Família por acaso escrita por Benihime


Capítulo 2
Por acaso... Entendendo




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Um mês se passou desde que as meninas foram confiadas à guarda de Naorima, e a morena ainda estava procurando um lugar para viverem, uma vez que seu apartamento pequeno seria inviável. Não que passasse muito tempo lá, é claro. Naorima agora vivia oficialmente na casa dos pais.

Ao estacionar e sair do carro, notou a casa fechada. Foi direto até a porta dos fundos e testou-a. Destrancada, como esperava. Entrou e encontrou um bilhete pregado atrás da porta, escrito na letra de sua tia.

Nama-Chan

Fomos ao mercado. Não se preocupe, voltamos logo. Kyara está em casa. Sejam legais uma com a outra.

Beijinhos.

Naorima suspirou e largou a pasta em cima da bancada, tirando os sapatos de salto alto ao mesmo tempo.

— Kyara — Chamou — Cheguei.

Não houve resposta. Naorima logo imaginou que a jovem houvesse escapulido para se divertir um pouco. Suspirando em reprovação, decidiu subir e tomar um banho.

Não se apressou sob a água quente e lavou os cabelos sem pressa, separando uma roupa confortável. Quando saiu do banheiro, ainda enrolada na toalha, ouviu passos no andar de baixo.

— Tia Naorima. — Kyara chamava — Estou em casa. Cadê você?

— Aqui em cima, Kyara. Só um minuto.

Passos soaram na escada e um momento depois Kyara estava parada no vão da porta aberta.

— Achei que viria mais tarde hoje. — A menina comentou.

— Pois é. Consegui terminar e sair no horário.

— Que bom, porque eu pedi pizza, e seria muito chato comer tudo sozinha.

Naorima não pôde evitar um pequeno sorriso. Kyara soava exatamente como a mãe.

— Mas e aí, o que você queria comigo?

— E quem disse que eu quero alguma coisa?

— Ah, qual é! Você me chamou assim que chegou. Tem alguma coisa aí. Desembucha.

Kyara bufou levemente, um som baixo demais para ser ouvido, mas que Naorima reconheceu pelo franzir do nariz. Exatamente igual ao que Lilia fazia.

— Bom, eu ... Acho que encontrei um lugar. —  A jovem anunciou, sentando-se na beira da cama —  Uma casa.

— Onde?

— Aqui. — Kyara estendeu uma folha impressa — Olha só.

Naorima deu uma olhada por alto, mas parou ao ler a localização.

— Kyara, isso é ...

— Sei que é longe, tia, mas eu pesquisei tudo. O mercado de trabalho por lá é ótimo, em expansão, e a cidade é tão pequena que não vai precisar se preocupar com concorrência. Além do mais, a casa é ótima.

Naorima riu alto do que era uma óbvia tentativa de convencê-la.

— Não gosta mesmo daqui, não é?

Kyara negou com a cabeça, balançando os pés no ar do mesmo modo que Lilia fazia quando estava prestes a confessar algo importante.

— A vovó é um pouco antiquada. — Ela disse enfim — Sempre com aquelas regras, dando sermão ...

— É, eu sei. — Naorima respondeu, tirando a toalha dos cabelos e encaminhando-se para a penteadeira para pegar sua escova de cabelos. — Sua mãe também não suportava isso.

— Sério?

— Sério. Quando ela tinha dezesseis anos, não havia um dia em que eu não ouvisse as duas discutindo, e pelo menos uma vez por semana sua mãe fugia de casa. Era uma guerra que não acabava nunca.

— E o que aconteceu depois?

— Ela fugiu de vez. Com um homem chamado Jared.

— O que?! — Kyara quase engasgou de choque — Mamãe fugiu com o papai?

— Fugiu. — Naorima confirmou, rindo — Toda a família ficou maluca, mas ela já tinha dezoito anos e não podíamos fazer nada. Mamãe cortou o contato com ela depois disso.

— E você?

O clima mudou, tornou-se tenso. Naorima sabia que Kyara a culpava por nunca ter procurado a irmã, por jamais ter estado presente. Ela suspirou, correndo os dedos pelas mechas de cabelo molhado que lhe caíam pelos ombros.

— Eu ... Segui minha vida, Kyara. — Respondeu — Entrei para a faculdade e estudava duro. Queria compensar por ... Bom, pela sua mãe, eu acho. Acabei ficando ocupada demais para retomar o contato com ela e depois ... Já era tarde demais.

Kyara não respondeu, apenas encarou o vazio por alguns segundos. O som da campainha da porta as salvou do momento constrangedor.

— Deve ser a pizza.

— Se precisar de dinheiro, minha pasta está em cima do balcão.

— Obrigada.

Kyara pulou da cama e desceu correndo as escadas, deixando Naorima a sós. A mulher demorou-se para se vestir, penteando longamente os cabelos ainda úmidos. Sua mente vagava, centrada no passado.

Uma hora depois

Kyara suspirou e pousou uma das mãos na barriga, apoiando as costas no encosto do sofá.

— Caramba! — Exclamou — Acho que exagerei.

— Eu te disse para não comer aquele último pedaço, mas você não me ouviu.

As duas pararam com as provocações ao ouvirem um carro parar na entrada da garagem.

— Droga! — A mais velha exclamou — Minha mãe vai nos matar se descobrir sobre a pizza.

— Coloca no lixo lá de trás. — A jovem sugeriu — Rápido!

Naorima agarrou a caixa de papelão e correu para os fundos da casa. Conseguiu colocá-la no lixo e voltar bem quando a família entrava pela porta da frente.

— Oba-san! — Aysha exclamou, correndo direto para Naorima. Kathleen a seguiu de perto e Naorima as abraçou.

— E aí, como foram as compras?

— Chatas — Aysha respondeu baixinho — Prefiro ir com você.

— Só diz isso porque eu te deixo comprar doces. — Naorima rebateu, rindo e balançando de leve o rabo de cavalo da menina.

— O que vocês estão vendo?

— Eu não sei. — Veio a resposta — Kyara escolheu. Eu dormi na metade do filme.

Aysha riu, e até mesmo Kathleen deu uma risadinha.

Naquela noite

Naorima terminou de ler o conto de Amaterasu na caverna e fechou o livro, sorrindo para Aysha.

— Pronto. — Disse carinhosamente, ajeitando os cobertores. Hora de dormir, sua pequena traça.

— Awn, oba-san, não pode ler só mais uma?

— Não — A morena riu — Está tarde, é melhor você dormir.

— Está bem. Boa noite, oba-san.

Boa noite, Aysha.

A morena deu um beijo na sobrinha e saiu devagar do quarto. Sabia que Kathleen e Kyara já estavam dormindo. Era a hora.

Com um suspiro profundo para acalmar-se, Naorima desceu para a sala de estar, onde sua família estava reunida.

— Naorima. — Sua mãe chamou — Como foi com Kyara hoje?

— Tudo correu bem, mamãe. — Respondeu, enrolando no dedo uma mecha de seu cabelo escuro. — Na verdade, Kyara teve uma excelente ideia ...

Sentia-se como se tivesse dezoito anos de novo, defendendo a irmã das acusações da mãe. Reparou na mecha em seu dedo e forçou-se a relaxar, sentando-se e cruzando as mãos sobre o colo.

— A senhora sabe que tenho procurado um lugar para nós. — Começou — Bem ... Kyara encontrou um lugar, mas é ... Longe.

— Onde, exatamente?

— Veja por si mesma.

Naorima estendeu a impressão que Kyara deixara com ela mais cedo. Os olhos de sua mãe se arregalaram ao ler a folha.

— Não! — A senhora exclamou — Não pode ir para tão longe, Naorima! E se algo acontecer?

— Mamãe ... Lilia queria que eu assumisse a educação das meninas. — Naorima respondeu, sentindo uma confiança que nem sabia estar lá — Não posso fazer isso com a senhora e o resto da família sempre por perto. É como ... Como saltar de um penhasco, mas segurar a corda que te prende ao topo. Dessa forma jamais chegará ao fundo, onde deve chegar.

A mulher mais velha apenas encarou a filha por um longo momento, seus olhos brilhando com lágrimas, e então um sorriso de orgulho ergueu os cantos de seus lábios.

— Ah, minha Naorima ... — Disse suavemente, estendendo uma das mãos para tocar os cabelos escuros da filha — Você finalmente está entendendo.

Naorima não estava. Só o que ela sabia é que finalmente encontrara coragem para dizer o que precisava ser dito e fazer o que achava certo. E isso era um grande passo.


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