Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 55
LIII


Notas iniciais do capítulo

O capítulo vem atrasado, mas... tem um joguinho de "encontre o erro" nele :D
Não, não é um erro ortográfico (mas, se encontrarem, avisem para corrigir). É um erro a nível de... hum... coerência? Sim, por aí...

Boa sorte! :D



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Finalmente, estava tudo pronto para a minha viagem à Terra. O círculo que me levaria de regresso ao meu mundo estava escondido numa câmara vazia dos túneis. O encantamento que o ativaria, por sua vez, estava escrito numa longa tira de pergaminho estendida na secretária no meu quarto. As poções que estabilizariam o portal e nos permitiriam atravessar as realidades sem sofrer ferimentos graves estavam alinhadas ao lado do papel. Duas mochilas com roupa, petiscos e poções de efeitos variados estavam aos pés da minha cama. Lithiel continuaria nas masmorras até à manhã seguinte, hora da partida. E eu… eu andava sem rumo pelos túneis da colónia, tentando não entrar em pânico. As dúvidas e incertezas que conseguira afastar da minha mente concentrando-me nos treinos regressavam com o dobro da força agora que o momento de as enfrentar se aproximava a passos largos. Conseguiria abrir o portal? Chegaria em segurança à Terra? Como enfrentaria os meus pais? Seria capaz de desenhar um segundo círculo para viajar para Eel?

A minha inquietação não passou despercebida a ninguém. Rubih acompanhou-me na minha caminhada sem destino durante algum tempo, tentando distrair-me, mas não tardou em admitir derrota. Foi embora, mas, não muito tempo depois, Ashkore veio ter comigo e convidou-me a acompanhá-lo num lanche na sua ala pessoal. Acredito que a elemental do fogo o avisou sobre o meu estado e o aconselhou a vir falar comigo, julgando que a companhia do meu irmão me acalmaria… mas não podia estar mais errada…

Eu não falara muito com Ashkore desde o meu regresso à colónia, depois da viagem a Eel. Via o titã todos os dias durante os treinos para abrir o portal, onde a nossa convivência se resumia a mestre e aluna, mas, tirando isso, raramente estávamos juntos. Ashkore até me convidava para almoçar ou jantar com ele com alguma frequência, mas eu arranjava sempre uma desculpa para recusar. Eu já não me sentia à vontade junto do titã. A sua estranha declaração amorosa, conjugada com o nervosismo de tecer uma conspiração nas suas costas, só me davam vontade de fugir de Ashkore com quanta força tinha nas pernas. Tinha tanto medo de ser vítima de novos avanços dele sobre mim como de descuidar-me e dizer ou fazer algo que o alertasse para as minhas atividades ilícitas. Teria, por isso, preferido evitar aquele lanche, mas não tinha nenhuma desculpa suficientemente boa para recusar o convite. Além disso, sabia que as minhas evasivas constantes estavam a deixá-lo desconfiado e não queria reavivar esse sentimento nas vésperas de executar o meu plano com Lithiel. Não tive, portanto, outra opção que não segui-lo.

Um tabuleiro com bolos, salgadinhos e sumos de fruta acabados de fazer aguardava-nos no escritório de Ashkore. O titã sentou-se na sua chaise longue e convidou-me a sentar ao seu lado. Gostaria de ter recusado, mas não havia mais nenhum assento próximo do tabuleiro…

Comecei a comer em silêncio, sob o olhar atento de Ashkore. Os meus movimentos tornaram-se cada vez mais rígidos e mecânicos ante o seu escrutínio e isso não lhe passou despercebido.

— Estás nervosa? — indagou num tom baixo.

— Um pouco — murmurei, assumindo que estávamos a falar da viagem agendada para o dia seguinte.

— Não precisas — disse o titã, levando uma mão à minha nuca. Os seus dedos foram cuidadosos e carinhosos ao tocar-me no cabelo, mas, em vez de me acalmarem, só me fizeram enrijecer ainda mais — Vai correr tudo bem…

Eu concordei com um aceno hirto. Ashkore deixou cair a mão, soltando um pequeno suspiro.

— As minhas carícias causam-te assim tanto transtorno?

A sua pergunta sobressaltou-me tanto que quase me engasguei com um morango que decorava o bolo. Ashkore deu-me umas palmadinhas nas costas ao ouvir-me tossicar e eu servi-me de um copo de sumo para empurrar a fruta e tentar ganhar algum tempo. O que lhe diria…?

— Não vale a pena mentires — continuou o titã, quando a minha resposta tardou em chegar — Não sou tolo, sei bem que me tens estado a evitar. A minha declaração assustou-te, não foi?

É claro que me tinha assustado! Ele era um titã vingativo e sanguinário… e o meu irmão mais velho! Ele era a última pessoa de quem eu gostaria de ouvir uma declaração de amor! Mas como lhe diria isso sem o magoar ou enfurecer?

— Eduarda? Fala comigo…

— Eu… eu não estava à espera de… te ouvir dizer… aquele tipo de coisa — admiti cautelosamente — Fiquei… sem saber o que pensar…

— Não penses, então. Limita-te a sentir…

— A questão é que também não sei o que sinto!

Ashkore estendeu a mão e envolveu a minha, entrelaçando lenta e deliberadamente os nossos dedos. O calor resultante do contacto trepou vagarosamente pelo meu braço e era tão aprazível que conseguiu amolecer os meus músculos retesados de medo e confusão. Não consegui evitar um suspiro de agrado.

— Sentes este calor? — perguntou Ashkore com um murmúrio.

— Sim…

— E não é bom?

— Sim, mas… não era a este “sentir” que me referia…

— Eu sei… mas já é um começo.

Franzi ligeiramente o sobrolho, confusa. O calor era uma consequência do contacto entre a nossa Maana, não era? Não tinha nada a ver com as determinações do coração… ou será que tinha? Talvez o calor também fosse um sinal de compatibilidade entre nós? O indício de uma paixão escondida e desconhecida até ali? Pensando bem, eu nunca notara como Ashkore era atraente… É certo que nunca lhe vira o rosto, mas o corpo que se adivinhava por baixo da armadura negra e vermelha era fenomenal. Tinha ombros largos, um peito amplo, braços fortes, pernas longas… Divinal. Manteria o rosto essa tendência…? Não que isso tivesse alguma importância! O aspeto do seu rosto não mudaria nada do que sentia por ele, mas… estava curiosa. Eu sabia que ele mantinha a armadura vestida para não desperdiçar Maana a construir a sua aparência humana, mas se fosse só a máscara… será que me deixaria vê-lo?

— Quero ver o teu rosto — murmurei com uma voz que não escondia a minha esperança de uma resposta positiva — Posso?

Ashkore soltou um risinho baixo e inclinou-se até encostar as nossas testas. Levou lentamente as mãos à máscara e começou a desapertá-la. Quando tentou afastá-la, segurei-lhe rapidamente os pulsos.

— Deixa-me fazê-lo…

Ashkore cedeu, afastando as mãos e permitindo-me tirar-lhe a máscara. Eu recuei um pouco para mirar melhor a face que se desvendava aos meus olhos. Primeiro, o queixo forte, coberto de pele dourada. De seguida, os lábios finos distendidos num sorriso quase imperceptível… a cicatriz na cana do nariz perfeito… e terminei cativa dos olhos vermelhos e brilhantes que me miravam com um carinho irresistível.

O tempo pareceu suspender-se enquanto, pela primeira vez, nós nos encarávamos e trocávamos olhares desimpedidos da máscara. Senti algo na minha bochecha e assumi serem carícias dos dedos de Ashkore. Não ia desviar os meus olhos dos dele para verificar. Não queria parar de fitá-lo. Não conseguia parar de admirá-lo…

— Gostas do que vês? — perguntou o titã numa voz baixa e ligeiramente enrouquecida que me encheu a mente de pensamentos indignos de serem narrados.

— Gosto — confirmei, chegando-me à frente, completamente seduzida — Muito…

O sorriso de Ashkore alargou-se, claramente satisfeito com a resposta. Os dedos que deslizavam pela minha face deram lugar a uma palma grande e quente. O rosto sublime do titã desceu sobre o meu, os olhos fecharam-se, os lábios entreabriram-se… e eu sustive a respiração quando os senti poisar nos meus, numa carícia leve e suave como um suspiro. Isso, no entanto, foi o suficiente para me incendiar o sangue. E, desta vez, era óbvio que o ardor não se devia somente à nossa magia… Desnorteada, incapaz de me negar ao desejo, agarrei os curtos cabelos brancos do titã e usei-os para o puxar para mais perto. Mergulhei na sua boca com tal ímpeto que lhe arranquei um ronco de prazer. Ashkore apertou os braços em redor da minha cintura, reduzindo o espaço entre nós, mas estava longe de ser suficiente para mim. Eu precisava de mais… Não sabia o que era aquilo… mas queria mais!

Sem separar os nossos lábios ou desfazer o nosso abraço, trepei para o colo do titã. Sentei-me sobre as coxas grossas e enrolei as pernas na sua cintura, aprisionando-o num abraço afogueado. Ashkore gemeu, mas não foi de deleite. Foi o lamento torturado do homem que queria ir mais além, mas, por alguma razão, não podia. Infelizmente para ele, eu não estava disposta a desistir. Estava a ferver, a consumir-me em paixão… Nunca me sentira assim! Queria aproveitar cada pequena grama de prazer que conseguisse extrair dali… e acredito que Ashkore queria o mesmo, porque não me afastou. Ele, como eu, não se conseguia negar às sensações que o percorriam.

Decidida a convencê-lo, deslizei as mãos dos seus cabelos para o pescoço. A gola da sua armadura couraçada impedia-me de tocar a sua pele, mas não me foi difícil deslizar os dedos por baixo do tecido que era um pouco mais maleável naquela zona. A minha mão já quase tinha desaparecido no interior da armadura, os dedos a percorrer a sua coluna, quando Ashkore interrompeu o nosso beijo.

— Eduarda…

— Quero-te…

— Eu também, mas…

Calei-o com um beijo, insinuando-me contra o seu corpo. Ashkore soltou mais um gemido atormentado. As suas mãos, nas minhas costas, fecharam-se em punhos apertados.

— Eu não posso… — gemeu contra a minha boca — Não posso tirar a armadura…

— Vá lá…

— Não…

— Só por um bocadinho…

Ashkore soltou um risinho aflito.

— Achas que me vou contentar com “só um bocadinho”? Se tirar a armadura agora, não voltarei a vesti-la antes do cair da noite…

— Parece-me bem — ronronei, apertando mais o meu abraço. Tentei beijá-lo de novo, mas Ashkore desviou o rosto. Eu não desisti e atirei-me à sua orelha, mordiscando o lóbulo suavemente. Ashkore estremeceu, mas a voz estava mais clara e lúcida ao insistir:

— Eduarda… Eu adoraria passar o resto da tarde contigo entre os meus lençóis, mas não posso… Manter a minha força humana consumiria demasiada Maana!

— Estar comigo não compensa o gasto? — sussurrei no seu ouvido.

Ashkore segurou os meus antebraços e desenrolou-os do seu pescoço. Eu afastei-me para encará-lo, fixando o seu olhar triste.

— Não é assim tão simples, querida… O momento de confrontar os faeries está cada vez mais próximo e eu precisarei de toda a Maana que conseguir reunir para poder derrotá-los. Não posso desperdiçá-la na minha forma humana, por muito que queira estar contigo. Por favor, tenta compreender…

— Eu compreendo — tranquilizei-o rapidamente — Não faz mal…

Ashkore fez um sorriso triste e acariciou-me lentamente o rosto.

— Teremos muito tempo para estarmos juntos depois de libertarmos os nossos irmãos e recuperarmos o que é nosso. Antes disso, será difícil. A não ser…

— A não ser, o quê? — incitei, ansiosa, quando o titã se deteve.

Ele teceu uma longa carícia no meu cabelo até descansar a mão na parte de trás do meu pescoço.

— Se conseguires convencer um ou dois titãs da Terra a ajudar-nos, eu não terei de ser tão cuidadoso com a minha Maana. A força deles irá compensar a Maana que despenderei com a minha forma humana… e, assim, poderei estar contigo…

— Mas, Ash… — gemi, queixosa e fazendo um beicinho — Eu nunca vou conseguir encontrar nove titãs dispersos pelo mundo. A Terra não é nada pequena, sabes?

— Eu sei, eu sei, mas tu és uma titânide. Podes usar mais do que os olhos para procurar. Usa a magia para alargar os teus sentidos, ouve a tua intuição e encontrarás os titãs num instante.

— E se não acontecer? Vou ficar eternamente à procura?

— Claro que não, tontinha. Se não encontrares nada dentro de… hum, digamos… um mês, regressarás a Eldarya.

— Um mês — repeti, sentindo-me subitamente desanimada — Um mês longe de ti… vai ser uma tortura!

— Eu sei, querida… Vai ser uma tortura para mim também. Mas, justamente por isso, deves empenhar-te em encontrar os titãs e regressar o mais rapidamente possível… certo?

Um concordei com um aceno, embora não estivesse muito tranquilizada. Inclinei-me na direção de Ashkore e iniciei mais um beijo, lento e profundo, desfrutando dos seus lábios e da sua língua tanto quanto podia. Ele gemeu ao fim de algum tempo, atiçando novamente o meu ardor, mas afastou-se antes de eu o poder agarrar.

— É melhor voltar a meter a máscara ou acabarei por cometer uma loucura — disse em tom de gracejo, recuperando a dita. Eu soltei um grunhido desagradado e Ashkore soltou um risinho divertido antes de cobrir o rosto com aquela coisa feiosa.

— Vou queimar esta porcaria na primeira oportunidade que tiver — garanti, deslizando os dedos pelas saliências duras da máscara.

Ashkore soltou uma pequena gargalhada.

— Poderás fazer o que quiseres com ela quando a guerra terminar.

— Mas isso vai demorar tanto…! Não seria mais rápido assinar um acordo de paz com os faeries?

Eu já sabia qual era a opinião do meu irmão sobre acordos com os faries, mas a urgência de livrar Ashkore da armadura, para poder estar com ele do jeito que queria, incentivou-me a recuperar o assunto. Além disso, a situação atual era muito diferente da anterior. Desta vez, eu tinha o rascunho de um acordo razoável para apresentar ao titã e estava convicta de que o rascunho iria, no mínimo, despertar-lhe o interesse. Se Ashkore o aprovasse, metade do trabalho estaria feito e só faltaria convencer os faeries a fazer o mesmo. Era perfeito… Ou assim pensei até Ashkore soltar um pequeno suspiro aborrecido e me tirar do seu colo, devolvendo-me à chaise longue. Enquanto eu aguardava uma resposta, Ashkore levantou-se e afastou-se alguns passos até se colocar diante da sua secretária.

— Já falamos sobre isso, Eduarda… Os faeries jamais aceitariam fazer o tipo de acordo que eu consideraria justo.

— O que seria justo para ti?

Ashkore soltou um risinho sem humor.

— Justo seria um regresso ao passado e a recuperação de tudo aquilo que perdemos. Infelizmente, isso não é exequível, nem mesmo para nós, titãs… Estamos condenados a aceitar e usar o pouco que nos resta para corrigir o mal feito e vingar as vidas que se perderam.

— Nem todos os faeries são culpados, Ash… e eles não merecem ser castigados pelos crimes que outros cometeram.

— Eu já te expliquei, Eduarda… Eles não cometeram os crimes, mas mantiveram…

— Eles, quem? — cortei.

— Os faeries…

— Os faeries? Não… Os Sacerdotes! — corrigi — Os Sacerdotes e os seus apoiantes são os únicos que sustentaram as mentiras inventadas no passado. Os restantes faeries são vítimas deles, tal como vocês!

— Eu sei disso… e já te disse que não pretendo magoar inocentes, desde que não me atrapalharem. A questão é que os faeries irão fazê-lo quando se colocarem no meu caminho para proteger os seus líderes caluniosos!

— Eles não o farão se souberem a verdade.

— E como irão eles descobrir a verdade? Os faeries são demasiado crentes nas mentiras dos Sacerdotes, jamais conseguiríamos convencer uma maioria significativa. Eu compreendo. É difícil contrariar centenas de anos de difamação, cuidadosamente incutida na mente dos faeries, justamente para que, na eventualidade de nos libertarmos, eles se recusassem a ouvir as nossas palavras e não fossem “manipulados” pelas nossas “mentiras”… Os Sacerdotes foram tão bem sucedidos no seu propósito que, atualmente, não há faery neste mundo que hesite em erguer as suas armas contra nós. E é isso que a maioria fará, mesmo que eu lhes atire a verdade à cara. Como deverei atuar, então? Matá-los? Poupá-los? Eu sei que esses faeries não conhecem a verdade e estão a lutar porque foram enganados, mas se os deixar incólumes, eles não sentirão por mim a mesma piedade que senti por eles! Virar-se-ão contra mim, atacar-me-ão com tudo o que têm e matar-me-ão se eu não me defender! Mesmo que os incapacite no momento, eles voltarão mais tarde em busca da minha cabeça. Mesmo que vença a guerra e consiga libertar os nossos irmãos… os faeries crentes nos Sacerdotes não vão parar de nos atacar até nos devolverem aos cristais ou arrancarem o coração do peito! Deverei aceitar viver no meio do medo o resto da minha vida…?

— Não, claro que não — neguei, levantando-me com um pulo e correndo a abraçá-lo pelas costas — Ninguém merece viver assim… mas… isso só irá acontecer se os faeries continuarem a acreditar nos Sacerdotes. Se nós conseguirmos convencê-los… se os próprios Sacerdotes admitirem que mentiram…

— Isso jamais irá acontecer. Os Sacerdotes são tão ou mais orgulhosos do que nós. Orgulhosos o suficiente para sacrificar sem piedade milhares de inocentes numa guerra que eles poderiam evitar com uma simples confissão… — Ashkore soltou um longo suspiro — Sempre que me lembro disso, tenho ainda mais certeza de que os Sacerdotes têm de ser eliminados. Não há espaço neste mundo para tanto egoísmo e desrespeito. Não concordas?

Eu soltei um pequeno suspiro derrotado.

— Concordo… plenamente…

E era verdade. Quanto mais refletia no que ele dissera, mais sentido as suas palavras faziam. Os Sacerdotes achavam-se demasiado altivos para aceitar um acordo com os titãs, muito menos um acordo que exigisse as suas vidas. Eu e Lithiel tínhamos contado com isso ao construir o esboço do tratado e a doppelganger tivera a ideia de usar a pressão popular para os fazer abrir mão da sua arrogância, mas… eu tinha a certeza de que os Sacerdotes arranjariam maneira de se justificar e reconquistar a confiança das massas. Não lhes deveria ser difícil fazê-lo, afinal, estávamos a falar das mesmas pessoas que sustentaram uma história falsificada durante milhares de anos… O titã tinha razão… Um acordo com os faeries jamais iria funcionar. Era pura perda de tempo…

Ashkore deu meia volta entre os meus braços, virando-se para mim. Teceu uma suave carícia no meu rosto com os nós dos dedos enquanto a outra mão poisava na minha cintura.

— És tão inocente e benevolente… tão pura… Não suporto pensar em como os horrores da guerra te irão macular. Faria tudo para o evitar, se pudesse, acredita… Infelizmente, não posso prescindir da tua força. Só conseguiremos vencer esta guerra se estivermos juntos. Corpo, mente e magia…

— Não te irei deixar — garanti com um murmúrio.

Não vi, mas senti um sorriso comovido abrir-se por trás da máscara. Lentamente, Ashkore inclinou a cabeça, unindo as nossas testas.

— Obrigado… — soltou um suspiro aliviado, como se tivesse acabado de se livrar de um peso nos ombros — Bom, chega de falar de coisas sérias. Não quero preocupar-te na véspera de uma viagem tão importante, precisas de estar concentrada e descontraída. Porque não terminas o teu lanche e descansas um pouco? Podes ficar aqui, se quiseres. Tenho uns assuntos para discutir com o Mokuba, mas voltarei assim que puder. Esperarás por mim?

Eu confirmei com um aceno e um sorriso. Ashkore teceu uma última carícia no meu rosto antes de sair do escritório. Sozinha, regressei à chaise longue e concentrei-me em encher o estômago.

Não tornei a sair do escritório do titã. Passei o resto da tarde a explorar a sala, lendo os títulos dos livros nas prateleiras atrás da secretária e lendo algumas páginas daqueles que me chamaram a atenção, mas não me conseguia concentrar em nenhum deles. Havia uma ânsia dentro de mim que eu não conseguia explicar. Uma vontade imperiosa que eu não conseguia atenuar. Um aperto no peito que quase não me deixava respirar. Não entendi do que se tratava… até Ashkore regressar e a ansiedade se transformar subitamente em contentamento. Instintivamente, atirei-me para os braços do titã e apertei-o contra mim, sorvendo o calor do seu corpo e da sua magia. Céus… Como iria aguentar um mês sem aquilo? Nós estivéramos sempre juntos desde que eu chegara à colónia. Não houvera um único dia em que não desfrutara do ardor da união da nossa Maana, mesmo que fosse de forma fugaz. E agora que provara a magia do beijo de Ashkore, não conseguia imaginar a minha vida sem aquilo. Sem ele… Como conseguiria aguentar um mês longe do titã?

O meu desejo de aproveitar a companhia do meu irmão enquanto podia era tão forte que fiquei para um jantar privado no seu escritório e, no final, atrevi-me a pedir para dormir com ele. O meu pedido pareceu divertir Ashkore, mas ele só aceitou depois de me fazer prometer que não o atacaria de forma… sensual… enquanto dormia. Aparentemente, ele não despia a armadura negra e vermelha nem para dormir e temia (embora também parecesse querer) que eu lha tirasse durante a noite.

Aquela foi a primeira vez que entrei no quarto de Ashkore, mas não perdi tempo a admirar a decoração. O dia fora recheado de emoções fortes, desde a inquietação apavorada à paixão ardente, por isso, estava exausta. Não teria conseguido atacar Ashkore e livrá-lo da armadura mesmo que planeasse fazê-lo. A barriga cheia do jantar, aliada ao calor lento dos braços de Ashkore em meu redor, atiraram-me rapidamente para o mundo dos sonhos. Só acordei na manhã seguinte, ao som da voz aveludada do meu irmão.

— Bom dia — murmurou ao ver-me abrir os olhos com esforço — Dormiste bem?

Eu fiz um sorriso ensonado.

— Melhor era impossível…

Ashkore soltou um risinho pelo nariz.

— Então, estás preparada para iniciar a tua aventura épica em busca dos nove titãs perdidos na Terra?

Fiz uma pequena careta, começando a espreguiçar-me.

— Nem por isso… mas um beijo ajudaria.

Ashkore riu-se levemente e levou uma mão ao meu rosto, tocando-me no lábio com o polegar.

— Traz-me os titãs, irmãzinha… e dar-te-ei muito mais do que um beijo.


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