Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 69
LXVII




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Não tenho a certeza sobre como esperava que os outros reagissem às minhas palavras, mas com certeza não esperava que ficassem a olhar para mim como se eu tivesse acabado de dizer a última coisa que esperavam ouvir. Miiko, inclusive, parecia ser a mais surpreendida de todos, apesar de ser a pessoa a quem a minha resposta positiva mais deveria interessar.

— Eduarda… bateste com a cabeça? — inquiriu Lithiel sem cerimónias.

Miiko lançou-lhe um olhar arreliado.

— E que raio queres dizer com isso, Lithiel? É preciso bater com a cabeça para tomar uma decisão acertada?

— Lutar do vosso lado não é a decisão acertada — retorquiu a doppelganger, erguendo uma sobrancelha.

— Ah, é claro — murmurou Miiko com um pequeno sorriso escarninho — No teu entender, a decisão acertada seria lutar do lado do titã…

— Se as únicas escolhas possíveis são entre lutar do teu lado ou do lado do titã, então é indiferente — disse Lithiel, encolhendo os ombros — A verdade é que tu e o Ashkore vêem a Eduarda exatamente da mesma forma: como uma arma ou uma ferramenta para ser usada e descartada. Provavelmente até estás a pensar em usar a mesma estratégia do titã e enviar a Eduarda numa missão suicida que te poupará ao trabalho de matá-la no final… Ah, espera, que disparate, tu jamais sujarias as mãos com esse tipo de trabalhinho sujo. Tu és mais do tipo que manda outras pessoas fazê-los por ti! E, desta vez, até tens um exército de faeries furiosos em prontidão lá fora, ansiosos por uma oportunidade para esventrar a Eduarda. O mesmo exército que, por coincidência, queres que ela lute para defender…

— Isso é um absurdo… — Miiko tentou defender-se, mas Lithiel não a deixou continuar.

— Absurdo? Porquê? Vais dizer-nos que convenceste os faeries a receber a Eduarda de braços abertos? Ou vais dizer que encobriste o que ela fez em Eel?

A divisão ficou subitamente em silêncio enquanto Miiko desviava o olhar, com ar arreliado e contrariado. Lithiel abriu um sorriso trocista.

— Não me respondes porquê, Miiko? Estás com medo que eu sinta o fedor a mentira nas tuas próximas palavras? Porque não aproveitas a ocasião para admitires que passaste os últimos quatro dias a alimentar a ira dos faeries em relação aos titãs e à Eduarda, em particular? Porque não admites que pretendes usá-la exatamente como me usaste a mim? Para expiar as tuas mentiras, a tua covardia e a tua incompetência?!

— Basta! — bradou Miiko, batendo com o seu cajado no chão — Estou cansada das tuas acusações…!

— Não são acusações infundadas, pois não?

— Eu disse basta! — repetiu a Sacerdotisa, com as caudas completamente eriçadas. Fumo azulado principiou a escapar-se das pontas peludas e Huang Hua foi rapidamente poisar uma mão tranquilizadora no ombro da mulher-raposa.

— Por favor, vamos manter a calma. Menina Lithiel, eu sei que tem questões pendentes com a Sacerdotisa Miiko, mas, por favor, não se sirva dos erros do passado para plantar suspeita e discórdia entre nós. Compreendo que não se sinta disposta a confiar na palavra da Sacerdotisa Miiko e não vou cometer a imprudência de tentar convencê-la do contrário. Peço-lhe, porém, que confie em mim quando afirmo que, enquanto a titânide Eduarda se mantiver do nosso lado, nenhuma ofensa lhe será dirigida por parte dos faeries. Eu mesma me certificarei disso.

— Ah, sim? Isso quer dizer que irá defender a vida da Eduarda mesmo que tal a leve a virar-se contra a Sacerdotisa Miiko, Dama Huang Hua? — atalhou Lithiel, erguendo uma sobrancelha.

Se a pergunta surpreendeu ou ofendeu a aprendiza de Fénix, ela não o deixou transparecer. Huang Hua endireitou os ombros sem hesitar e confirmou, num tom solene:

— Sim. Irei defender a vida da nossa titânide mesmo que para isso tenha de me virar contra a Sacerdotisa Miiko. A titânide Eduarda tornou-se a nossa mais importante aliada no momento em que aceitou lutar por nós, portanto, é do nosso maior interesse que ela se encontre plenamente apta a lutar, pois só assim nos poderá conduzir à vitória. No fundo, ameaçar a integridade física e mística da titânide não será diferente de sabotar as nossas hipóteses de sobrevivência… e tal crime deveria ser considerado e sentenciado como um ato de alta traição.

— Concordo — disse Nevra num tom grave, cruzando os braços na frente do peito.

— Eu também — anunciou Ezarel antes se virar para mim com ar muito desconfiado — Mas a tua repentina mudança de atitude é suspeita. Tu não parecias minimamente interessada em enfrentar o teu “irmão” há umas horas atrás, pelo contrário, continuavas a defendê-lo com unhas e dentes. O que é que te fez mudar de ideias?

Eu desviei o olhar e trinquei o lábio, hesitando. A última coisa que queria naquele momento era falar sobre o que Sirsha me mostrara, não só porque fora profundamente perturbador, mas também porque uma parte de mim não queria avivar o ódio que os faeries sentiam por Ashkore. Era ridículo… mas não era fácil ultrapassar aqueles estranhos impulsos que me compeliam a proteger o titã. Foram necessários alguns segundos de conversa mental comigo mesma para me mentalizar de que Ashkore não merecia que eu o defendesse depois do que fizera a Chrome e Eweleïn. Pelo contrário… Miiko e os outros tinham todo o direito de saber o que o titã vermelho fizera, não só por serem parte da autoridade que aplicava a justiça naquele mundo, mas também porque eram muito mais próximos da enfermeira e do pequeno lobisomem do que eu…

Inspirei profundamente e apoiei as mãos no colchão para levantar o tronco e poder sentar-me. Nevra avançou um passo na minha direção ao ver a minha dificuldade, mas consegui endireitar-me antes que ele tivesse tempo de me alcançar. Recostei-me contra a almofada, limpei o resto das minhas lágrimas e soltei o ar com um suspiro antes de murmurar:

— Eu… não sei bem como explicar… nem sei se vocês vão acreditar em mim, mas… eu acho… que tive uma espécie de visão…

— Visão? — repetiu Miiko, desconfiada.

— Sim… Quero dizer, não sei se posso chamar-lhe uma visão. Talvez fosse mais apropriado dizer que a titânide de Eel me… invocou? Ou invocou a minha mente, sei lá…

— Eduarda, concentra-te — pediu Miiko, aproximando-se um passo ansioso – Porque é que a titânide te invocou? O que queria ela?

— Ela… ela queria mostrar-me o que o meu irmão anda a fazer em Eel.

Os faeries trocaram olhares entre si antes de voltarem a concentrar-se em mim.

— O que vos mostrou ela, titânide? — perguntou Huang Hua num tom baixo e cauteloso, como se pressentisse a gravidade do que eu tinha para contar. O meu ataque de choro e a expressão no meu rosto deviam ter deixado claro que eu não era portadora de boas notícias. Ou talvez ela simplesmente assumisse que nada de bom viria do lado do meu irmão…

Comprimi os lábios numa linha fina e desviei o rosto para o lado, incapaz de encarar os olhares expetantes dos faeries. O que iriam eles pensar de mim quando soubessem o que o meu irmão fizera a Chrome? Tudo aquilo acontecera porque eu deixara Ashkore entrar em Eel… por minha causa…

— Eduarda? — chamou Nevra num tom brando e carinhoso, arrancando-me dos meus pensamentos — Conta-nos, por favor…

Eu fechei momentaneamente os olhos e inspirei mais um longo fôlego de coragem. Não valia a pena adiar aquela conversa, portanto, mais valia soltar tudo de uma vez. Fixando as minhas próprias mãos, caídas no meu colo, disse no tom mais claro e firme de que fui capaz:

— A Sirsha mostrou-me… o Ashkore a torturar a Eweleïn e o Chrome.

Um silêncio pesado instalou-se no quarto enquanto os faeries eram, presumo, consumidos pelo choque. Não me atrevi a levantar o olhar, não vi as caras que eles fizeram, mas também não era difícil imaginar…

— Porque é que ele os estava a torturar? — perguntou Leiftan em voz baixa ao fim de alguns instantes. Eu precisei de sorver um novo fôlego de coragem para conseguir responder.

— O Ashkore queria que a Eweleïn cuidasse dos seus adeptos. Como ela recusou, ele… ele mandou os seus homens trazerem outro prisioneiro. O Chrome acabou por se envolver e… o Ashkore torturou-o na frente da Eweleïn até ela aceitar…

Houve mais alguns segundos de silêncio até Huang Hua murmurar a questão que nenhum dos outros parecia ter coragem para pronunciar:

— O menino Chrome… sobreviveu à tortura?

Eu comprimi os lábios, com os olhos cheios de lágrimas, antes de fazer um fraco gesto negativo. Os faeries em meu redor limitaram-se a soltar suspiros pesarosos, parecendo demasiado abalados para esboçar qualquer outra reação.

— Infelizmente, não posso dizer que estou surpreendida — murmurou Miiko — Como temia, a crueldade desse titã não conhece limites. Espero que finalmente tenhas entendido isso, Eduarda…

Eu não respondi, preferindo continuar a mirar as minhas próprias mãos. No fundo… eu também não estava surpreendida…

O silêncio estendeu-se durante alguns minutos, enquanto todos tentavam digerir a trágica notícia. Foi Lithiel quem tomou a iniciativa de quebrá-lo, colocando a grande questão do momento:

— Então e agora? O que é que fazemos?

A Sacerdotisa da Guarda Reluzente soltou mais um suspiro.

— Agora… fazemos o que podermos para impedir que esse maldito titã continue a exterminar o nosso povo. A nossa principal prioridade é impedi-lo de soltar os dois titãs que restam, em Vaan e Nuum. Se tivermos…

— Sobre esses titãs — intrometi-me, sobrepondo a minha voz à de Miiko —, eu tenho algumas… condições…

A Sacerdotisa virou lentamente o olhar na minha direção, com um ar desconfiado e muito arreliado.

— Bem me parecia que estava a ser fácil demais — murmurou com azedume antes de inquirir num tom seco — E quais seriam as condições?

Eu trinquei nervosamente o lábio inferior e devolvi o olhar às mãos no meu colo antes de murmurar:

— Eu aceitei lutar ao vosso lado porque não quero que o Ashkore volte a magoar alguém. O que ele fez com o Chrome e a Eweleïn foi… horrível e imperdoável… e eu vou fazer tudo o que poder para que não se repita. O Ashkore realmente cometeu muitos crimes e merece ser julgado por eles, mas… não acho que querer libertar os seus irmãos seja um desses crimes…

— O que quereis dizer com isso, titânide? — perguntou Huang Hua.

Inspirei profundamente antes de endireitar os ombros e levantar o olhar para a fixar.

— Quero dizer… que não pretendo deixar os titãs que restam eternamente presos em cristais, nem tenho qualquer intenção de vos ajudar a enclausurar o Ashkore num novo cristal. Não sei como é ficar presa numa dessas pedras, mas os relatos que ouvi não me deram vontade de descobrir e não vou ser hipócrita ao ponto de condenar o que resta da minha espécie a um destino que nem eu aceitaria sem lutar. No fundo, estaria a traí-los e vendê-los para salvar a própria pele. Não vou fazê-lo. Se realmente querem a minha ajuda, encontrem outra maneira de punir o Ashkore pelos seus crimes… e libertem os dois titãs que faltam.

Os faeries ficaram a olhar para mim, mergulhados num silêncio pasmado, até começarem a falar todos ao mesmo tempo.

— Titânide, por favor, ponderai…

— Endoideceste?!

— Eduarda, nós não podemos fazer isso…

— Está completamente fora de questão!

— Afinal o teu plano é lutar do nosso lado ou matar-nos a todos?!

Levantei a mão para parar os protestos e poder defender a minha ideia, mas Leiftan não se conteve e continuou:

— Não percebo como podes querer soltar os outros titãs depois de tudo o que aconteceu. As atitudes e escolhas do Ashkore não te ensinaram nada?!

— O que é que as atitudes e escolhas do Ashkore têm a ver com os outros titãs? — volvi, erguendo uma sobrancelha.

— São um exemplo do que esses monstros são capazes de fazer para obterem aquilo que querem! Os titãs são todos iguais, Eduarda! Bestas sanguinárias que não olham os meios para atingir os fins…!

— Até a Ihlini? — cortei, levantando ainda mais a minha sobrancelha.

Leiftan silenciou-se de repente enquanto a cor parecia desaparecer do seu rosto. Fixou-me com um olhar ligeiramente arregalado, como se estivesse com medo das minhas próximas palavras, mas eu não hesitei em continuar:

— Se bem me lembro, na noite em que o Ashkore libertou a Ihlini, tu disseste que ela “não queria nada daquilo” e pediste-nos para a deixarmos em paz. Imagino, portanto, que saibas que foi ela quem ensinou os faeries a aprisionar os titãs nos cristais e que ela nunca quis ser libertada…

— E, no entanto, não hesitou em devastar Eel ao lado do Ashkore — resmoneou o investigador.

— A mudança de atitude dela não é normal — defendi — Eu visitei a Ihlini várias vezes antes de partir para a Terra e ela estava completamente disposta a conspirar contra o irmão. Na verdade, ela até me pediu para vos revelar a nossa localização e deixar-vos fazer o que ela entendia que tinha de ser feito. Não sei como é que o Ashkore a convenceu a lutar do lado dele, mas…

— Ah, aposto que o titã também lhe deu uma poção do amor — intrometeu-se Ezarel com um sorrisinho malicioso.

— Não acho que o titã seria inconsequente ao ponto de ministrar uma poção do amor a duas pessoas em simultâneo — disse Miiko — As vítimas do feitiço tornam-se altamente possessivas sobre os seus amantes, a Eduarda e a outra titânide ter-se-iam morto uma à outra pela atenção dele!

— Não se ele tivesse um plano para as manter afastadas.

— A viagem à Terra — concluiu Lithiel, soltando um risinho mordaz — O titã realmente não faz nada ao acaso…

— Por favor, senhoras e senhores, não nos vamos dispersar — pediu Huang Hua, batendo suavemente as mãos para chamar as atenções de todos — A questão aqui não é descobrir se o titã Ashkore deu ou não uma poção de amor à titânide Ihlini. A questão é que a nossa titânide acredita que nem todos os titãs partilham as ideias genocidas do titã vermelho… não é verdade? — acrescentou, virando-se para mim.

Eu assenti.

— A Ihlini é… ou era… uma aliada dos faeries e acredito que o facto de a Sirsha me ter chamado para ver as atrocidades do Ashkore é um sinal de que ela também está do vosso lado. Não conheço os outros dois titãs, mas, se tomarmos a iniciativa de os libertar, talvez eles se mostrem mais complacentes e dispostos a ouvir-nos. Aliás, se nós os libertarmos, o Ashkore terá uma razão a menos para atacar as outras cidades e, mesmo que ele insista em vingar-se dos faeries, talvez os nossos irmãos o consigam convencer a parar! Poderíamos terminar esta guerra de uma forma completamente pacífica!

Huang Hua fez o que me pareceu um pequeno sorriso entristecido.

— Infelizmente, a questão não é assim tão simples, adorável titânide… A Sacerdotisa Miiko assinou uma promessa inquebrável em que se comprometia a manter tudo como estava e a única coisa que a mantém viva neste preciso momento é a vontade de devolver os titãs aos cristais. Se ela se decidir pelo contrário… a promessa ser-lhe-á cobrada…

— Não vejo onde está o problema — interveio Lithiel num tom indiferente. Huang Hua virou-se para a encarar.

— O problema é que estaríamos a sacrificar vidas inocentes em troca da liberdade dos titãs…

— Ou não tão inocentes assim — cortou a doppelganger — Os Sacerdotes também cometeram a sua quota parte de crimes e acho que merecem ser punidos por eles. Eu sou a favor do sacrifício dos Sacerdotes em troca da liberdade dos titãs.

Miiko soltou um risinho desdenhoso.

— Ficaria surpreendida se não fosses…

— Menina Lithiel, não se precipite — pediu a aprendiza de Fénix, ignorando o comentário da mulher-raposa — Nós não nos podemos esquecer que não conhecemos a verdadeira natureza dos titãs encarcerados e que estaremos a colocar Eldarya numa posição extremamente delicada caso estes se revelem hostis. Os Sacerdotes são os únicos que conhecem o encantamento para encarcerar os titãs, portanto, são também os únicos que podem conter a sua ira. Sem eles, estaremos perdidos…

— Não podemos libertar a Miiko da promessa? — perguntei a Huang Hua, mas foi a própria Miiko quem respondeu:

— A promessa só pode ser perdoada pela pessoa que a testemunhou… e a minha testemunha está morta. Portanto, é impossível libertar-me.

— Não há mesmo outra maneira?

— Não — disse a Sacerdotisa num tom austero antes de soltar um risinho seco — Sabes? Se tivesse a certeza de que os titãs não levantariam a mão contra os faeries, eu não me importaria de sacrificar a minha vida para lhes conceder a liberdade. Seja no campo de batalha ou em praça pública, não hesitarei em dar a vida pela paz de Eldarya. O problema… é que eu sei que os titãs nunca irão perdoar os faeries pelo que aconteceu no passado. Eles têm séculos de raiva, dor e ressentimento a correr nas suas veias, sentimentos que não serão aplacados com um mero pedido de desculpas, nem com o sacrifício de uma mão cheia de Sacerdotes. Eles nunca nos deixarão em paz, Eduarda. Vão continuar a caçar-nos e exterminar-nos até o cheiro do nosso sangue expurgar o fedor da nossa traição — humedeceu nervosamente os lábios com a ponta da língua antes de continuar num tom lúgubre — Acredita, Eduarda, eu adoraria que houvesse outra maneira de terminar com esta guerra… e estarei completamente disposta a ouvir as tuas ideias se me mostrares evidências sólidas de que uma convivência pacífica entre faeries e titãs é possível. Mas, até lá, vamos continuar a lutar para impedir o titã vermelho de libertar os seus irmãos e devolvê-lo ao seu próprio cristal. Espero, pelo menos, contar com o teu auxílio para a primeira parte dos nossos planos… uma vez que essa é a única maneira de impedir o titã de magoar mais inocentes…

Eu desviei o olhar e trinquei o lábio inferior. Não queria admiti-lo, mas as palavras de Miiko faziam um aterrorizante sentido… Libertar os dois titãs que restavam seria um tiro no próprio pé se estes partilhassem metade das ideias de Ashkore. Por outro lado, o pensamento de que podia estar a manter aprisionadas pessoas piedosas e inocentes não parava de me atormentar. Por instantes, ponderei pedir a Miiko que me deixasse conversar com os titãs encarcerados através da telepatia e assim esclarecer as suas intenções, mas sabia que ela recusaria sob o pretexto de que os titãs poderiam mentir-me ou manipular-me. E o pior é que ela não estaria completamente errada… Eu precisava de tempo para pensar numa boa estratégia e, enquanto não a encontrasse… tinha de admitir que seria mais seguro deixar os titãs onde estavam. Quanto a Ashkore… só me restava a esperança de que os faeries tivessem outros métodos para conter o titã que não envolvessem a prisão num cristal…

— Titânide — chamou Huang Hua, arrancando-me dos meus pensamentos — Se quiserdes recuar na vossa decisão de lutar ao nosso lado… esta é a hora.

Eu fixei os seus intensos olhos alaranjados antes de sacudir rapidamente a cabeça.

— Não — murmurei em voz baixa — Não vou voltar atrás. Eu realmente quero libertar os meus irmãos, mas… concordo que não seria prudente fazê-lo antes de descobrirmos as suas verdadeiras intenções. Além disso, o principal motivo que me levou a aceitar lutar ao vosso lado permanece inalterado. Eu quero… eu vou impedir o Ashkore de espalhar mais morte e destruição… nem que para isso tenha de o enfrentar no campo de batalha. A minha decisão está tomada… e é definitiva. Não vou voltar atrás.

Os faeries limitaram-se a olhar-me durante alguns segundos, como se estivessem à espera de me ver mudar de ideias, mas, quando perceberam que isso não aconteceria, soltaram-se lentamente da tensão que eu nem notara que os tolhia. Huang Hua abriu um sorriso feliz e aliviado, Miiko fez um curto aceno aprovador e até os ombros de Nevra, Leiftan e Ezarel pareceram relaxar. Lithiel levantou uma sobrancelha duvidosa, mas não fez comentários.

— Não existem palavras para expressar o quanto estamos gratos pelo vosso auxílio, sublime titânide — murmurou a aprendiza de Fénix, dobrando-se numa vénia profunda.

— Fico feliz por teres tomado a decisão certa — acrescentou a Sacerdotisa.

— Se perderes um membro em batalha, posso ficar com ele? — pediu o Diretor da Absinto com um sorriso empolgado.

— Ezarel! — exclamaram várias vozes em tom reprovador.

— Não é hora para piadas ridículas, temos muito o que planear! — continuou Miiko, recuperando a sua postura de líder — Nós não só temos de fornecer à Eduarda os meios para lutar na próxima batalha, como precisamos de iniciar os preparativos para a viagem até Nuum…

— Nuum? — repetiu Nevra, erguendo uma sobrancelha.

— Sim — confirmou a Sacerdotisa, lançando um olhar meio reprovador, meio arreliado ao Mestre da Sombra — Se tivesses estado presente nas nossas últimas reuniões, saberias que, depois de muita ponderação, optamos por unir forças com as Guardas de Nuum para reforçar a proteção do cristal amarelo. Apesar de a diferença ser ínfima, Nuum está mais próxima de Eel do que Vaan, portanto, há uma probabilidade maior de o titã vermelho atacar aí primeiro. Se tudo correr bem, dentro de dois dias, estaremos prontos para mover os nossos feridos e iniciar viagem.

— Dois dias? — admirou-se Lithiel — Isso não é muito cedo?

— Talvez, mas nós não podemos perder mais tempo aqui em Balenvia. Não temos montarias em número suficiente para todos e muitos de nós terão de caminhar até Nuum, o que, naturalmente, implicará um atraso significativo na viagem. Pelos nossos cálculos, demoraremos mais de um mês a chegar ao nosso destino…

— Um mês?! — repeti antes de me conseguir conter.

— Isso mesmo — confirmou Miiko — É por essa razão que temos de nos colocar a caminho o quanto antes. Caso contrário, não chegaremos a tempo de defender o cristal amarelo do próximo ataque do titã vermelho. O único lado positivo é que esse mês de viagem deverá dar-te tempo para produzires uma quantidade considerável de Maana. Isto é, se encontrarmos adoradores…

— Eu encarrego-me disso — aprontou-se Nevra — Eu e o Adonis trataremos de adorar a Eduarda. Aproveito e treino-a para a próxima batalha.

Miiko assentiu levemente.

— Sim, eu presumi que quisesses ficar responsável pela adoração da Eduarda… mas não sei se tu e o Adonis serão o suficiente. Talvez ela precise de mais uns quantos adoradores…

— Será difícil encontrar mais adoradores enquanto não revelares toda a verdade aos faeries — comentou Ezarel num tom descontraído e desinteressado, mas que desenhou um meio sorriso nos lábios de Lithiel.

— Ah, bem me pareceu… Bem me pareceu que as coisas não estariam tão calmas por aqui se a Miiko tivesse contado toda a verdade aos faeries. Digam lá, qual foi a mentira, desta vez?

A Sacerdotisa dirigiu um olhar agastado à doppelganger enquanto Nevra respondia:

— Nós só dissemos aos faeries que o titã vermelho tinha usado a energia recém-consumida do cristal azul para invocar uma nova titânide da outra dimensão.

— Por outras palavras, os faeries não fazem a mais pálida ideia de que os titãs estão na realidade aprisionados nos cristais e que são eles a verdadeira origem da nossa Maana — concluiu Lithiel.

— Sim. Por enquanto, só a Guarda Reluzente e a Dama Huang Hua sabem disso.

— E pretendemos que continue assim — acrescentou Miiko, lançando um olhar ameaçador a Lithiel — A última coisa de que precisamos neste momento é de instalar o caos entre o nosso povo com esse assunto!

— A Sacerdotisa Miiko tem razão — apoiou Huang Hua — A verdade seria um abalado demasiado violento num momento em que é absolutamente necessário manter os faeries unidos e centrados.

— Enfim, vamos encerrar esta conversa — decidiu a mulher-raposa, impaciente — Já esclarecemos a condição e o posicionamento da Eduarda e os restantes sabem o que têm de fazer, portanto, não vou continuar a perder o meu tempo aqui. Como sabem, tenho uma longa viagem para organizar! Com licença!

Dito isto, a Sacerdotisa da Guarda Reluzente rodou nos calcanhares e abandonou o quarto. Huang Hua e Leiftan seguiram-na sem hesitar e Ezarel tentou fazer o mesmo, mas Lithiel chamou-o antes que tivesse tempo de atravessar a porta.

— Ezarel! Como correu o tratamento do Lee?

Eu endireitei-me como se tivesse recebido um pequeno choque elétrico, lembrando-me subitamente da ninfa. No meio de tudo o que acontecera, esquecera-me completamente que Ezarel ficara responsável por lhe reconstruir o nariz! E, avaliando pelo pequeno sobressalto do elfo, parecia que ele também se tinha esquecido…

— Ah… C-correu bem. Dei-lhe um sedativo, por isso, não deverá acordar durante as próximas horas…

— Podemos vê-lo? — perguntei, sentando-me na borda da cama e preparando-me para me levantar.

— Claro. Será até melhor se ele tiver companhia quando acordar… mas, se me permites, aconselho-te vivamente a vestir qualquer coisa antes de saíres daqui, cuspideira — acrescentou o elfo com um sorriso escarninho.

Eu baixei rapidamente o olhar para o meu próprio corpo e senti as minhas bochechas pegar fogo quando me apercebi de que a única coisa que cobrira o meu corpo durante toda a conversa com os faeries… fora uma curta toalha húmida.


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