O Veredito da Tormenta escrita por StrixAlba


Capítulo 9
A aurora das sombras




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— Então, Eonys é...?! - disse Ilormu.

O portal que ele havia evocado pairava cintilante a nossa frente, partículas de areia que davam contorno ao circulo oval refletiam a luz intensa do sol da manhã. Ilormu me observava apreensivo, estávamos estáticos há alguns momentos e ignorando o portal diante de nós.

— Era... A vila para onde ela e os argênteos foram se chama Nova Avalon, são aliados da Cruzada Escarlate e ela tem todo um enclave naquela região...

— Faz sentido, o líder da cruzada morreu nessa época...

— E a general Abbendis tomou as rédeas da situação no enclave.

— Sim... Como você descobriu essa parte? Receio que não lutou contra a cruzada após ser libertado das amarras mentais do Lich Rei.

— Não precisei, me mandaram encontrá-la quando eu ainda era um dos lacaios dele. Ela estava de saída para Nortúndria, é um mulher arrogante e presunçosa.

— Nem imagino em quais circunstâncias você a viu. Mas como eu disse uma vez: medidas de segurança, nada de Áquerus, ainda mais em um momento de pico para poder do Lich. Só se for uma emergência temporal que envolva outros de ma fé.

Encarei-o levemente entediado, indicando com o olhar que estávamos perdendo o foco; Ele percebeu no mesmo instante e disse:

— Mas me diga se puder... Qual foi o destino da elfa?

— A Cruzada não é exatamente uma amiga da Aurora Argêntea, não sei exatamente o motivo. Sendo assim, seus agentes em Nova Avalon os aprisionaram. O flagelo não demorou mais de uma semana para tomar a maior parte do lugar... - encarei o portal flutuante por alguns instantes, após isso voltei meu olhar par Ilormu, que estava mais apreensivo que antes. - Nós executamos o restante dos argênteos que não foram mortos pelos cruzados... Eu fui o encarregado de matar Eonys.

Meu rosto estava rígido; o intendente parecia angustiado, mas ao mesmo tempo esperançoso.

— Você estava sob o controle de Arthas...

— Só em horas cruciais ele nos domava por completo. Nos momentos restantes, nós o servíamos de bom grado; tivemos nossas escolhas até mesmo no momento em que fomos trazidos de volta como... isso. - apontei para meu corpo com a mão direita, minha voz parecia rancorosa e determinada. - Eu fui um covarde por não aceitar a morte, por não demonstrar minhas intenções e não abraçar a morte verdadeira pelas mãos dos lacaios no instante em que eu estava lá, recém revivido.

— Você ignora o que aconteceu contigo? Eu conheci outros como você, e eles me disseram com detalhes como era ser vigiado, pressionado e comandado pelo Lich, não importava a distância, até ele perder o poder sobre vocês. - seu rosto expressava clareza.

"Não tenha piedade." - a voz do Arthas me visitou em uma lembrança naquele segundo.

Sim, o Lich nos "visitava" constantemente em nossas mentes enquanto estávamos em missões, éramos seus preciosos cavaleiros de elite, o próprio Arthas é um cavaleiro da morte.

— Escute. - disse o intendente buscando chamar minha atenção, voltada antes para o turbilhão de pensamentos tidos como fracos para outros como eu. - Já estou cansado de andar por linhas e mais linhas temporais... Apenas para perceber que as coisas acontecem por algumas razões, até mesmo as piores. Temos que preservar as tanto bonanças quanto as atrocidades dos outros para que esse mundo siga seu curso natural, mesmo que tenhamos que assistir a morte daqueles que amamos, sem poder impedir, ou compactuar com aqueles que nos proporcionaram sofrimento e dor. Que escolha temos? Reclusão?! Todos os dias eu me lembro de Milena, mas... 

Ele encarou os pinheiros e as placas de pedra bem lapidadas que formavam a capela perto de onde estávamos. 

— Talvez nem todas as coisas sigam essa regra, afinal, guiamos aquele Vesnoshir não somente para preencher um vazio discreto em sua linha, como também para que sua existência atual fosse garantida. - ele me encarou, confiante. - Seja lá quem você for, pode se mostrar bem útil um dia. Portanto, creio que você fez as escolhas certas.

— Por enquanto. - ele continuou. - Imagino que seja mais benéfico para ambos que atravessemos o portal, ele pode se dissipar a qualquer momento.

Assenti e rapidamente o fizemos em seguida. A paisagem ensolarada foi substituída por uma colina coberta pela escuridão. Mal enxergávamos a grama seca abaixo, coberta por destroços de madeira queimados que estalavam e liberavam um pó ainda mais negro quando pisávamos em suas superfícies. Avançamos para uma região mais baixa, guiados por misteriosos "relâmpagos" de luz que vinham da superfície a nordeste. 

Grunhidos e rugidos nos cercavam por todos os lados, eram os mortos-vivos errantes em grande número, mas que não conseguiam nos encontrar devido a baixa luminosidade.

"Provavelmente ainda estamos nas terras pestilentas, mas a Aurora Argêntea não estava avançando pelo território?! Então por que o número de lacaios parece ainda maior?"

Quando nos aproximamos dos "relâmpagos", encontramos um pequeno grupo de meia dúzia de argênteos lutando contra inúmeros mortos-vivos que os rodeavam. Dentre eles estava George, que liderava o grupo brandindo sua espada e se defendendo com seu escudo; Vesnoshir, atacando velozmente seus inimigos; a elfa noturna de cabelo prateado que observou meu resgate talvez meses antes; um sacerdote calvo e nitidamente tenso, a verdadeira origem da luz inconstante e dois jovens de aparência muito semelhante, cabelos curtos e castanhos, molhados pelo suor, armaduras cinzentas, tabardos negros e espadas longas.

O ápice da batalha já havia passado, pois os argênteos pareciam estar cada vez mais cansados e sobrecarregados. George cortou a cabeça de uma morta-viva descerebrada, em seguida ele partiu horizontalmente um lacaio com rosto magro e desfigurado que um dia havia pertencido a um homem. O humano ofegava, seu rosto e barba pingavam suor sob seu elmo. Ele respirou pesadamente olhando seus aliados, ergueu sua espada e voltou ao combate, dizendo:

— Mantenham-se firmes!

O flanco estava sendo protegido pelos jovens guerreiros, enquanto a elfa noturna lançava flechas ágeis que acertavam seus inimigos quando ela conseguia enxergá-los, ou seja, à medida que o sacerdote de meia-idade lançava explosões de luz que ajudavam os argênteos e danificavam as forças inimigas.

— Droga! Eles não acabam nunca! - disse um dos jovens.

— Não desistam agora! - gritou Vesnoshir.

Após alguns minutos de uma batalha cada vez mais intensa, um grito se sobressaiu aos grunhidos oriundos dos monstros do flagelo, seguido por outro, em alerta:

— Irmão! - disse o jovem contendo o lado direito do flanco, ao se virar para checar se seu parente estava bem. - Maldição!!!! 

O outro guerreiro havia parado de atacar por exaustão e foi agarrado pelos lacaios menores. Eles o puxavam para a multidão podre e seus gritos de agonia encheram a noite. O jovem guerreiro, irmão dele, havia deixado o flanco para abrir caminho entre os mortos-vivos inimigos.

— Agarre minha mão, Pedro! 

— Eu... eu não consigo. - seus olhos estavam arregalados, ele arfava e tentava gritar enquanto seus braços eram puxados e cortes eram desferidos neles pelas garras de ossos e carne podre dos lacaios ao seu redor. 

A espada do jovem reluzia a luz no chão, o sacerdote virou-se para encarar as cenas. Pedro começou a cuspir sangue após uma grande espada enferrujada em alguns pontos conseguir rasgar sua armadura e atravessar seu peito. Atrás dele estava um morto-vivo com o corpo seco e coberto pela armadura da guarda de Lordaeron, em suas mãos podres estava a espada, gravada com o símbolo da capital humana, que golpeou o jovem.

— Maldição!!!!!! - gritava seu irmão ao vê-lo morrendo, contendo-se para que as lágrimas não despencassem de seus olhos assustados.

— Não, não, não, não, não... - disse o sacerdote em choque, enquanto a luz que emitia se esvaía aos poucos dando lugar a escuridão. O homem tremia ao observar a cena.

— Gerald! - gritou Vesnoshir, lançando ondas que congelavam seus inimigos, e o humano virou-se para ele rapidamente, angustiado. - Não desis... Não... - a primeira afirmação do elfo, obstinada e interrompida foi substituída por um sussurro baixo quando ele observou a cena atrás de si.

Subitamente, outro grito encheu a noite pouco iluminada para aqueles argênteos; o irmão de Pedro desapareceu entre os lacaios, mãos o puxavam e rodeavam seu corpo jovem e tenso, ele gritou incessantemente até receber o mesmo destino de seu parente.

— Meus filhos! - gritou o sacerdote em desespero. - Não!!!

— Gerald! - disse George. - Gerald! Por favor, nós precisamos de você! 

Um clarão de luz veio em seguida acompanhado por uma onda luminosa, restaurando ligeiramente os aliados do sacerdote e partindo ao meio os mortos-vivos que estivessem no caminho. O olhar do homem de meia-idade exprimia ódio e dor ao passo que seu corpo tremia e se encolhia.

O flanco do grupo estava desprotegido e rapidamente foi preenchido pelo flagelo. Uma monstruosidade, duas vezes maior que os lacaios normais, avançou entre os mortos, esmagando e partindo os mais descuidados em sua volta. Em alguns segundos ele se aproximou do sacerdote, que se concentrava em manter um orbe de luz constante acima dele.

Lágrimas percorriam o rosto do homem calvo e seus braços erguidos tremiam. A monstruosidade hesitou por alguns instantes, tonto por causa da luz que a esfera cintilante emitia, mas logo em seguida ergueu sua lâmina pesada e atravessou Gerald sem maiores dificuldades. 

A luz cessou por completo, assim como a vida do homem, e a escuridão tomou conta do lugar por completo. Alguns instantes depois, outra súplica desesperada, desta vez uma voz feminina, se fez ouvir entre os rugidos dos decrépitos. Com dificuldade, consegui distinguir George lançando seu escudo ao chão e erguendo a mão direita para que um orbe de luz surgisse, ele procurava a origem do som.

— George!!! - gritou a elfa noturna agarrando a grama com as mãos enquanto seu corpo era puxado pela multidão podre. Seus dentes estavam cerrados e seus olhos, fortemente fechados em agonia. O arco élfico de madeira dela estava no chão há alguns metros a sua frente.

— Lucy! Não!!! - gritou ele em resposta e começou a desferir ataques nos lacaios mais próximos.

— Eu cuido desses, ajude ela! - gritou Vesnoshir, mas ele estava totalmente sobrecarregado; todas as frentes de batalha haviam sido tomadas pelos mortos-vivos.

George conseguiu agarrar a mão direita de Lucy, um lacaio, com carne exposta e um fluido podre que saía de sua boca, tentou atacá-lo, mas foi logo decapitado pelo humano ofegante. Seu corpo estava cansado, mas ele não abandonou seu olhar destemido.

Vesnoshir ao seu lado, congelou dois lacaios, que um dia poderiam ter sido, pelos seus trajes, meros camponeses de tirisfal, com a ponta de sua lâmina direita direcionada para eles. Após isso, desferiu um golpe com suas espadas em movimento contrário, cortando simultaneamente os dois deteriorados. Em seguida, três outros mortos-vivos ocuparam o lugar em que antes haviam apenas os dois recém abatidos.

— Não vou sustentar eles por muito tempo, George! - gritou Vesnoshir.

Lucy gritou em aflição quando não conseguiu mais se segurar ao braço de George com suas duas mãos. O paladino tentou aproximar seu braço mais uma vez, desferindo golpes em mais lacaios do flagelo pelo caminho, mas apenas conseguiu observá-la ser arrastada para o aglomerado inimigo.

George ficou em choque por alguns segundos, mas sua feição logo foi tomada por obstinação. Ele retornou ao combate, o orbe que ele havia evocado reluzia ainda mais forte sobre os dois últimos argênteos.

— É isso. - disse Vesnoshir ofegando. - Pelo menos morreremos lutando.

O humano não o respondeu. 

— Não vamos ficar parados aqui para sempre, Vesnoshir. - sussurrou Ilormu.

O meio-elfo começou a correr na direção oposta à dupla de argênteos e logo desapareceu na escuridão. Encarei o caminho que ele percorreu, confuso. Em seguida, empunhei minhas lâminas gêmeas e virei-me para observar os sobreviventes do grupo.

"O que você está fazendo, Ilormu?"

Comecei a avançar, em posição de combate, de encontro a multidão.

"De fato, não podemos ficar parados..."

Abati dois lacaios mais afastados, ambos a minha direita, com golpes diagonais. Continuei adentrando as forças do flagelo sem ser notado, abatendo qualquer um que estivesse em meu caminho. 

George e Vesnoshir lutavam bravamente, mas faziam intervalos de descanso cada vez mais longos apenas desviando dos ataques inimigos; Uma monstruosidade se aproximou pelo flanco dos argênteos, abri caminho entre os lacaios para alcançá-la. O brutamontes ergueu sua lâmina pesada com dificuldade, George se virava para encará-lo enquanto o elfo combatia concentradamente. Cravei minhas lâminas nas costas do grande e pútrido lacaio. Ele se contorceu e com um gemido ameaçou cair para trás, retirei rapidamente minhas espadas e o vi despencar esmagando alguns pequenos mortos-vivos que se puseram no espaço abaixo.

De repente, um forte rugido preencheu a noite, fazendo os lacaios hesitarem. Olhei para cima, bem como a maioria deles, mas calmamente e com os olhos estreitos. Alguns segundos depois, chamas douradas consumiram os mortos-vivos ao meu redor, elas espalhavam uma fumaça reluzente, que na verdade era pó de areia dourada fina. 

— Não se exponha, não é, Ilormu? - sussurrei. 

Observei os argênteos, ambos não haviam assistido a cena e tampouco a compreendiam. Vesnoshir estava agachado ao lado de George que tremia levemente com a mão sobre a barriga, sangue encharcava sua mão e armadura. Aproximei-me lentamente, ignorando a confusão que o flagelo encarava ao meu redor enquanto era consumida pelas chamas. 

Ao lado deles, jazia totalmente morto o serviçal fétido com a armadura de Lordaeron, unido a outros dois lacaios menores.

— Nós podemos sair daqui, George! - disse Vesnoshir. - Nós precisamos sair...

— Não vou muito longe com isso, jovem. Você ainda tem uma família para encontrar, sua vida vale mais que isso.

— Não vou deixar mais um para trás, não importa quem você tente mencionar para me convencer.

"Pai..." 

O jovem elfo pôs a mão sobre a ferida do paladino.

— Isso pode segurar por um tempo, use sua luz, cavaleiro. - seu rosto estava pálido e suado, bem como o de George.

Uma camada de gelo relativamente fina se formava sobre a ferida. George tentou evocar mais um orbe de luz, mas não conseguiu, sua mão tremia.

— Você ainda tem uma família, os argênteos. Você não deixará Eonys esperando, sim?

Os olhos do paladino se iluminaram com uma fagulha e ele, se esforçando ao máximo, ergueu o braço trêmulo de exausto sobre o corte e evocou um orbe fraco. Grunhiu com os dentes cerrados e deixou seu braço cair na grama úmida de sangue.

Ilormu descia de tempos em tempos, rasgando o céu com chamas e agarrava monstruosidades com suas longas garras e os jogava de alturas imensas, fazendo com que seus corpos pestilentos esmagassem os lacaios menores nas quedas. Eu continuei minha batalha pela terra, congelando e destroçando inimigos um atrás do outro em uma caminhada impiedosa.

Com dificuldade, os dois membros da Aurora se ergueram e caminharam lentamente e mancando em direção a sudeste.

— O que aconteceu aqui... Vesnoshir? - balbuciava George, tonto.

— Um milagre talvez? Stratholme e seu fogo? Os necromantes sempre mantém o fogo destruindo a cidade e estamos muito próximos a ela. - continuou ele.

— Olha, vou crer que é apenas um milagre. Eu estava disposto a morrer lá, mas já estou cansado de deixar o flagelo ganhar. - disse o elfo.

— Sim... foi uma oportunidade e tanto. Mas, o que você acha que... - ele parou tossindo, eu os seguia discretamente. - Que era o que?

— Não faço ideia, George.

— Parecia um dragão, mas eu nunca vi um pessoalmente. - ele riu fracamente. - Os elfos noturnos falavam sobre eles terem ajudado a árvore sagrada... - ele continuava caminhando, pensativo. - Quando isso tudo acabar, vou tentar encontrar um de verdade e me certificar sobre isso. 

— Por enquanto tente não se esforçar muito, para que você possa fazer isso um dia.

— Claro... Claro... - disse primeiramente com indiferença e depois com amargor.

Retornei ao combate; Ilormu havia pousado, mas erguia suas asas abertas, confundindo seus inimigos sobre seu real tamanho. Ele os atacava com as garras dianteiras e chamas. 

Após meia hora de luta, as forças do flagelo se dispersaram. Ilormu se aproximou de mim com passos pesados e barulhentos. 

— Suba. - disse ele com uma voz mais grave e ruidosa.

Assenti e sentei sobre seu dorso escamoso rapidamente. Notei que sua ferida no braço direito na forma mortal, estava agora em seu membro dianteiro ligeiramente cicatrizada, as bandagens estavam frouxas ao redor do corte. 

Ele ergueu-se lentamente até alcançarmos uma altura considerada satisfatória para o dragão bronze. Observei o céu escuro envolto pela fumaça reluzente atrás de mim, em seguida, olhei pra a pequena capela ganhando forma a sudeste. Pousamos há cerca de duzentos metros da entrada do acampamento. Desci das costas do dragão e ele voltou a sua forma costumeira.

— Desculpe a distância, há fogueiras no acampamento e não poderia mais arriscar. - ele ergueu as mãos e fez movimentos rápidos que resultaram no velho e conhecido feitiço de invisibilidade sobre nós. 

Eu assenti e caminhamos até a capela. Encontramos o acampamento iluminado por poucas fogueiras e extremamente silencioso, alguns argênteos andavam carregando objetos, sem dizer uma palavra sequer, com rostos angustiados ou indiferentes. Haviam dois bancos encostados na parede externa da construção central, que provavelmente estavam em seu interior. Sobre um deles estava Vesnoshir, sentado com os cotovelos afundados nos joelhos e com suas mãos ensanguentadas envolvendo e manchando seu rosto e cabelo loiro perolado.

Passados alguns minutos, uma humana pálida de armadura cinzenta e cabelos negros um pouco além dos ombros se aproximou e sentou-se ao lado do elfo, pondo a mão em seu ombro esquerdo com uma feição melancólica. 

— Não sei se ele vai aguentar... - disse ela.

Vesnoshir permaneceu em silêncio por alguns instantes e retirou as mãos de seu rosto.

— Notícias dos que foram para o leste? De Eonys?

A humana encarou o chão de terra abaixo, ainda mais triste.

— Não... eles partiram há uma semana e meia e nenhum deles retornou...

O silêncio se plantou entre eles mais uma vez, então Vesnoshir disse:

— Restaram tão poucos...

— Ainda assim chegam e chegarão mais para a Aurora. - eles se entreolharam. - Dárion Mograine retornou empunhando a crematória... mas a arma está corrompida e nenhum argênteo sobreviveu à missão. Ele está com Tyrosus na capela...

— Mais perdas que ganhos...

— A crematória é uma arma lendária contra o flagelo, ela ainda pode nos ajudar e até mesmo ser purificada, não podemos perder as esperanças agora. Ainda mais em uma hora crucial.

— Queria ser tão racional quanto você, Lena.

— Você é mais sensato do que imagina, Vesno.

No mesmo instante, um anão de cabelos longos, que se confundiam com sua grande barba castanha, se aproximou ofegante e tentou dizer algo, mas apenas gaguejou com a voz trêmula. Lena o encarou e disse:

— O que houve, Fjor? 

— E-eu... é... Lena, Vesnoshir... O comandante George... ele... ele... se foi. - o anão enfim conseguiu respirar, com uma feição triste e corada, tentava esconder algumas lágrimas que escapavam de seus olhos.

Lena pôs a mão esquerda sobre a boca, seus olhos se encheram de lágrimas e ela engoliu em seco. O jovem elfo ao seu lado tornou a olhar para o chão, com o rosto ligeiramente trêmulo e sombrio. Partículas de gelo saltavam próximas aos seus punhos cerrados sobre os joelhos.

— Tyrosus... - continuou o anão. - disse que ele queria ser cremado... mesmo sendo diferente dos costumes de Lordaeron... ele... a pira já tá pronta. Ele tá esperando vocês para iniciar a cerimônia.

Vesnoshir e lena se entreolharam mais uma vez e assentiram, melancólicos, um para o outro. Após isso, eles se levantaram e iniciaram uma caminhada, seguindo o anão.

Ilormu, já em sua forma de meio-elfo, e eu arrodeamos a capela. Atrás dela estava uma pequena plataforma de galhos e troncos finos de madeira cobertos por palha, sobre ela estava o corpo, despido de armadura, suor e sangue, de George, coberto por uma mortalha branca com o símbolo da Aurora em seu centro. Ao redor da pira estavam todos os argênteos restantes, ou seja, pouco mais que a metade em relação há algumas semanas.

Três homens que tinham seus rostos cobertos pelos elmos da Aurora Argêntea rodeavam a pira, na ponta restante estava Tyrosus, também segurando uma tocha, com uma expressão séria e triste. Ao lado dele estava o jovem Dárion Mograine, com a crematória em suas costas, ele parecia pensativo e reflexivo, mas ao mesmo tempo desolado.

Após Vesnoshir, Lena e Fjor se juntarem ao grupo, o homem ruivo que liderava a Aurora Argêntea deu um passo a frente e disse:

— Companheiros da Aurora Argêntea! Vivemos sob a sombra de uma era soturna. Hoje, vimos a escuridão se erguer no lugar do sol e levar muitos de nossos aliados, amigos, companheiros. Embora a perda daqueles que são queridos por nós seja tão grande quanto a nossa dor, não devemos deixar que ela penetre em nossas almas e torne tudo isso banal, pois é dessa forma que o flagelo encara a morte. Hoje, entregamos um de nossos irmãos para luz e nela ele estará sempre entre nós. Ele será lembrado enquanto ainda respirarmos e a luz percorrer nossas mentes e nossos corações, ajudando-nos a abater os lacaios do príncipe Arthas e guiar aqueles que precisarem.

— Sabemos que eles querem as terras pestilentas para eles e rapidamente tentarão profanar a capela, mas falharão! Eles tentarão extinguir as chamas da luz, do sol de for preciso, mas nunca conseguirão, pois é nas horas mais sombrias que a luz brilha com maior intensidade!

Ouviram-se gritos de obstinação e comprovação de todos os argênteos, erguendo seus braços e brandando o nome de George para os céus. Diante disso, Tyrosus e os outros três cavaleiros pousaram as tochas sobre a pira e todos observaram as chamas ganharem espaço, mais vivas, fortes e altas do que o fogo de qualquer fogueira comum.

Ilormu e eu distanciamo-nos da cena, alcançamos a velha estalagem abandonada, iluminada aos poucos pela luz da alvorada. Ele começa a evocar um novo portal, silenciosamente.

— Não podemos me salvar para sempre, Ilormu. 

Ele riu e me encarou, estranhamente otimista.

— Sei disso. Embora não saiba como sua vida terá fim... eu sei desde o início acerca de quantos portais eu precisaria abrir pra lhe mostrar sua vida, e aquele portal não foi o último.

A elipse temporal ganhou forma e cintilava mais uma vez a minha frente. 

— Está pronto? - disse ele.

Eu assenti e me direcionei à passagem. Quando eu estava prestes a atravessá-la, Ilormu afirmou:

— Ah e... Vesno... Creio que seja melhor não interferimos no próximo.


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