Autistic Love escrita por Claraneko


Capítulo 14
Meu Objetivo




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Usagi começou com a bola, jogando-a com as mãos da lateral do campo para um dos atacantes e, imediatamente, os jogadores ofensivos dos dois times continuaram com a partida.

Suzuno os observava. De onde estavam, eles, os zagueiros, não faziam nada além de esperar sua oportunidade de agir. Ficavam a maioria do tempo torcendo pelos companheiros que lutavam na ofensiva.

Defensores tinham menos brilho. O prateado não costumava se queixar por  isso, pelo contrário, fora por essa razão que decidira se tornar um. Amava jogar futebol, correr com a bola e sentir o vento lhe acompanhar; quisera tanto jogar que entrara para o time. Não sabia mais se arrependia-se por tê-lo feito, afinal, não sentia nada jogando na posição em que estava, só o que conseguia fazer era roubar a bola e passá-la adiante para seus companheiros fazerem o resto, essa era sua função.

Sobretudo, a característica que mais gostava era percorrer longas distâncias e depois chutar a bola com sua velocidade máxima. Entretanto, em seus treinos sozinhos quando chutava a bola longe, ela nunca voltava para si, e tinha que ir buscá-la; naqueles momentos, uma comoção de que algo estava errado lhe abatia, e se pegava parado a observar a bola em suas mãos, pensativo.

Quando Nagumo apareceu, isso não era mais necessário, pois de alguma forma a bola voltava, não importava com quanta velocidade e força colocasse nela, ela sempre voltava. Aquela sensação era tão boa, não sentia faltar nada. Aquele sentimento caloroso, isento de pensamentos e palavras, sabia agora, era jogar futebol de verdade.

Suzuno respirou fundo e soltou o ar de forma desanimada, queria tanto sentir o mesmo em campo...

Mas era impossível, era um zagueiro, e zagueiros são jogavam junto com atacantes. Fuusuke apertou os olhos. Não era esse tipo de futebol que queria jogar: esquecido e sem poder mostrar sua força. Olhou para a frente, Nagumo acabara de ter seu avanço bloqueado por uma falta adversária. Mesmo para o avermelhado, jogar contra tanta gente era complicado, e os jogadores do seu time ainda não tinham tanta experiência em um jogo sério, sem conseguir dar o suporte necessário para o artilheiro, e mesmo assim, os mesmos faziam todo o possível para ajudar e não atrapalhar.

Suzuno novamente deixou o ar sair de forma ansiosa e pesada. Sabia o que podia fazer para ajudar o time, para ajudar Nagumo. Mas para isso, teria que abrir mão de algo que sempre lhe acompanhara. Teria que desistir de ser invisível.

Desde criança, os adultos lhe diziam o que deveria ser ou fazer, como deveria pensar e agir. Entretanto, nunca consiguira atender essas expectativas, principalmente, em como deveria se comportar e se comunicar com os outros. Por muitas razões, fora levado por seus pais de especialista em especialista e cada um dizia algo diferente, um havia dito que ele tinha Síndrome de Asperger, um transtorno neurobiológico considerado uma forma mais branda do autismo; outros diziam se tratar do Transtorno Autista; já outro, dizia que se tratava de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, que possui sintomas menores e mais leves que o transtorno autista. Porém, todos os diagnósticos apontavam pontos semelhantes: problemas na comunicação e limitações na interação social, interesses incomuns e comportamentos repetitivos; e claro, havia graus e graus desses fatores, sendo assim, nenhum autista era igual.

No entanto, Suzuno nunca se importara com o que falavam, não ligava para o que tinha. Se os médicos diziam que possuía uma deficiência no desenvolvimento, falácia que sempre diziam para os pais para justificar o Transtorno, não acreditaria só por que veio deles. Não era assim tão ingênuo para confiar nas palavras de um estranho que não lhe compreendia.

O teste do autismo, para Suzuno quando criança, fora feito basicamente através de perguntas pessoais que o pequeno prateado não sentia vontade em responder, até mesmo por que seus pais estavam lá. Perguntas invasivas que na época lhe doía pensar nas respostas. Respondê-las significaria revelar que não conversava com os coleguinhas da escola, que não brincava e ficava sozinho no recreio... Suzuno não entendia os adultos, e daí que procurava minhocas para passar tempo, que não queria comer carne e tinha preferência por determinado tipo de alimento, dependendo da cor. E os médicos continuavam o questionário tortuoso, impassíveis...

O que importava a frequência que conversava com alguém; a facilidade que chorava e a incapacidade de conter seus ataques de frustração através do choro; o modo como organiza suas coisas e o tempo que demorava para responder depois que lhe faziam uma pergunta; sua dificuldade em começar a falar com alguém, suas respostas reduzidas e o bloqueio na tentativa de aproximação dos outros.

Seus pais se preocupavam com seu futuro e os outros adultos sentiam pena do pequeno garoto adotado, que sequer era são psicologicamente, segundo eles. Aquilo era uma besteira, sua mente era ótima, e suas idéias fluiam tanto quanto sua imaginação permitia

Suzuno lembrou-se que quando era pequeno, era muito feliz fazendo exatamente o que queria fazer. Descobrir e testar as coisas era divertido, contudo, não parecia ser o tipo de coisas que seus pais esperavam. Naquele tempo, o prateado ficara confuso e, cada vez mais fora se fechando mais e mais, com medo de mostrar qualquer coisa.

Essas eram todas características de seu ser e que não conseguia controlar, não acreditava que isso era tão estranho e então os especialistas o inseriram em tal ou qual doença. Para Fuusuke, o que os outros faziam é que era estranho, estavam sempre interagindo e fazendo coisas, já tentara pelo incentivo de seus pais a ter amigos mas sentiu-se sufocado, mas nunca os julgou por isso.

E mesmo assim, lhe julgavam.

Pelos adultos e familiares, era tratado como uma peça de porcelana que poderia quebrar a qualquer momento, e pelos colegas de escola, como uma criança estranha e esquisita que deveriam incomodar ou ficar longe. Os que tentavam se aproximar por pena eram logo repelidos sem grande esforço. Era estranho, o mundo era um lugar estranho. Suzuno afastava-os com e sem intenção, mas queria muito ser como eles, que estavam sempre sorrindo, mas, ao mesmo tempo, queria ser ele mesmo. Era tudo muito estranho. Como podia sofrer tanto preconceito por ser um pouquinho diferente, por ter algumas peculiaridades que os outros não entendiam.

Por todos esses fatores, um dia decidiu esconder esse transtorno autista, seja lá qual delas fosse, não queria ser guiado por opiniões alheias, afinal de contas. E excluiu-se, queria ser tão normal como todos, sem deixar de ser diferente. Fez o possível para se misturar, para parar com suas manias que afastavam as pessoas, para esconder seu segredo... E mesmo assim continuou sozinho. Contudo, conseguira chegar ao seu objetivo: ser um garoto invisível e como qualquer outro, assim, não seria interessante para ser motivo de olhares e conversas alheias, como era no passado.

Para ajudar Nagumo e o time a ganhar aquela partida, para realizar seu sonho de ser um jogador de futebol e poder finalmente correr livre pela quadra, deveria deixar de ser esse garoto invisível sem motivos para ser percebido. Fazendo isso, o passado voltaria e o inferno guiaria seus dias novamente.

Suzuno apertou as mãos em punho, tão forte que sentiu a dor aguda de suas unhas na mão. Naquele momento, parado em sua posição na defesa do time, ainda era um garoto normal. Estranho e diferente, sim, mas normal. Claro, ainda comentavam por aí se ele era autista, mas era só um boato que logo passaria.

Receava que não fosse aguentar viver daquele jeito novamente, com a repulsa dos colegas ou seus olhares curiosos, mostrando pena, indiferença, ironia...

Mas e Nagumo? O que ele faria? Ele sabia que era autista e não se importava... Por um momento, Suzuno sentiu as bochechas esquentarem com um simples pensamento: talvez voltar àquele inferno não fosse de todo ruim, se estivesse com Nagumo.

Seu corpo tremia enquanto sua mente se forçava a decidir o que fazer, mais a  frente, viu a Seishou avançar entre os meio campistas com a posse da bola, os mesmos tentavam detê-lo com dificuldade. E Nagumo, fora de ação, estava cansado, apoiava-se sem fôlego nos joelhos.

— Nagumo... - Murmurou hesitante, novamente, percebeu que a distância entre eles muito grande. Queria ajudá-lo. - O que eu faço..?

— Suzuno. - Uma voz o chamou.

Suzuno sobressaltou-se ao ser tirado de suas divagações. Olhou por sobre suas costas, vacilante. O goleiro e ex-capitão do seu time tinha chamado seu nome.

O garoto alto e moreno, com braços cruzados, avaliou o defensor por um momento.

— Você quer atacar, não é? Não tem problema, não tem regras que impeçam os zagueiros a se juntarem no ataque.

Suzuno arregalou os olhos e os outros na defesa o encararam. O prateado balançou a cabeça levemente, desconcertado e surpreso.

O goleiro lhe lançou um sorriso terno.

— Você diz que não quer ir, mas seu corpo mostra o contrário. Vai lá.

— É vai lá. - O zagueiro ao lado do prateado incentivou e logo em seguida os outros também o fizeram.

— Mas... - Suzuno começou, incerto de onde surgiu aquelas palavras dos outros jogadores, que sempre acreditou não saberem de nada sobre si - Como sabem..?

— Bem, nós da defesa jogamos ao seu lado a muito tempo. E claro, é a tarefa de um capitão conhecer as habilidades em todos os jogadores... Apesar de agora o capitão ser o Nagumo. - O goleiro coçou o queixo. - Tenho que dizer isso para ele...

Suzuno piscou os olhos, ainda confuso.

— Por que tem receio de atacar? - o goleiro perguntou. - Tem medo de alguma coisa?

Suzuno olhou para o campo verde, alvejando-o com os olhos. Aquelas perguntas tinham tantas respostas.

— Eu... Não acho que sou capaz. - Foi só o que disse

Ouviu um suspiro indignado ao seu lado.

— Isso não é verdade, Suzuno-chan sempre rouba a bola tão sem esforço, sabe, sabemos que é muito bom. - Disse um defensor.

Chan?” Suzuno arqueou uma sobrancelha, sentindo um aconchegante calor de inclusão e carinho.

— Mas aí sempre passa a bola para o meio campo, - outro zagueiro continuou. - E fica com uma expressão de quem quer avançar e acabar com a raça deles.

Suzuno olhou para o zagueiro que ditou o último comentário.

— Nunca fiz uma expressão assim. - Disse, envergonhado e desorientado naquela conversa.

— Claro que não, o Suzuno-chan jamais pensaria em acabar com a raça de alguém. - O defensor ao lado do prateado o defendeu, revoltado.

— Eu sei, eu sei - o outro voltou a falar. - Mas... Quando o Suzuno joga, ele parece tão triste, como se não quisesse estar aqui.

Suzuno sentiu um aperto no coração com essas palavras, sentiu as lágrimas saindo sem permissão, contudo, logo sorriu quando viu os defensores darem um sermão no outro por tê-lo feito chorar. Sem demora, enxugou com o braço as gotas alheias.

— Você tem razão - falou, atraindo a atenção dos zagueiros. - Eu queria atacar.... Mas não sei se consigo.

O goleiro que estava a observar, falou.

— Claro que consegue.

— Uh? - O prateado encarou o goleiro com os os azuis olhos surpresos.

Os três defensores concordaram.

— Sempre tive a impressão de que você pode fazer qualquer coisa.

— Também. Se for o Suzuno-chan, vai ficar tudo bem.

— Mas, sem você aqui, a defesa não vai mais poder ficar tão relaxada. - Disse o terceiro zagueiro, fingindo tristeza.

O prateado sentia-se desconcertado ante aquelas pessoas. Escondeu o rosto com os braços para impedir mais lágrimas. Nunca tinha ouvido algo assim de alguém que não Nagumo antes, não sabia o que era aquela sensação que lhe preenchia, mas ela lhe acalentava de alegria e paz. Nunca havia conversado muito com os companheiros de time e agora, naquele momento, arrependeu-se novamente por não ter se esforçado mais.

— Obrigado. - Suzuno agradeceu aos colegas da zona de defesa, cujo papel era proteger o gol do time. Não os olhara diretamente ao dizer essa palavra, mas sabia que eles a tinham ouvido. ‘Obrigado’... Perguntou-se quantas vezes já dissera isso a alguém...

Proteger o gol, roubar a bola, impedir o avanço do time adversário; eram todas funções importantes da defesa. No final, estava enganado, a defesa também brilhava de um jeito marcante.Seus colegas o tinham percebido nela.

Estivera sempre com eles naquela função, mas aquele não era o seu lugar. Seu objetivo estava a frente: no campo adversário.


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