidro, assim como os dele.

—Doutor? –ela gemeu, assustada. –Me tira daqui... Por favor! Me tira daqui...

O Doutor virou-se cheio de ira, na direção do Tormento.

Você! SOLTA ELA AGORA!—ele exigiu, apontando o dedo em sua direção. O Tormento apenas sorriu.

—E acabar com toda a diversão? –semi-serrou os olhos redondos. –Eu acho que não...

—Então eu vou ter que deter você! –o Doutor ameaçou. –E não se preocupe... Desta vez eu não vou me deixar levar pela sua lábia venenosa!

—Vamos ver então! –o Tormento dirigiu-se para um armário bem largo, dentro do seu escritório. Abriu as portas com um só puxão. Espalhados por todas as prateleiras, haviam centenas e mais centenas de globos de neve. Aqueles que tem miniaturas dentro e que, ao serem agitados, provocam uma tempestade de neve falsa. Um objeto um tanto adorado pelas crianças, especialmente em épocas do Natal... O Tormento foi certeiro em um globo de neve específico. Apanhou-o e lançou-lhe um sorriso maligno na direção do Doutor. Infelizmente, foi tarde demais quando o Senhor do Tempo entendeu sua intenção.

—Não faça isso!

A criatura agitou o globo de neve e imediatamente, tudo ao seu redor se agitou, como se fosse um terremoto instantâneo. O Doutor esforçou-se em manter o espelho em segurança, mas no meio do ato, alguma coisa o desconcentrou e ele acabou perdendo a conexão com a mente de Luisa.

De repente, ele estava novamente no quarto onde Luisa repousava. Adriana e Ofélia também estavam lá, mas a situação agora era critica:

Doutor! O que está acontecendo?—gritou Drica, tentando se segurar em alguma coisa fixa no chão, enquanto tudo tremia.

—É um terremoto!—desesperou-se Ofélia. –Nunca vi um em tão grande escala... Nós vamos morrer!

—Não, não vamos! –afirmou o Doutor. –E não, isso não é um terremoto de verdade!

—Como não é? É claro que é!

—Não –o Doutor segurou-se no estrado da cama, tentando manter Luisa protegida, enquanto a casa dançava no mesmo lugar. –Eu estive dentro da mente de Luisa, falando diretamente com o Tormento! Ele provocou isso! Agitou um globo de neve dentro de seu escritório particular e de repente, tudo começou a tremer! Foi um truque para me fazer perder a concentração...

—Mas como podemos estar tremendo por causa do globo de neve?

—Estou deixando alguma coisa passar... Alguma coisa!—o Doutor fechou os olhos e lembrou-se de um trecho de sua conversa com Luisa mais cedo, antes de tudo acontecer:

“Que negócio é esse?” –perguntara Luisa.

 

“É purpurina. Com gel e corante, eu presumo...”

 

“O quê? Como pode estar nevando purpurina com gel? Que tipo de nuvem fabricaria isso?”

—BINGO! –o Doutor reabriu os olhos. Agora tudo estava mais claro do que nunca... –Nós descobrimos mais cedo que a neve que cai do céu todos os dias por aqui não é real... Isso explica o porquê!

—Como é?

O Doutor inclinou-se para frente, acompanhando o balanço que a cama fazia sob efeito do terremoto:

—É simples! Nós estamos dentro do globo de neve.


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Notas finais do capítulo

YEEEEES! PARABÉNS GAROTA DALEK! Tu acertou!!! kkkkkk Eles tavam mesmo dentro de um Globo de Neve.

Sobre o Tormento:

Eu criei esse cara aí por causa de uma época da minha vida em que estive sendo perseguida por "atormentações" diversas. Bom, elas não tinham exatamente uma forma física, como uma criatura, por assim dizer, mas eram bem cruéis. E dela surgiu essa figura aí. O Tormento.

Não sei bem, mas acho que até o fim da aventura, muitos de vocês vão alegar já terem tido alguns encontros indesejados com esse cara, pois ele está presente aqui e alí, em ecos, durante nossa trajetória. O importante, é sobreviver a ele e seguir em frente. Sempre em frente.

***

Espero que estejam se amarrando nessa aventura! É pesada sim gente... Mas fazer o que? Nem todos os aliens são bonzinhos ou "simplórios" o bastante para quererem apenas conquistar a Terra. O Tormentão aqui quer O UNIVERSO INTEIRO e tudo mais que puder atormentar. Será que ele vai conseguir o que quer? Será que o Doutor vai tirar Luisa do Espelho? Dessa vez tá tenso num nível bem complicado mesmo...


Bem, semana que vem tem continuação!

Beijos!

Ah! Deixem comentários!! :) kkkk



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