Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 49
XLVII


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Eel estava exatamente como me lembrava dela… tirando pela quantidade anormal de guardas armados que caminhavam de um lado para o outro com ar alerta e desconfiado. Por via das dúvidas, fiz alguns desvios para os evitar. Eu confiava na minha camuflagem e tinha a certeza que conseguiria passar por eles sem que me notassem… mas eles provocavam-me calafrios.

Eu dormira mais do que planeara e isso era um grande problema. Os habitantes do quartel-general estavam bem despertos e muito atarefados, o que dificultava simultaneamente a minha entrada no edifício e a minha missão de encontrar Lee. A minha estratégia inicial fora entrar no quartel cedo o suficiente para encontrar o elfo no seu quarto, mas a minha exaustão levara-me a melhor. Era muito improvável que Lee ainda estivesse no dormitório, mas não perderia nada em tentar. Se não o encontrasse… teria de tomar medidas drásticas.

Eu nunca tinha ido ao quarto de Lee, mas Rubih dissera-me onde era. Se conseguisse passar pelo átrio do quartel sem revelar a minha presença, conseguiria chegar lá sem dificuldades. A questão é que… o átrio estava apinhado. Eu nunca vira tanta gente caminhar de um lado para o outro. Como é que o atravessaria? Poderia contornar a sala colada às paredes, mas mesmo isso não seria seguro. Havia demasiada gente ali. Que inferno!

Trincando o lábio inferior com força, saí para o exterior e comecei a contornar o edifício pelo lado de fora até chegar aos campos de treino por que passara na manhã em que Nevra descobrira a minha camuflagem. Nessa altura, estavam vazios. Agora, estavam cheios de jovens homens e mulheres a treinar para… bem… matar-me a mim e aos meus irmãos, presumo. Valkyon estava no topo do monte que antecedia os campos, com os braços firmemente cruzados na frente do peito, supervisionando o desempenho dos seus recrutas. A porta que eu queria atravessar… estava mesmo atrás dele.

“Vá lá, Eduarda, ele não te consegue ver. Está tudo bem… está tudo bem…”, dizia mentalmente a mim mesma enquanto me aproximava da porta e, consequentemente, do Comandante da Obsidiana. Deslizei de costas contra à parede, vigiando cautelosamente o faelieno, até chegar à porta que, felizmente, estava aberta para atrás. Lançando um último olhar às costas de Valkyon, entrei no quartel e encaminhei-me de imediato para os dormitórios. Estes, felizmente, estavam praticamente vazios àquela hora, o que me permitiu mover com muito mais tranquilidade. Até me atrevi a bater várias vezes na porta do quarto de Lee, depois de me certificar que não havia ninguém no corredor. Infelizmente, como temia, não obtive resposta. O elfo não estava ali.

O que faria? Seria perda de tempo procurar Lee no quartel, o edifício era demasiado grande e a minha camuflagem não duraria para sempre. Esperar por ele ali também não era opção; o elfo provavelmente só voltaria ao anoitecer. Poderia, em vez disso, esperá-lo na ala da Sombra. Afinal, sendo membro, Lee deveria ir lá com alguma frequência. No entanto, a elevada probabilidade de me cruzar com o Mestre da Sombra rapidamente me dissuadiu desse plano. Por outro lado, essa ideia fez-me lembrar de um outro membro da Sombra que eu sabia que teria todo o gosto em ajudar-me. Melhor ainda, a hipótese de ela estar ainda no seu quarto era também muito maior.

Corri até ao meu antigo dormitório e subi as escadas até ao meu antigo andar. Passei direta pelo meu quarto e só parei algumas portas mais à frente. Olhei em volta para me certificar de que não havia ninguém e bati. Não houve resposta, mas não desisti. Bati de novo e experimentei a maçaneta da porta. Estava trancada.

— Quem é? — perguntou uma voz ensonada no interior.

Em vez de responder, voltei a bater.

— Quem é?! — insistiu a voz, irritada.

Continuei sem responder, não queria arriscar que alguém me ouvisse e reconhecesse a minha voz. Bati na porta até esta se abrir se supetão e com um suave tilintar.

Lithiel estava vestida com uma fina camisa de cavas branca e uns calções negros. Recuperara os curtos cabelos acinzentados e os intensos olhos verdes, o que estranhei um pouco por estar tão habituada a vê-la com a minha aparência.

Foi só ao encarar os orbes avermelhados e semicerrados de sono que me comecei a questionar se tomara a decisão certa. Lithiel sabia o que eu era e parecera estar do lado dos titãs, mas isso não queria dizer que ela me ajudaria. Poderia até ter mudado de ideias depois do que acontecera em Ryss…

A doppelganger franziu o sobrolho ao não ver ninguém na frente da porta e espreitou rapidamente os dois lados do corredor. Eu recuei um passo nervoso, sem saber o que fazer. Se me anunciasse… ela receber-me-ia de braços abertos? Ou entregar-me-ia à Guarda de Eel?

— Estão a brincar comigo? — resmungou baixinho, passando uma mão exasperada pelo cabelo antes de erguer a voz — Se está aí alguém, mostre-se imediatamente antes que decida sangrar-vos como porcos no matadouro!

— N-não é preciso tanto — neguei com um murmúrio melindrado — Sou só eu…

Lithiel virou bruscamente a cabeça na minha direção.

— Eu quem? — exigiu saber.

Soltando um pequeno suspiro, desfiz a camuflagem. Lithiel arregalou os olhos.

— Eduarda?

Eu ensaiei um pequeno sorriso vacilante.

— Em carne e osso.

— Como…? Como é que conseguiste entrar? O que raio…?

Lithiel olhou em volta, desnorteada, e puxou-me para dentro do quarto. Trancou a porta e colocou-se à minha frente, segurando-me pelos ombros. Eu só conseguia ver o seu vulto indefinido porque as cortinas estavam fechadas e o fino fio de luz solar que se esgueirava por baixo do tecido era a única coisa que iluminava a divisão.

— O que estás a fazer aqui? — perguntou-me a doppelganger  com um sussurro incrédulo — Sabes o que vai acontecer se alguém te descobrir? Endoideceste?!

— Eu tenho uma missão a cumprir e preciso da tua ajuda — revelei — És a única a quem posso recorrer.

— Que missão? Não me digas… que vieste libertar o titã aqui preso?!

— Não, não… Seria difícil fazê-lo, mesmo com a minha camuflagem. Há demasiada segurança no quartel. Não, eu vim… vim buscar o Lee.

— O Lee? — admirou-se a doppelganger — Porquê?

— Ele… tem uma habilidade que nos intrigou, a mim e ao Ashkore. Eu sei como convencer o Lee a vir comigo, mas não sei onde encontrá-lo. Já fui ao quarto dele, mas não está lá… Preciso da tua ajuda.

— A sério? — inquiriu Lithiel, soltando os meus ombros e erguendo uma sobrancelha — Arriscaste o pescoço entrando no quartel e vindo até aqui só para me pedires ajuda para encontrar um elfo idiota?

— É importante…

— Mais importante do que revelar a verdade sobre os Sacerdotes? Por favor, Eduarda…

Lithiel virou as costas e encaminhou-se para a janela, afastando as sombras das cortinas. A luz entrou a jorros na divisão.

— Não vais ajudar-me? — perguntei, temerosa.

— Não sei se valerá a pena o esforço… a não ser que tenhas algo para me dar em troca — disse Lithiel, continuando a encarar a janela.

— O que queres? Queres que te tire a pulseira? — inquiri, lembrando-me do nosso antigo acordo.

— Não. Se não vieste para libertar o titã, não há qualquer necessidade de tirar a pulseira.

— O que queres, então?

— Hum… Que tal… a verdade?

— Qual verdade?

— A da Titanomaquia. Tu estiveste com o teu “irmão” até agora, não estiveste? Ajudaste-o a libertar o titã em Ryss, não ajudaste? Isso quer dizer que sabes a verdade…

— Sei, sim… mas é uma história demasiado longa para te contar agora.

— Imagino que sim — concordou Lithiel, soltando um suspiro — Não há problema. Podes contar-me a caminho do covil do titã…

— O quê? — perguntei, admirada.

Lithiel virou-se para mim, mostrando-me o seu meio sorriso.

— Isso mesmo que ouviste. Quero que me leves até ao titã.

— Porquê?

— Não era esse o nosso plano? Interrogar o titã, descobrir se o que ele dizia era verdade e assim descobrir se era seguro libertar os outros titãs? Então… porque não tirar essa questão a limpo enquanto é tempo?

— Mas… eu não sei se te posso levar…

— Não confias em mim?

— Confio…

O sorriso de Lithiel alargou-se de forma perigosa.

— Estás a mentir — acusou — Tu não confias em mim…

— Tens de admitir que é um bocadinho suspeito quereres que te leve até ao titã — defendi-me — Como é que posso ter a certeza de que não nos vais entregar às Guardas?

— Não me insultes… Tenho tantas razões para odiar a Guarda como os titãs!

— Duvido um bocadinho disso…

— Estás a subestimar o que eles me fizeram, então.

— Nunca me chegaste a contar o que eles te fizeram — constatei.

— “Destruir a minha vida” resume bastante bem a situação.

— Como é que eles destruíram a tua vida?

— Isso só me diz respeito a mim.

— Queres convencer-me a confiar em ti com uma resposta dessas? — perguntei num tom ligeiramente sarcástico.

Lithiel lançou-me um olhar arreliado por entre as pestanas negras.

— Ameaçaram magoar uma pessoa que me é muito querida se eu não obedecesse às suas ordens. No final, mesmo tendo acatado, deu exatamente no mesmo… Talvez até só tenha piorado as coisas.

— Quem é essa pessoa? Quais foram as ordens?

— Não estás a querer saber demais?

— Não. Tu estás a pedir-me para te levar ao esconderijo do meu irmão, xeretar a tua vida parece-me um preço bastante justo.

— "O teu irmão" — repetiu Lithiel com um sorriso admirado — Parece que já aceitaste a tua natureza… e até te acostumaste com a tua família…

— E daí?

— É interessante…

— Seria igualmente interessante ouvir-te falar do que a Guarda te fez em vez de fugires às minhas perguntas.

Lithiel soltou uma pequena gargalhada.

— Não te vou dizer quem é a pessoa — avisou de imediato, ainda a sorrir —, mas posso dizer-te a ordem… A Miiko mandou-me matar uma certa e determinada pixie. A mesma pixie que me abriu os olhos para as mentiras dos Sacerdotes…

— E tu… mataste-a?

— Sim… e lamento-o todos os dias.

— Porquê?

— Não acho que dizer a verdade seja um crime merecedor da morte. Além disso… — Lithiel baixou ligeiramente o olhar — A pessoa com quem a Miiko me ameaçou… era amiga dessa pixie… e ela viu-me matá-la.

— Oh…

— Pois… — Lithiel passou uma mão exasperada pelo cabelo — Estás satisfeita? Ou queres ainda mais detalhes?

— Não, não… Acho que já ouvi o suficiente.

— Ótimo. Então, temos acordo?

— Mesmo que te leve, eu não sei se o Ashkore te vai deixar entrar — avisei.

— Eu tratarei de o convencer.

Eu não estava muito segura de que ela conseguiria, mas isso já não era problema meu…

— Tudo bem — cedi — Ajuda-me a encontrar o Lee e eu levo-te até ao titã.

Lithiel abriu um sorriso satisfeito.

— Vem comigo…

Refeita a minha camuflagem, saí do quarto atrás da doppelganger. Percorremos os corredores do quartel, até… chegarmos à ala da Sombra. Fantástico… Justamente o último sítio aonde queria ir!

Lithiel dirigiu-se ao gabinete de Nevra e bateu à porta. O vampiro não respondeu, mas ela entrou mesmo assim, fazendo-me um gesto para a seguir.

— O que estamos a fazer aqui? — perguntei com um sussurro arreliado, embora não houvesse ninguém no escritório.

— Vamos descobrir se o Lee está neste momento a participar em alguma missão e, assim, descobrir onde ele está — disse a doppelganger, começando a examinar uma pilha de papéis na secretária do Mestre da Sombra.

— Tu tens autorização para mexer nesses papéis?

— Claro que não…

— E se o Nevra descobrir?!

— Será problema meu, não teu, logo, não tens de te preocupar — Lithiel terminou de cuscar os papéis e encaminhou-se para um arquivo com um suspiro aborrecido — Parece que o Lee não declarou nenhuma missão recentemente, tal como seria de esperar de um preguiçoso como ele. Vamos ver nos documentos mais antigos…

Eu fui mudando nervosamente o meu peso de um pé para o outro enquanto Lithiel continuava a mexilhar nos arquivos. Deteve-se por um instante, analisando uma folha em particular, e fechou a gaveta com um novo suspiro.

— A última missão que o Lee declarou foi a missão de ajudar-te a abrir o portal — revelou com um revirar de olhos a caminho da porta — Porque é que não estou surpreendida…?

Lithiel calou-se ao abrir a porta e dar de caras com o Mestre da Sombra. Eu sustive a respiração enquanto o meu coração desatava aos pinotes… e nem sabia se era de medo ou emoção…

— Lithiel — reconheceu o vampiro, sem parecer particularmente preocupado por a encontrar a bisbilhotar o seu gabinete — O que fazes aqui?

— Estava à tua procura. Não, espera, é mentira — disse rapidamente — Estou à procura do Lee.

— No meu escritório?

— Vim ver se ele tinha declarado alguma missão recentemente para saber onde ele está.

— Não, não declarou.

— Pois, eu reparei… mas não sabes onde ele está?

— Não — Nevra espreitou para o interior do gabinete sobre o ombro da doppelganger — Com quem estavas a falar?

— Ninguém. Estava a falar sozinha.

— Ah, sim?

— Sim. Há algum problema nisso?

— É um bocadinho estranho…

— Ajuda-me a libertar a frustração.

— Estás assim com tanta pressa para encontrar o Lee?

— Sim, por acaso, sim.

— Porquê? Vocês nem sequer se dão bem…

— E daí? Continuamos a ser colegas de Guarda.

Nevra não parecia muito convencido, mas afastou-se para o lado, permitindo a Lithiel sair do gabinete.

— Tenta procura-lo na ala de Alquimia — sugeriu o vampiro — O Ezarel ainda ontem se queixou que o Lee não sai de lá…

— Obrigada, vou fazer isso.

Dito isto, Lithiel virou costas ao Mestre da Sombra e começou a percorrer o corredor. Eu fui rapidamente atrás dela, vigiando o vampiro por cima do ombro. Ele seguiu a doppelganger com um olhar meio desconfiado até sairmos da ala da Sombra.

A nossa próxima paragem foi a ala de Alquimia. Lithiel foi espreitando os laboratórios ao longo do corredor, mas não havia sinal de Lee ou sequer Ezarel. Bateu à porta do gabinete do Diretor da Absinto, mas não obteve resposta e, desta vez, não se atreveu a entrar. Deu meia volta e preparou-se para ir embora, mas abrandou o passo ao ver uma rapariga de cabelos azulados sair de um laboratório.

— Alajéa!

A rapariga voltou-se e abriu um pequeno sorriso ao ver a doppelganger.

— Lithiel — reconheceu — O que fazes aqui? Precisas de mais elixires da verdade?

— Não, estou à procura do Lee. Sabes quem é?

— Não…

— É um elfo da Sombra com cabelos curtos, azuis, e olhos verdes. É a cara cuspida e escarrada do Ezarel.

— Oh! — fez a rapariga, o rosto iluminando-se de compreensão — Já sei quem é! Ele tem vindo aqui bastantes vezes nos últimos dias…

— Assim soube. Ele não está por aqui agora?

— Não, acho que saiu com o Ezarel.

— Onde foram?

— Hum… — a rapariga fez uma expressão pensativa — Se bem me lembro, ele queria que o Ezarel continuasse a treiná-lo na magia da água, então talvez estejam no parque…

— Certo, obrigada, Alajéa — disse Lithiel, acenando uma despedida e recomeçando a andar.

Fizemos o caminho até ao parque da cidade (passando novamente pelos campos de treino nas traseiras do quartel porque o átrio continuava demasiado apinhado para eu passar) e encontrámos Lee e Ezarel assim que nos aproximamos. Os dois elfos estavam dentro do lago, com água até à cintura, atirando fios e esferas de água um ao outro por entre risos e gargalhadas.

Lithiel colocou-se junto à borda do lago com os braços cruzados e uma expressão reprovadora.

— Ouvi dizer que vocês estavam a treinar, mas parece-me que vim interromper um encontro romântico…

Os dois elfos pararam a brincadeira para encarar a dona da voz. Lee corou até à raiz dos cabelos e virou o rosto para o lado. Ezarel afastou os cabelos molhados do rosto com um sorrisinho jocoso.

— Hey, essa é a minha deixa, Lithiel. Não a uses sem autorização.

— Até parece — quase cuspiu a doppelganger antes de redirecionar a sua atenção para o outro elfo — Lee, preciso de falar contigo. É urgente, privado e não tenho muito tempo. Mexe-te!

— Ah, vais finalmente declarar-te, Lithiel? — perguntou o Diretor da Absinto, animado, enquanto o outro elfo vinha até à borda do lago — Que lindo…!

Lithiel revirou os olhos e não respondeu. Deu meia volta e começou a afastar-se assim que viu Lee içar-se da água. Este, todavia, só a seguiu depois de esclarecer:

— Diretor Ezarel, treinamos novamente amanhã, à mesma hora?

— Se quiseres — respondeu o outro com um encolher de ombros.

— Quero, quero, sim! — disse Lee, abrindo um sorriso de orelha a orelha.

— Tudo bem. Nesse caso, até amanhã — despediu-se Ezarel.

— Até amanhã, Diretor!

Quase a saltitar de felicidade, Lee apressou-se atrás de Lithiel, colocando-se ao seu lado. Eu fui com eles.

— O que queres falar comigo? — perguntou o elfo, curioso.

— É privado — lembrou Lithiel, impaciente — Não é o tipo de coisa de que possa falar no meio da rua.

— Bom, eu tenho de ir ao meu quarto secar-me e mudar de roupa. Podemos falar no fim…

— Serve.

Eu e Lithiel fomos com Lee até ao seu quarto e esperámos do lado de fora enquanto este se arranjava. Eu ia trincando nervosamente o lábio enquanto tentava prever qual seria a reação do elfo ao saber que eu estava ali.

— Deixa-me falar primeiro — murmurou Lithiel, muito baixinho — Ele não sabe o que és e foi-lhe dito que foste raptada pelo titã, por isso… deixa-me falar primeiro para termos a certeza de que é seguro.

— Okay — murmurei igualmente baixo.

— Podes entrar — autorizou finalmente o rapaz, abrindo a porta com uma toalha caída na cabeça. Lithiel entrou e segurou a porta para que eu entrasse também. Lee já estava de costas, junto à cama, a secar o cabelo com a toalha, então não desconfiou de nada.

— Belo quarto — comentou Lithiel, fixando uma parede forrada a prateleiras cheias de… tralha inútil.

— Eu gosto de colecionar coisas — admitiu o elfo, colocando a toalha com que secara o cabelo de lado.

— Inclusive roupa suja… — murmurou a rapariga, empurrando uma meia caída no chão com a ponta do pé.

— Eu vou arrumar — garantiu Lee com um beicinho amuado — Porque não dizes ao que vieste em vez de criticares o meu quarto? O assunto não era urgente?

Lithiel soltou um suspiro e cruzou os braços.

— Urgente e muito sério. Tens de me prometer que esta conversa não sai daqui, seja lá qual for a tua decisão no final. Entendido?

— T-tudo bem — murmurou Lee, apreensivo — Mas… o que é que se passa?

Lithiel hesitou e acabou por soltar mais um suspiro.

— É sobre a Eduarda…

— Eduarda? — repetiu o rapaz, endireitando-se — Encontraram alguma coisa? Alguém a viu? Ela fugiu dos titãs? Ela está bem?

— Tu achas mesmo que a Eduarda está a trabalhar com os titãs para nos destruir?

— O quê…? Não!

— Mas foi isso que te disseram, não foi?

— Foi, mas… eu conheço a Eduarda, sei que ela não faria uma coisa dessas!

— Se ela te procurasse e pedisse ajuda… tu ajudavas?

— Claro!

Lithiel ergueu as sobrancelhas.

— Isso foi rápido — comentou, parecendo ligeiramente surpreendida — Não te ocorreu que os titãs podem tê-la convertido à sua causa? E ela pode estar mesmo a trabalhar com eles?

— A Eduarda não faria isso…

— Nem se fosse ameaçada? Ou torturada? Ela não tem a mesma tolerância à dor que nós… nem razões para nos proteger, na verdade. Ela não é faery, não é deste mundo. E, caso realmente haja uma guerra, a sua melhor hipótese de sobrevivência é do lado dos titãs. Porque iria ela recusar-lhes alguma coisa?

Lithiel estava a tentar descobrir se era seguro mostrar-me a Lee ou convencê-lo de que eu não era de confiança? Não sabia dizer, honestamente! Felizmente, a convicção do elfo era inabalável:

— Se a Eduarda estivesse a ceder às vontades dos titãs contrariada ou coagida, ela provavelmente pedir-me-ia ajuda para se livrar deles, não para me juntar a eles, certo? E eu fá-lo-ia.

— Certo… Então e se ela estivesse a ajudá-los de livre e espontânea vontade?

— É basicamente a terceira vez que me fazes essa pergunta — notou Lee — O que é que se passa?

— Responde e eu conto-te.

Lee fez um ar desconfiado, mas disse:

— Como disse, não acredito que ela se converteria à causa deles. A Eduarda jamais seria assim tão facilmente convencida. Ela não é insensível, muito menos cruel e sabe bem de que lado está a justiça…

— E se a justiça estiver do lado dos titãs?

Lee semicerrou desconfiadamente os olhos.

— O que queres dizer com isso?

— Estou a tecer uma hipótese.

— Não deverias precisar de tecer hipóteses quando a história da Titanomaquia é tão clara, pois não?

Foi a vez de Lithiel ficar desconfiada, com a atenção aguçada pelo estranho tom de voz do elfo. Havia ali uma insinuiçãozinha que até eu notei.

— O que é que tu sabes? — inquiriu a doppelganger.

— O que é que tu sabes?

— Não vamos começar com isto, Lee, fala logo!

— Nem penses! Eu estarei bem mais encrencado do que tu se contar o que sei a quem não devo! Fala tu primeiro.

— Achas mesmo que estarás mais encrencado do que eu?! Por acaso tiveste a tua vida arruinada por teres descoberto mais do que devias?!

— A tua vida foi a única coisa que arruinaram? Sorte a tua!

— O que queres dizer com isso?

Lee abriu a boca, mas voltou logo a fechá-la, desviando o olhar enquanto parecia matutar na decisão de falar ou não. Aparentemente, a segunda opção ganhou.

— Nada… Não interessa…

— Estás a mentir.

— Sim e isso deveria ser o suficiente para perceberes que não quero falar sobre esse assunto.

— Porquê?

Lee limitou-se a lançar-lhe um olhar enfastiado. Lithiel abriu um sorrisinho e cedeu:

— Tudo bem, não te irei forçar a falar nisso… mas não precisas de me contar o castigo para me dizer a sua causa… Conta-me lá: tu descobriste algo sobre a Titanomaquia, não foi? Algo sobre a versão que nos foi contada não ser exatamente a versão verdadeira…?

Lee passou uma mão arreliada pelo cabelo e soltou um pequeno suspiro.

— Digamos apenas que eu sei algo que faz a história da Titanomaquia ter muito pouco sentido. Não sei qual é a verdadeira história, mas sei que as coisas não aconteceram com os Sacerdotes as contam.

O sorriso de Lithiel alargou-se.

— Quem diria, ele é um de nós…  

— Um de vocês? — repetiu o elfo, confuso — Vocês quem?

Lithiel soltou um risinho.

— Acho que é seguro revelares-te a este marmanjo… Podes aparecer, Eduarda.

Eduarda?!

O ar de absoluta surpresa e choque estampado na cara de Lee quando desfiz a camuflagem foi impagável.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 16/7/18]



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