Yume escrita por Zatanna


Capítulo 8
Parte VII: Memento Mori




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Eu quero experimentar o êxtase. Ainda estou
me acostumando com esse novo mundo
perante mim.

 

A mulher de cabelos escuros estava atrasada para uma entrevista de emprego, caminhava pelas ruas com seus saltos altos da forma mais ágil que podia. Fingir elegância naquele momento não iria ajudá-la.

Era uma adolescente entrando na fase adulta, afinal.

Aos seus dezoito anos, ainda se sentia jovem demais para fazer aquilo, se fosse levar em consideração suas amigas com sonhos de ir para a faculdade, e não tão jovem se fosse levar em consideração a sua paixão e ofício principais, porém precisava do emprego para concluir seu sonho de patinar no gelo, nas pistas do exterior. O país não a bancaria, visto que já tinham a sua candidata predileta.

Infelizmente, não era ela. 

O seu objetivo principal era juntar dinheiro para investir em si mesma, porém sua família não possuía economias suficientes para isso. Ir a uma empresa internacional, impressionar o presidente e, quem sabe, fazê-lo investir nela — talvez, talvez seus sonhos fossem possíveis. Ela sentia que faltava algo em sua vida, alguma coisa que valesse tudo. Tentaria não só conseguir o emprego, mas conseguir o que era realmente boa: investimento para patinar.

Sempre teve vocação. De toda forma.

Na pressa, indo e vindo naquela turbulência emocional e racional das ruas lotadas de pessoas, não percebeu o homem que enfiou um folheto na direção de seu rosto. Ela parou, surpresa demais para continuar.

 

Last Theater apresenta:

Chavvot

 

Havia uma atriz vestida de menina com um grande sorriso, ela não queria parar para ler aquilo, embora se perguntasse de onde conhecia aquele nome. Ia embora, porém, quando olhou para frente, tudo se tornou uma coisa só.

Um homem, que aparentemente era sério, sorria. Um sorriso bonito, sincero e que ela conhecia. Ele tinha cabelos diferentes e brancos, embora fosse jovem – como ela. Os olhos azulados eram bonitos também e não parecia ser japonês, tinha algo nele que era familiar demais, mas nunca havia o visto em toda a sua vida.

Sua vida.

Vida.

— Decim.

Engasgou ao dizer. A palavra surgiu em sua boca, sem saber o motivo de pronunciá-la. Em seus olhos surgiram lágrimas enquanto o sorriso na boca dele ampliava. Algo estava errado, ao mesmo tempo, certo.

O que era aquilo?

O coração dela batia descompassadamente, os olhos lacrimejavam e percebeu que todo seu corpo respondia aquele mero sorriso. O que estava acontecendo consigo? Pequenos flashs apareceram em sua mente e fizeram sua cabeça doer.

Ela o conhecia.

Mas de onde?

— Chiyuki.

A voz dele era diferente de tudo que havia ouvido. Era um chamado, uma benção. Não era a mais bela das vozes, mas era a mais bela que ela tinha ouvido e gostado. A boca dele chamava a atenção dela, os olhos, a expressão.

Tudo.

Quem era Chiyuki?

O nome dela era Amai. Quem era Chiyuki? Por que ele a chamava daquela forma? Sua cabeça continuava doendo, mas sentia mais peso em seu coração, colocou a mão no peito.

Recordou-se do homem à sua frente, com um rosto envelhecido, vestindo roupas tradicionais de barman. Como poderia se recordar de um homem que era mais jovem e, em suas lembranças, mais velho? O que estava acontecendo?

Poderiam ser pessoas diferentes, mas não: eram a mesma pessoa.

Tinha certeza.

 Ela o beijava, em um quarto estranho. Abraçava-o sem desejar soltar. Sentia seu coração bater descompensado enquanto suas vistas embaçavam ao ver seu sorriso pela primeira vez.

Ela o amava. Ou amou.

Ou ainda amava agora, ansiosa com o passo que dava.

Mas como amava alguém que não conhecia?

— Eu esperei muito tempo por você — murmurou, tirando uma mecha de cabelo do rosto, uma mecha branca. A única que tinha desde que podia se recordar. — Você consegue se recordar de mim, Chiyuki-san?

Chiyuki-san.

Chiyuki-san.

Chiyuki-san.

— Você era mais formal antes, Decim-san.

Comentou, sorrindo e sentindo as lágrimas escorrerem por seu rosto. Recordava-se de tudo, embora sua cabeça ainda doesse. Lembrava-se do Quindecim, das pessoas que conheceu, do seu amor à vida além da patinação.

Lembrou-se de seu amor por sua antiga mãe.

Recordou-se de seu amor por Decim.

Era estranho, nunca tinha visto aquele homem, porém, ainda assim, pela primeira vez, desejou ser beijada por alguém. Agora, compreendia o motivo de nunca ter se interessado por um homem ou mulher, ou qualquer coisa.

Ela já tinha alguém. Ela já sabia que tinha alguém.

Antes que dissesse mais alguma coisa, ou antes que ele pudesse fazer algo. Pulou à direção dele, jogando os braços em seus ombros e beijando-lhe a boca com um sorriso nos lábios. Os lábios macios a recepcionaram, delicados a princípio, mas a saudade falava tão alto que rugia como um monstro faminto.

 Os braços dele a abraçaram e, então, Chiyuki – ou Amai – percebeu que, finalmente, tudo ficaria bem. Ao menos, até se recordar de sua atual vida que entrava em conflito com a antiga.

Ela se separou dele, sorrindo e puxando-o pelo braço.

— Eu estou quase atrasada para uma entrevista! — exclamou, rindo. — Você gostaria de vir comigo? Gostaria de ficar sempre comigo, Decim?

A boca dele entreabriu, parecia confuso.

— Meu nome aqui é Yuuhi.

Chiyuki continuou puxando-o, os seus dedos entrelaçavam enquanto andavam pelas ruas.

— Você sempre será Decim, para mim.

Sempre. O rapaz de cabelos brancos sorriu com a palavra, agora, entendia a sensação do coração que bate sem sentir nenhum desconforto, das aves que voavam por todos os lados, dos humanos que preferiam ficar sem fazer nada ao viver intensamente, da preguiça, da fome, do amor, das amizades, do sacrifício e do heroísmo.

Ele entendia ainda mais a eternidade do sempre.

O sempre que acaba, mas permanece.

Decim queria viver isso ao lado de Chiyuki, não somente agora, mas para sempre. Ele andava atrás dela, apressada, entre as ruas movimentadas, apertando fortemente sua mão como se não quisesse se desgrudar, perder.

Nenhum dos dois havia mudado sua fisionomia completamente, só pareciam mais jovens, mais dispostos. Por causa disso, acompanhou-a em sua velocidade, onde quer que fosse, até que subitamente parou e o encarou com um sorriso.

A vida dela começava agora também.

Ainda tinham muito o que viver, experimentar, ambos estava se acostumando com o que era viver, percebeu, porque uma parte começava e não teria mais fim, esperava. Ela aprendia a viver valorizando a vida; enquanto, a partir daquele momento, faria as coisas ao lado da pessoa que lhe mostrou o significado de tudo.

Decim, com o passar do tempo, tanto quanto Chiyuki perceberam que a vida tinha diversos inícios e fins. O início do namoro, o fim do namoro para o começo do noivado. O mesmo se deu quando casaram dois anos depois do primeiro encontro, em um país da Europa.

Todos os inícios e fins que vivenciaram eram interligados. Para que algo começasse, outra tinha que terminar. Nesse vai e vem, Decim percebeu que viver plenamente era completar esse ciclo repleto de diversos outros.

Eles viveram plenamente.

Poderiam ter morrido abraçados em uma cama com as mãos entrelaçadas, sem dor ou remorso contra a velhice; como comentaram e planejaram algumas vezes durante os quarenta anos que estiveram juntos. Com um beijo doce antes de dormir e a promessa de que, ao abrirem os olhos, ver-se-iam outra vez na Quindecim.

No entanto, a morte não foi tão doce para com eles como havia sido para Ginti e Memine, que encontraram no dia do casamento como um grande escultor que faria uma figura do casal em madeira.

O escultor e sua assistente humana.

Decim sorriu, até o fim, percebeu Chiyuki, que fez o mesmo. Enquanto o avião que estavam caia no oceano e o desesperado se alastrava pelos outros passageiros com medo de enfrentar o desconhecido, os dois se encararam como se nunca tivessem feito aquilo antes.

O amor transbordava em cada canta dos olhos, da boca e do coração. Decim segurava o rosto dela como se nunca tivesse o feito, como se fosse a emoção da primeira vez do beijo, do sexo e do primeiro olhar.

A vida passava como um flash, rápida e como uma pequena luz que cegava os olhos e acalmava o coração aflito. Talvez eles não se recordassem de como morreram naquele trágico acidente, mas com toda certeza estariam juntos e lembrariam para sempre sobre viver.

Realmente viver.

Sejam bem-vindos ao Quindecim.


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