MUTANTES & PODEROSOS I - O Segredo dos Poderosos escrita por André Drago B


Capítulo 35
Capítulo 34 - A Fogueira Paralisada


Notas iniciais do capítulo

Espero estar matando a saudades de vocês ;)
Se você chegou até aqui caro leitor, saiba que você sustenta esses personagens vivos. Mais do que visualizações, mas comentários e curtidas também ajudam a história a prosseguir.

No mais, se quiserem melhor conhecer o autor dessa história, joga aí no instagram: @adragobatista.



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CAPÍTULO 34

A FOGUEIRA PARALISADA

 

De repente, os olhos azulados de Jessie se encontraram com a pequena casinha de madeira acomodada no meio do vale, em meio aos montes. Um rio passava perto dela e havia um verde cercando-a de todos os lados. Jessie sentiu seus olhos marejarem de alegria e, ao mesmo tempo, lacrimejarem pelo fluxo constante de vento em seu rosto. Ela sorriu.

—É lá! – ela apontou para a casinha, e Luke, segurando-a bem forte em seus braços, ajustou as suas asas para que eles descessem até o campo.

  Jessie teria ficado com medo ao ver o campo vindo tão rapidamente em sua direção, mas ela confiava em Luke, e era ele que estava segurando ela enquanto voavam.

  O gramado estava tão perto ao ponto de Jessie vê-lo nitidamente, então, quando estavam a um metro do chão, Luke desceu lentamente até que seus pés encostaram-no, e Jessie se sentiu confortável ao tocar a terra firme. Gostou muito da sensação do voo, mas fora feita para a terra.

  À sua frente, a casa de madeira. A jovem sorriu entusiasmada quando viu que era realmente a sua casa. Ela abaixou-se e pegou de sua bota a erva laranja florescente. Continuou sentindo lágrimas, mas não eram de tristeza.

  Ela começou a correr até a porta simples de ripas de madeira marrom escuras, e Luke a seguiu lentamente. Ela levantou a mão e bateu algumas vezes na porta, mas como ninguém respondeu, a jovem empurrou-a de leve, vendo-a ranger. O lado de dentro estava silencioso e havia poeira no ar. O que principalmente iluminava o lugar eram as chamas da lareira, a única parte de pedra da casa, mas elas não se mexiam: estavam paralisadas. Luke lembrou-se de que Jessie revelara ter feito isso na cabana velha em meio à floresta.

—Luke! Você está ai? Sou eu, Jessie, a sua irmã! – ela ainda sorria, mas não tanto, na esperança de reencontrar seu irmão, com seu amigo de mesmo nome vindo atrás.

  Luke, o seu amigo Mutante, seguiu atrás dela, observando cada canto do lugar, pela luz fraca e também pelas frestas em meio às ripas de madeira que formavam a parede.

  Ela andou pela sala, sentindo o cheiro, mas sua feição logo ficou triste.

—O cheiro dele está sumindo, o que significa que faz algum tempo que ele esteve aqui, assim como a mulher na cabana.

—Quanto tempo?

  Ela fechou os olhos e deixou as lágrimas escorregarem de suas pálpebras.

—Semanas! – respondeu, com a voz embargada. –Não pode ser! Não, o meu irmão não pode ter morrido. Luke! Luke!

  Ela começou a gritar e a procurar em cada cômodo da casa, que não eram muitos. E as ripas irregulares de madeira sempre decidiam cantar quando a bota da menina ficava entre o peso do corpo da menina e elas, como se para denunciar onde o outro Luke estava. Quando entrou em um pequeno quartinho, com a porta de madeira tão surrada quanto qualquer outro, deu um grito feiamente aterrorizado e caiu de joelhos no chão, chorando muito.

—Luke! Luke!

  Luke já não sabia se ela gritava pelo irmão dela ou por ele, mas ele foi até ela rapidamente mesmo assim. Quando viu o que estava dentro do quarto, entrou em choque e ficou sem reação: um esqueleto alto, de adulto, provavelmente do irmão de Jessie.

—Não pode ser! Não pode ser! – prosseguiu seu lamento, com toda a pele que compunha seu rosto vermelho feito o pôr do sol de tardes de primaveras.

  Temendo que sua falta de reação ferisse, Luke abaixou-se ao lado dela e a abraçou. Os cabelos ruivos dela cobriram totalmente o seu rosto, que combinaram em cor. Ela pegou a erva laranja e tacou-a em cima do esqueleto.

—A culpa é minha, eu sei.

—Não, Jessie, a culpa não é sua. – respondeu Luke, tentando acalmá-la.

  Levantou-se irritada e saiu da casa, sendo seguida pelo Mutante. Havia uma mistura de raiva e tristeza em seu rosto. Ela fez sinal para que Luke ficasse longe, e ele a obedeceu. Qualquer coisa pode ser lenha para uma floresta em chamas.

—Não se aproxime! Sinto meus poderes à flor da pele e qualquer aproximação poderia o deixar paralisado por um bom tempo.

  Ela virou-se e procurou algo para drenar essa energia. Um casal de passarinhos foi pouco. Olhou para o céu e viu um grupo de patos negros sobrevoando-os. Direcionou o seu olhar à eles e soltou um grito alto, de indignação, e Luke viu que, segundos depois, os animais caíram no campo à frente da casa. Ela continuou olhando em volta à procura de algo. Começou a gritar com mais força, paralisando as folhas de árvore, a água do riacho, a grama, os animais, quase tudo.

  Luke se afastou mais, com medo de ser atingido também, mas a jovem tinha consciência de sua presença ali, e, na verdade, na mente dela, ele era o único ponto que não permitia ela paralisar tudo no vale. Quando ele olhou de volta para ela, viu que a Composta estava mais uma vez no chão, chorando. Parecia que o chão era um ótimo lugar de luto: a segurava pelas tonteiras da indignação.

  Com medo e hesitante, ele se aproximou ainda assim dela e se sentou ao seu lado. Sentia medo de reações abruptas, é claro. Mas sentia compaixão de uma cena como aquela.

—Eu não acredito que aquele Inimigo me prendeu tempo suficiente para que meu irmão morresse. Eu...eu devia saber que ele já estava morto! – ela limpou as lágrimas com o braço, lágrimas essas que esquentaram a pele na região dos pequenos círculos de água aonde tocaram. O loiro só ficou em silêncio, sentindo sua língua se remexer dentro de sua boca à medida que sua mente trabalhava ativamente para projetar algo que pudesse falar. Pressentindo a falha desse desafio, deixou-a apenas desabafar. –Aquele homem era uma peste...que os deuses do fogo o castiguem, maldito seja aquela peste daquele... – “O amor que pode amar à todos”, ouviu ser sussurrado em seus ouvidos novamente.

  Luke tocou o seu ombro ao sentir a parada abrupta da jovem, fazendo sua mão deslizar pela mistura de couro e lã que cobriam a menina, provocando uma onda de gastura pela mão seca.

  Foi estranho ouvir Jessie falar em algum dos deuses. Nunca fora religioso. Na verdade, não sabia se tinha algum sentido em se abaixar debaixo de panos, cobrindo suas deformidades para não desonrar os deuses formadores da vida. Se tinham tanto nojo de suas asas, por que as tinham feito? Não aderira aos costumes de exaltar tais deuses, como era praxe entre os Mutantes, pelo menos de sua província.

—Obrigada por vir, Luke. – a voz dela era um sussurro, transformado em agudo pela desolação.

  Ele balançou a cabeça positivamente.

—Não tem problema! Podemos ficar o tempo que quiser aqui...

—Eu vou ficar aqui!

—O quê? – ele demorou alguns segundos para processar do que ela falava, mas a ruiva estava impaciente e voltou a repetir.

—Eu vou ficar aqui. Você pode ir. Na verdade, deve! Eles te esperam lá em Hangária Mindória.

—Com a ossada do seu irmão naquele quarto? Você está louca?

—Essa é a minha casa. Moro aqui! E aliás, eu não preciso entrar naquele quarto nunca mais. Além disso, você deseja voltar para eles pois são sua família. Eu... – a voz dela falhou, não se sabe se por estar embargada ou por sua mente estar tentando ainda aceitar as verdades da fala que se seguiu. -...minha família agora é um conjunto de ossos numa cabana de madeira, Luke!

—Jessie...

—Entendo que nenhum de vocês vai concordar com isso, mas precisam entender que...que eu amo esse lugar! Ficar perto do lugar que me provocou tantas lembranças boas, é a única forma de ficar próxima do meu irmão!

—Mas, e o Pico Talyn?

—O Pico Talyn é o destino de vocês. – ela fungou, retendo o excremento nasal que sua situação chorosa lhe gerou. - Eu não preciso ir até lá com vocês. Vou ficar aqui!

—Mas, vai ficar aqui sozinha, desprotegida? – ele não formulou a pergunta corretamente.

—Desprotegida? Luke, olhe em volta! Eu paralisei tudo em segundos! – em outros tempos, seria uma afirmação que lhe provocaria uma certa satisfação, mas naquele momento serviu apenas para enrugar seu rosto e esconder ainda mais seus olhos azuis atrás de pálpebras retraídas. - Eu sei me proteger! Aliás, posso visitar vocês no Pico Talyn, o que quer que tenha naquele lugar.

—Também não sabemos o porquê de o pai de Taya nos mandar ir para lá, mas estamos obedecendo.

  Ela sorriu o sorriso mais esforçado possível, não por alegria. Na verdade, não sabia o motivo. E olhou para o campo à frente, que nunca mais sairia daquelas posições, a não ser se lhes manipulassem a isso. Mas a dona dali não estava disposta a esquecer a única “homenagem” pela suposta morte de seu irmão. Ainda assim, apesar disso tudo, o sol parecia não ter medo da menina, tocando seu rosto com amor. Tocou também o consolador sem jeito ao seu lado, e a grama imóvel. A cabana, que agora era meio túmulo. Tocava tudo. Ali, Jessie descobriu que o sol era a melhor das companhias: nunca temia estar contigo pelos seus atos, apenas tinha seus momentos de isolamento atrás das nuvens.

  Ela relaxou os músculos, sem forças. Não pelo luto, mas porque seu poder exigia forças quanto maior fosse a massa congelada. Mas ficar parada não exigia mais forças do que a que havia gastado.

 E ficaram ali, durante um bom tempo, em silêncio.

 

Algumas horas antes...

 

O mendigo sorriu. Em seu rosto meio marcado pela idade havia um sarcasmo. Seus olhos deslizaram de Kira - jogada no chão, paralisada - para Taya. As mãos verdes dela sentiram seu olhar, e eriçaram suas escamas. Aquilo causava um prazer na menina, mas o que a estava provocando não. O eriçamento encontrou os pelos dos braços, e sua nuca.

—E sua cura Mutante? E sua coragem, Kheryan?

—Como consigo minha cura? – as palavras pularam bruscamente de seus lábios rosados.

  Ele sorriu. De novo. Mais sarcasmo por trás daqueles olhos castanhos cheios de intenções, seguradas por aquelas grossas sobrancelhas, que se alternavam do preto ao cinza.

—Venha comigo!

  Taya ficou sem palavras. O que faria? Iria com aquele estranho? Mas aquele estranho conhecia-os muito. Será que era um espião? Mas, se fosse, não conseguiria saber suas lutas interiores. Talvez se observasse transparecer muitas delas pelo seu comportamento. Segundos antes havia sido traída pela própria boca ao perguntar aquilo.

  Ela olhou para, Kheryan que a olhava com uma feição de negação. “Não vá!”, parecia dizer. Mas não sabia se confiava no menino. Era medroso, e de medo já chega o que havia dentro dela por ela mesma. O rosto contorcido do menino cercado do castanho dos cabelos não negava isso. Apresentavam esse medo como uma exposição de uma pintura de carvão nas paredes de pedra dos casebres dos centros dos vilarejos.

 Ela deu um passo para frente, indo até o homem, com o seu peso sendo distribuído por entre suas pernas, o que causava certo relaxamento. Ele mexia a cabeça positivamente, concordando com a ação dela. A jovem virou sua cabeça em direção à Kira, ainda no chão, mas ela parecia nem estar vendo o que estava acontecendo. Estava paralisada, viajando de ódio e indignação. A identidade do assassino a paralisou.

—Ta...Taya, n...não vá! Você n...não conhece ess...sse  ho...mem.

  Ela estava em dúvida. Devia confessar. Seus dedos freneticamente se mexiam, passando uns pelos outros, demonstrando o ápice do dilema interno. Levantou as sobrancelhas e abaixou-as rapidamente em sinal de um pensamento dividido em dois, sua feição não sabendo agora nem que forma tomar mais, enquanto as casas meio de madeira e meio de pedra da rua principal, vazias, admiravam a cena, sem reação. Nesse momento ela se convenceu que era mais parecida a elas do que jamais havia pensado.

—Eu cansei de matar pessoas sem nem sequer ter consciência disso. Eu preciso de cura!

—Com um es...estranho?

—Eu afirmo que conheço vocês mais do que vocês mesmos. – ele interrompeu, agora com uma feição séria. –Taya fez a melhor escolha hoje! Seguir a única que pode a curar: a Senhora do Prazer!

  Taya virou-se para ele. Ele sorria. Foi se aproximando daquele estranho, e ao chegar mais perto viu que seu cheiro não era um cheiro ruim, o que era estranho, porque minutos antes ele cheirava a podre. As roupas rasgadas pareciam agora perfumadas com algum tipo de essência de flor das montanhas. Não sabia qual exatamente. Afinal, não sabia nem quem era ela mesma agora.

—Vamos Taya! Venha!

  Ela se aproximou do homem, perto o suficiente para ele tocar o seu ombro, que atuava ativamente na ação de ficar na altura da parte inferior do pescoço, dando certa certeza agora a ela. O servo da estranha Senhora de não-se-lembrava-o-que-mas-não-importava tirou algo do bolso, algo como uma aliança.

—Coloque!

—Colocar? Pra quê?

—Quando você coloca a aliança, prova que quer ser parte da tribo Dela.

  A jovem pegou o anel brilhante que nunca tinha visto antes. Ele tinha uma mistura de laranja, amarelo e vermelho. Era estranho, mas era chamativo demais. Resplandecia demais, e não parecia ser devido ao sol, afinal o mesmo teve pouca influencia perante o clima de chuva que lhes abatia. Aproximou aquilo do dedo, mas antes de colocá-lo, alguém gritou:

—Não, Taya! Não ponha isso! – era Jessie, que descera no céu, segurada por Luke, que os pousou no chão delicadamente.

    Taya vacilou e não sabia mais se adornava seu dedo com aquilo ou não. Voltou ao dilema inicial, que tomou-a. O mendigo pareceu irritado e gritou para Jessie:

—A escolha é dela!

—Claro! Taya, não ponha isso, por favor. Você não precisa disso! A cura não está ai!

—Ah, cale a boca! – ele direcionou seus olhos para Taya. – Não saberá se essa é a cura mesmo a não ser que coloque a aliança.

  Taya olhou para a joia. Confiava mais em Jessie do que naquele estranho. Todavia, o estranho sabia mais dela do que Jessie. Sentiu sua barriga doer de medo e hesitação. E seus olhos avermelharam-se perante o marejo de mais lágrimas, que pareciam ser a única coisa que ela tinha certeza de fazer agora. Depois, olhou para o rosto do homem, que furtivamente a admirava, por baixo daqueles pelos desgrenhados que envolviam seu rosto quase que por completo, e devolveu a joia.  

—Eu não vou por isso! – disse, as palavras terminando em meros sussurros. Foram suficientes para os ouvidos do homem.

—Mas você nem viu como vai ficar bonito em seu dedo, como será aliviante ser curada! – ele disse, sério. Já não tinha aquele sorriso que a muitos seria irritante.

—EU NÃO QUERO! – gritou bem alto. Saiu de perto dele e foi até os outros, com pressa.

  Luke correu até ela rapidamente, envolvendo a jovem em um abraço. A jovem devolveu o abraço, de forma tão forte quanto o dele. Depois, ele a beijou, mas não era um beijo de amor, e sim de alívio por reencontrá-la. Os lábios dela causaram um sentimento de vencedor, por não tê-la perdido definitivamente. Ela sentiu, em suas bochechas, o sopro expirado dos pulmões dele.  

—Ainda bem que você voltou! – disse Taya, ainda meio embaraçada com o ocorrido. Entregou-se ao alívio e à tristeza, como um combo de sentimentos. Os braços tapados pelo tecido da roupa ainda se mantinham perto do tronco dele, e não pensavam em sair dali tão cedo.

—Eu nunca iria te deixar Taya! – ele voltou a abraçá-la, seus olhos exibindo irritação para o mendigo, que parecia igualmente irritado. Mas também vacilavam um pouco para o medo, afinal, quase a perdeu para um malvestido mendigo de uma cidade costeira. O que quer que esse homem tivesse consigo, visivelmente, não era comum.

  Jessie deu alguns passos à frente, ficando mais próxima dele. Transbordava coragem e autoridade, sabe-se lá do que. Sabe-se lá da onde. Mas tinha isso dentro de si.

—Nós não queremos suas ofertas. – afirmou por todos, pois sentia que devia trabalhar ativamente para afastá-lo do resto dos amigos.

—Ainda não! Mas um dia vocês irão querer.

—Por que iríamos querer?

—Porque a Senhora do Prazer quer vocês.

—Não a queremos! – As presas dentro da boca da menina se deslizaram pelos dentes de baixo, roçando neles.  

—Será?

—Vocês sabe que é verdade! – Jessie sentia como se já tivesse enfrentado aquele estranho. Não tinha! Cria não ter, pelo menos.

—Um dia vocês pertencerão à Ela.

—Veremos quem é maior: Senhora do Prazer ou Apenas Sou.

  O mendigo silvou como se fosse um monstro ao ouvir o nome de Apenas Sou.

—Não fale esse nome!

—Apenas Sou! – disse Jessie. –Apenas Sou é mais forte. Apenas Sou! APENAS SOU!

  O mendigo começou a soltar gritos como se fosse um monstro terrível. Soltava-os cada vez mais alto, e Jessie gritava cada vez mais alto o nome que para os outros era estranho. Não sabiam quem era, mas tinham certeza de que não eram ledos fazendeiros a se incomodar. O mendigo, à medida que seus gritos começaram a ecoar pelo lugar como se fosse um grito de guerra de um imenso exército, começou a se desfazer em uma nuvem negra enorme, que veio como uma onda para cima de Jessie, mas paralisou antes de tocar a jovem, que não dava nem um passo à frente e nem para trás. Logo, a estranha escuridão se afastou deles e foi sumindo paulatinamente.

   Quando toda a escuridão sumiu, Jessie virou-se para trás e viu Kira ali jogada. Abaixou-se e tocou seu ombro.

—Ahn...qual é o nome dela mesmo? – Jessie perguntou para Taya.

—Kira!

—Ah...sim! Kira, vamos! – a jovem de cabelo castanho nem se mexia. –O que aconteceu, Taya?

—O mendigo revelou a identidade da pessoa que matou o pai dela.

   Jessie voltou-se para Kira, ambas envolvidas debaixo de suas cortinas de cabelos como se fossem véus. Os de Kira eram mais bem cuidados, frutos de anos vivendo dentro de um castelo com pessoas pagas para apenas o fazer. Jessie tinha os cabelos embaraçados e oleosos. Denunciavam-na como uma plebeia.

—Eu sei que é traumatizante, mas você precisa se mexer, Kira. – a mão branca da menina tocou as costas da outra com cuidado. –Vamos antes que não tenha como sair daqui!

  Kira não se mexeu. Jessie deixou sua mão deslizar de vez envolta da menina e a abraçou..

   De repente, pelo pequeno beco por onde vieram o trio, duas pessoas montadas em cavalos apareceram: Isaac e Harry.

—Kira! – Harry gritou saindo do cavalo e correndo até ela. –O que aconteceu com ela? O QUE ACONTECEU COM ELA?

—Ela está em choque!  - respondeu Jessie.

—Kira! Kira! KIRA! – repetia Harry. –Que choque?

—A criatura contou a ela a identidade da pessoa que matou o pai dela.

—Criatura?

—Depois eu conto!

  Isaac desceu do cavalo e andou lentamente até a jovem morena. Reconheceu-a, mas não sabia o que fazer. E essa sensação de impotência era...era horrível.

  Ele se aproximou da Corriqueira, mas ainda de longe ficou olhando. Harry, impaciente, apenas esperava pela reação da jovem. Ela estava consciente, apenas não sentia vontade de sair dali. Era uma revelação pesada demais para deixar passar. Na verdade, remoer aquilo doía demais, mas ao mesmo tempo deixar de remoê-lo era sair de uma estranha zona de “conforto”.

  Sannely apareceu na frente deles. Olhou a jovem, e depois deslizou a sua visão para Taya. Ao fazer isso, Luke segurou a amada mais forte, pronto para protegê-la: ainda desconfiava um pouco do Poderoso. Ele olhou para a jovem novamente e, ainda sério, chamou-a:

—Kira! Kira!

—Você a conhece? – perguntou Taya.

  Ele olhou para a Mutante com olhos sérios, mas não respondeu. Eles eram marcados pela idade, as rugas lhe cercavam, seus olhos miúdos repousavam em meio à pele, mas expressavam mais ativação que muitos olhos de muitos jovens. Olhos castanhos escuros como tronco de árvore dos bosques fechados do sul após uma forte chuva.

—Kira! Kira! – Sannely a chamou mais, sem resposta.

—Já tentamos isso! – disse Jessie. –Ela não descongela. Está em choque!

   Isaac saiu de onde estava e foi até ela. Abaixou-se à sua frente e tocou o rosto da jovem, que estava meio quente (de raiva) e meio frio (de medo).

 -Kira, eu sei que não nos conhecemos, mas precisamos que você volte. Eu sei que é difícil, mas precisamos de você. – ele sussurrou para ela. Por alguns segundo ela nem se mexeu, mas depois, levantou a cabeça e olhou nos olhos de Isaac. Os olhos de ambos se assemelhavam demais, e ambos se perderam por alguns segundos se olhando. Ele tinha uma compaixão nos seus, ela, uma explosão de sentimentos. Algum tipo de prazer percorreu a menina por dentro em admirar o rosto daquele...estranho.

     Depois, deslizou seus olhos em volta: um jovem escuro, de saia, enrolado em sua capa; uma jovem loira com mãos escamosas; uma jovem ruiva com orelhas como às de raposa; um jovem loiro e forte, com asas que lhe desciam das costas até o chão; Harry, com cabelos ruivos de fogo, olhos profundos e preocupados. Poderia não parecer, mas viu uma certa preocupação misturada à uma leve doçura nos zói do jovem à sua frente. Ele chamou sua atenção. E...tinha aquele senhor...

—Harry? Taya? Kheryan? – depois olhou para trás de Isaac e viu Sannely. Disse: -Mestre? Mestre!

   Tentou se levantar. Vacilou tempo suficiente para Isaac e Harry estenderem suas quentes e esbranquiçadas mãos, que a filha de Lorde afastou com um leve e mal-humorado empurrão.

—Kira!

—Mestre! – ela correu até ele e o abraçou. –Mestre, eu não consegui! Eu não consegui achar Jackie, me perdoe!

—Minha jovem, você só fracassa quando o seu tempo tiver terminado. Ainda temos tempo!

—Mestre? – Taya questionou confusa. – Kira tinha um mestre? Seu pai não lhe ensinava a usar armas não?

 Ela desfez o abraço de Mestre e virou-se para ela.

—Eu, talvez, não tenha sido muito sincera na história que te contei.

—Mentiu para mim? – a voz da Mutante transbordou de uma certa indignação, expressa pelo desenho de suas sobrancelhas loiras.

—Taya, agora não é uma boa hora. – Luke interrompeu a namorada.

  Ela mexeu a cabeça positivamente.  Virou-se para o portão e disse:

—Acho que devemos passar logo para Tarínter.

—Espere! – interrompeu Harry. –Não foi aquele ali que atacou a cidade?

—Kheryan? Ele não é como os outros! – respondeu Taya.

—Como vamos saber? – Harry tinha raiva na voz. Começou a andar alguns passos na direção do garoto, mas Taya, se aproximou do ruivo, tentando impedi-lo.

—Ele não é! – Kira interrompeu, com voz forte. – Ele não é!

  Harry deixou Kheryan olhando-o com medo, se enrolando em sua capa. O Poderoso não estava de todo convencido. Demoraria para o fazer.

—Vamos para Tarinter! – disse Kira e Isaac, em uníssono. Os dois se entreolharam, mas ela fez uma expressão séria, apertando um pouco os lábios e as sobrancelhas, virando a cabeça, e mantendo firme os olhos que logo se perderam no chão, na falha tentativa de esquecer a informação recentemente absorvida.

—Isso! Vamos para Tarínter. – Isaac repetiu, meio constrangido, sentindo os olhos de Kira sobre ele. Eles não tinham expressão de fraqueza. Por um segundo, Isaac achou ter entendido pelo castanho da íris dela, quem ela era: alguém forte, que não gostava de chorar, e que ditava regras. Não errou.

   Kira e Isaac foram os primeiros a se agachar embaixo das pontas duras e frias de ferro que compunham as barras do portão. O muro era grosso o suficiente para terem que dar alguns passos para finalmente pisaram em terras tarinterianas. A paisagem daquela parte era composta de florestas um pouco diferentes de Hangária Mindória: árvores de tronco negro, folhas levemente largas e esverdeadas, alguns ipês de flores cor de rosa não muito forte, e alguns pinheiros escuros. Sabiam, por ouvir falar, que iria se tornar mata alta, mais para a frente, à alguns quilômetros adiante, com árvores de lugares chuvosos, muito chuvosos. Alguns dos troncos, sem folhas e brancos, no meio de outros completamente enfeitados de folhas largas verdes, subiam muitos metros acima. A muralha fora construída bem na parte mais acentuada dessa mudança, e que exigiria menos rochas, já que se estendiam não por todo o continente, mas apenas uma parte, do mar até a ponta do Rio Tempestade Eterna.

  Luke e Harry foram até a sala onde se encontravam os guardas. A sala retangular e de chão de terra batida, recebia no centro uma roldana de ferro pesada o suficiente para serem puxadas por mais de três escravos fortes. Ao tocar sua mão branca detalhadamente pintada de vermelho no ferro gelado escuro, áspero e desgastado por outras mãos, o Mutante temeu não conseguirem girar aquilo, apenas ele e Harry. Harry foi à posição oposta de Luke e os dois puseram o máximo de força que conseguiram ali, girando a estrutura bem levemente, o suficiente para as correntes fazerem um tilintar incômodo, enquanto seus músculos claramente se retesavam de esforço.

  Luke lançou seus olhos azuis para os de Harry, que tinha mechas desgrenhadas e ruivas espalhadas pelo seu rosto. Observaram a roldada em suas mãos, veias expostas salientes debaixo das peles. Voltaram a tentar, mas era muito pesado. Então Harry gritou por ajuda, sendo atendido por Isaac.

  Do lado de fora, Jessie olhou para o estrangeiro de terras longínquas, enrolado em uma capa úmida. Encolheu-se mais dentro dela ao ouvir a voz do Poderoso a pedir ajuda. Fingiu, sem sucesso, que não escutara.

—Não vai ajudá-los? – as orelhas dela estavam completamente em pé, séria, pronta para ouvir a desculpa que o menino claramente daria, mas ele disfarçou fazendo cara de confuso.  “Disfarçou”. –O boneco de porcelana não quer ajudar, então?

 Ele levantou seus olhos escuros, dizendo:

—Eu...Eu estou com fri...frio!

—Você é gago? – a jovem se admirou. Ele concordou com a cabeça, os olhos perdidos e medrosos, a olhar para o chão. –E então, estrangeiro gago, em que o frio interfere nos seus músculos? Quero dizer, tem músculos né?

  Ele sabia que a desculpa não iria funcionar. Só não queria fazer aquele esforço cansativo. Concordou, soltou suas mãos da capa, desenrolando-se do pano de lã, expondo o tronco do corpo.

—É, tem músculos, mas são de porcelana: delicados e fáceis de quebrar. – ela riu, mas logo parou, ao pensar que não fora lá muito educada.

  Ele ignorou, ofendido, e foi dali até a saleta, com Sannely já presente. Entendeu então, com um frio na barriga, que o velho se transladava: era poder. Arregalou os olhos, mas os outros ignoraram, focados na atividade. Faziam aquilo para os cavalos passarem, principalmente Ajudante, que Isaac não deixaria para trás por nada.

  Enquanto os rapazes se esforçavam para girar aquela roldana gigante, Jessie se aproximou de Ajudante. Meteu sua mão em uma das bolsas penduradas e tirou o mapa lá de dentro, admirando o local onde estavam: um desenho em tinta preta de largas paredes que vinham desde o mar até o Tempestade. Finalmente estava voltando para o seu reino, para onde o seu irmão estava. Mas aquilo não a consolou, apenas a deixou mais nervosa e insegura com o que encontraria lá, se ainda encontraria o seu irmão vivo, ou... “Para! Para com esse medo, seja forte!”. Mas pensar assim não a fazia sentir-se diferente.

  Alguém tocou seu ombro. Ela virou-se bruscamente, assustada, mas ficou calma ao ver Taya e seu cabelo cor de ouro, que descia ondulado pelos seus ombros.

—Fico feliz que esteja bem, Jessie! – a Mutante das escamas sorriu. –Poderia ter se...

   Jessie a abraçou, com força. E seus olhos acharam o horizonte da rua enorme e vazia, que sumia centenas de metros à frente. Taya, sem reação, apenas a envolveu também.

—Estou com medo Taya!

—Medo de quê?

  Ela fungou o nariz, evitando chorar.

—Do que pode ter acontecido com meu irmão. – ao ouvir isso, Taya a abraçou ainda mais forte. –Escute! Preciso ir pra casa o mais rápido possível. Será que eu posso...o Luke...ele tem asas! Ele...

  Taya sorriu.

—Se ele quiser te carregar, com certeza! – Taya desmanchou o abraço, e olhando nos olhos da Mutante, disse: -Vou sentir sua falta!

—Também vou sentir a sua! – a jovem respondeu.

—Para o...onde vo...você vai? – Kheryan as interrompeu.

—Não era pra você estará abrindo o portão? – questionou Taya.

—Em primeiro lugar, Kira me expulsou de lá e ajudou ela mesma a girar a roldana. Ela disse que é mais forte que eu.

—E mentiu? – questionou Jessie, que já estava entendo como era o garoto apesar de o ter conhecido em tão pouco tempo. Taya deu-lhe uma leve batida no braço, e ela sorriu.

—Em segundo lugar, – prosseguiu o garoto fingindo (e falhando) não ter se sentido incomodado – o portão já está aberto!

  E as duas viram que as barras de ferro estavam chegando quase na metade. Logo colocariam as estacas de ferro nos vãos da roldana e assim o portão se manteria parado.

  Jessie enfiou o mapa dentro da bolsa e veio puxando Ajudante para Tarínter. Taya veio atrás. E logo, estavam todos dentro do reino do norte.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado leitores! Mas muito obrigado também a George Martin que, indiretamente, por meio de A Tormenta de Espadas, me influenciou a voltar a escrever essa fantasia quase esquecida.



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