Yume escrita por Zatanna


Capítulo 7
Parte VI: Regras do Jogo




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Primeira: eu não posso responder à pergunta
sobre o lugar em que estão. Segunda: Agora,
vocês jogarão um jogo. Terceira: o conteúdo de
tal jogo será escolhido pela roleta. Quarta:
Neste jogo, vocês apostarão suas vidas.
Quinta: até que o jogo acabe, não poderão
deixar este bar.

 

— Eu já estou indo, então.

Nona disse enquanto sorria e agarrava o braço de Chiyuki enquanto encarava Oculus. Oculus teria deixado um dos humanos ir para o Vazio, ou deixaria os três irem, sem pensar em amor, em sentimentos.

No entanto, as palavras de Chiyuki ainda vibravam dentro dele.

Como deixar que desistam se o que agarram é o amor? Como deixar que sejam falhas, da forma que você disse, se você não deixa que vivam a partir das suas escolhas? Você pode achar que não existe escolha, mas se sacrificar por alguém que ama, sem se importar com o que acontece com a sua própria vida, é a forma mais bela de dar significado a vida, porque foi por amor. Não amor por si mesmo ou a sua própria vida, mas por amar o próximo.

— Chiyuki-chan, ­— chamou-a, fazendo com que sua gerente e ela parassem antes de entrar no elevador que Clavis esperava-as. — Você se sacrificaria por Decim da mesma forma, não é?

A mulher de cabelos negros sorriu, sem nem pensar.

— Sim. Mais de uma vez, se fosse preciso.

As portas do elevador se fecharam, deixando Oculus sozinho, pensativo sobre as mudanças de Nona e sobre deixá-la fazer seu experimento. Ele havia perdido de propósito a partida de bilhar e, independente do julgamento, deixaria que fizesse o que planejava. O homem já estava cansado. A humanidade mudava, tinha escolha de fazer seus sacrifícios, por que os bonecos não poderiam ter também? Isso poderia arruiná-los, deixou claro para Nona.

Mas mesmo assim, ela não desistiu. Era somente um teste, dois de trezentos. Eram um número importante para os sete mil que morriam e precisavam de julgamento, mas poderia criar mais. Aumentar o espaço e trazer mais almas do Vazio.

Só dessa vez, não era sempre que precisava ceder a caprichos de bonecos e, principalmente, humanos. Esperaria, em sua curiosidade, para ver quem estava certo ou errado.

No mesmo instante, Nona ordenava a Clavis que parasse no vigésimo andar e buscasse Ginti. Eles desciam para o Quindecim quando o boneco de cabelos vermelhos disse:

— Impressionante como aquele idiota não faz seu trabalho direito, tsc — comentou, chamando atenção dos outros três. — Ele já deveria ter a julgado e a mandado para onde quer que fosse há muito tempo.

Contudo, embora dissesse isso, Ginti havia percebido que não existiam marcas de corrosão no corpo da humana. O que estava acontecendo e por qual motivo a humana de Decim estava com Nona?

Ele deveria cuidar melhor do que era seu, ao invés de largar os brinquedos por aí; pensou, ao menos, fingia pensar dessa forma. Desde Mayu, mesmo que inconscientemente, Ginti começou a questionar tudo, suas funções, além das relações com os humanos.

Mas passaria, sabia bem disso.

Chegaram na Quindecim, as portas do elevador estavam abertas e não tinha ninguém para recepcioná-los. Naquele instante, Chiyuki ficou nervosa, pois outrora tinha imaginado que jamais voltaria a vê-lo.

E estava ali, tão próxima que conseguia senti-lo.

Qual seria a reação dele após descobrir que estava viva, ou melhor, ainda morta? Decim se sentiria incomodado? Ele disse que a amava, mesmo que sem palavras. Desejava que estivesse feliz tão quanto se sentia por poder vê-lo de novo.

Queria tocá-lo.

No entanto, quando todos saíram do elevador, até mesmo Clavis, Chiyuki estagnou. Seu rosto queimava, seu coração batia forte. Sentia tudo ao mesmo tempo, por isso, mordia a boca para se conter.

Decim não estava esperando visita, com certeza tinha ouvido o elevador. Em breve, viria verificar. Chiyuki precisava conseguir dar seu primeiro passo, não conseguia nem olhar para a expressão confusa dos demais e se explicar. Nem isso.

Queria chegar até o barman.

Mas não andava.

Ginti a agarrou pelo braço e a puxou do elevador, reclamando sobre sua atitude. Chiyuki se soltou, imediatamente, observando o franzir de cenho de Nona. Até que, finalmente, a mulher baixa compreendeu.

— Vai ficar tudo bem, você conseguiu lidar com o velho.

— Velho?

Chiyuki esperava ouvir os passos de Decim a qualquer momento, mas não aconteceu. Talvez ele tivesse ido fazer compras, isso aliviou um pouco o coração dela, somente um pouco enquanto caminhava para dentro do bar.

Quando chegaram, não tinha ninguém.

— Onde está aquele idiota?

Nona socou o nariz de Ginti, para mantê-lo calado. Era muito mais produtivo quando se mantinha no silêncio ou fazendo seu trabalho, porém, o experimento só seria bem feito se houvessem dois opostos. Ginti e Decim eram, definitivamente, a maior oposição que poderia encontrar em toda a torre.

— Chiyuki, veja no seu antigo cômodo — Nona piscou para a moça que estava surpresa. — Iremos esperar aqui.

Os olhos cor de violeta tremeluziram junto com o vermelho leve que manchava suas bochechas. Estava nervosa, mas imaginava que Nona havia a mandado para longe para se manter calma. Decim não estaria no cômodo antigo que ela utilizava, não fazia nem sentido.

Caminhou até lá e se demorou na porta, por algum motivo. Ela queria que Decim estivesse lá. Não é como se estivesse lá com toda aquela inexpressividade compulsiva, claro que não estaria.

Mas a esperança era a última que morria. E podia renascer das cinzas do coração como uma fênix renasce para a vida.

O coração dela bateu descompassado ao observar o homem de cabelos brancos e olhar azulado inexpressivo deitado em sua cama, abraçando seu travesseiro e segurando um livro que parecia muito com Chavvot.

Aproximou-se, esperando não o acordar de seu sono. Certa vez, Decim tinha dito que jamais havia sonhado, nem uma vez sequer, pois sonhos são desejos e bonecos não possuíam isso. Sonhos também são memórias, outra coisa que nunca pertencia aos bonecos em seu cotidiano enfadonho.

Antes que pudesse perceber, a mão dela já estava espalmada no rosto masculino. A face queimava e os lábios coçavam, cobiçosos por algo proibido. Oculus já havia deixado claro que tinha compreendido seus sentimentos e Decim também tinha falado sobre ela como alguém importante.

Mas importante pode ser tanto.

E nada ao mesmo tempo, se não fosse da mesma forma que ela. Talvez os sentimentos que nutria não fossem idênticos, não fossem nem sequer parecidos. Amor podia ser demonstrado de múltiplas formas.

— Chiyuki — murmurou Decim, acordado e dormindo ao mesmo tempo pelo que parecia, tão diferente do que costumava ver. Parecia tão... humano. — Você está aqui, Chiyuki?

A moça tinha lágrimas nos olhos e a voz presa na garganta, não conseguia dizer, por isso, acenou enquanto queria gritar ao ver, pela segunda vez, o sorriso de Decim. Ele não mostrava os dentes como Chiyuki fazia, mas era o suficiente para fazer o coração dela disparar.

Disparar tanto que sentia que sairia fora.

Ele não disse mais nada, somente tocou o rosto dela, tão próximo ao dele. Em sua mente, o sonho era tão mais real que os outros, tão mais agradável. Decim era capaz de sentir o cheiro, a textura, ver a cor com nitidez, desejar os lábios como se fossem os frutos mais doces de uma estação que jamais comeria porque não vivia.

No entanto, isso não importava, quando percebeu que Chiyuki se inclinava para beijá-lo. Por uma só vez, em seus sonhos, desejava – sim, desejava e isso era inegável – tomar a iniciativa.

Beijou-a, antes que ela fizesse. Chiyuki parecia surpresa e perdida, talvez tivesse surpreendido a sua própria mente. Mudado alguma coisa. Se bem que tudo havia mudado desde que a humanidade havia se instalado em seu bar como sua assistente.

Decim ergueu o tronco ao mesmo tempo que ajustava sua assistente em seus braços. Memórias de Touya com Misaki em seus braços o atingiam e sabia exatamente como fazer cada detalhe.

Tocou o cabelo preto e o segurou com vontade, sentindo o arfar da boca feminina contra a sua. Os lábios eram mais molhados que em seus outros sonhos, a quentura que invadia da troca de corpos era maior. Tudo era tão mais palpável.

O livro estava escorado na cama, no canto, quase em queda. No entanto, nenhum dos dois percebeu isso, concentrados demais na experiência: a verdade nua e crua para uma e, um doce e nítido sonho para o outro.

Em algum momento fantasia e realidade se encontrariam.

Chiyuki se aconchegava mais, subindo sua perna e a levando para o outro lado de Decim. Contudo, com isso, esbarrou em Chavvot, que fez um baque surdo ao cair no chão.

Mas ela percebeu e parou.

A humana tinha noção que a saudade trazia à tona o desejo do que lhe era caro, porém não imaginava o quanto e nem como Decim se sentia em relação a ela — fosse tanto! Para ele, havia passado mais tempo, ou melhor, o tempo que passou não foram meros pares de hora.

— Decim-san...

Naquele momento, com a voz tão suave e nítida, o barman percebeu que não era sonho. Ao menos, desejou ardentemente que não fosse – ele era capaz de desejar ardentemente ou eram palavras humanas que vinham em sua cabeça? Como saber o que era desejar ardentemente?

Ele desejava Chiyuki, mas não sabia até que ponto isso iria.

Talvez assim fosse, pois conseguia tocá-la até sabendo estar acordado. Ele. Estava. Acordado. Chavvot estava no chão, o manequim do bar não poderia ter ganhado vida e nem expressão.

— Chiyuki-san? — questionou-a com os olhos arregalados. — Você está aqui?

As bochechas dela ainda estavam quentes, vermelhas, intensas. Ela queria dizer mil palavras, mas não conseguia dizer uma sequer. Estava nervosa, tão nervosa como nunca esteve.

Ela agora sabia, não?

— Sim — sussurrou com delicadeza enquanto tocava o rosto dele e lágrimas embaçavam seus olhos. — Eu estou aqui. Estou em casa.

Por um momento, Decim fechou os olhos.

— Seja bem-vinda — disse, em sua voz costumeira e sua expressão parcialmente neutra, embora sentisse mil coisas dentro de si que não sabia explicar racionalmente. — Eu estou envergonhado pelo que fiz a senhorita, embora não possua qualquer arrependimento.

Chiyuki soltou ar pelo nariz enquanto mantinha os lábios unidos, porém, não conseguiu aguentar por muito tempo. Uma risada baixa, logo em seguida, uma mais alta. Ela sentiu que precisava daquela inexpressividade. 

— Você não aprendeu a sorrir ainda?

Ele tinha aprendido, ele queria.

— A senhorita não reencarnou, por quê?

Por um momento, Chiyuki se lembrou de que os outros esperavam-na do lado de fora. A moça levantou da cama, aturdida e tentando arrumar seus cabelos bagunçados pelos dedos de Decim, que parecia alheio a essa perturbação em seus fios capilares.

— Nona-san está o esperando lá fora, acredito que ela seja melhor para explicar isso do que eu. Eu esqueci, eu simplesmente esqueci de dizer que eles estavam lá fora, desculpe-me, Decim-san.

— Sem problema, Chiyuki-san.

Chiyuki percebeu que os fios brancos estavam desgrenhados em algumas partes e a roupa tão perfeita de Decim estava amassada, ele nunca se amarrotava. Nunca. Ao contrário dela, que sempre estava com as roupas amassadas em algum lugar.

O barman percebeu que sua assistente continuava o observando de um jeito diferente do habitual e observou que suas vestes e seus cabelos não estavam como de costume por conta do espelho que estava atrás dela. Começando a ajeitá-los, perguntou a si mesmo quando ficou tão desleixado, tão humano.

Ele ainda tentava desamassar sua calça e fechar sua blusa até o último botão quando sentiu os braços de Chiyuki entorno de si. Quentes. Humanos. Relaxantes. Decim não conseguia ver o rosto de Chiyuki, no entanto, conseguia ver seus próprios olhos e sua própria boca. Seu sorriso, pela primeira vez.

Ele conseguia ver o seu sorriso quando estava com ela.

Aquilo era expressão, muito embora não a abraçasse de volta. Ainda.

— Eu não quero ficar longe de você, eu decidi isso por mim mesma.

Um baque forte atingiu Decim que, ao invés de colocar a mão no peito como de costume, pressionou o corpo de Chiyuki que estava em sua frente, aproximando-se dela para que a antiga assistente tocasse a região sensibilizada. A responsável pela sensibilidade atacava-a ainda mais enquanto pressionava o rosto feminino nele e, por sua vez, o barman a auxiliava nesse intento.

Ele queria sentir mais, entender mais. No entanto, o que compreendia realmente é que gostava da sensação de tê-la em seus braços e, ficou descontente, quando a sentiu se afastar.

— Nona-san e os outros estão esperando.

Decim não entendia o tempo de um abraço, se havia muito ou pouco. Não percebia a sutiliza explícita no olhar dela e nem o desejo de manter-se próxima o máximo de tempo que pudesse, para o pobre desconhecedor dos intentos humanos, o que nutria era a ambição de trazê-la para perto como se estar fundido com Chiyuki fosse a resposta para suas aflições. Mantê-la afastada era como perecer na escuridão. Mantê-la próxima era como sentir a doçura da lágrima, respirar a tristeza da alma e beber da emoção.

O dono da Quindecim, talvez, tivesse compreendido mais do que imaginava. No entanto, não pensou muito mais nisso ao observar os convidados que estavam presentes em seu bar.

Nona explicou absolutamente tudo que havia acontecido com Chiyuki, com as apostas, com o seu experimento, detalhadamente, tanto que fez com que a humana se encolhesse enquanto falava racionalmente dos sentimentos dela e a sua impossibilidade de retornar ao mundo humano sem deixar de lembrar da torre, das pessoas e, principalmente, Decim.

— Os humanos são capazes de lembrar do que acontece aqui em vida? — questionou Ginti, achando impossível.

— Pelo que Oculus disse, é possível se tiverem uma emoção forte demais com algum juiz — respondeu e apontou para o casal com intuito de continuar sua explicação. — Por exemplo, Chiyuki sente amor por Decim, logo, voltando a terra, ela tentaria achar alguém que a complementasse até se recordar de que isso seria impossível porque não conseguiu concluir as suas relações na torre sobre acontecimentos da torre com alguém que pertence a esse plano. O mesmo ocorre com outros humanos, mas a força de interação é muito menor porque ficam pouquíssimo tempo por aqui e, geralmente, são com outros humanos que acabam sendo reencarnados próximos a eles, em algum instante de sua vida. Logo, o que buscam está em seu caminho. Não precisam procurar por qualquer outro. Faz sentido.

Decim acenava para as informações que recebia enquanto, por sua vez, Chiyuki desejava cada vez mais se esconder por timidez, embora quisesse entender tudo aquilo, porque não tinha voltado, por exemplo. Fazia absoluto sentido, tudo que Oculus havia dito e o motivo de mantê-la. Ela procuraria pela pessoa que, particularmente, ensinou-lhe o que era viver.

E talvez não vivesse plenamente outra vez por conta disso.

— Compreendo — concluiu o barman de cabelos brancos, entristecido. — Logo, a volta de Chiyuki-san depende de minha ligação com a senhorita, dessa forma, compreendo que fui prejudicial a sua evolução e a sua vida. Sinto muito, Chiyuki-san.

Sentia mesmo?

— O quê? Não! — exclamou, a voz aturdida, chamando a atenção dos demais. Ginti desejava dormir, ao menos, fingia. — Não diga isso, Decim-san, sentimentos não são culpa de alguém, necessariamente, eles simplesmente ocorrem e não quero que se desculpe se não se arrependeu deles. Não se desculpa de sentimentos que você gosta ou quer ter, por isso, eu não irei me desculpar por permanecer aqui.

O barman se sentiu tão estranho, tão confuso entre a sua etiqueta e a sua vontade, entre o que era bom para quem amava e ruim para a distância e a saudade dele mesmo que simplesmente disse:

— Sinto muito — Reverenciou, surpreendendo Chiyuki. — Impreterivelmente, devo retirar minhas desculpas.

E sorriu. Um sorriso que surpreendeu os demais, pois nunca nem sequer viram Decim sorrir. Ela retribuiu, envergonhada e feliz, ao mesmo tempo, com o que achava que era seu coração batendo rápido.

— Ótimo — disse Nona, interrompendo qualquer clima romântico que pudesse se instalar. Ela não precisava ver, só precisava saber que existia. — Mas não precisa se desculpar, Decim. Como eu disse, eu tenho experimentos e o meu experimento envolve vocês dois.

 — O quê?

O grito de Ginti surpreendeu Chiyuki, embora soubesse que ele era um tanto explosivo desde a primeira vez que se conheceram. Ele havia a feito desmaiar, mas, horas depois, já ria ao lado dela enquanto bebia saquê.

Podia não admitir, mas Ginti gostava dos humanos.

— Eu preciso repetir ou você é idiota? — questionou ironicamente, colocando a mão na cintura e seguindo com sua fala. — A questão é que vocês dois serão enviados para a Reencarnação, tudo está combinado com Oculus. Seus guias serão Chiyuki e Memine, respectivamente, para Decim e Ginti, entenderam?

— Ela será minha guia?

O tom de voz era baixo e preocupado, contudo, algo em Ginti fez com que se sentisse intrigado com a sua situação e até, sem admitir, gostasse dela. Ele sempre quis entender os humanos, talvez fosse a sua chance.

— É a criatura mundana que mais você se apegou, não é mesmo?

Era verdade, mas o barman de cabelos vermelhos não sabia onde havia ido a sua preciosa gata. Talvez Nona soubesse, como sabia sempre sobre tudo. Respirou profundamente, não era algo que tinha escolha, porque bonecos não tinham escolha.

Olhou para Decim, querendo saber sua reação.

O homem estava parado, surpreendido e extremamente feliz, pois era aquele que mais valorizava a vida e uma vida vivida em sua completude. Ele poderia ter a experiência de fazer isso por si próprio, algo que nunca imaginava que iria acontecer. Além disso, ele viveria essa experiência com Chiyuki.

Seus olhos, por meros segundos, tornaram-se humanos – outra vez. A emoção que o atingiu era extremamente forte, intensa demais para segurar dentro de si. No entanto, conteve-se em sua compostura habitual, perdido dentro de si e feliz por um mero sorriso. Ele sentiu como se quisesse gritar de felicidade.

Mas não fez.

Ginti continuava a fazer suas perguntas, Nona continuava a respondê-las, embora algumas fossem de má vontade. Até mesmo Chiyuki fez questões, no entanto, Decim permaneceu em silêncio até que disse:

— Nós viveremos como humanos?

Nona o observou, atentamente. Ele queria saber se seria pleno por si mesmo ou pela a humana que estava ao seu lado? Seria um desejo seu ou um desejo voltado a outro? O quanto de humanidade, independente da resposta, estaria presente?

— Sim — respondeu. — Vocês serão humanos na medida em que vocês possam ser, mas acho difícil que mudem suas personalidades, porque vocês possuem uma mesmo como bonecos, como devem perceber, afinal, são completamente diferentes. Vocês serão humanos até possivelmente encontrar o guia de vocês, não sei como funciona destino, memória ou esse tipo de coisa porque nunca passei por isso ou qualquer outo. É a primeira vez, vocês me dirão quando voltarem aqui o que acontece.

— Existe algum risco de acontecer algo com eles ao chegarem lá?

A questão de Chiyuki não era ruim e tinha base em suas próprias experiências como humana que ficou tempo demais na torre em uma eterna corrosão, na verdade, Nona não negava riscos do projeto porque nunca havia ocorrido algo como aquilo.    

— Não, provavelmente, mas não posso afirmar. Não é algo que eles tenham escolha também, por isso, apressem-se até o elevador, eu não tenho mais tempo a perder com vocês, as pessoas morrem sem parar.

Antes que pudessem segui-los, uma gata familiar apareceu no corredor que dava para os elevadores, lambendo a pata que parecia finalmente estar curada. Ginti encarou o animal de pelos pretos com um sorriso, talvez ela fosse uma excelente guia.

Entrou em um elevador, vendo Nona posicionar a gata no outro. Não precisavam de despedidas se estariam ali em breve, só precisava se recordar. Será que encontraria com Decim na terra mundana? Esperava que sim, pois embora fosse para longe e não gostasse tanto – ao menos, dizia – dele, o barman de cabelos brancos ainda era o que conhecia, era a familiaridade que nunca alterava do lugar que gostava de estar.

Era o que conhecia contra o desconhecido. Será que ainda seria o seu lugar preferido? Ele só descobriria quando voltasse.

As portas cerraram.

Ninguém soube o que aconteceria, nem mesmo Chiyuki, pois não lembrava de outras encarnações, se tivesse tido alguma. Era a vez deles dois, ambos deram uma última e significativa olhada para o outro.

— Eu te encontro lá.

A voz de Chiyuki era um tranquilizador para seus possíveis receios. Ele a encontraria, sabia que sim, depois de tudo. Então, não conseguia mais vê-la por entrar em seu próprio elevador como a mulher de cabelos pretos no seu.

— Aproveite as experiências, viver e morrer, Decim, e torne-se o melhor juiz que nós teremos.

Assentiu com felicidade, pois era seu maior desejo. Agora, não tinha dúvidas, estava pronto. Nona sorrindo foi a última coisa que viu.


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