Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 48
Atormentações


Notas iniciais do capítulo

Oi galera!

Estamos pontuais hoje! ;)

Lá vai mais um capítulo pra vocês:

"Neve por toda a parte. Uma casa sem relógios, com uma anfitriã particularmente hostil. Um lugar onde não existem dias nem semanas... E os mistérios não param por aí."



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Inesperadamente, uma porta se abriu ás suas costas e o Doutor e Luisa se sobressaltaram.

—Lia! A porta estava aberta. Você não vai acreditar... –falou uma garota morena, de cabelos curtos e cacheados acima dos ombros. Suas vestes eram iguais as de Ofélia, com a principal diferença sendo apenas na cor do conjunto que era azul. Igualmente aos outros dois, ela também pareceu muito surpresa em encontrá-los por lá. –Quem são vocês?

—Ótimo! Outra bailarina... –resmungou o Doutor. –Será que vocês não sabem fazer outra coisa por aqui além de dançar?

—Doutor! –Luisa esbarrou propositalmente seu ombro no dele. –Está sendo rude.

—Estou? –ele se espantou. –Porque não era para ter soado desta forma...

—É. –Luisa mordeu o lábio por um instante, então foi logo estendendo a mão para a recém chegada. –Oi! Eu sou a Luisa. Luisa Parkinson. E esse é o Doutor! –ela apontou para o amigo ás suas costas que sorriu, erguendo uma das mãos e fazendo um tchausinho espalhafatoso.

—Olá senhorita! –ele a saudou. –Desculpe meus modos... Nunca reajo bem quando pego desprevenido!

—Tudo bem. É compreensível... –sorriu a morena. –Eu me chamo Adriana.

—Oh! Adriana... Drica! Posso te chamar de Drica, não posso? –emendou o Doutor. A garota assentiu simpática.

—Claro que pode.

Luisa voltou-se disfarçadamente para o Doutor.

—Ela me parece amigável...  

—É. Viu? Nem todo mundo é turrão por aqui... Ainda bem, pois eu ia odiar ter que chamar essa maravilha de lugar de “Terra dos Turrões”!

Luisa contorceu o rosto.

—Prometa que vai parar de ficar dando nome ás coisas... Isso já está começando a ficar irritante!

—Eu nunca deixo uma boa mania de lado –ele tocou a ponta do nariz dela. –Você devia saber disso!

Luisa acabou rindo, apesar de tentar ao máximo resistir ás bobeiras dele. O Doutor sempre conseguia tirar um sorriso dela, não importa o que acontecesse. E, infelizmente, ele era ciente disso.

—Muito bom... –o Senhor do Tempo cruzou os braços, sussurrando para Drica: –Ela não consegue resistir ao meu charme...

 -Olha!—Luisa deu-lhe um peteleco, que nem machucou para ser exato. Foi mais como uma chamada de atenção. Ele acabou rindo, Luisa lutou para segurar o riso, mas também cedeu e Drica entrou na deles, sorrindo de leve.

O momento de socialização foi interrompido, pois a porta da sala de ensaio foi aberta e a voz de Ofélia ecoou pelo ambiente.

O que ainda fazem aqui? Eu não falei para irem embora? Estou muito ocupada!—então seus olhos severos encontraram Drica e sua expressão se suavizou um pouco. –Adriana... Já voltou?

—Sim. Elas estão aqui comigo! –e Drica entregou-lhe uma caixa. O Doutor pregou os olhos no pacote no mesmo instante.

—Uh! Surpresas! Eu adoro surpresas... –ele aproximou-se de Ofélia que olhou-o com repulsa. –O que é? Um presente de aniversário? Natal? Páscoa? Halloween? Algum feriado insignificante? O que é?

—Não. É. Da. Sua. Conta. Enxerido!—ela afastou a caixa, guardando-a sob sua posse. Ofélia virou as costas e saiu andando. Ao passar por Luisa, fez questão de esbarrar nela de propósito, impulsionando-a para frente bruscamente.

—Ei! –gemeu Luisa indignada.

—Não enche! –resmungou Ofélia, sumindo de vista por um caminho escuro, deixando-os novamente para trás. Inclusive a amiga.

—Depois você diz que eu sou rude! –reclamou o Doutor para Luisa, vindo ao seu encontro. A garota fitou o caminho por onde Ofélia passou e começou a sentir, sobre ela, um misto de pena e incompreensão. Drica se adiantou para a dupla:

—Desculpem pelo comportamento de Ofélia. A Lia já foi melhor! Não a julguem pelo que vêem agora... Ela é uma boa garota. –e saiu também da sala, procurando pela amiga. O Doutor e Luisa se entreolharam propositalmente. 

—Ela deve ser uma boa garota... Dormindo, inconsciente, fora de si, talvez. –Luisa comentou. O Doutor ficou em silêncio.

—Vamos? –ele indicou o caminho e a amiga seguiu em frente, seguida por ele.

Atravessaram junto um longo percurso pela casa. Os corredores pareciam cada vez mais extensos e muito mais intermináveis. Uma vez ou outra, Luisa olhava para trás e flagrava o amigo parado, encarando alguma coisa. Ele cismou com diversas coisas durante o trajeto: rachaduras, paredes com manchas de bolor e papel de parede descolado, um vaso com desenhos que de acordo com ele pareciam olhos, e diversas pinturas em quadros. De tempo em tempo, ele parava para observar uma pintura, mas não o fazia para apreciá-la. Parecia desconfiado de algo.

—Pare! –ele gritou de repente, pela vigésima vez seguida.

Arrr! O que foi agora Doutor!?—gritou Luisa, já sem paciência. –Espero que não seja outra rachadura idiota, porque se for, eu juro que faço um buraco na parede!

—Não é outra rachadura... –ele falou desconfiado. Seus olhos mexiam de um lado para o outro, atentos a qualquer movimento inesperado, vindo da direção contrária á deles. –Já reparou nesses quadros?

Luisa aproximou-se do amigo e fitou as paredes.

—Poderia ser mais específico? Temos uma dúzia deles só nesse corredor...

—Todos eles.

—Ah! Certo. –Luisa fitou-os com muita atenção. Seus olhos varreram de uma parede à outra, bem lentamente. –Ta legal. Estou olhando...

—Já reparou o que todos eles tem em comum?  -o Doutor disse, sem mover um músculo, fitando o espaço atrás de si apenas pelo canto do olho.

—São pinturas á óleo?

—Não. –ele descordou. –Todas retratam pessoas. Não há um só quadro que seja composto somente por uma paisagem, natureza morta, ou até mesmo pintura abstrata...

—Tem razão. –Luisa reconheceu com assombro. –Há quanto tempo vem notando isso?

—O caminho todo.

—E isso deve ser importante, certo? –ela tentou captar a linha de pensamento dele. –Tá legal... O que eu não estou vendo? Alguma coisa obvia, eu presumo... –ela deduziu ao ver a cara dele. –Certo. Não me diga! Eu preciso descobrir sozinha... –ele fez um movimento de “Tudo bem, vai nessa!” com a cabeça e deixou-a pensar por si própria. –Certo. Então vamos ver: Você está pensando que... –ela começou e ele instigou-a com as mãos. -É muito intrigante alguém do século XIX ser fascinado por uma coleção tão bitolada quanto esta?

—Ah! Não, não! –o Doutor revirou os olhos. –Quer outra chance ou eu posso revelar a resposta certa?

Segura esse entusiasmo!—ela advertiu-o. –Calma que eu chego lá...

Ele pôs as mãos nos bolsos, fazendo uma careta.

O que é obvio demais para que uma pessoa normal não perceba?—Luisa falou consigo mesma, dando uma outra olhada em geral. Ela deu uma voltinha e encarou o amigo insistentemente.

—Quer tentar telepatia? –sugeriu ele. Luisa fitou-o na mesma hora.

—E deixar você vasculhar minha mente? Essa é boa! Você me contou que tem poderes psíquicos! E eu vi o que você fez com a Princesa Isabel... Acha que eu vou cair nessa?

—Desculpe. –ele desviou os olhos, meio sem jeito. -Acho que foi uma idéia meio infeliz... E impertinente.

—É, foi sim. Com certeza... –ela alisou o terno que ele usava, com as mãos, depois abriu um sorriso. –Mas tudo bem. Eu ainda tenho uma chance!

—Não se vanglorie muito... Eu estou sempre contando pontos, lembra?

—Como poderia esquecer? –ela sorriu. Então, inesperadamente, uma idéia lhe atingiu a cabeça. -Esquecer... –ela sussurrou. –O que eu não estou vendo... Espera aí! Ver!—ela ergueu a cabeça e encarou-o intensamente. –Seus olhos... O que eles vêem?—então seus poderes de Visualizadora despertaram e ela pôde ver no que o Doutor tanto pensava. Teve, num rápido vislumbre, uma visão panorâmica do lugar e pôde rever em vários fleches, tudo o que o amigo cismou em olhar pelo caminho. Só havia uma coisa em comum em todas aquelas coisas: Olhos. As rachaduras, o desenho do vaso... Todos pareciam olhos. E os quadros... As imagens neles... Tinham Olhos! Olhos que pareciam te acompanhar, conforme você atravessava o corredor. Em todos os lugares, pareciam observá-los de todos as direções e ângulos possíveis! Era essa a resposta. Estavam sendo observados!

—Descobriu, não foi? –presumiu o Doutor, ao ver a reação dela.

Olhos! É isso!—ela segurou-o pelos braços. –Você suspeita que estejamos sendo obser...

Shhhhhhhhhhhh!—ele tapou a boca dela com as mãos com urgência. Depois olhou de esguelha para os quadros ao redor. Tudo estava do mesmo jeito de antes. Só então, sussurrou: -Não diga isso em vós alta! Não tenho certeza de nada, mas isso pode ser sim, uma hipótese... –ele respirou fundo, soltando os lábios dela. –Só... Fique quieta. Não deixe que percebam nosso interesse nesse assunto. Nem mesmo Ofélia e Drica podem saber. Não sabemos se elas têm algo a ver com isso... Especialmente a Ofélia.

Luisa lançou-lhe um olhar abismado.

—O que foi agora? –ele franziu a testa.

—Pensando bem... Isso parece meio paranóico da nossa parte, não é? –ela riu de nervoso, cruzando os braços. –Quero dizer: São sim um monte de olhos e coisas distintas no formato de olhos, mas o que isso tem de mais?

—Como assim “O que isso tem de mais”? São fatos!

—Já pensou na possibilidade de ser tudo coincidência ou, simplesmente, obra da nossa imaginação? O subconsciente adora pregar peças...

—O quê? –ele pôs as mãos nos quadris, indignado. –De que lado você está?

—Do seu, é claro! –ela afirmou. –Não estou te contestando. Você mesmo disse que não era nada comprovado... Que poderia ser só uma hipótese e coisa e tal...

É! Mais eu só falei isso pra não te assustar! —ele brandiu, causando um silêncio continuo entre os dois e em todo o corredor. Devagar, os dois se entreolharam significativamente.

Luisa encheu as bochechas de ar, como se prendesse a respiração ou, como se pretendesse dizer algo, mas se deteve. O amigo ergueu as sobrancelhas, fitando o lugar com assombro. Os pelos de sua nuca começaram a se eriçar subitamente.

—Eu estou toda arrepiada... –sussurrou Luisa, passando as mãos nos braços. –É impressão minha ou pintou um clima sinistro, de repente?

—Pintou um clima esquisito de repente. –ele assentiu, aproximando-se dela, na intenção de protegê-la. –Mas tudo bem... –sorriu, pondo uma das mãos nos bolsos. –Porque nós temos isso!

O Doutor puxou do bolso uma barra de chocolate. Luisa fitou o objeto, surpresa.

—O que pretende fazer com isso? “Espantar os maus espíritos com o alto teor de açúcar”?

—Não. A chave sônica estava no bolso da calça... Eu errei de bolso. –ele admitiu. –E tem mais. Uma novidade: Pela primeira vez eu estou em pânico!—os dois se entreolharam demoradamente.

—Tá bem... –a garota suspirou pausadamente. -E agora?

CORRA! —o Doutor gritou tão alto que Luisa chegou a se assustar. Saíram correndo como dois condenados. Atravessaram novos corredores com apenas alguns passos e, talvez por coincidência, ou obra do destino, eles acabaram encontrando a sala de visitas.

—Chá? –perguntou-lhes Ofélia. Sorrindo ao ver o estado esbaforido dos dois.

—Meus Deus! O que aconteceu com vocês dois? –Drica levantou-se do sofá de súbito, preocupada.

—Não se preocupe, Adriana. Eles devem ter ficado admirando a nossa coleção de obras por muito tempo... –ela sorriu sinistramente. –É o que costuma acontecer quando os espíritos sentem a presença de alguém indesejado embaixo de nosso teto...

O Doutor e Luisa se entreolharam.

—Já chega! Eu não vou ficar agüentando desaforo de você! –gritou Luisa. –O Doutor teve que segurá-la para que ela não se atracasse com a outra. Ofélia apenas sorriu e depositou a xícara no pires decorado.

—Algumas pessoas simplesmente não agüentam ouvir a verdade. –e ergueu-se do sofá. Caminhou calmamente até Luisa, mas parou á alguns passos de distância dela, e atacou: -Está cheia de medo, não está? E você não suporta isso. Sempre tenta ser inteligente perto dele, não é? –Ofélia indicou o Doutor com a cabeça. –Mas de nada isso ajuda. Você mais atrapalha que outra coisa! Nem sei porque ele escolheu você! Poderia ser qualquer outra! Você nem é especial!

Uma lágrima escorreu sob a bochecha esquerda de Luisa. O Doutor sentiu o coração dela acelerar. Alguma coisa estava subindo em seu estômago e ficando presa em sua garganta: Raiva. O Doutor não suportou ver a amiga daquele jeito:

Deixe ela em paz, Ofélia! —ordenou ele.

Ofélia! Já chega!—gritou Adriana, tentando segurá-la pelo braço, mas Ofélia desvencilhou-se tão ligeira da amiga, que essa perdeu o equilíbrio e caiu sob o sofá. Ofélia nem se importou. Continuou caminhando na direção dos dois. Sorriu de repente, e deu as costas á Luisa, desviando-se dela no último segundo. Conseguira o que queria. Deixara também, o Doutor irritado. Agora, ela já tinha um novo alvo:

—Por que você se importa? Ela não é nada! —o Doutor continuou fitando-a, paralisado de irritação. Ofélia prosseguiu: -Você está na Casa dos Espelhos, Doutor. Tudo que vê aqui é o reflexo de si próprio. Seus medos. Esperanças. Receios. Mágoas. Alegrias. Tristezas. Sua vida inteira está disposta em uma mesa como as cartas de um baralho. Todos os sentimentos estão despertos. Prontos para o ataque!—sibilou. -Tudo que você esconde. Toda a sua ira...—ela fitou o Doutor de esguelha que, conseqüentemente, afrouxou os braços ao redor do corpo da amiga. –É, Doutor. Um homem tão cheio de segredos... Um coração partido...

Ele lançou um olhar firme para ela.

Pare já com isso, Ofélia! É o meu último aviso!

—Homens como você, não me assustam... –ela sorriu zombeteira. –Diante da verdade, todos são fracos!

—Você não sabe nada sobre a verdade! –ele retrucou. –E se quer saber, se essa casa contém toda a nossa histórica, como em um reflexo, então, francamente, esse reflexo é distorcido!—ele disse cheio de si. –Porque eu amo essa garota aqui! Ela é o máximo! É a minha garota Fantástica!—ele brandiu e Luisa virou-se para encará-lo. -E nada, nem ninguém, vai fazer com que eu me esqueça disso!

Ofélia encarou-o com raiva. Seus olhos reluziram á luz fraca da iluminação.

Isso é o que veremos!—e ela mais uma vez se retirou, com o pacote que Drica lhe dera anteriormente, embaixo do braço.

Por que tínhamos que vir até aqui?—Luisa desabou, chorando no ombro dele. O Doutor abraçou-a muito forte, desta vez de frente, como de costume.

Calma... Shhh... Tenha calma... Vai ficar tudo bem... Ei... Já passou! Pronto. Tudo passa nessa vida... –ele reconfortou-a em meros sussurros diretamente em seu ouvido. A garota afastou-se devagar dele e fitou-o com o rosto todo úmido.

—Estou bem... –ela soluçou. Queria parecer forte para ele, mas daquela vez, por algum motivo específico, não estava funcionando. Ofélia a desarmara. Ela não sabia mais como esconder o que sentia.

—Não... –ele sorriu, tocando a lateral do rosto dela. -É obvio que não está.

Luisa cobriu os lábios com a mão e apertou os olhos, de modo que mais lágrimas escorreram.

—Ei... -o Doutor fitou-a, triste. Não sabia exatamente o que fazer. Queria muito poder ajudá-la, mas não sabia como. Tinha medo de que, de alguma forma, acabasse lhe machucando ainda mais. A única coisa que achou mais apropriada de se dizer foi: -Não chore. Eu não suporto vê-la sofrer...

Luisa ergueu o rosto para ele. O Doutor enroscou carinhosamente as mãos dentro de seus cabelos.

—Então, faça parar... –ela pediu. –Você sabe como fazer isso...

—Como? –ele indagou bem baixinho.

—Assim... –ela se inclinou para frente e seus lábios se chocaram. O sentimento explodiu dentro dos dois e alguma coisa dentro deles se fortaleceu. Uma chama muito forte que fez ambos não quererem mais se separar. Aquilo definitivamente conseguiu acalmar Luisa. Beijar o Doutor tinha sempre um gosto diferente. Era estranho e, ao mesmo tempo, excitante. O problema, era que aquele beijo não poderia durar para sempre. Em alguns instantes, eles teriam que parar para recuperar o fôlego, e o Doutor sabia que, quando isso acontecesse, Luisa continuaria remoendo as coisas que Ofélia dissera para ela. Por isso, quando a garota se separou alguns centímetros sequer dele, o Doutor intensificou o toque em sua cabeça e lançou ondas psíquicas para que ela dormisse. A garota adormeceu instantaneamente, escorregando em seus braços e ele a pegou no colo. Adriana ajudou-o a acomodá-la no sofá, fornecendo um travesseiro e uma manta para cobri-la. Depois os dois se sentaram sob a luz fraca da luminária e ficaram em silêncio.

—Há quanto tempo vocês se conhecem? –perguntou Drica, depois de um longo espaço de tempo. 

—Anos, dias... É complicado dizer.

—E vocês estão juntos há todo esse tempo?

Juntos como?

—Ah, você sabe... Namorando. –ela corou ao mencionar o termo.

—Eu e Luisa? –ele sorriu torto. –Qual é? Não mesmo! Nunca daria certo...

—Mas vocês se beijaram!

—Eu sei. –ele disse indiferente. –Nós sempre fazemos isso!

—E não sente absolutamente nada por ela quando o faz? –intensificou a outra, confusa.

O Doutor não respondeu.

Ará!—a outra riu. Foi a vez do Doutor corar.

—Não gosto do jeito que as pessoas aqui bisbilhotam a vida umas das outras...

—Mas você mentiu. Mentiu para si mesmo. Está na sua cara!—afirmou Drica. O Doutor pareceu preocupado.

Verdade?—ele tirou um espelho do bolso e passou a contemplar o próprio rosto. –Onde?

A garota se inclinou para lhe mostrar.

—Aqui... –ela apontou para a marca de batom nos lábios dele. –Aqui... –Apontou para suas bochechas coradas. –Aqui... –apontou para seus olhos cheios de brilho. Depois baixou o espelho, e guiou sua mão até o peito. –E aqui.

O Doutor fitou-a impressionado.

—É sempre tão intuitiva... –ele piscou algumas vezes, tentando assimilar as coisas. –Não. Não é possível. Eu não devo estar... Não! Eu não posso estar...

Apaixonado?—completou Drica.

—Apaixonado. –ele olhou Luisa por cima dos ombros.

—Mas seu coração grita isso. Grita tão alto que você transmite isso á longa distancia! –a outra emendou. –Não pode continuar negando o obvio...

O obvio?—ele ficou paralisado. –É sempre o obvio! Sempre! Sempre!—ele bateu a mão na cabeça. -Durante todo esse tempo, achei que estava deduzindo tudo o que podia enxergar, mas na verdade, eu não consegui ver o obvio... –então ele virou-se para ela, como uma criança assustada. –E o que eu faço agora que vi o obvio?

—Bem, o próximo passo a se dar... Eu presumo que seja assumir.

Eu?—ele apontou para si próprio, erguendo-se devagar do sofá. –Assumindo uma paixão? Hã! Acho que você não me conhece mesmo...

—Tem razão, eu não o conheço. Mas conheço o amor.—Drica o fez novamente se voltar para ela. –E sei que você tem medo de assumir seus sentimentos porque já sofreu muito em toda a sua jornada... Todos sofremos por amor. Você já deve ter se apaixonado alguma vez antes de conhecê-la... –ela falou e o Doutor não desgrudou os olhos dela por um minuto sequer. –Não sei qual a sua versão da história. Nem o que pode ter acontecido. Mas sei de uma coisa: se você está aqui, então é porque alguma coisa deu muito errado. –ela continuou e ele ficou pasmo. -E infelizmente, ficou tão traumatizado que tem medo que a mesma coisa se repita novamente, com ela. –e indicou Luisa no sofá, ainda inconsciente.

Como você sabe de tudo isso?

—Eu já disse... Eu conheço o amor.—Drica disse simplesmente. –Já reparou como ela sorri enquanto dorme? Com quem acha que ela está sonhando?

O Doutor ajoelhou-se ao lado do leito do sofá.

—Comigo? –ele apanhou a mão de Luisa e fitou-a significativamente, enquanto ela ainda dormia. Drica ergue-se do sofá.

—Vou deixar vocês dois a sós... –ela nem dera meio passo, o Doutor voltou-se uma última vez para sua pessoa.

—Drica! –ela atendeu ao seu chamado. –Obrigado.

—Por nada. –sorriu simplista. –Boa sorte, jovem apaixonado. -e se retirou.

O Doutor voltou-se exclusivamente para Luisa, ainda desacordada, e murmurou:

—Está vendo? Parece que eu estava errado... Engraçado você não estar aqui pra ver. Você teria adorado isso!—ele inclinou-se por cima dela e brotou um beijo em sua testa. –Espero que tenha ouvido alguma parte dessa conversa... Será difícil conseguir repercutir tudo igual á versão original, amanhã de manhã... –ele sorriu. –Mas, cá entre nós, você já sabia.

 

*    *    *

A manhã pareceu ter chegado bem depressa. Ao menos, foi o que Luisa sentiu ao acordar com o sol batendo no rosto. A noite anterior fora realmente perturbadora. Cheia de coisas estranhas e intrigantes, choros, um beijo e depois, nada além de escuridão... Ela não sabia ao todo quanto tempo dormira, mas parecia ter durado uma eternidade. Nesse meio tempo, ela teve um sonho envolvendo o Doutor, Drica e os quadros nas paredes. Foi tudo muito confuso: Num primeiro momento, Luisa estava dormindo no sofá, no outro estava parada ao lado do batente da porta, observando o Doutor e Drica conversarem juntos, sobre algo que parecia ser de grande importância. Parou de olhá-los por um momento, pois os quadros nas paredes lhe chamaram a atenção. Sem dúvidas, eram pinturas bastante intrigantes. Sem saber porque, Luisa intensificou o olhar na direção de uma em especial: era o retrato de uma garota pálida, de bochechas rosadas, rosto redondo, nariz fino e feições meigas, com os cabelos castanhos amarrados e transmitia um intrigante ar de esperteza, ao ser contemplada. Usava um vestido lilás de 1800, a cabeça estava erguida em sua direção, apesar do corpo estar meramente de lado, e tinha os olhos intensos, fixos nela. Conhecia aquele rosto de algum lugar... Tinha certeza de que lhe era familiar. Espere... Não! Não podia ser a mesma... Mas eram tão parecidas! Mesmo assim, seria loucura... Não seria? O fato era que o retrato era idêntico à de uma mulher que Luisa conhecera no Palácio São Cristóvão (o lar da Princesa Isabel). A senhorita Oswald. A mulher que conversara com ela e a fizera se reconciliar com o Doutor. O sorriso da pintura, meigo e descontraído, de repente pareceu se tornar urgente e preocupado. Luisa encarou novamente o quadro como um todo e, espantosamente, a mulher estava em outra posição: desta vez, segurava um papel com uma das mãos e apontava insistentemente para algo que estava escrito nele, com a mão que restou. Luisa inclinou-se para poder conferir a mensagem, mas acabou ficando sem fôlego com o que encontrou:

Tire-o daqui. Não importa o que faça, garota esperta. Mas tire o Doutor daqui!

Mal teve tempo de se recuperar, desviou os olhos por um instante, para checar se o Doutor continuava bem. Ele e Drica ainda estavam envolvidos em uma conversa. Quando voltou a procurar a pintura da senhorita Oswald, surpreendeu-se ao encontrar um espaço vazio na parede, onde anteriormente, estivera sendo ocupado pela moldura. Encarou o resto dos quadros e percebeu, com assombro, uma abordagem traiçoeira vinda das demais pinturas, que adquiriam formas sombrias e espectrais, com enormes bocas e braços compridos, que ameaçavam sair das telas, esticando as mãos, insistentemente, na direção de Drica e o Doutor, entretidos em sua conversa. Luisa dedicou-se, então, a tentar alertá-los á todo custo, sobre o perigo eminente. Infelizmente, sua tarefa se tornou mais desafiadora do que ela imaginou que seria. Luisa tentou gritar para eles tomarem cuidado, mas, por alguma estranha razão, o Doutor não a ouvia. Ele não moveu um só músculo, o que deixou a menina ligeiramente ansiosa. De repente, por causa de alguma coisa que Drica lhe dissera, ele ergue-se do sofá, encabulado. Luisa aproveitou a oportunidade para tentar uma nova abordagem: Colocou-se na sua frente e ficou cara a cara com o amigo. Dessa vez, não haveria jeito dele ignorá-la! Pelo menos, foi o que ela pensou... Em um primeiro momento, ele pareceu estar realmente olhando para ela, mas logo Luisa pôde constatar, que na verdade, seus olhos a estavam atravessando, como se ela não existisse. Como se não passasse de um fantasma... Mesmo assim, ela não desistiu! Acabou que, quando ele voltou a se sentar para poder prosseguir a conversa com Drica, Luisa não se conformou e tentou segurar seu braço, como ela sempre fazia, mas sua ação apenas deixou-a mais em choque, já que sua mão atravessou o membro dele. Imediatamente, ela cambaleou para trás, assustada. Encarou a mão com assombro, depois fitou a sala em geral: a cada segundo, as figuras nos quadros (também invisíveis aos outros dois), se tornavam mais fortes e começavam a sair de dentro das molduras. Então, sem mais nem menos, algo lhe chamou a atenção: A garota avistou um corpo coberto por uma manta, atrás do rapaz, novamente sentado no sofá. Luisa caminhou vacilante até o próprio corpo desacordado. Foi então que entendeu: Ela estava vendo tudo de uma perspectiva diferente, como se sua alma tivesse abandonado o próprio corpo e agora estivesse contemplando-o “de fora”. Sentiu uma vontade surreal de tocar á si mesma, como se o corpo a estive chamando de volta. Porém, quando ela já estava á apenas alguns centímetros da manta, sentiu um puxão muito forte e foi arremessada para trás. De todas as direções, várias mãos deformadas á estavam puxando para o lado oposto, tentando impedi-la de conseguir manter o vínculo com o próprio corpo. Os maus espíritos não estavam querendo deixá-la retornar e ela estava presa entre as duas dimensões... A sua versão viva e a das almasfantasmas. Ela se esquivou, lutou contra, mas foi arrastada sem dó para a direção contrária. Cada segundo longe do corpo, começou a fazê-la se sentir mais fraca. Estava prestes á perder todas as forças, quando de repente, sentiu um tranco vindo de trás e as criaturas que a estavam arrastando pararam com um urro de indignação. Alguma coisa muito forte conseguiu impediu o processo. Inesperadamente, ela sentiu sua mão direita começar a esquentar, então voltou a olhar sua forma adormecida no sofá: o Doutor estava segurando sua mão. Depois sentiu um toque delicado em sua têmpora: onde ele a estava beijando, ainda inconsciente. Aquilo foi tão forte que obrigou os maus espíritos á soltaram-na imediatamente. Deixando-os para trás, novamente revigorada, ela conseguiu correr para junto do Doutor e seu corpo no leito do sofá.

Mas, cá entre nós, você já sabia...”

Foi a única coisa que conseguiu ouvir, antes de ser atraída como um imã para junto de seu corpo. No que pareceu ser o mesmo instante, ela abriu os olhos, mas, por algum estranho motivo, já era de dia. Ela piscou algumas vezes, então começou a mexer alguns membros novamente, só para ter certeza de que tudo estava no lugar, e funcionando: foi aí, quando começou a recobrar os sentidos, que percebeu a mão direita novamente quente. Ela ergueu o corpo para frente, devagar, e deparou-se com a figura do Doutor, ainda no leito do sofá, mas desta vez estando adormecido, com a cabeça apoiada nos dois braços, segurando sua mão. Sem nem ao menos raciocinar, ela esticou a mão livre e tocou os cabelos desgrenhados dele, acariciando-os de leve. O Doutor se mexeu um pouquinho.

—Vampiros de Veneza... –ele murmurou, ainda dormindo. –Daleks em Manhattam... Ahm... Os Pond. Eu tenho que salvá-los dos Anjos que choram...

Doutor...?—a garota tocou-lhe o rosto com delicadeza, tirando o topete amassado da frente dos olhos dele. Rapidamente, a luz chegou ás suas pálpebras e o rapaz abriu os olhos castanho-esverdeados, bem lentamente.

—Oi... –ele continuava sonolento, mas sorriu de um jeito muito fofo ao perceber a presença dela. Luisa não estava totalmente recuperada da noite anterior, senão já estaria pensando em como ele ficava ainda mais encantador logo de manhã... Apesar da cara meiga que fizera ao despertar, o Doutor também não parecia estar se sentindo muito melhor. Na verdade, ele revelou estar muito mais cansado do que aparentou naquele primeiro momento, quando a garota continuou conversando com ele, e o rapaz não conseguiu alterar a cara de sono.

—Olá. –ela se esforçou para sorrir. –Bom dia!

—Já é dia? –ele também se surpreendeu. Luisa fitou-o preocupada, pois ele estava com olheiras fundas embaixo dos olhos. –Que horas são?

—Não temos relógios por aqui, bobinho! Não vai me dizer que já se esqueceu? –ela sentou-se ereta no sofá ao que o amigo ergueu-se do chão, espreguiçando-se. -Nem dias ou semanas também, pelo jeito... –ela comentou.

—Caramba! –ele bocejou. –Que noite conturbada...

—Bota conturbada nisso! –concordou Luisa. O amigo sentou-se ao seu lado no sofá. Luisa franziu a testa. –Esta noite... Você por acaso não teve um sonho atormentado, teve?

—Tive –ele afirmou, esfregando os olhos. –Não faz idéia de como me sinto exausto! Esse sono não me rendeu de nada. Pelo contrário, parece até que levei uma surra...

—Você também!? –ela fitou-o pasma. –Porque, particularmente, eu me sinto como se tivesse usado toda a minha energia...

E gastado todas as suas forças.—ele completou. –É eu sei como é isso...

Luisa arregalou os olhos para ele. 

—Não é possível! Nada disso pode ser coincidência! –ela ergueu-se do sofá com urgência. –Temos que sair daqui de qualquer forma! Nem que precisemos amarrar a TARDIS nas costas e arrastá-la de volta para casa! –o amigo ergueu-se também do sofá. –Não podemos passar nem mais um minuto nessa casa... –ela concluiu assustada.

—Eu sei como se sente... –ele caminhou até ela. –Mas não podemos sair tomando decisões precipitadas! Lembre-se de que não há probabilidade de conseguirmos voltar, sem antes descobrirmos o que fez os motores da TARDIS enguiçarem... –ele advertiu. –Precisamos ficar e descobrir o que fez a TARDIS ser atraída pra cá!

—Não, não! Isso é inadmissível! –ela deu-lhe as costas, fazendo-o acompanhá-la com o olhar. –É errado, insuportável e totalmente infantil de nossa parte, nós dois ficarmos insistindo nisso! Temos que sair daqui imediatamente! Só em uma noite conseguimos passar por todas as etapas do medo e outros sentimentos angustiantes e eu não quero ter que passar por isso de novo, está me entendendo?—ela gritou.

—Eu sei que não quer... Acredite, eu também não quero! –ele admitiu. –Eu também não estou me sentindo nada bem nesse lugar! É essa energia... Tem alguma coisa errada aqui. Alguma coisa que eu não consigo entender e que me causa arrepios só de pesar... Você acha que eu não tive vontade de sair correndo por aquela porta com você no colo ontem à noite? –ele revelou. Luisa fitou a direção que o dedo do amigo apontava, mas seus olhos se detiveram um pouco antes da porta principal.

—Doutor... –Luisa apontou para a janela ás costas dele. –Está nevando.

Nevando?—ele fez uma careta ao se virar e contemplar os pequenos flocos de neve caírem do céu. Luisa juntou-se á ele na janela. –Espere só um instante...—o Doutor destravou as dobradiças e abriu a janela de madeira, empurrando-a para cima.

Não faça isso! Vamos virar picolés em dois tempos se você mantiver essa janela aberta!—repreendeu Luisa.

—Tem certeza de que está mesmo nevando? –ele pôs a cabeça para fora da janela. –Porque não estou sentindo frio algum... E você?

Luisa parou para prestar atenção.

—Eu também não –ela reconheceu, surpresa. –Como isso é possível? A temperatura lá de fora está igual á daqui de dentro!

—E sabe o que mais não faz sentido? –ele instigou. –Essa casa é uma casa antiga e robusta, localizada em um lugar com altas temperaturas... –ele fez uma breve pausa, encarando-a. -Então por que não há nenhuma lareira aqui dentro?

Luisa fiscalizou o ambiente.

—Você acertou de novo! –ela comprovou. –Realmente não há nenhuma lareira aqui... E como pode ser possível o clima lá de fora ser igual ao daqui de dentro? Ah! Talvez seja por isso que não congelamos quando chegamos aqui pela primeira vez...

—Eu devo admitir que desconfiei que algo estivesse errado desde o principio... –ele apontou, reforçando a afirmação dela. -Você estava usando apenas um poncho, e não se queixou de frio quando pisou na neve... Desde esse primeiro momento, eu só venho me deparando com coisas estranhas...

—Se não está frio, então como pode estar nevando de verdade?—Luisa indagou.

—Tá aí uma pergunta interessante... –mais uma vez o Doutor se debruçou para fora da janela, só que desta vez, ele estendeu a mão e recolheu alguns flocos de neve que caiam em tempo real. Depois, começou a aquecer com as próprias mãos, e com a ajuda do ar quente que saía de seus pulmões, as amostras que recolhera. Luisa ficou muito atenta ao processo. Ele pretendia derreter os flocos de gelo. Porém, quando o Doutor reabriu a palma da mão, os flocos continuavam intactos. Na verdade, olhando-se de perto, nem pareciam realmente flocos...

—Que negócio é esse? –perguntou Luisa.

O Doutor cheirou o conteúdo. Então, resolveu experimentar um pouco. Depois de fazer uma careta horrível, ele constatou:

—É purpurina. Com gel e corante, eu presumo...

—O quê? Como pode estar nevando purpurina com gel? Que tipo de nuvem fabricaria isso?

O tipo de nuvem de um determinado lugar onde ninguém deseja estar... –ele disse sombrio. –Não sei quanto á você, mas me sinto como se estivesse dentro de um caldo de sopa. O caldo sozinho não tem força, mas, quando acrescentados outros ingredientes, aí sim ele pode se tornar imbatível...

—Quer dizer que estamos em um universo de caldo de sopa?  -Luisa fez uma recapitulação bem precisa.

—Quando a sopa se torna apetitosa demais, não há alma que consiga resistir á ela... –ele analisou. -Nem mesmo uma mosquinha á toa. E adivinha quais foram “as mosquinhas conquistadas pelo estômago, desta vez”?—o Doutor arregalou bem os olhos, dando uma fácil referência.

Nós?—indagou Luisa. –Quer dizer que caímos em uma armadilha?

—Não posso afirmar isso –ele constatou, pensando por um instante. –Mas posso garantir, com toda a certeza, que entramos pelo cano!

—Não acredito! –Luisa reclamou, estapeando a mão na testa. –E, conhecendo-o como eu conheço, sei que você não abandonará esse caso sem antes conseguir entender o que está acontecendo de verdade...

—Acho que você já está á bastante tempo comigo, não é? –ele sorriu. -São mesmo muitas incógnitas... Com uma quantidade tão espantosa delas, é sempre preciso ficar esperto. Á primeira vista, esse lugar tem todos os aspectos para que um cara como eu constate que nada aqui é real. Mas, como devemos sempre ignorar a primeira impressão...

Sim?—ela instigou quando o amigo afastou-se da janela em duas passadas, agarrou o primeiro casaco que seus dedos conseguiram alcançar, pendurado no porta-casaco ao lado do corredor principal, e vestiu-o sustentando um ar de mistério.

Eu aceito o caso! —e ele jogou a capa comprida do guarda-pó para trás, com muito estilo, ao mesmo tempo que lançou uma piscadela à garota e desapareceu corredor á dentro. Luisa correu atrás dele: agora que o Doutor havia definitivamente assumido o caso, ela não queria perdeu um minuto só de suas deduções. Essa parte sempre era a mais intensa e um tanto divertida. 

—E então? O que estamos procurando? Devemos estar procurando por alguma coisa certo? Todas as grandes investigações começam por pistas... –falou Luisa.

—Isso mesmo! É elementar, minha cara Luisa... –ele tirou uma lupa do bolso e fitou a garota através da lente. -E sabe o que eu sempre digo em situações como esta?

—Que devemos nos concentrar na investigação? -Luisa deu de ombros.

—Exatamente! –ele bateu de leve com a lupa na cabeça dela, e continuou a caminhar. –Então Allons-y! Vamos nessa!

—Espera! –a garota correu para poder alcançá-lo novamente. –E se for isso que o inimigo quer? E se ele estiver totalmente á espreita... Esperando para que nós o encontremos? E se for tudo parte de um grande plano maléfico?

—Não, acho pouco provável... –o Doutor fez uma careta. –É clichê demais!

Luisa fez um bico, pouco convencida.

—Quer apostar?

—Apostar o quê? Eu estou no meio de uma investigação!

—Vamos apostar uma viagem! –sugeriu Luisa. –Se eu ganhar, posso escolher o próximo lugar para onde iremos... Se você ganhar...

—Você me paga uma torta holandesa! –ele completou. Luisa riu.

—O quê?

Eu adorei aquela coisa!—ele sorriu ainda mais amplamente. Como ela poderia dizer não á aquela carinha? 

—Fechado! –os dois apertaram as mãos, num trato sério e concreto. Então, voltaram ao trabalho.

O Doutor caminhou até uma parede de madeira, onde apenas um quadro persistia. Havia uma mulher nua nele.

—Olha! –o Doutor aproximou-se na direção do quadro com tremendo interesse. Luisa franziu o nariz:

—Uma mulher nua... Grande coisa!—ela revirou os olhos, enquanto o amigo caminhava abobalhado na direção da pintura. Tudo bem que a mulher estava de perfil, portanto não havia muita coisa mesmo para se ver, mas Luisa não imaginaria uma reação tão ridícula como essa, vinda do amigo, nem em mil anos! A garota bufou, impaciente: -Por que não vamos checar aquelas portas trancadas ali na frente? Parece incrivelmente suspeito para mim...

—Parede oca... –ele murmurou, grudando a orelha contra a parede do quadro e batucando a estrutura. –Bingo!

Ele empurrou a parede e ela girou no eixo, como uma porta secreta. O Doutor olhou cheio de si para Luisa.

—O que você estava dizendo? Desculpa... Não deu pra ouvir!

—Cala essa boca! –ela riu mordiscando o lábio, ao segurar a mão dele, e juntos se infiltrarem na passagem recém-descoberta.

Adentraram em um quarto cheio de pó fino branco e teias de aranha prateadas. Por alguns instantes, apenas observaram o cômodo, atônitos. O Doutor costumava assimilar as coisas mais facilmente e em menor tempo que qualquer outro, e Luisa não se admirou com sua perspicácia quando ele fez sinal para que continuassem seguindo em frente. O rapaz tirou a chave sônica do bolso e começou a scannear o lugar. Então, quando esta encontrou a direção de um grande guarda-roupas na cor vinho, de três portas e armarinho no topo, a ferramenta sônica chiou como nunca, e os dois tiveram certeza absoluta de que sua primeira pista estaria lá.

—Vamos com calma... –ele sussurrou e Luisa assentiu, tomando cuidado para não dar um tropicão nele, no meio da escuridão. A única luz ali era a vinda do corredor, que já não servia de muita coisa agora, com a distância que haviam tomado desde o ponto inicial, na parede oca.

O Doutor caminhou até o guarda-roupas. Como se, de repente, o tempo houvesse acelerado (ou então, eram seus corações que estavam batendo cada vez mais forte), o rapaz se viu com a mão no puxador da peça talhada e robusta, como quase tudo ali. Ele respirou fundo e abriu-o com um puxão só. O resultado foi um sobressalto múltiplo, já que os dois pularam para trás com o inesperado vislumbre que tiveram: Um rosto pintado, feliz, mas de um jeito bastante incômodo, com nariz vermelho e fantasia de bobo da corte, em retalhos, inteiramente encardido: Uma marionete velha tomou-lhes a atenção.

—Ufa! Uh... É só um boneco... Uma marionete inofensiva... –suspirou Luisa, segurando o amigo pelos ombros. –Esse somos nós... Dois marmanjos, que se assustam com bonecos palhaços maltrapilhos... –ela riu de nervoso, junto dele. –Viu? Eu não falei que devíamos ter ido até as portas trancadas na extensão do corredor? Nunca siga a direção de quadros bobos!

—Nunca subestime um aviso –ele interveio. –E isso pode, de fato, querer dizer alguma coisa... Não podemos descartá-lo assim!

—É só um brinquedo bobo, Doutor! Não se deixe levar por qualquer besteirinha á toa... –ela respirou fundo. -Por que será que sempre parece que alguma coisa está tentando tirar nosso foco á todo momento? –ela insistiu, ao que o amigo olhou para alguma coisa no teto, aparentemente, invisível:

—Está mexendo com nossas mentes... –ele sussurrou, ainda mais precisamente. –Está... Procurando modos de nos atacar. Está nos testando... Testando nossas capacidades. Quer localizar nossos medos para poder manipulá-los contra nós... Excelente plano, se quer saber! Até agora, está funcionando perfeitamente...

Dá pra parar com isso!?—ela pediu, desconfortável. –Não me sinto muito á vontade com você dizendo coisas como: “estão nos testando, á procura de nossos medos”... –ela interferiu, assustada. -Quem está nos testando? 

É essa a nossa deixa!—ele revelou, astuto. Então, como que para deixá-los de cabelos em pé á valer, um grito horroroso atravessou todas as direções dentro da Casa dos Espelhos. Com a nova deixa, eles resolveram dar no pé de lá rapidinho. A marionete dentro do guarda-roupas tremeu de leve, sem abandonar o sorriso do rosto, como se a cada segundo, sua vontade de rir estivesse aumentando. 

Correram como o vento, atrás da ressonância do som do grito. Não foi difícil de encontrar a sala de ensaio, porém, o que viriam a ver a seguir testaria ao estremo seu nível de compreensão das coisas.

Lá estava, sob o chão, caído no meio do caminho, o embrulho que Ofélia carregara com sigo por todo o trajeto, desde a última intriga na noite passada. A caixa estava caída de lado, de modo que alguma coisa parecida com cetim escorria-lhe delicadamente para fora. O tecido estava disposto no chão de uma forma leve, como se formasse um desenho distinto, em grande maioria, em formas circulares. Devagar, Luisa endireitou a caixa, de modo que um par de sapatilhas rosas, novinhas em folha, apareceram por entre o delicado papel de embrulho, no interior. Luisa ficou encarando a peça por um instante, então mostrou-a ao Doutor que apenas assentiu com a cabeça. O Senhor do Tempo deixou-a com o objeto e seguiu em frente, caminhando para dentro da área de ensaio com vidraça verde transparente, e foi lá dentro que localizou Adriana em desespero, ajoelhada no chão com o peso da cabeça de Ofélia sob seu colo, completamente desacordada. O rapaz não poupou esforços; Imediatamente ele se dirigiu à menina, ajoelhando-se, como se nunca houvesse ocorrido uma desavença entre os dois, e tirou seu estetoscópio do bolso, escutando seus batimentos. Ao ver que estava tudo em ordem, ele apanhou novamente a lupa e procurou por indícios de algum tipo de coisa anormal, no corpo da menina. Esse tipo de evento sempre costumava deixar alguma marca, mancha ou qualquer vestígio sequer no corpo da pessoa, desde que estivesse lá. Essa seria sua prova final. Porém, enquanto ele checava todos os lugares descobertos pela roupa de balé (ou seja, poucos lugares), Adriana começou a soluçar.

—Foi tudo culpa minha...

—Não diga isso, Drica –ele interveio com a lupa na mão, sem tirar os olhos de Ofélia. –Como você pode ser culpada de uma coisa dessas?

—Eu não devia tê-la deixado sozinha no último verão! –ela choramingou. –Eu tive que me ausentar... Tive problemas familiares e não pude adiar a viagem... Agora tudo levou a isso!

—E foi nesse meio tempo que tudo começou a mudar? –o Doutor voltou-se para ela imediatamente, com a lupa. A garota fez que sim com a cabeça e ele prosseguiu: -Quando você disse que Ofélia já foi uma pessoa melhor... Espere só um instante! Está me dizendo que algo a fez mudar?

—Eu não sei –fungou Drica. –Eu só acho que poderia ter evitado tudo isso... É na época de solidão que as pessoas costumam se perder em si próprias...

—Acredite se quiser, eu a entendo perfeitamente, Drica. –ele segurou sua mão. –Agora me escuta: Isso não foi sua culpa. Seja o que aconteceu com ela, não tem nada a ver com você! Você é meiga! Uma garota adorável, se quer saber... E eu nunca acusaria de culpada uma pessoa com essas qualidades!

—Você é muito gentil... –Drica olhou-o bem nos olhos, sentida.

—Doutor! –a voz de Luisa ressonou no ambiente, de repente. –Ofélia está voltando á si!

Bem abaixo do rapaz, Ofélia abriu os olhos, mas uma surpresa inesperada os fez prender a respiração. Seus olhos estavam inteiramente gentis. Não havia mais nenhum vestígio de repulsa ou qualquer outro sentimento enviesado. Lá estava ela, a Ofélia dos relatos de Adriana, mas agora encarnando bem á sua frente.

—Doutor...? –ela gemeu baixinho. –Me ajude... Ele se foi! Ele... Se foi!

—Quem se foi? –o Doutor segurou-a com delicadeza, nos próprios braços. –Quem a estava controlando?

Luisa inclinou-se por cima do amigo para poder ver Ofélia pronunciar suas primeiras palavras sem que soassem rudes. Adriana não sabia se sorria de emoção ou se chorava. Ofélia nem ligou para os acontecimentos ao redor: Focou-se somente no Doutor e declamou:

O Tormento, Doutor—uma lágrima escorreu da lateral de seu rosto delicado. –Ele sabe de coisas sobre você... Coisas que o comprometerão terrivelmente! Pelo que ainda lhe vem pela frente, e sobre seu passado... —o Doutor ouvia tudo assombrado, sem conseguir passar nenhuma reação. Ofélia soluçou, mas seguiu em frente com todas as forças que ainda lhe restavam: –Ele me deixou ir porque acredita ter encontrado um adversário á sua altura! E eu sei que ele não hesitará em usar suas artimanhas para derrotá-lo.


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Notas finais do capítulo

Oi, então... Pois é, não é mentira: O vilão da vez se chama Tormento. Em breve vocês vão saber mais sobre ele.

Não me perguntem porque escolhi bailarinas para viverem nessa casa do século XIX. É Doctor Who gente! Basicamente, isso significa um monte de coisas diferentes que normalmente não teriam conexão, mas inexplicavelmente estão todas reunidas nesta devida ordem. O universo criativo quis assim... Quem sou eu para discutir?

Alguém mais reconheceu a moça do quadro? Luisa acha que sim. Ela já está começando a desconfiar...

Aquele palhaço marionete no guarda-roupas? Yep. Experiências pessoais novamente em evidencia na fic! JESUS.

A Drica deu uma bela cutucada no Doutor pra ele perceber certos sentimentos... Será que vai funcionar?

Bom... Alguma teoria gente, de onde possa ser esse lugar onde eles se encontram? O que estão achando da história até agora?

Até a próxima semana!

Beijos!!!



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