Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 38
A Filha do Marajá


Notas iniciais do capítulo

Oieeeeeeee! :3

"Festa, confusão, fogaréu, muitas emoções em um só dia... Contudo, é possível que as coisas ainda se compliquem um pouco mais para a equipe TARDIS, quando um trato lhes é proposto".



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O quarteto (contando com Nik) se entreolhou abismado. Aquele homem era muito moderno para ser um Marajá.

—Desculpe a pergunta senhor, mas está tirando uma com a nossa cara?—Melissa quis saber sem rodeios.

Olha aqui meu chapa, isso não são modos para se dirigir á um Sultão!—disse uma voz diferente, até agora não ouvida no recinto. Todos se voltaram de imediato para o pé da cadeira onde o Marajá estava sentado. Só então conseguiram vislumbrar um pequeno macaco prego, que por sinal, os encarava de uma forma sinistra. O grupo inclinou-se um pouco mais para frente, franzindo os cenhos e cerrando os olhos: Seria mesmo possível que aquele macaco... Não! Isso já seria loucura demais...

O que é que estão olhando, intrometidos!?—guinchou o macaco, desbocado, fazendo todos se sobressaltarem.

—Fala sério! O macaco também fala? –hesitou o Doutor. –Por que de repente eu me sinto dentro de um daqueles filmes infantis em que nada é realmente inanimado?

—Está reclamando do quê? Foi você que quis começar com essa “modinha de bichos falantes”! –indignou-se Melissa, dando-lhe um cutucão. –Já se esqueceu que o Nik não podia falar antes de você alterar a natureza dele?

—E eu não tenho reclamações, mestra! –interveio Nik, na conversa, babando de empolgação. –Agora não mais preciso quebrar a cabeça para dizer o que quero, sem “realmente dizer”... É o paraíso!

Melissa fitou o Doutor com seu olhar mais penetrante. O Doutor deu de ombros.

—Que foi? Pelo menos ele ficou feliz...

—E vai matar minha mãe de susto quando voltarmos para casa! Você nunca pensa nas consequen... Ai! –Melissa foi bombardeada por uma azeitona que bateu em sua testa, vinda não se sabe de onde, deixando-a meramente deslocada. Quando finalmente descobriu a direção por onde a azeitona fora lançada, seu rosto ficou vermelho de irritação: O macaco a estava fazendo de alvo. –Dá pra parar “ô coisa felpuda”? A conversa ainda não chegou aí... Eu ainda estou falando com a mula, não com suas ferraduras!

—É isso mesm... Como é? Mula?—o Doutor enrijeceu o rosto. –Ei!

—Você ás vezes é meio lerdo –atacou-o Melissa. –Você e esse macaco idiota! Não dá pra fazer ele parar de falar?

Fecha a matraca, boca grande! —riu o macaco, fazendo estardalhaço e uma porção de caretas para a menina que fechou a cara.

—Hump! Quero morrer... –reclamou Melissa, revirando os olhos.

Rá! “Boca grande...” –o Doutor exalou sem poder se conter e soltou uma gargalhada que logo foi cessada pelo olhar secante de Melissa.

—Está rindo de quê, cabeça oca?

O Doutor fechou a cara imediatamente para ela.

—Tem razão –ele concordou, deixando-a desconcertada e um tanto surpresa com sua reação positiva. –Esse macaco já está dando nos nervos! –e apontou a chave sônica na direção dele. Entretanto, no ultimo segundo, o macaco acolheu-se perto do Marajá e este fez cara de descontente.

—Não ouse atacar meu macaco! Bahu pode ser meio pentelho às vezes, mas ainda sim é meu animal de estimação e não permitirei tal insolência em minha presença! Baguan Kelie! Isso não é auspicioso...

Melissa bufou; o macaco lhe mostrou a língua, enganchado de cabeça para baixo, no alto do turbante de seu dono.

—“Pelas suas costas está valendo, então”? –murmurou Melissa, de modo que só os amigos que estavam muito próximos dela puderam ouvir sua resposta um tanto zoeira. O Marajá não aceitaria aquele tipo de comentário. Melissa teria que se controlar melhor em sua presença.

O Marajá coçou a enorme pança, fazendo-a sacolejar. Aquilo deu calafrios em Luisa.

—S-senhor... Se não for muito incômodo nos informar... –começou a menina, zelosa. –Mas, o que está acontecendo na cidade? Chanty nos informou sobre algumas supostas rebeliões... O que está acontecendo?

—Bem, já que minha querida filha mais nova não consegue controlar a língua que os deuses lhe concederam, então eu serei mesmo obrigado a lhes tirar as dúvidas –e lançou um olhar duro à filha que baixou os olhos, constrangida.

—Eu não quis dizer que Chanty... –Luisa tentou concertar, mais foi interrompida pelo homem, que inesperadamente começara a dar suas devidas explicações sem parar, como se disparasse com as palavras para que eles não conseguissem acompanhar seu raciocínio. O Doutor se empertigou ao lado da amiga. Não estava gostando nada da postura do Marajá.

—... Rés a lenda que, em várias gerações antepassadas ás de minha família, havia também uma Marajá que ficara viúvo muito cedo. Ele tivera apenas uma filha mulher. Uma vergonha para sua casta, já que são sempre apenas os filhos homens que podem abrir para os pais, ás portas do paraíso. Are Baba! Como os deuses o amaldiçoaram... Nem para ser uma Hijdra! O terceiro sexo trás muita benção, como já devem saber. Bem, esse Marajá havia perdido sua esposa, portanto estava viúvo e procurava arranjar casamento logo para sua única herdeira. Na época, a moça tinha 15 anos, idade auge para o casamento... Fora lhe proposto uma seleção, em que todos os comerciantes mais ricos da cidade enviaram seus filhos, oferecendo os mais altos dotes em seus nomes, para que a menina escolhesse seu futuro marido sem medo de acabar com um rapaz que não fosse de boa família. Isso quando ainda era admissível um filho escolher o parceiro... Que lastima! Os pobrezinhos não tinham a grande honra que tem hoje, de ter os pais para escolherem seus futuros companheiros... Eram épocas mais difíceis, aquelas!

“Hum! Mais que grade honra... Se minha mãe tentasse escolher meu noivo, eu fugia de casa”!—soprou Melissa, por entre os lábios, para que apenas Luisa ouvisse. O Marajá prosseguiu:

—... No entanto, apenas 12 noivos foram enviados. Entre eles estava o número cinco: Um rapaz de cor morena, forte e robusto, roupas luxuosas, surrupiadas do mercado é claro, e face dilacerada. É claro que ela se apaixonou de imediato por ele. Seguido disso, fez-se o casamento. O Marajá nem se deu o trabalho de pesquisar as sete gerações passadas da família escolhida, pois acreditava que a felicidade da filha vinha acima de tudo! Hoje, as moças de casta tem consciência de que, quando forem se casar, também criarão um laço matrimonial com a família do noivo. Mas, indiferente á esse fato e, voltando ao foco da nossa história: O Marajá já supunha que o casamento de sua filha seria muito abençoado pelos deuses, porém, um belo dia em que o velho homem já estava tranqüilo com o futuro da filha “já bem encaminhado” eis que a farsa fora descoberta. Um mensageiro seu de confiança, veio certa manhã lhe informar que descobrira que o rapaz na verdade era pobre, não possuía dote algum e que a filha sempre soubera disso, mas não dissera nada porque queria a desgraça do pai, já que sabia que não era verdadeiramente amada por ele, por ter nascido mulher. O Marajá ficou louco de raiva e, enfurecido com tal ousadia da própria herdeira, baniu o rapaz á pontapés de sua cidade, deixando a filha em prantos. Não pôde expulsá-la também, por mais que esse fosse seu desejo, já que ela seria sua única herdeira... Porém, ele a amaldiçoou, logo após saber que ela estava grávida, passando a maldição, do herdeiro ainda em seu ventre, para todos os seguintes herdeiros que ainda nem haviam tido seu suspiro de existência. Desde então, as almas dela e do marido Dalit estarão presas para sempre na roda de encarnações e nunca poderão se libertar, destinados a não desprenderem-se nunca desta vida terrena, renascendo inúmeras vezes, sem nunca alcançar os portões do paraíso.

Que dramático... –sussurrou Luisa para a amiga que assentiu sem levantar suspeitas.

—Por fim! –o Marajá suspirou, aparentemente já entediado de recordar o passado. –Ele a baniu.

—Como? Assim do nada? Mas... Se aquela era a única herdeira e eles eram seus antepassados... Então, quer dizer que carregam a maldição com vocês até os dias de hoje? –observou Luisa.

Nahin! Não seja estúpida! –respondeu ríspido. A menina Chanty empertigou-se ao seu lado.

—Baldi! –pediu. –Não trate assim uma moça de respeito...

—E como é que você pode saber que ela é de respeito? É um guru por acaso? –respondeu sarcasticamente para a própria filha. A menina corou com o comentário abusivo do pai. O Doutor fechou os punhos, a cada segundo parecia criar ainda mais repulsa por aquele homem.

Melissa tomou a palavra, pelo horror de todos os presentes.

—Se o senhor não carrega consigo a tal maldição, então porque ficou tão nervozinho ao ter essa hipótese mencionada?

O homem fez uma carranca e lançou-lhe um olhar reprovador, inclinando-se para frente na luxuosa cadeira feita com fios de ouro.

—Tem muita coragem pequena mulher... –ele a fitou mais atentamente. -Ou talvez, seja um tanto burra...

Ou! Ei! Calma lá vocês dois!—interpôs-se o Doutor, ficando entre o Marajá e Melissa (a pesar de já haver um bom espaço entre eles), mas de qualquer forma, melhor prevenir que remediar, não seria novidade afirmar que ambos pareciam estar com o sangue começando a subir á cabeça, fervendo nas veias. –Não podemos resolver isso sem se insultar? Eu devo admitir que também não sou muito á favor das idéias de Melissa, mas rebaixá-la dessa forma já foi longe demais...

—Doutor –chamou Melissa. O amigo voltou-se para ela de imediato. –Cala essa boca.

—Hum! Você é mesmo muito atrevida, pequena criatura... –falou o Marajá de um jeito sinistro. –Está acostumada a enfrentar qualquer um, certo? Isso significa que enfrentar um homem cheio de recursos como eu não lhe intimida nem um pouco, certo? Já era de se esperar! Posso ver isso em seus olhos... –ele disse de queixo empinado. –Contudo, é melhor começar a controlar sua língua também. Sua ousadia ainda poderá lhe custar à vida um dia...

—Dá licença! Pessoal... –interrompeu Luisa. –A pergunta ainda não foi...

—Hã! Então quer dizer que vai me deixar viver? –atropelou Melissa, voltando a falar com o Marajá, sustentando seu olhar sem fraquejar nenhum minuto. –Porque, caso não tenha percebido, “senhor concordância gramatical”, você disse “custar a minha vida um dia”, não “hoje”. Por que isso? Por acaso tem algum plano em mente? –rebateu sem medo.

—Pessoal... –Luisa pôs a mão na testa. –A maldição...

—Esperem aí vocês dois! –o Doutor interrompeu Melissa e o Marajá que se encaravam como dois Rottweilers, prontos para se matar. –Melissa, não o afronte! E você, “vossa santidade” ou sei lá como devo me portar em sua presença... Você não pode nos tratar assim! Saiba que eu sou membro do comitê dos hinduístas anônimos e vou fazer uma reclamação em seu nome! –emendou o Doutor, de uma vez só.

—Gente... –Luisa já revirava os olhos de impaciência. Quando é que alguém ia lhe dar atenção?

—Como você ousa desacatar minha autoridade! Eu mando nessa parte do planeta!

—Ah, é? E quem manda na outra parte, hum? Já que tocou no assunto, eu gostaria de saber... –o Doutor pegou-o no pulo.

—Eu... –o homem pareceu se desarmar por um instante. –Não sei... É sempre escuro lá fora... Não há nada além dos grandes muros, é o que suponho. Só há vida dentro de nossos limites...

—Tem certeza? –insistiu o Doutor. –Certeza absoluta, Marajá?

—Eu... –a confusão que lhe tomara o rosto agora dera lugar á uma revolta incontrolável e ele até se ergueu do trono, para poder gritar, esbaforido: -TIREM-NOS DO MEU PALÁCIO! QUERO QUE SEJAM EXPULSOS! JOGUE-OS FORA DOS LIMITES DA CIDADE! ELES MERECEM MORRER PELO QUE FIZERAM!

—BALDI! –guinchou Chanty exasperado. –O Senhor prometeu que não iria se exaltar!!!

—Isso foi antes destas pessoas ingratas ficarem testando a minha paciência! TIRE-OS DAQUI! JÁ DISSE!

Dois guardas apareceram com varas de metal, e o grupo foi obrigado a se aglomerar no centro do salão. Todos menos Luisa que deu um passo á frente.

—ESPEEEEEEEERA! –ela gritou, foi sua vez de se por entre os amigos e os indianos. –Vossa alteza, santidade... Ah... Bem, senhor Marajá...

Puxa Saco!—guinchou o macaco Bahu, no ombro de seu mestre.

—Ah! Fica quieto! –retrucou Luisa, irritada. –Senhor Marajá, eu gostaria de pedir desculpas em nome de meus amigos aqui... É que eles se alteraram um pouco. Bem, se não se importar de responder á minha pergunta, porque, pelo que me lembro... E o senhor irá concordar comigo, veja só: O senhor acabou de se atracar com meus companheiros... Mas eu não disse uma palavra. Eu não o desrespeitei em nenhum momento sequer... Então acho que ainda mereço algum crédito, não? –ela terminou, receosa.

O Marajá parou para pensar. Podia ser meio esquentado, mas era junto.

—Está bem. Desde que eles dois não me dirijam a palavra! –apontou para o Doutor e Melissa que fizeram caretas de protestos, logo atrás de Luisa, mas acabaram aderindo ás suas condições, já que os olhos suplicantes de Luisa informavam que aquela seria a única forma de obter as informações desejadas, agora que os dois amigos quase haviam posto tudo á perder. O marajá conteve-se na cadeira, novamente: -Qual era a pergunta mesmo? Depois desse alvoroço todo, até me esqueci...

—Bem –Luisa respirou fundo. –A maldição. O senhor é ou não é o herdeiro amaldiçoado da filha do tal Marajá da sua história?

Nahin! Não –disse ele, ainda meio azedo. –Por sorte, o velho Marajá se casou novamente, e teve uma nova leva de filhos... Não achou mesmo que ele fosse se contentar em ter as portas do paraíso fechadas para si, somente por causa da ousada inconveniência de sua filha mulher, achou?

Luisa enrubesceu com o tom zombeiro que ele usara. O Doutor não deixou barato. Ninguém mexia com Luisa daquele jeito:

Cuidado...—avisou ele por entre dentes, o sangue agora lhe subindo pela cabeça. Tentou ao máximo se controlar desta vez, não queria novamente por tudo a perder, mas aquele cara estava pedindo por um bom e velho tapa na cara.

Luisa olhou-o de soslaio, sua expressão dizia com todas as letras “Aclame-se, eu estou bem. Pode deixar que eu cuido de tudo”. O amigo relaxou um pouquinho os ombros, mas mesmo assim, seus ouvidos ainda continuavam atentos ao mínimo sinal de que a amiga estaria com problemas.

—E então? –inquiriu o Marajá, fazendo a menina se sobressaltar. –Já acabou?

—O quê? –exclamou Luisa, pega de surpresa.

—Já acabou de fazer seus interrogatórios? –o Marajá ergueu uma das sobrancelhas, desafiadoramente. –Já posso mandar meus guardas se livrarem de vocês de uma vez por todas? –um brilho diferente cintilou nos olhos do Marajá. Algo parecido com o desejo de... Diversão ás custas alheias

A garota engoliu em seco.

—Não! Tem mais... –ela recomeçou. O Marajá revirou os olhos, re-encostando-se na alta cadeira.

—Então ande logo com isso! –reclamou.

—Certo... –ela se concentrou. –O que aconteceu com o casal amaldiçoado?

—Eles nunca mais se viram... –disse o Marajá. –Viveram anos de exclusão. Durante toda a sua vida foram tratados como o pó da civilização... Todos os conheciam por onde quer que passassem, e ninguém os queria por perto...

—Meu Deus! –Luisa levou as mãos aos lábios. –Já posso imaginar qual fora a maldição que lhes fora designada...

—Isso mesmo. Eles se tornaram Dalits. Meus antepassados designaram sua raça: sem casta, sem dote, sem importância. E desde então, todos os seus descendentes são tratados como os primeiros Dalits foram tratados... Do jeito que manda a lei.

—Que lei? É uma maldição! São apenas palavras... –interveio Luisa horrorizada com a ignorância dele.

—São as palavras de um homem de alta importância. Só está abaixo dos hinduístas porque a religião vem sempre em primeiro lugar. Are Baba! Ele era um Marajá. Assim como seria com um imperador... Independente do que ele dissesse, isso se tornaria lei! —ralhou, indignado com a falta de perspicácia dela, então olhou-a mais uma vez impaciente. -Já acabou agora? Por Shiva! Vai levar o dia todo para eu conseguir me livrar de vocês?

—Baldi... –Chanty interrompeu-o, novamente. –Eu estava esperando que os deixasse ficar...

FICAR? —o homem pulou da cadeira. –Mas você perdeu o juízo? AS LAMPARINAS DO SEU JUIZO SE APAGARAM TODAS, HÃ? Você não ama a sua família? Despreza seu velho pai que lhe dá tudo o que você e seus nove irmãos desejam!

Nove—os lábios de Melissa pronunciaram sem fazer qualquer som e o Doutor arregalou os olhos, impressionado.

—Mas Baldi... Eles podem ser de grande ajuda... –ela interveio.

—Chanty... –o homem inspirou profundamente pegando em suas mãos. Foi o primeiro ato mais ou menos afetuoso que até agora o viram fazer perante á filha. –O que você tem em mente? Do que está falando? Seu Baldi tem tudo sobre controle...

—Tudo, menos o além dos muros –ela apontou e ele hesitou. Chanty conseguira tocar em seu ponto fraco: a segurança dos arredores de seu país. Chanty continuou: -Eles parecem saber algo sobre o que possa haver lá fora e... Mesmo que não o saibam, quem sabe possam nos ajudar a descobrir!

Os olhos do homem brilharam diferente. Aquilo cheirava a problemas... Para o quarteto, é claro!

—Você quer dizer... Bem, ninguém nunca se voluntariou para ir até lá... Todos têm medo do que possam encontrar, já que nenhum Dalit nunca voltou... –o homem pareceu convencer-se. O grupo murchou. Todos esperavam por qualquer coisa, menos por uma viagem sem volta, e onde todos já previam o desfecho final que esta levaria. Naquele momento, até mesmo Luisa teve vontade de discutir com Chanty. No que ela os estava metendo? O que estaria pretendendo com isso? Algo em especial...? Dar um golpe no governo do próprio pai talvez? Mostrar que as mulheres não eram assim, tão imprestáveis... Bem, libertar os Dálits de sua terrível maldição é que não devia ser... Mais que coisa! Eita povo que gosta de inventar uma maldição...

—Muito bem! –a voz firme do Marajá os trouxe de volta á órbita e o grupo novamente se viu em uma situação delicada. –Poderão ficar... Se, e somente se, descobrirem pela manhã o que há de anormal nas terras ainda não conquistadas que rondam nossa Índia...

—Estamos com um probleminha com os Gregipciomanos—explicou Chanty. –Eles dizem que à noite, alguma coisa acontece em nosso planeta. Um tipo de onda de alta freqüência parece ser disparada e transmitida espaço afora, atrapalhando o sono dos nossos vizinhos interplanetários. Nós não temos nada a ver com isso, mas quem disse que os Gregipciomanos querem ouvir? Vocês já devem ter ouvido falar neles... São bárbaros! Resolvem tudo na força bruta... –ela disse visivelmente aflita. -Nós tememos pela segurança de nosso povo! Eles querem que resolvamos tudo de uma vez ou disseram que tomarão precauções severas...

Hum-hum! Devo discordar, minha pequena Chanty, mas creio que não seja exatamente isso...—disfarçou o sultão, adquirindo um tom roxo esverdeado no rosto, ao fitar a filha. Aparentemente, Chanty havia falado demais e, como ele era muitíssimo orgulhoso, não poderia admitir algo como aquilo. –Nós não estamos em apuros, como minha filha pareceu afirmar. Apenas precisamos resolver o problema o mais rápido possível. Algumas queixas mal formuladas sobre as áreas não populadas do nosso planeta foram feitas, sem alegações maiores, e pretendemos descobrir em quê essas acusações se sustentam... –disse ele, cheio de si. -Entre ameaças e especulações de fora, estamos completamente absortos de tudo. Precisamos descobrir o motivo dessa mentira desenfreada ter se propagado por entre metade do império humano... E eu estou indicando vocês para o serviço –ele sorriu satisfeito, re-encostando-se na cadeira. -O trato é este. Aceitem, ou enfrentem as conseqüências...

—Baldi! –protestou Chanty. Estava mesmo difícil manter o pai na linha...

Em meio a tudo isto, o Doutor ergueu a mão.

—Sim? –instigou o Marajá.

—Posso falar agora? Estou me afogando em todo o meu silêncio...

—Pode sim –concordou o Marajá. –Isso será do seu interesse também. Pode dar partido de sua opinião...

—Certo! Bem, pra começo de conversa, eu gostaria de... –o Doutor interrompeu-se, ao ver que o outro ainda não estava satisfeito: não havia terminado de falar.

—Mas... –continuou o Marajá, cheio de exigências. O brilhou malicioso que crescia em seus olhos quando vinha com suas “malditas condições” começava a causar náuseas no grupo. -... Independente do que disser, será a decisão unânime de seu grupo inteiro. Portanto, seja sagaz.

—Como assim? Espera... Quer dizer que a minha decisão revelará a vontade do grupo todo? Mas isso é ridículo! –ele riu abertamente. O Marajá estava com um quê de desagrado. –Não pode me fazer decidir por todos... É sério! Eu gostaria muito de fazer essa investigação... Só Deus sabe como, mas não posso falar pelo meu grupo! Isso seria errado! Seria como... Como tentar impor minha vontade acima de minhas amigas e eu não quero de modo algum causar desavenças... –ele tagarelou. O Marajá revirou os olhos.

—Vamos tentar de novo –e sorriu malicioso para os guardas. O grupo imediatamente se colocou em posição de defesa, mas eles pegaram Nik, que estava mais vulnerável que todos os outros e apontaram todas as lanças para sua garganta.

Nik!—Melissa se desesperou. Ver o desespero passar por seu rosto foi um deleite para o Marajá.

—Ei! É covardia pegar um animal desprevenido! –latiu o cão, indignado.

—Vejo que finalmente encontramos algo que a deixe inteiramente assustada –provocou o sultão, dando um sorriso torto. Melissa serrou os dentes. Estava louca para partir para cima dele, mas Luisa a deteve, segurando seu ombro.

—Não faça isso! –suplicou a amiga. –Isso pode custar a vida de Nik...

—Tem razão –admitiu Melissa vencida.

—Muito bom... parece que estamos começando a nos entender... –Anunciou o Marajá, deliberadamente. Então voltou-se para o Doutor, cheio de malícias. –Então... O que vai ser? Aceitam minha proposta?

O Doutor ficou cara a cara com ele, o maxilar trincado. O rapaz queria reagir a todo custo, nada parecia páreo para ele, mas a plena visão de Nik ameaçado por sete lanças por todo o seu pescoço, o tocou furiosamente bem no fundo do peito, e de repente, ficou impossível de se recusar.

Olhou uma ultima vez para Luisa e Melissa que pareciam totalmente perdidas: Melissa com a cara afundada na derrota e Luisa cheia de inseguranças. Por fim, só havia uma opção viável:

—Aceito o desafio.

O palácio explodiu em vivas. Só não haviam quatro entidades felizes: os próprios desafiados. Nik foi devolvido ainda inteiro para Melissa, que estava com a maior cara de ódio de todo o universo. Por fim, eles foram escoltados amigavelmente por Chanty até suas acomodações, mesmo que isso contrariasse deveras suas vontades. A menina mostrou-lhe todo o palácio, também parecia descontente com a decisão tomada pelo pai, mas de qualquer jeito, não se haveria como se ter muita pena dela, já que fora ela própria que os metera naquele enrascada. O Marajá tratou-os muito melhor que anteriormente, na real, como se nunca houvessem levantando uma só nota de sua voz para com sua pessoa. Mas é claro que, isso tudo só ocorria por causa do maldito trato que haviam feito. Ele já estaria comendo-os vivo se pudesse, há essa hora... Com certeza não eram bem vindos naquele lugar! O ar pesado que sua recepção conturbada causara persistia, apesar de sua mudança repentina de tratamento. Mas a farsa não enganava ninguém: O Doutor sabia... que a qualquer momento... o Marajá haveria de arrumar algum pretexto para acabar com suas vidas de uma vez por todas. Disso eles não tinham dúvida.

Luisa sentou-se sobre sua nova cama indiana. O quarto era muito bonito, mas com certeza a confusão de mais cedo lhe tirara a empolgação que era costumeira sua em situações como esta. Ela nem reparou no tempo em que ficou se demorando para tirar o Sare e vestir seu pijama. Só se deu conta quando o relógio deu uma badalada leve: meia noite.

Quase nem percebera o tempo passar, com toda aquela confusão no Taj Mahal. Mas, para dizer a verdade, eles haviam chegado na festa no começo do por do sol. Não era de se admirar que já fosse noite, mas de alguma forma, ela queria permanecer acordada, pensando em sua situação de modo geral, no presente e futuramente. Ainda não conseguira digerir a idéia de que teria que passar o resto da vida longe de sua família e amigos... A verdade era que aquilo era uma tarefa quase que impossível. Como esperar uma coisa dessas dela? Ela os amava tanto... Não era como se desprender de uma coisa material (e mesmo assim, parecia ser um bocado difícil, dependendo do que fosse). Não tinha jeito daquela ficha cair... Ela só queria acordar... Pela primeira vez, em muito tempo, desejou estar em casa. Ouvindo sua mãe cantarolando enquanto preparava o almoço, assistindo aos seus programas favoritos na tv, saindo na rua e caminhando até a casa da prima, ou indo aonde desse na telha, fosse o mais longe possível, no outro quarteirão, ou se até a esquina. Não importava. Todos os seus amigos e familiares estavam perto de si, (com exceção de seu pai, talvez, mas agora ela faria qualquer coisa para poder voltar para casa, só para poder ouvir sua voz no telefone de novo). De um jeito ou de outro, todos estavam sempre em seu contato, e era assim que ela queria que continuasse: Todos bem ao seu lado, onde ela pudesse vê-los ou ouvi-los, e não á um bilhão de anos luz de distância.

Luisa piscou várias vezes ao encostar a cabeça no travesseiro. Uma lágrima escorreu quando ela lembrou-se de sua infância, como os pais á punham para dormir todas as noites... As histórias, as guerras de travesseiros, as brincadeiras, as maratonas de filmes, sem contar as incontáveis vezes que eles ligavam o globo giratório colorido de sua mãe e transformavam a sala de estar em uma discoteca. Eram tantas as lembranças, que ela até se perdia em algumas... Então, as memórias dos últimos anos vieram á tona. Isso é, quando seu pai já não estivera tão presente assim... Mesmo assim houveram momentos bons. Na real, muito maiores em quantidade do que os ruins. O problema era esquecer o quanto ela sofrera sem a sua companhia por perto. Isso também não se apagaria com facilidade... Mas, era fato que, não importava onde estivesse agora, nada seria como estar em seu próprio lar. Foi aí que se decidiu: Na manhã seguinte, não importava o que se sucedesse, ela seria bem clara com o Doutor: após resolverem essa barra fora dos limites da Índia, ele teria que levá-la para casa. Aconteça o que acontecesse. Nem se fosse para vê-los uma ultima vez. O problema era que seus planos se tornavam cada vez mais ousados e agora ela pretendia usar o pretexto de “retornar só para se despedir”, também para tentar arrumar uma solução definitiva para toda aquela confusão, acabando com o seu problema de uma vez por todas! Se ela fizera, por acaso e sem saber ao certo, a bendita escolha de deixar tudo para trás, então deveria haver um modo de desfazer tudo aquilo. Afinal, o Doutor não lhe dera nenhum tipo de contrato para assinar quando decidiram começar a viajar juntos, contendo explicita a condição de que ela não poderia nunca mais voltar para casa se mudasse de idéia. Isso nunca havia passado pela cabeça dela, assim como também nunca fizera parte do plano do Doutor. Ah... Mas o Doutor... Ele entenderia sua decisão, não é? Quer dizer, ela gostava muito do Doutor... Até demais para ser verdade, mas ela não poderia continuar com isso. Se não podia ter ambos: sua família e o Doutor, então deveria haver um jeito de poder escolher entre um dos dois. Ela não tivera tempo de fazer essa escolha. Fora meio que empurrada ao acaso e convencida pelo amigo de que a melhor saída seria ficar com ele, mas e se ela quisesse fazer diferente? Bem, ela não sabia no que resultaria, mas de uma coisa tinha certeza: Tinha que tentar! Pensando bem, Melissa mesma estava viajando junto deles durante o mesmo tempo que Luisa, e o Doutor nunca fizera á ela a menor menção de afirmar que ela também teria que ficar com ele para sempre. Curioso... Luisa nunca pensara por esse lado antes, mas antes que conseguisse atinar um pouco mais, foi pega de surpresa pelo sono.

Então, com a ultima lembrança do Doutor junto de si, dizendo-lhe pela primeira vez que ela não mais poderia voltar para casa sem colocar todos em risco, ela adormeceu, desligando-se por completo de todo ou qualquer pensamento alheio. Afinal, para que esquentar a cabeça agora, de noite? Amanhã ela sem dúvida resolveria tudo! Ela daria seu melhor jeito... Independente do que isso significasse.

 

*   *   *

E de repente tudo se acendeu. Luisa deu-se por si em pé, de frente para um grande espelho que mostrava seu reflexo de corpo inteiro. Ela parecia mais radiante que nunca. Virou-se para trás e contemplou o restante da saleta onde se encontrava, que era inteira espelhada. Arrumou pela centésima vez a borda comprida do vestido branco que lhe encobria os pés, ajeitou o decote sob o busto e, por fim, depois de dar uma olhada em geral, pôs o magnífico véu branco sob o rosto. Seus cabelos estavam com as pontas cacheadas e formavam um penteado exclusivo em um coque trançado delicadamente no topo de sua cabeça, deixando escorrer de propósito alguns filetes de cabelo, nas laterais do rosto. Estava magnífica!

—Muito bem... É bom respirar fundo Luisa, e não dar vexame na hora de entrar na igreja –ela suspirou, dando instruções para seu próprio reflexo, no espelho maior á sua frente. Porém, se sobressaltou ao ouvir três batidinhas rápidas na porta. –Pode entrar...

—Querida? –uma voz conhecida ressonou para dentro do cubículo em que ela estava, e a garota estremeceu, correndo ao encontro da porta.

—John –disse, tentando se conter. As mãos dançavam delicadamente pela maçaneta, formigando de um jeito bom. Elas queriam abri-la a qualquer custo, mas seu bom senso e as benditas regras que deixavam bem claro que “o noivo não poderia ver a noiva antes do casamento”, falaram mais alto. –Não posso te deixar entrar meu amor, lamento. -Por um só momento ela teve vontade de chorar, então se recompôs: a maquiagem tão caprichada não merecia ter um fim trágico antes mesmo de sua estréia. Ela respirou fundo, enquanto ouvia-o dizer:

—Não agüento mais ficar longe de você! O suspense está me matando... Todos me recriminam por tentar ficar perto de você, estou enlouquecendo! Devíamos ter executado seu plano ao invés do meu... Pensando bem, acho agora a sua idéia de fugir e casar escondidos, muito mais convidativa...

Luisa não pôde conter o sorriso.

—Da próxima vez, John Smith, vê se presta mais atenção nas minhas colocações... –ela brincou.

—Deus do céu! Está me repreendendo também? –ele guinchou exasperado, do outro lado da porta. –Eu não acredito! Nós nem chegamos a casar e você já está arrumando caso comigo...

—Pare de ficar inventando drama, onde não tem, que eu também paro –completou ela, com um sorriso divertido no rosto.

—Está querendo dizer o que?

Ela se posicionou, a testa colada contra a porta.

—Estou com saudades... –arfou, em um mero sussurro. Ele encostou a testa contra a porta também.

Eu também estou!—falou, sentido. –Estou morto de saudades! Toda essa história de casamento... Só Deus sabe como estive sentindo sua falta essa semana...

—Eu também. Essa ultima semana tem sido uma loucura...

Com certeza!—ele concordou. Ela comprimiu os lábios. Um silencio longo se estabilizou.

—Querida? Ainda está aí?

Ela riu.

—Estou. –deu uma olhada para trás, viu seu reflexo em todas as direções e ângulos diferentes da sala. –Para onde eu poderia ir? Não há nenhuma outra porta nesse lugar, além dessa á que estamos...

Grudados?—ele propôs.

—É. –ela sorriu, ainda mais amplamente. –Fica calmo, tá? Eu já estou indo te ver na igreja... Não se preocupe com nada.

—Você está mais confiante que eu... –ele riu de nervoso.

Luisa ficou séria por um só momento, parecia ser realmente verdade. Então ela declamou mais para si mesma que para John: 

—Segunda regra principal do meu manual de regras: Pareça confiante, para que os outros acreditem em seu potencial. Depois, não desaponte-os.

—O quê disse?

—Eu te amo. –ela emendou.

Ele hesitou do outro lado. Ela nunca o havia dito com tanto fervor antes.

—Também te amo. Mais do que tudo!

Um novo momento de silêncio se estendeu e John percebeu que seria sua deixa de partir. Afastou-se da porta, inquieto. Queria tanto poder arrombá-la... Queria tanto poder pegar sua futura esposa no colo e fugir dali, deixando tudo para trás... Inclusive aquelas benditas superstições! Mas aquilo estava totalmente fora de cogitação. E também estava muito além do que ele poderia executar em tão pouco tempo, e sem recursos. Mas não. Não estava se auto-criticando... Tinha planos bastante engenhosos e criativos diariamente, afinal, tinha a mente árdua e voraz de um escritor (bem, ele era um homem encantadoramente surpreendente, e de muitos talentos...), mas seria quase intragável exigir dele naquela tarde, um pensamento mais desenvolvido que os próprios votos de casamento.

“Tudo bem... As madrinhas venceram. Vamos seguir com o plano original e ver no que vai dar.” –pensou consigo mesmo. Já estava dando as costas à porta, quando um pequeno pedaço de papel foi passado por debaixo da fresta, chamando-lhe rapidamente a atenção. Evidentemente, sua noiva improvisara um bilhete. Sem pestanejar, o rapaz abaixou-se, apanhou-o e contemplou a letra delicada de Luisa.

Querido John Smith

XX

Sorriu, pois abaixo de seu nome ela assinalara com dois “x”, que era uma forma de simbolizar beijos em bilhetes escritos á mão. Abriu-o, sem demora e leu.

Antes de irmos adiante, preciso lhe dizer uma coisa muito importante...

Acredite: Sei que não parece o melhor momento para conversas, Mas não posso

dizer sim hoje no altar sem que você esteja completamente ciente do que tenho para lhe dizer, meu amor.

Também, jamais me perdoaria se deixasse isso passar em branco, basicamente

no dia mais importante de nossas vidas...

Muito bem: Eis aqui um de meus maiores segredos...

 

Ele prosseguiu com a leitura em absoluto silêncio. Ergueu uma das sobrancelhas ao terminar. Luisa entrelaçou as mãos e fechou os olhos, esperançosa, dentro da sala espelhada. Estava quase na hora de ir para a igreja.

De repente tudo virou um grande borrão colorido e, quando Luisa deu por si novamente, já estava dentro da igreja, caminhando diante de todos na direção do altar. Lá estava a família do noivo e vários amigos seus dos dois lados da passarela cheia de pétalas de rosa despejadas por todo o tapete vermelho de camurça, por onde ela passava. Não havia ninguém que ela conhecesse por lá, além do próprio noivo, no altar. Ela não tinha amigos, nem família por lá. Fugira já a algum tempo de um universo compacto, deixando para trás os únicos amigos que tivera em tempos. Agora podia se lembrar deles com clareza, sonhando em rever seus rostos em algum momento durante a cerimônia. Sua família estava ainda mais fora de alcance. Em outra realidade, perdidos no passado de suas lembranças, na perfeita ordem dos cosmos, em colapso com o caos do tempo e espaço. Ainda sim, deviam estar vivos onde quer que fosse. O fato era que a simples menção da possibilidade de poder tê-los junto de si em seu casamento deixava-a toda cheia de expectativas, mas como nem tudo é um conto de fadas... Naquele momento, ela teria que se satisfazer com a companhia de todos aqueles estranhos. Mas de que aquilo importava? Ela estava indo se casar com John Smith, e não com todos os seus parentes.

E então, o padre fez aquela perguntinha típica:

John Smith, aceita Luisa Parkinson como sua legítima esposa?

Ele não tinha dúvidas.

—Aceito de todo o meu coração. -e sorriu amplamente para sua noiva.

E você, Luisa Parkinson: Aceita John Smith como seu legítimo esposo?

 Todos os olhares voltaram-se para ela.

—Sim. Eu aceito. –e abriu um imenso sorriso.

Então, pelo poder á mim investido, eu os declaro marido e mulher...—o Padre prosseguiu, mas eles só tinham ouvidos para si mesmos. Os olhos de Luisa brilharam intensamente, assim como os de John, quando encontraram-nos. Agora, eles eram um só. –Sr Smith... Pode beijar a noiva.

—Finalmente! –John gritou, fazendo toda a igreja rir e foi de encontro à sua esposa. Seus corpos se colidiram e os dois se abraçaram fortemente, seus lábios entraram em colapso e o mundo inteiro pareceu se dissolver ao seu redor. De repente, era como se só restassem os dois ali, e sua união era a única coisa que importava.

Era estranho como ela aceitava toda aquela situação com facilidade. No primeiro momento em que tomara consciência de que estava na sala de espelhos e depois, na igreja, sua cabeça parecia se confundir previamente, então logo em seguida ela relaxava, como se tudo viesse à tona e passasse a fazer sentido. Como se tudo aquilo fosse real. Como se aquela fosse a realidade certa. Parecia –ao mesmo tempo que confusa por não saber como havia estipulado se casar com aquele rapaz– realizada, como se fosse feita para aquele homem. Um novo borrão colorido se formou, trazendo-a de volta.

 

*   *   *

—Ah! –ela acordou de súbito, num tranco inesperado, erguendo seu corpo para frente. Estava novamente em sua cama em seu quarto na Índia, no palácio do Marajá. Já estava quase clareando. Luisa suava frio e apenas conseguia balbuciar uma palavra em perfeita incompreensão: -Casada... Casada... Casada?

Não demorou a se levantar da cama e sair correndo para fora do aposento, como se temesse voltar a sonhar com aquilo novamente. O nome John Smith não saia de sua cabeça. Ela já ouvira esse nome antes em algum lugar, em um outro sonho talvez. Este nome... Luisa fechou os olhos, mergulhando o máximo possível em seu eu interior: teria que encontrar uma resposta favorável para isso, custe o que custar! De repente, seu cérebro fez uma conexão e tudo ficou mais claro: Era isso! Da ultima vez ela se esquecera dele! Ultima vez? Sim... Agora ela se lembrava de tudo: Tivera esse sonho na noite em que o Doutor e Melissa dormiram em sua casa, antes da Teselecta vir e estragar tudo. O sonho ainda seguia em frente, não exatamente do ponto que havia parado da primeira vez, mas sim como se houvessem se passado meses desde o primeiro encontro dela com John, em sua imaginação fértil. Os sonhos, desde então se tornaram uma seqüência: no primeiro, ela havia conhecido o rapaz, salvado sua vida, mas agora já estava casada com ele! Como isso podia ter acontecido? Aquela nem era sua vida real! Como assim ela se casara em um sonho? É até normal uma garota sonhar que está se casando com o garoto de quem gosta, mas se casar com um rapaz que nunca viu na vida e que, aparentemente, não tem rosto? Ah! Isso já era querer demais... Ela nunca conseguia gravar suas feições exatamente como eram, talvez por causa do susto ao acordar. É certo que algumas informações sobre os sonhos se perdem muito facilmente e sua reação súbita não estava ajudando em nada, mas assim como no primeiro sonho, por alguma razão, ela parecia gostar dele de verdade... Como isso podia acontecer? Era estranho! Anormal... Impossível! Mas, apesar de a razão afirmar isso, o fato era que tudo aquilo ainda fora real demais para ser apenas parte de um sonho estúpido. Tinha que haver alguma verdade nisso tudo, senão, para que teria esses sonhos, para começo de conversa? Porque fugiria de um universo compacto? O que estivera fazendo lá? Como é que ela salvaria a vida de um homem apenas com um espelho? Para quê se casaria com um estranho? E quem raios era John Smith? Como ela poderia ter se apaixonado de verdade por um cara que não existia? As perguntas eram milhares, mas as respostas estavam escassas. Em meio a tudo isso, chegou á pensar nas hipóteses mais malucas... Era como se ela tivesse duas vidas. Uma era aquela em que viajava com os dois amigos e Nik na TARDIS, a outra era a de uma versão sua mais madura, e contraditóriamente, louca, que fugira de um tal de Universo Compacto para a Terra, procurando por alguém, mas que acabou se apaixonando por esse tal de John Smith! Era bizarro demais para ser verdade...

Completamente confusa, ofegante e trôpega, Luisa correu pelos corredores, querendo ficar o mais longe possível de seu quarto. Correu muito, até sua visão tremular e ela decidir que já era hora de parar para descansar. Aquele lugar parecia que não tinha fim! Baixou a cabeça para fazer a pressão voltar ao normal, seu coração batia muito rápido e parecia estar dentro de sua cabeça. Respirou fundo, sua boca estava seca... Ela precisava de água. Quando finalmente sentiu que a vertigem havia passado, resolveu erguer a cabeça, acertando a coluna. Deparou-se com a figura de dois banheiros indianos bem á sua frente.

—Todo banheiro tem água... –foi, no automático, a primeira coisa que veio á sua cabeça. Então caminhou, agora mais devagar, para dentro do banheiro com a foto de uma mulher indiana de Sare amarelo na porta, ignorando completamente a porta ao lado, com a imagem de um homem bigodudo de bata azul e turbante.

 Adentrou neste e correu na direção dos lavatórios em mármore para lavar o rosto. Algumas lágrimas, causadas por seu desespero inopinado, misturaram-se com a água da torneira, que banhava-lhe o rosto. Depois de um longo período de tempo, enxugou o rosto na manga do pijama indiano, já que não havia onde mais se enxugar. Por fim, ergueu o rosto e fitou-se no espelho, observando especialmente os olhos e os lábios ligeiramente inchados por conta do choro, incompreensões e dilemas que lhe atormentaram, enquanto ela ainda corria feito desesperada pelos corredores. O espelho estava meio embaçado pelo vapor que elevava-se por cima de um dos boxes do chuveiro. Evidentemente, havia alguém tomando banho lá. Não querendo chamar mais atenção –do que já devia ter feito –pôs-se a fazer tudo em silencio, para não assustar a outra garota que estaria dividindo o espaço com ela. Por fim, já ia embora quando viu uma toalha novinha estendida na lateral da porta entreaberta de um dos boxes. Entretida com aquilo, deu uma checada também nos outros (menos o que estava sendo usado, é óbvio), acabou deparando-se com a mesma cena em todos eles: os indianos não eram somente sistemáticos e cheios de crenças, também eram prevenidos, deixando todos os boxes cheios de sabonetes, toalhas, aromas e coisas boas para perfumes e purificação pessoal, para tornarem a estadia dos hóspedes ainda mais memorável (especialmente os indianos ricos, desta realidade).

Então, um impulso súbito lhe trouxe a vontade de tomar um bom banho também. Sem pensar duas vezes, ela se dirigiu ao boxe e fechou a porta devagar, trancando-a por dentro. Despiu-se lentamente, enrolou-se em uma toalha que ali estava e depois observou o cubículo por um momento: era equivalente ao tamanho de duas cabines telefônicas londrinas comuns juntas, (a TARDIS era um pouquinho fora dos parâmetros). Luisa focou bem em uma estranha bacia de prata que encontrou pelo chão, cheia de água, depois observou uma banheira não muito grande que surgia logo atrás, vazia. Esta estava toda recheada de óleos, essências e sabonetes nas bordas. Luisa não se demorou mais em fitar o espaço, dirigiu-se para ela, girou os registros e fez a água jorrar, desenrolou a toalha que ainda estava presa ao corpo e emergiu na banheira. Decidiu lavar os cabelos também, (eles estavam precisando de uns tratos), e acabou demorando-se um pouco mais do que estipulara.

Por fim, já estava fora da banheira, secando-se. Não usara nem a metade dos frascos que estavam dispersos por todo o box (na real, nem arriscaria tentar adivinhar para que tudo aquilo servia), ainda estava um tanto intrigada, pensando sobre a bacia prateada no chão... Contentou-se em usar apenas o que conhecia ou, pelo menos, o que supunha conhecer, isso era: um sabonete de ervas, um creme esquisito que supôs ser um shampoo, e um óleo, que imaginou ser para hidratar o corpo.

Abriu a porta do box. Saiu de toalha e caminhou na direção do espelho, mirando seu reflexo nele, agora ainda mais embaçado por causa do vapor da água quente. Aqueles indianos eram muito modernos! Ela posicionou-se e começou a desembaraçar os cabelos. O vapor ainda saia do box fechado que a menina encontrou quando chegou no banheiro desde o começo. Caramba! Seria possível que a mesma indiana continuava tomando banho ou se tratava de outra pessoa? A pequena torneira que liberava a água na banheira (que mais parecia uma ducha de tanta pressão que formava) começou a chiar baixinho dentro do box fechado, como se alguém a tivesse aberto novamente. Luisa tentou manter a cabeça no que realmente importava; o motivo que a deixara tão aturdida e que, para começo de conversa, a fizera encontrar o banheiro no meio de todos aqueles corredores que mais pareciam um labirinto: O tal do Sonho.

Começou a se lembrar de algumas partes deste, como a sala de espelhos, sinos tocando, a igreja lotada, o pensamento em sua família que, aparentemente, não estava na Terra, o modo como ela se portara contra a porta do tal aposento espelhado: parecia amar mesmo aquele homem... John Smith. Ela não mais esqueceria seu nome. O mais estranho nisso tudo é que seu coração acelerava enlouquecedoramente quando pensava no nome do rapaz, isso mesmo depois de acordada, o que a deixava intrigada, pois definitivamente não conhecia nenhum John Smith... Foi então que percebeu uma movimentação ás suas costas, impossível de se ver através do espelho por causa do vapor, mas conseguiu captá-la de canto de olho e, contando até três, virou-se de uma vez para trás.

—Quem está aí?

Silêncio perpétuo.  Ela deu as costas ao espelho e começou a caminhar na direção da parede oposta, que estava bem distante. O barulho da pequena ducha que enchia a banheira continuava.

—Não estou brincando! –ela tentou se fazer de imponente, passou os olhos rapidamente por todo o banheiro, á procura de algum objeto que pudesse usar para se defender, caso precisasse. Seus olhos pararam ao seu lado, no box aberto, onde ainda estava a pequena bacia cheia de água no chão. Sem pensar duas vezes deu uma corridinha para o lado, abaixou-se e apanhou a tal bacia, esvaziou-a dentro da banheira e seguiu contra a outra parede com o objeto na mão, feito um escudo. –Q-quem está aí? Eu exijo saber...

A ducha continuava a todo vapor. Luisa começou a se perguntar se toda a água do palácio não se esgotaria por causa da falta de ética de alguém que não se importava nem um pouco em causar gastos. Ficou imaginando o quanto viria marcado na conta de água, se aqueles indianos tivessem que pagar as contas (pois nunca se tem certeza absoluta de algo quando se está em um mundo diferente, ou em uma outra realidade, até que você veja acontecer). A menina continuou em linha reta, os pensamentos lhe passando pela cabeça como fleches. Ela então franziu o cenho: logo á sua frente, há menos de três passos de distância, estava caída pelo chão, uma luva acinzentada. A garota correu ao seu encontro, ficando de joelhos (com um pouco de dificuldade graças á toalha), e então pegou-a nas mãos, deixando a boca se abrir de espanto, logo após tatear o objeto e perceber que ela era muito mais larga que uma luva normal (caberiam suas duas mãos juntas dentro de um dos pares se ela o colocasse), mas sua maior surpresa se seguiu por conta, não só do tamanho, mas também pela quantidade de espaços para os dedos que esta continha: somente três. Três gordos dedos.

Luisa hesitou. Havia algo muito errado acontecendo ali... Foi então que uma batelada de coisas aconteceram ao mesmo tempo, deixando-a perplexa demais para poder registrar todos os eventos com cautela: Um grunhido –ou sabe-se lá o que foi aquilo –depois um corpo estranho vestido uma armadura, com um capacete azul e circular na cabeça, surgiu e saltou sobre ela. A menina gritou; a porta do box ocupado se abriu ao mesmo tempo, em um estrondo ecoante, revelando uma sombra e seguido disso, um zumbido enlouquecedor. A criatura que corria na direção da menina escorregou na água dispersa pelo chão, que escorria em golfos da banheira... Caiu, também ficando meramente desorientada e confusa com o barulho, mas ainda em tempo de recuperar sua luva, correr e saltar sobre a menina, indo de encontro com a parede do espelho e penetrando imediatamente nesta, desaparecendo num fleche de luz azul brilhante que fez o espelho tremeluzir violentamente, como se não fosse sólido. Tudo ficou muito quieto.


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Notas finais do capítulo

:D

Bom, a história está andando...

E aí? O que estão achando? Bastante coisa, né? Desafios, sonhos estranhos, sustos no banheiro... Ai ai... kkkkkkk Onde será que isso vai parar?

Na Terra da Maluquice, só se for! ;)

Beijos e até semana que vem! (onde o capitulo terá continuidade)

Ah! E deixem comentários por favor! :D



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