O Veredito da Tormenta escrita por StrixAlba


Capítulo 8
Família




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Ilormu se escorou em uma das paredes laterais e externas da capela da esperança da luz. O acampamento da Aurora Argêntea estava banhado pela intensa luz do sol matinal, o lugar parecia estar mais vivo em comparação a qualquer outro das terras pestilentas. Cruzei meus braços, eu estava de pé e estático ao lado esquerdo do intendente, observando a cena à minha frente.

Os integrantes da Aurora estavam reunidos no centro do local; Orcs, anões, elfos noturnos, humanos e até elfos vindos de Quel'thalas eram os mais numerosos dentre o grupo que aumentava a cada semana. Eles observavam e ouviam atentos dois humanos diante deles, um deles era um jovem homem de estatura média, rosto obstinado, cabelos loiros e despenteados e trajes argênteos, que falava alto, exibindo seu objetivo:

— Por favor, não respondam inconscientemente e eu não ficarei ofendido caso recusem. De qualquer forma, se vocês querem, assim como eu, ver meu pai libertado, então deem um passo a frente e se apresentem.

Reconheci a voz do humano quase instantaneamente, embora mais jovial e esperançosa, ela pertencia ao Dárion Mograine, filho do paladino Alexandros Mograine, o primeiro a empunhar a máquina de destruição contra o flagelo: uma espada nomeada por ele como Crematória.

Após receber breves segundos de silêncio, Dárion observou uma orquisa de cabelos negros e presos, que eu havia visto discutindo com um elfo no dia anterior, manifestar-se:

— Humano, você adentraria imprudentemente uma fortaleza do flagelo, mesmo sabendo que não sairia de lá vivo...— seus olhos se estreitaram, indicando sua desconfiança.- Só para salvar alguém que todo mundo pensa estar morto. É isso que sugere?

Dárion assentiu com a cabeça ligeiramente e disse:

Sim, Grunn'holde.

Posso saber o motivo disso?

— Porque ele é meu pai! respondeu com uma feição obstinada e honesta. - Já é um motivo suficiente para isso.

Seu pai é uma lenda pelo estrago que ele fez às forças do Lich Rei, as mesmas forças que quase exterminaram meu povo.— disse o elfo de cabelos loiros e longos ao lado da orquisa. - Será uma honra libertá-lo e a Crematória também.— ele deu um passo a frente. - Me chamo Ferelyn e me ofereço à sua causa.

Sou Brannigan Malho do Trovão, filho do honrável  Seamus Malho do Trovão do poderoso clã Martelo Selvagem.— disse um anão próximo ao elfo, enfatizando o nome de seu clã e seu sobrenome. - E o último guerreiro vivo.  Eu não recusarei esse desafio! - com esse veredito, ele lançou o martelo que empunhava na mão direita ao chão diante dele e deu um passo a frente.

Agradeço, Ferelyn, Brannigan.— disse Dárion.

Uma figura misteriosa e encapuzada deu dois passos a frente e pousou seu cajado, que tinha uma enorme gema azul em sua ponta superior, no terreno descoberto abaixo dele; Ele vestia o tabardo da Aurora Argêntea e roupas leves, provavelmente era um mago humano.

O homem ao lado de Dárion tinha um rosto mais velho e centrado, cabelo e bigode curtos e ruivos, uma grande espada nas costas e um tapa-olho cobrindo seu olho direito. Ele se virou para o jovem humano, observando-o com o órgão restante e disse:

Ele não costuma falar... A maioria não sabe seu nome, mas ele se chama Castillian.

Certo... Obrigado por se juntar ao grupo... Castillian.— O jovem observou novamente o grupo. - Alguém mais?

Os demais argênteos permaneceram em silêncio, alguns desviavam o olhar ou abaixavam seus rostos; Encontrei minha versão mais vívida ao lado de Eonys dentre eles completamente inexpressivo, mas atento.

Que seja, vamos partir agora.— disse ele.

Humano!— disse a orquisa que o questionara. - Vocês, seus tolos, acham que vão sobreviver sem mim?—  ela riu como um bom e destemido orc. - Além disso, orcs também tem famílias. Nossa linhagem é preciosa.

— Não tenho dúvidas disso. -  respondeu Dárion, sorrindo ligeiramente. - Bem vinda então. Vamos!

Após alguns minutos, os argênteos que se dispuseram a ajudar o humano partiram sobre grifos emprestados por uma anã responsável por cuidar deles. Em seguida, o grupo maior se dispersou e seus integrantes voltaram para suas atividades rotineiras no acampamento.

— Pensei que veríamos mais nessa. - sussurei para Ilormu.

Ele me encarou por alguns instantes em resposta e falou:

— Bem, você pode descobrir algo. - ele ergueu o braço esquerdo apontando para dois elfos que se afastavam do acampamento em direção ao norte, eram Vesnoshir e Eonys.

— E você? 

— Vou checar o corte e trocar as bandagens. Esperarei você atrás da capela para o próximo portal, sim?

Assenti com a cabeça, ele começou a caminhar para o local desejado. Volto minha atenção para os dois elfos que partiam sozinhos para um lugar mais reservado no acampamento. Em seguida, comecei a avançar cuidadosamente por entre as tendas, seguindo-os há uma distância razoável.

Encontrei-os sentados sobre uma porção de grama verde em um pequeno monte, cercados por pinheiros vívidos, um poço próximo feito de pedras e madeira velha e uma brisa convidativa. Eonys envolvia os joelhos dobrados com seus braços e observava a vegetação mesclada com a podridão ao norte. Certifiquei-me de ficar relativamente distante para que ela não me notasse como na última vez.

— Você acha que...- disse a elfa.

— Claro. - Concordou Vesnoshir, encarando-a com seus olhos azuis e descontraídos. - Não precisa de toda essa insegurança, vai dar tudo certo.

— É eu sei, mas não é insegurança, eu só não conheço humanos tão bem.

— Eu também não, mas eles não parecem tão diferentes de nós, ainda mais para essas coisas. 

A elfa suspirou com a cabeça baixa e tornou a respirar lentamente.

— Não vou falar com ele agora.

— Não precisa se preocupar com isso, a não ser que vocês... - Vesnoshir franziu o cenho pensando em uma forma melhor de dizer o que estava pensando. - Fracassem, o que é pouco provável, vocês tem todo o tempo necessário.

O elfo passou a olhar para o horizonte com uma expressão séria, pensativo. Eonys retomou o assunto com um sorriso simpático no rosto:

— E você... não tem uma...?

"É sério? Namorados?! Eles estão falando disso?!"

— Namorada? -  ele respondeu.

Ela assentiu com a cabeça, ligeiramente envergonhada.

— Eu... tive uma. Não sei se ela sobreviveu...

— Ah...

— Como você escapou de Luaprata?

Eonys o observou por alguns instantes com os olhos estreitos e falou:

— Eu não... escapei de Luaprata, não precisei, nem minha família.

— Como?

— Recebemos ajuda, alguém que conhecia o subterrâneo da cidade, levou inúmeros elfos até sua casa pelos túneis até o ataque cessar. Devemos muito a ela... Mas e você e... sua família? Não precisa responder caso...

Vesnoshir observava a grama saudável abaixo dele com pesar. 

— Não há problema... Fugi a pedido do meu pai na vanguarda de defesa dos portões, provavelmente ele se foi em seguida... - disse ele com a voz carregada de rancor e angústia. - Minha mãe e irmã deixaram a cidade alguns dias antes, graças a minha... a uma amiga da família: Alshira.

Eonys franziu o cenho e o encarou com uma feição de familiaridade.

— Alshira? Alshira Beloralba? Da família de magísteres?

— Sim... - respondeu o elfo, confuso.

— Foi ela! Ela quem salvou minha família! Ela sobreviveu.

O elfo aparentava não saber o que pensar, ficou imóvel com os olhos ligeiramente arregalados de surpresa, um sorriso de felicidade se formava em seu rosto.

— Alshira... Anah'alah belore, Eonys!! Não sei o que dizer, mas... obrigado.

Ela sorriu em resposta e respondeu:

— Foi uma ótima coincidência.

— Sim. - ele concordou. - Gostaria de voltar a Luaprata, de revê-la o quanto antes, mas tenho um dever aqui, não vou deixar a Aurora até que o flagelo tenha sido expulso dessas terras.

— Não se preocupe, vocês terão todo o tempo necessário. - disse a elfa com um tom familiar.

A brisa acariciava e afastava os cabelos claros e soltos do rosto de Vesnoshir, enquanto ele parecia procurar suas memórias. 

— O rei Anasterian... sobreviveu também? - disse ele.

Eonys espremeu os lábios com tristeza.

— Arthas... o matou. Kael'thas assumiu o trono, ele nos rebatizou como elfos sangrentos... pois muito mais da metade de nosso povo pereceu.

Vesnoshir parecia extremamente triste com a notícia e disse, desanimado:

— Elfos... sangrentos... Talvez eu demore um pouco para me acostumar, mas gostei da homenagem.

— Não acaba aí... Luaprata está passando por uma crise, mal conseguimos enterrar os mortos e novos surgem. A nascente foi corrompida e está causando doenças em quem fica perto dela muito tempo ou em quem pensa em usá-la. Os magísteres estão desesperados por alguma fonte de magia enquanto o resto do povo busca deter os lacaios restantes do Lich Rei... Não sei muito o que aconteceu depois, pois resolvi vir ao sul em busca de algum tipo de ajuda.

— A Aliança sequer se manifestou?

— Como se já não fosse ruim o príncipe deles ter dizimado parte de nosso povo... - ela cerrou os punhos sobre a grama. - Ela está demorando para se pronunciar a respeito. Imagino que o caos está plantado em Lordaeron para que eles possam fazer qualquer coisa; Os boatos sobre o assassinato do rei humano Terenas são reais...

O jovem elfo olhava para o chão, engolindo em seco; A tristeza era visível em seu rosto e ele agarrava a grama abaixo com relativa força.

"Então ela está viva, afinal."

Fui em direção à capela e encontrei Ilormu sentado, apoiando-se na parede traseira da construção. Ele ergueu o rosto quando me aproximei e assentiu com a cabeça, levantou-se e começou a fazer os movimentos para a conjuração do portal oval. Em alguns instantes após ter sido feito, nós o atravessamos, deparando-nos com a mesma paisagem, mas envolvida pela escuridão da noite, luzes do fogo das fogueiras e estrelas cintilantes no céu.

Próximos dali, o grupo dos argênteos jantavam distribuídos em mesas retangulares de madeira relativamente grandes e cheias de banquetes em suas superfícies. O acampamento os rodeava e eles pareciam festivos e contentes, algo pouco provável de alguém demonstrar nas terras pestilentas.

Vesnoshir estava sentado ao lado de George, um orc de cabelos trançados e barba castanhos, uma humana pálida de cabelos negros e relativamente longos e um olhar desafiador e um anão de cabelo cinzento, que não parava de colocar mais cerveja em seu caneco, em uma mesa próxima ao centro da disposição das mesas, onde estava uma grande fogueira. 

— Lena! - disse George. - Passe um pouco dessa carne. - apontou para uma bandeja com rodelas de carne assadas.

— Aqui. - respondeu ela, entregando-a.

— Céus, faz tempo que não como e bebo tanto... hic! -  disse o anão.

— Isso não é uma novidade, Donovan. - disse o orc e em seguida mordeu um pernil que segurava com a mão direita.

— A caça e a comida armazenada nas últimas semanas tinham que valer de algo, pelo menos, levantaram a moral de todos! - afirmou George.

— Sim, principalmente agora que finalmente vamos iniciar ofensivas ao oeste. - falou a humana.

— Que tal um brinde? - Donovan sugeriu.

— Espere. - pediu Vesnoshr. - Onde está Eonys?

— É... Já era pra ela ter chegado. - disse George, pensativo.

Alguns instantes depois, Eonys apareceu em um vestido longo, sem mangas e azulado, seus olhos azuis se destacavam mesmo na escuridão, favorecendo seu belo rosto e estava sem seu tabardo ou cajado; Seus cabelos, antes pouco abaixo dos ombros, estavam na altura da nuca, parte deles estavam postos atrás de sua longa orelha élfica esquerda. 

— Olha só! - afirmou Lena, entusiasmada.

George a admirava, aparentemente sem respirar por alguns instantes, mas logo se recompôs, torcendo para que ninguém o tivesse notado e pigarreou:

— Hum... você está linda, Eonys. 

O rosto da elfa corou e o breve silêncio foi interrompido pela voz do anão:

— Podemos brindar agora?

— Vamos, Eonys, sente-se! - disse Vesnoshir. 

Ela se sentou ao lado esquerdo de George, que tinha o rosto levemente corado, mas logo retornou sua atenção para o resto do grupo.

— Sim, Donovan, podemos brindar agora.

— Ótimo! Kug! Faça as honras orc... hic!

— Bah, tudo bem. 

Os membros da mesa ergueram seus copos e canecos e aguardaram brevemente o orc se manifestar:

—Pelo fim do flagelo! Pelas nossas famílias!

E assim todos repetiram aquelas frases, chocando seus recipientes uns contra os  dos outros, com sorrisos abertos nos rostos. 

Me distanciei da festa com uma caminhada em direção ao sul. Ilormu me acompanhava, distraído. Passados dez minutos, encontramos uma estalagem abandonada, havia uma pequena placa com as letras e uma figura fracamente visíveis, ainda mais na escuridão. As janelas do primeiro andar estavam quase todas quebradas e o estalado da madeira após um dia intenso de sol era audível.

— Aquelas mesas todas... é, agora está explicado de onde elas vieram. - disse o intendente.

— Talvez. - respondi. 

O meio elfo começou a evocar um portal com o farfalhar cintilante da magia imbuída com as areias do tempo.

— Quantas mais faltam?

— Não muitas, creio. - Ilormu respondeu.

Adentrei o portal, mais uma vez a capela estava envolta pela luz da manhã, mas o vento frio indicava que poucas horas haviam se passado desde o nascer do sol. Estávamos mais afastados do acampamento, algumas carroças guiadas por cavalos estavam paradas, poucas delas com caixas cobertas por algum tipo de lona cinzenta, já outras forneciam cobertura de tecido grosso para alguns passageiros, que se preparavam para partir. 

— Você tem mesmo que ir com eles? - disse o jovem Vesnoshir para sua amiga, Eonys, em frente a uma carroça mais próxima. A elfa ajeitou seu tabardo ligeiramente; O orc Kug e o anão Donovan já estavam sentados sobre o transporte, conversando alguma coisa entre si.

— Sim, Vesno. - ela respondeu. Há uma vila a leste daqui, ainda intocada pela praga. Podemos conseguir aliados valiosos por lá.

"Até conseguiriam, se Nova Avalon já não tivesse outra aliada."

George se aproximou de Vesnoshir, colocando a mão esquerda sobre o ombro direito do elfo.

— Lena está chamando você. Pretendemos avançar mais para o oeste hoje.

O elfo assentiu, com uma expressão casual e disse:

— Melhor eu ir logo. Boa sorte, Eonys. Diga um adeus a Kug, Donovan e Ellen por mim.

Ele avançou na direção oposta, em que havia, mais afastado dali, um grupo de argênteos se organizando para uma patrulha. Entretanto, George ficou.

— Eu concordo com o Vesno...

A elfa sorriu ligeiramente em resposta e olhou para a carroça atrás de si como se não houvesse nada que ele pudesse fazer.

— Boa viagem, Eonys. - disse ele, expressando pouco ânimo.

— Não seja tão dramático, George! Em menos de uma semana estarei de volta.

— Eu sei, mas... hum... se cuide.

Ela riu e se aproximou com poucos passos. 

— Eu vou ficar bem. 

Cuidadosamente, Eonys pôs a mão esquerda e esbelta sobre o rosto do humano, que permaneceu em silêncio, encarando-a. Ele imitou seu gesto da elfa em seguida e ambos se observaram por alguns instantes, aproximando seus rostos cada vez mais, até encontrar seu desfecho em um beijo simples por alguns segundos.

A carroça estava quase completa, com cerca de uma dúzia de argênteos de todas as raças, Kug se levantou para chamar a última passageira que faltava, mas se deparou com Eonys e George envolvidos em um beijo. O orc pigarreou, ligeiramente envergonhado e chamou a elfa:

— Er... Estamos prontos para partir, Eonys.

— Olha só, um casalzinho novo por aqui. - Donovas se intrometeu com um sorriso tendencioso em seu rosto.

— Adeus, Eonys.- sussurou George enquanto se abraçavam.

— Até breve, Raimundo George.

— Hey!

A elfa riu com o descontentamento do humano.

— Você sabe que eu prefiro só George.

— Claro. - disse ela, ainda rindo. - Tudo pronto, Kug.

"Não... Não a deixe ir"

Sem me dar conta, avancei alguns passos na direção deles.

"A Cruzada Escarlate domina Nova Avalon! Não deixe ela ir!" 

Segurar aquelas palavras resultavam na minha aproximação impensada. Ilormu pôs a mão em meu ombro direito de forma a chamar minha atenção.

— Não se exponha.- ele sussurrou.

Parei há alguns metros de distância de George, que observava os transportes partirem ao som do galope dos cavalos que os guiavam.

Foi a última vez que eles se viram.


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Notas finais do capítulo

Os trechos em itálico referentes aos personagens: Dárion Mograine, Brannigan Malho do Trovão, Maximiliano Tyrosus, Grunn'holde e Ferelyn Bloodscorn; no início do capítulo, foram baseados e parafraseados da terceira edição da HQ( História em Quadrinhos) de World of Warcraft : Ashbringer (da editora Wildstorm productions). Os eventuais diálogos e detalhes originais desta história são de minha propriedade intelectual. História sem fins lucrativos criada de fã e para fã sem comprometer a obra original.


Agradeço a quem chegou até aqui e até a próxima.

Abraços, Strix.



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