Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 12
Capítulo 12 – Hermione contempla Destino




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746704/chapter/12

Capítulo 12 – Hermione contempla Destino

Não foi exagero dizer que Hermione quase se engasgou com vinho. Ela pegou o copo d'água antes de perguntar:

— Como é?

Marlene deu de ombros.

— É, você ouviu direito. Embora você não seja eu, eu me tornarei Hermione, total e completamente. O fio da sua vida não será cortado tão cedo.

A jovem sentiu um aperto no peito.

— Eu deixarei de ser eu mesma?

— Não tanto quanto pensa. Suas memórias continuarão intactas. Serei eu quem perderá as minhas memórias, pois Marlene McKinnon morreu há mais de 20 anos. Ela viverá apenas nas memórias das pessoas que a conheceram.

— Eu sinto muito - disse Hermione.

— Eu não. Na verdade, estou bem animada por viver uma vida plena.

— E eu preciso morrer - disse Hermione, sombria. - É assim que a gente vira uma Encarnação da Imortalidade, não é?

— Não necessariamente - respondeu Marlene. - O coitado do Thanatos não tem chance, claro. É preciso morrer para se tornar a Morte. Mas a maioria de nós simplesmente assume o cargo.

— Você fala como se tivesse uma escolha.

— Oh, minha querida, é claro que temos escolha. Você pode desistir se não quiser o cargo. Mas eu tenho certeza que você não só é a pessoa perfeita para o cargo como também vai arrasar nele.

— E você será... eu?

— Completamente. É por isso que você precisa ter muita certeza de que quer isso mesmo, porque é uma viagem sem volta.

— E se eu recusar?

— Não tem problema. Você continua a sua vida. Eu vou ter que falar com as outras candidatas.

— Outras candidatas?

— Bem... Podem não ser tantas quanto você imagina, mas eu tenho outras opções, mesmo que nenhuma seja tão perfeita quanto você.

— Mas eu não tenho a menor ideia de como se usa um tear!

— Esta é a parte mais fácil de todas. Como somos três, um aspecto ajuda o outro. Nós nunca estamos totalmente sozinhas.

Aquilo bateu fundo em Hermione. Desde que Ron caíra doente, Hermione se sentia como se estivesse totalmente sozinha no mundo, a despeito da multidão de Weasleys, Potters e Grangers. Ela sentia falta de companhia.

— Bem - disse Marlene, gesticulando para uma outra mesa -, tem um cavalheiro ali parecendo muito interessado em nós. Eu sou totalmente a favor de aceitar suas investidas. Você topa?

De repente Hermione sentiu como se o mundo tivesse girado para o lado errado. Estaria Marlene sugerindo mesmo o que ela estava pensando? Que oferecida!

Ela teve tino suficiente para responder rápido sem parecer escandalizada:

— Não, obrigada. Viúva recente, você sabe.

— É claro. - Marlene pegou seu casaco e levantou-se. - Pense na minha oferta. Entrarei em contato. Não me espere acordada; vou deixar um recado. Aproveite o vinho.

Ela saiu rapidamente rumo à mesa, um pouco rebolativa, e Hermione teve dificuldade em não prestar atenção. Destino era uma garota safadinha! Provavelmente ela estava de folga.

O cavalheiro em questão saudou Marlene e lançou um olhar para Hermione. Ela ergueu sua taça numa recusa educada ao convite e deixou-os em paz. Ela rapidamente subiu para o quarto, a fim de considerar a oferta. Aquela sobre se tornar Destino, não aquela com o cavalheiro.

Com sorte, se ela concordasse em virar Destino, ainda levaria um tempo até ela começar a paquerar homens desconhecidos em resorts à beira do mar.

Hermione não podia negar estar intrigada. Estava claro que as tais Encarnações da Imortalidade não tinham lá tanta autonomia, por assim dizer. Ainda assim, ser Destino era qualquer coisa incrível.

Mesmo que Destino (ou Marlene) não tivesse dito, Hermione pescou o fato de que ela teria que abandonar completamente sua vida atual. Sem olhar para trás. Era como se ela tivesse que trocar de identidade.

Na real, era exatamente isso. Ela pensou naqueles escritores amadores na internet com enredos que envolviam um personagem sendo mandado para o passado ou para um mundo de fantasia, como a Terra Média ou Nárnia. Essa era Hermione: agora na versão pós-vida.

Estranhamente, a mudança radical de vida atraía Hermione. Ela não precisaria mais ser a corajosa viúva de um herói de guerra, e ela mesma era uma heroína da guerra. Ter que abandonar sua filha era doloroso. Mas por mais que ela amasse Rose, a pequena também era uma fonte de dor, porque seu pai perderia de vê-la crescer. E ela ainda teria sua mãe, ou uma versão de mãe. Com um pouco de sorte, esta Hermione estaria menos arrasada pela perda de Ron.

Ela não pôde evitar pensar em Severus. Ela só o conhecera já morto, pois ela era um bebê quando ele assumiu o cargo de Morte. Mas Hermione sabia do amor dele pela mãe de Harry, um amor que o compeliu a proteger o filho mesmo depois de morto. O amor dela por Ron não lhe abriria as portas para o local de seu descanso eterno, então era melhor ela se acostumar desde já com a ideia de não procurar pelo falecido marido.

Não, procurar Ron no além não era a motivação para aceitar o emprego. Hermione precisava de um novo projeto, um novo propósito de vida. Criar Rose era um projeto e tanto, mas ela precisava de algo mais amplo, alguma iniciativa que pudesse literalmente ser maior que a vida. E nada se enquadrava nesta descrição tanto quanto administrar a sorte do planeta e de seus habitantes.

Além disso, havia a promessa do fim da solidão. Embora filósofos afirmassem que no fundo todos os humanos eram sozinhos, Hermione desejava companhia e intimidade. Não de um namorado ou amante, mesmo que fosse muito agradável, mas a de um amigo ou confidente.

Ela não só teria os outros aspectos do Destino como companheiras, mas também as outras Encarnações. Morte, é claro, já era um amigo estimado. Pelo que ela deduzira da última visita intempestiva, Tempo parecia ser compreensivo. Guerra era meio instável, então era uma amizade incerta. Ela não chegara a conhecer Natureza, mas ela era uma mãe, então elas tinham algo em comum. E depois tinha os outros dois.

Deus e Satanás. Bem e mal. Hermione imaginou como seria uma amizade com eles.

Estaria ela seriamente considerando a oferta?

Caso concordasse em se tornar a personificação do Destino, Hermione esperava que houvesse algum tipo de treinamento envolvido, porque ela não fazia ideia de como tecer num tear. Certamente esta não era uma prioridade do início do século XXI.

Mesmo assim, ela tinha milhões de dúvidas na cabeça. Poderia ela deixar para trás tudo que ela era? Poderia ela abandonar Hermione Granger-Weasley e tornar-se Destino para sempre?

o0o 0o0 o0o 0o0

Na manhã seguinte, Hermione ainda estava no seu quarto de hotel, preparando-se para o café da manhã, quando percebeu uma pequena aranhazinha descendo num fio bem à sua frente. O pavor de Ron fazia de Hermione a pessoa da casa a lidar com aranhas. Mas aquela aranha era um pouco diferente. Intrigada, ela encarou o animal. Com um tremelique, o inseto virou Lachesis, o aspecto de meia idade do Destino.

Foi pura sorte Hermione não ter gritado de susto.

— Olá - saudou Destino. - Ótimo, você não é assustadiça.

— Bom dia. Estou apropriadamente assustada, obrigada por perguntar. Vamos tomar café juntas?

— Agradeço a oferta, mas vamos precisar de mais privacidade. Quando você tem que voltar para casa?

— Vou deixar o hotel amanhã à tarde.

— Não que eu queira pressionar você, mas acha que vai ter uma resposta sobre a oferta até lá?

— Precisarei ter uma resposta até lá?

A mulher madura deu de ombros:

— Isso facilitaria as coisas imensamente.

— Sim.

— Bom, então podemos conversar depois do desjejum - disse ela apressadamente. - Encontre-me na trilha de caminhada perto do bosque de salgueiros.

E ela sumiu antes de Hermione ter uma chance de lhe dizer que a oferta já tinha sido aceita.

E aquele truque de se transformar numa aranha fiandeira era mesmo de arrasar, não?

o0o 0o0 o0o 0o0

Hermione sentiu um pouco de anticlímax quando a reação que sua resposta obteve foi outra pergunta.

— Tem certeza sobre isso, meu bem? Não quero que pense que nós a enganamos ou coisa parecida.

As duas jovens estavam sozinhas, sentadas num banco debaixo de uma grande árvore na beira de uma das muitas graciosas trilhas verdes pelo resort. Havia muitas opções de interação com a beleza natural do lugar e caminhar era uma das suas favoritas. Também havia a cavalgada e o golfe, atividade favorita dos hóspedes americanos.

Hermione estava decidida.

— Pensei muito a esse respeito. É o que eu quero.

Mas Clotho não parecia convencida.

— Vamos fazer assim: vou lhe falar sobre as coisas ruins do serviço, então poderá embarcar nesta aventura de olhos bem abertos.

— Parece justo.

— Eu amo as garotas, mas a verdade é que você vai perder totalmente a privacidade. Com o tempo, você será capaz de saber que pensamento é seu, ou de Lachesis ou de Atropos. Mas no início vai ser espinhoso.

— Elas vão mandar na minha vida?

— Na verdade, você se tornará uma pessoa de três pessoas. Elas compartilham o mesmo corpo que você. Então, a vida é delas também, tanto quanto sua. Estou largando o cargo. Cinco anos atrás, a antiga Atropos decidiu tornar-se mortal e morrer perto dos netos. Foi uma decisão inusitada, mas Lachesis e eu a respeitamos. Aliás, a nova Atropos é sua fã.

Hermione sorriu, surpresa.

— Eu tenho uma fã?

— Ela ainda acha que você fez uma idiotice ao quase morrer para salvar seu marido. Mas ela disse que admirava você justamente por causa dessa atitude.

Hermione sorriu. Clotho não.

— Tem também a questão nada pequena do uso de seu corpo.

— Do quê?

— Bom, veja bem, existe um arranjo com as Encarnações. Eu tenho um relacionamento com Chronos, por causa das circunstâncias especiais dele-

Hermione não ouvia mais as palavras dela. Ela jamais considerara ter relações físicas com outra pessoa além de Ron. E ela não estava disposta a começar naquele momento.

— Peraí - ela pediu. - Isso é necessário?

Clotho ficou sem graça.

— Necessário? Não. Mas veja, não tem ninguém mais para fazer isso. Chronos não pode se relacionar com uma mortal por causa do modo como ele se move no tempo.

— Mas ele é o Tempo!

— E como tal, ele se move de trás para frente nas nossas linhas temporais. É uma confusão muito grande porque ele não se lembra sequer de ter conhecido as mulheres. Ele só consegue manipular o avanço linear do tempo por períodos curtos. Mais do que isso emperraria a Ampulheta. Ele não consegue acompanhar pessoas que estão indo no sentido oposto ao dele no tempo.

— Mas pode acompanhar Destino.

— É que Destino é compreensiva. É difícil no primeiro dia, porque para ele será o último, e neste dia ele estará jovem, inexperiente e vulnerável, o pobrezinho.

— E se eu me recusar?

— Você sabe como são os homens, querida. Podem ser Encarnações, e imortais ainda por cima, mas ainda são humanos. Como tal, eles requerem este tipo de ligação. Se você se recusar, ele vai buscar essas ligações em outro local. O assunto pode desgastá-lo, pois um namorado azucrinando é capaz de arrasar a paz de espírito de qualquer um. E aí o tempo pode dar errado. Isso poderia bagunçar todo o sistema.

— Então o sistema inteiro pode ficar comprometido porque Chronos não consegue controlar seus... impulsos?

— Acredito que muito da história do mundo pode ser explicada exatamente assim: homens e seus impulsos. Mas essa não é a melhor hora para filosofar.

— Não existe um modo de chegar a um acordo? Talvez sugerir algum outro arranjo?

— Há mais complicações. As únicas Encarnações femininas são Destino e Natureza, pelo menos as maiores. E Natureza está totalmente concentrada em suas crianças. Também podemos dizer que ela odeia homens. Digo, ela odeia homens como um conceito e como grupo, não individualmente.

— No momento, tendo a concordar com ela - disse Hermione acidamente.

— Não é tão ruim quanto parece. Além do mais, é para um bem maior.  - A expressão de Hermione deixou claro que "bem maior" não era uma boa desculpa. - Pense em alguém que você ama.

— Eu amava meu marido.

— Você não tem um amante?

— Claro que não!

— Não pense mal de mim. Não tenho nenhum direito de julgar você se tiver um amante. Precisa ter mais flexibilidade moral para ser uma Encarnação. Ontem à noite foi minha primeira oportunidade de estar com um mortal em muito, muito tempo. Espero não tê-la chocado. Eu precisava sacudir as coisas, se é que me entende.

O sotaque escocês dela saiu mais carregado na última frase, e ela sorriu de maneira impudente. Hermione não pôde evitar dar uma risada.

— Posso contar um segredo?

— Claro que sim. Minhas memórias serão apagadas mesmo, então pode me contar seus segredos mais sórdidos. Ninguém saberá nunca.

— Quando eu era mais nova, eu tinha uma quedinha por… Severus.

Marlene McKinnon ficou admirada com a confissão.

— Thanatos? Não está brincando?

— Não - disse Hermione, com um sorriso positivamente safado. - Eu era novinha, e achava que ele era um superespião para Dumbledore. Era tão heroico e romântico!

— Você falou para ele?

— Oh, Deus, não. Eu era tão envergonhada. Mas ele parecia mais velho, tão alto, misterioso.

— E você ainda se sente assim?

Hermione arregalou os olhos.

— Não! Não depois de Ron, digo. Mas... quando eu o vi... Não sei, achei que ele estava até bem apanhado para um esqueleto e essas coisas. Você deve me achar uma louca varrida.

A atual Encarnação do Destino encarou Hermione uns segundos antes de dizer:

— Deixa eu lhe contar uma coisa. Thanatos é um homem de sentimentos profundos. Se você disser a ele sobre seus sentimentos, acho que ele não será totalmente contrário a suas investidas. Mas se você se aproximar dele apenas para um divertimento inconsequente, você vai despedaçar o coração daquele homem.

Hermione perdeu o ar de frivolidade.

— Você está falando de um jeito tão sério.

— Severus é um homem sério. Mas acredito que você não vai encontrar um amor tão lindo neste mundo ou no próximo.

Foi a vez de Hermione encará-la. A moça teve a impressão distinta que Destino sabia mais do que dizia. Mas aquele não era o ponto central da questão. Ela precisava ficar focada nas coisas importantes.

— Você acha que eu posso negociar com Chronos?

— Dar prazer a ele seria assim tão repulsivo para você? Você acha que poderia se acostumar ou seria pedir demais?

— Isso pode me fazer perder o posto?

— Como eu disse, isso pode perturbar o sistema em que vivemos, possivelmente com implicações para os mortais. Nossos cargos têm impacto direto no mundo deles. Perturbar o sistema pode levar a consequências desastrosas.

— Acho que compreendo, mas tenho certeza de que é uma compreensão muito restrita.

— Está muito certa.

— Suponha que eu aceite o cargo e depois considere a situação com Chronos insuportável. Posso desistir?

— É claro. Tem um período de graça, como uma moratória. É claro que nesse caso suas memórias serão apagadas e você terá uma nova vida, bem longe da antiga. E seria um arranjo de última hora, sujeito a muitas improvisações. Não seria uma situação ideal.

— Entendido.

— Então você acha que seria capaz de lidar com o posto?

— Se não fosse por esta coisa com Chronos, eu já teria aceitado.

Marlene a encarou.

— Não estou julgando você. Mas provavelmente você teve uma vida bem protegida até agora. Apesar de Voldemort e tudo.

— Eu conheço os perigos de ter beleza e juventude.

— Eu diria que você conhece sua existência. Homens têm certas crenças sobre mulheres jovens, especialmente se elas forem atraentes. E você certamente é linda. Mas você sempre teve a proteção de bons pais, amigos legais, um marido incrível e sogros maravilhosos. Você provavelmente nunca experimentou as durezas sociais da feminilidade.

Hermione tinha que ser sincera. Ela sabia a respeito da opressão de mulheres, mas jamais tinha sido diretamente vítima dela. Talvez fosse um preço pequeno a se pagar. Ela podia até se acostumar.

Pena que não era Severus. ela podia se acostumar com gosto.

Repentinamente, ela se virou para Marlene e disse:

— Você falou que, se eu recusar, minhas memórias serão apagadas.

— Isso é verdade.

— Então, vou fazer uma pergunta e só o que peço é total honestidade.

— Tenho sido sincera até agora.

— Então responda sinceramente: o que você não está me dizendo?

Marlene McKinnon virou-se para Hermione, boquiaberta e de olhos arregalados. Em seguida ela deu um risinho.

— Menina, você é ótima. Odiaria ver você desistir do cargo só por causa dessa coisa com Chronos.

— Então tem alguma malandragem!

Hermione estava surpresa. Ela não tinha certeza se havia algum segredo escabroso, e a confirmação de Marlene foi surpreendente. A Encarnação ainda encarava Hermione, mais séria do que nunca.

— Sim, tem. Mas eu não deveria dizer nada a você. Portanto, por favor, não pense que essa informação foi escondida de você para influenciar sua escolha em aceitar a oferta. Escondemos de você para que não aceitasse pelas razões erradas. Entende?

— Entendo.

— Então está bem. - Ela suspirou. - Lá vai.

Como se soubesse que uma bomba estava para cair em sua cabeça, Hermione ficou mentalmente alerta. Mas ela não tinha como se preparar para as palavras que vieram a seguir.

— É possível que Satã tenha mandado matar seu marido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um conto de destino e morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.