A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 24
Miséria




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Aurora olhou para o terreno, encarando o Projector largado no chão. Por um momento, sentiu-se dentro dele; embargada na fumaça vermelha, contida num espaço confinado sem ação, onde apenas poderia gritar, implorando por oxigênio. Estava sufocada no ambiente amplo, sem ar mesmo envolta à mata transpirando perto de si. Tirou os olhos do chão, e mais uma vez, avaliou os Curupiras. Uma dupla em particular, atrás da figura em sua frente. As garras roçavam em rostos desesperados, rostos que Aurora conhecia. Matheus era segurado pelo cabelo, esticado para trás, enquanto uma mão impedia-o de gritar. Inara, por sua vez, debatia-se enquanto enforcada pela criatura.

Ambos choravam.

A bruxa não se moveu, pois ainda estava ocupada, colocando as peças no lugar uma por uma. Sabia, entretanto, que precisava fazer alguma coisa, mesmo que não soubesse o quê. Isso era o que dava mais medo. Não saber. 

— sr. Barden... – comentou para si, tentando eliminar qualquer parte daquela dúvida.

— É como costumam me chamar – respondeu. Aurora esperava uma outra voz. Um timbre sinistro, cavernoso, vilanesco. Não foi isso que ouviu. Era o mesmo homem que conhecera, com o mesmo tom arrastado, a mesma feição abatida. – Mas prefiro a alcunha que me foi dada. 

— Como... – ela começou outra vez, ainda mais confusa.

— Seria agradável – cortou, indisposto em relação as perguntas que a menina tinha – se não demorássemos aqui, porém, preciso apresentá-la a todos, de qualquer forma – disse, sem muito apreço pelo que estava prestes a fazer. 

— Todos?

Pescou os amigos uma outra vez, verificando suas seguranças. Os dois olharam de volta, de olhos arregalados, apreensivos. 

O sujeito fez um outro movimento, o que devolveu sua atenção a ele. Estalou as costas, curvando o corpo para frente. Gemeu uma dor que lhe trincava os dentes e baixou a cabeça. Por fim, terminando o que começara, levantou-se de uma vez, recobrando a postura. Os olhos estavam ainda mais cansados, o corpo parecia ter encolhido, decrépito. Agora, porém a estrutura da face mudara. Seguidos dos seus próprios pares de olhos, outros se formaram logo abaixo. Aurora achou que desmaiaria de pavor, pois cada fileira tinha traços distintos apesar de dividirem o mesmo rosto. Castanhos, melados, escuros, um par cego e dois pares azuis. Javier parecia definhar com aquela carga, e ainda assim, suportava-a. Todos piscaram ao mesmo tempo, de pupilas dilatadas. Pareciam avaliar o que viam.

— Só mais um segundo, Miséria, me perdoe por isso – pediu uma voz, vinda de lugar nenhum, e que ainda assim ecoava. Era dotada de um cavalheirismo invejável, além de uma clareza que Aurora nunca ouvira parecido. Como se durante toda sua vida, aquela voz treinasse o ato de falar. – Preciso ver um pouco mais.

Aurora se arrepiou por inteiro. De algum modo, deduziu que a voz vinha do último par, de cor azul radiante. O jeito que a encarava, como se fitasse uma obra de arte, era horripilante. Foi então que, uma lembrança lhe veio à mente. Um nome, algo que quase a evitara de vir ao colégio em primeira instância. 

— Você... – Aurora engoliu em seco. – É Escárnio? 

A parede de olhos se agitou. Alguns piscaram rápido, outros aliviaram a visão. Aurora tentava encarar diretamente, mas parecia estar dentro de um pesadelo tripofóbico. Sentiu como se as pálpebras abrissem em sua própria pele piscando, remelentas, enquanto se espalhavam pelo restante do corpo. A voz não respondeu sua pergunta, pois foi cortada pelo timbre anterior.

— Como ousa? – rugiu Javier, mesmo sem boca para falar. Tudo vinha como se tivesse falando direto em sua mente, ao mesmo tempo que pulsava ao redor. – Chamá-lo com esse n...

— Está tudo bem – corrigiu a voz límpida. – É como me batizaram, afinal de contas. Creio que não se incomoda que o chamem pelo seu nome de batismo, estou certo? – Aurora pôde sentir Javier encolher-se dentro de seu próprio corpo. O líder continuou: – Sim, srta. Magalhães. É comigo que está falando. Sou quem pensa que sou.

— E... o q... que eu tô fazendo aqui? – resolveu perguntar. Era a única voz que não falara com anseio, a menos hostil de todas. – Por q... – encarou o Projector abandonado. – O que era aquilo?

Do outro lado, a voz manteve-se em silêncio por um instante, e o que se seguiu foi um som bizarro. A princípio, acreditou ser uma gargalhada, porém, ouvindo com mais atenção, notou que havia algo sofrido por trás dela, como se fosse na verdade um gemido de dor. Ela não estranhou que parecesse uma risada, porque o som tinha ritmo, entrecortado com uma tentativa de formar sílabas. Soava como deboche. Soava como Escárnio.

— Perdão – comentou, educado. – Era uma chave de portal, deveria trazê-la até aqui. Precisávamos que este encontro fosse particular. A única forma de fazermos isso, era se aceitasse nosso presente.

A memória do presente voltou de uma vez só. Entregara a todos os selecionados para os duelos, como fazia todos os anos. Por quê apenas ela estava ali? O que queriam? 

O corpo que ocupava os olhos gemeu de esforço outra vez. Aurora fez a pergunta que precisava fazer. 

— Por quê? – desafiou. – Por quê aqui, por quê agora?

— Conflitos internos – respondeu uma voz diferente das outras duas que conversavam com ela. Os olhos se agitaram, porém, não ouviu mais nada vindo desse mesmo lugar.

A garota aproveitou para reforçar sua questão. 

— Por quê eu? O que querem comigo? – indagou, apontando para si própria. 

Pela primeira vez, se moveu. Saiu da posição lançada à terra e pôs-se de joelhos. Ainda não tinha forças para ficar de pé, mas ganhava aos poucos.

— Com você? – foi a vez de Javier falar. – Depois de tudo, ainda acha que isso tem alguma coisa a ver com você? Ainda acha que a estátua de Anhangá se curvou para você? Acha que as Curupiras se agitaram por que você estava perto?

Aurora sentiu-se apertar. Perdeu o ar, e não o recuperou até que a voz terminasse de falar.

— Que poder você acha que tem além da capacidade de segurar esse pedaço de madeira? – a menina podia sentir o coração esticando até alcançar as costelas, não cabendo no próprio peito. – Entenda de uma vez por todas, srta. Você não é importante. Você não é nada.

A cabeça quase tombou de volta ao chão, entretanto, Aurora esforçou-se para mantê-la de pé, apesar de não ver motivo para isso. Encarou à frente, viu seus braços estendidos despencarem até o solo, as mãos apertarem a terra.

— Então... – começou, a boca seca. – é sobre...

— Orabutã – Javier pontuou. – Soube que ele havia chegado no momento que aquele pilar reagiu. Ainda assim, quis que as Curupiras confirmassem. E podemos tê-lo, finalmente – agora o homem não se dirigia a ela. – Permita-me, senhor. Esperei anos por isso. 

Aurora desviou o olhar dali, viu os amigos apertados entre as criaturas de cabelos flamejantes. Comprimiu a boca, refreando o rosto por inteiro. Levou a mão até o bolso traseiro, caçou por seu cajado. Ali estava ele. A única coisa que importava, agora ela sabia. A coisa que trouxera-os até aquele ponto, a coisa pela qual os amigos sofriam. A arma escolhida por todos, no bolso de quem não era escolhida para nada. 

Deu mais um olhar à Inara, antes de lamentar qualquer coisa mais. A menina olhou de volta, com um questionamento atrás da pintura manchada pela agressão das criaturas. Assim como Aurora, perguntava o quê fazer ante àquilo. 

Então, a garota optou pela inconsequência. 

Ergueu-se sobre os calcanhares, estendeu os joelhos, fez postura, apontou a arma. O corpo de Javier mal hesitou, os primeiros olhos a encararam de cima, altivos. Não importava. Se nada mais importava, poderia ao menos salvar seus amigos. Sua mente foi povoada de feitiços, e um em particular se apresentou como uma solução. Ela, contudo, evitou usá-lo. Havia causado muito estrago da última vez, não teria capacidade. Não ali, não agora. A mão tremeu, e a ameaça, enfraqueceu. 

— Vai me enfeitiçar? – perguntou Javier, ajustando o aperto em seu cajado. – Já consegue sem destruir tudo ao seu redor? – caminhou um passo na direção dela, o que a fez recuar outro, sem baixar a mão. – Os corredores têm ouvidos, e as masmorras contam segredos. Ouvi cada treino, sei de cada receio que carrega por trás dessa atitude desafiadora. Esse poder não lhe serve, não lhe cabe – mais um passo, e dessa vez Aurora não pôde recuar. Javier encurtou a distância. – Sabe que estou certo, não sabe? Se ainda tem dúvidas, prove-me que estou errado. Use-o em mim. Me reduza a pó, ou faça qualquer outra coisa – as palavras lembravam as de Ruína, e aquilo a levou de volta ao calabouço. Ele realmente escutara. – Prove que merece portar essa arma. 

Agora os dois estavam frente a frente. A ponta do cajado tocava o colete do sujeito, balançando um botão que estava próximo. Já passara por aquilo uma vez. Sabia que só estava blefando. Sabia que não podia provar. Sabia que não era nada. 

A mão começou a afrouxar o aperto. Olhou para cima, os andares de olhos pareciam ter sido multiplicados, agora cercando-a por inteiro, como se estivesse dentro de uma sala de espelhos composta de escleras e irises. Começou a escorregar, os dedos pedindo para que se livrasse daquilo. Antes, olhou para os amigos, procurando uma brecha através do corpanzil de Javier. Num espaço que surgiu, viu Inara do outro lado, lutando para se livrar do incêndio que a oprimia.

A empunhadura se firmou outra vez. Aurora deu um passo para trás. 

Lembrou-se que, apesar de passar tanto tempo deduzindo além do que poderia saber, existia uma certeza que sobrava depois de todas as outras terem sido derrubadas.  

Sabia que queriam o cajado.

— Posso não merecer usá-lo – começou, numa voz que assumiu força enquanto verbalizava. – Mas ainda o tenho na mão – parou de apontar, deixou-o na frente do corpo. – E posso decidir o que fazer com ele!

Javier sobressaltou-se. Mesmo sem ver sua boca, soube que um novo discurso estava engatilhado, mas ela não deu ouvidos. As mãos se juntaram sobre o cajado, uma de cada lado, segurando a madeira com força. O homem deu passos em sua direção, os olhos se desfazendo no rosto, dando lugar a suas feições originais. A boca que retornou se abriu, feroz, enquanto o cajado se movia para conjurar um feitiço. Tudo aconteceu depressa, ainda que a imagem estivesse devagar, quase estática. 

— Não! – a voz gritou. 

Então, Aurora partiu o Orabutã. 

E assim que ouviu o som frágil de galho se quebrando, sua mente viajou. 

O trajeto foi conturbado, com um turbilhão espiralando ao seu redor antes de chegar ao que precisava ver. Estava num lugar de floresta, de visual antigo, quase primordial. Passeou os olhos ao redor, notando que a serenidade que o ambiente deveria proporcionar sumira. Aurora viu uma guerra. Uma criatura feita de galhos, de estrutura réptil, zuniu em sua frente, atropelando tudo no caminho. Lanceiros indígenas avançaram por cima das árvores, escorregaram entre os cipós, e as armas se tornaram condutores de feitiços. Eram cajados. Um deles disparou um feixe azulado, golpeando um sujeito de pele branca que tentava adentrar a área. O outro nativo catapultou um segundo oponente, fazendo-o voar junto de sua varinha. A menina evitou o combate, correu entre a grama, procurou uma casca de árvore para esconder-se. Contudo, algo passou em sua frente primeiro, trotando pesado. 

A corça parou quando a viu ali, e por um curto segundo, achou que o bicho lhe consideraria hostil. Porém, o animal inclinou a cabeça, como se fizesse um aceno confirmando àquela presença, e em seguida deixou seu lugar, numa fuga por entre o matagal. No mesmo lugar onde vira a corça, agora mais ao fundo, um soldado ferido cobria um sangramento nas costelas. Apesar do machucado, estava mais interessado em chegar perto de uma árvore próxima, e assim que alcançou, respirou com tranquilidade. Também era indígena, cabelos extensos, bagunçados, pinturas vermelhas sobre a bochecha. Na cabeça, um cocar de penas grandes, igualmente rubras. 

Aurora continuou a observar, reparando que, após se arrastar até ali, a figura tentava cumprir uma tarefa. Tocou a casca da árvore, arrancou uma camada, e a menina enxergou a cor vibrante do mesmo vermelho de seu cajado. O caule parecia sangrar assim como o sujeito caído sobre suas raízes, entretanto, nenhum dos dois dava sinais de que cederia. Ainda assim, a determinação do soldado começava a partir, os olhos deixavam a vida ir embora. Aurora partiu para tentar ajudá-lo, e no princípio do seu movimento, o indígena lhe estendeu a mão, pedindo que parasse. Em seguida, pôs a mesma mão no tronco ferido, fechou os olhos, e mexeu a boca para sussurrar algumas palavras.

Aurora sentiu o mesmo toque em si, e só então entendeu. Anhangá, no último suspiro, tocara Orabutã. 

O mesmo lapso conturbado que a levou, lhe trouxe de volta. Voltou ofegante, febril, relacionando a lembrança ao mesmo momento que acordou assustada no chão da loja de cajados. Pensou ter passado pelo mesmo, contudo lembrou-se de que as visões lhe mostravam o futuro. Aquela, notava ela, comentava o passado. 

A vista ficou nublada por um momento, e ela percebeu que não se tratava de uma névoa sobre seus olhos e sim um vapor que envolvia o ambiente em que estavam. Aurora também sentiu que não apertava mais seu cajado. Havia algo em suas mãos, porém era maior. Mais robusto. Era a fonte de todo o fumacê. 

Tateou a superfície, sentindo as ranhuras, que agora estendiam-se para pouco mais de meio metro. O formato mudara pouco, ainda tocava a rigidez da madeira. Entretanto, alongava-se até uma ponta descascada da madeira, de onde escorria uma vivaz gota escarlate. O cajado crescera. Deveria estar partido, lançado ao chão como um galho morto, contudo estava ali, vibrando uma ânsia enquanto queimava suas palmas.

O cajado cresce com o poder do bruxo, lembrou. Mas por que agora? 

A pergunta ficou sem resposta, pois viu Javier à sua frente, cambaleando. Agora que a fumaça dissipava, podia vê-lo, cultivando um olhar apavorado depois de sentir uma descarga mágica. Ao fundo, a imagem de Matheus estática de espanto, enquanto Inara estava prestes a se liberar de sua amarra. Depressa, sabendo que estava numa situação que não controlava, o homem empunhou sua própria arma, e Aurora devolveu apontando a sua nova.

— Avada Ked... – Javier exclamou.

— Ex... – 
Aurora engatilhou, como uma resposta, porém, antes que os dois pudessem disparar seus feitiços, Inara conseguiu berrar no pouco espaço que sobrara de sua liberdade. 

— Usa!

Aurora fechou os olhos, agradecendo. Deixou-se sentir o que estava por vir. Atrás das pálpebras fechadas, viu um lampejo verde tomar forma, porém conseguiu executar seu contra-ataque antecipado. Sua intenção estava clara.

— ...tupefaça

O novo Orabutã fervilhou de energia, disparando uma descarga de recuo através do braço de Aurora, lhe causando um calafrio, junto do feitiço. O feixe estourou no peito do homem, catapultando-o para trás, percorrendo um grandioso espaço até sumir depois do aro dos Curupiras, nas sombras das árvores. 

A menina foi rápida, aproveitou o afastamento para chegar próximo dos amigos, visando resgatá-los. Os seres de fogo pareceram se assustar com aquela nova presença mágica, ao mesmo tempo que lambiam os lábios meio carnais meio espectrais, sedentos por ela. Aurora percebeu isso, erguendo o cajado no ar. As criaturas afrouxaram o aperto dos amigos, atraídos, e os dois caíram nos arbustos logo abaixo. Saíram rolando para perto dela, e então, Aurora partiu para recolhê-los. 

— Inara! Matheus! – aproximou-se, envolvendo os dois num abraço. 

Os amigos devolveram, aliviados que ela estava ali para eles, e de que estavam ali por ela. Aurora, contudo, sentiu que precisava falar algo, a garganta roçava antes de qualquer coisa. 

— Matheus, por favor, me desc... 

— Não – rebateu ele, com um sorriso sem dentes. O rosto cheio de fuligem, as roupas manchadas de cinzas. – Não se desculpa.

Aurora se lembrou de onde aquela frase vinha, e isso marejou seu olhar, transbordando alegria. Sabia o que deveria dizer para completar, e então devolveu:

— Se eu não posso me desculpar... me permite agradecer? 

Matheus fez que sim, abraçando-a de novo, dessa vez apertando o mais forte que podia. Por cima do ombro do rapaz, engatilhou um novo discurso, dessa vez direcionado à amiga.

— Inara, eu... 

— Agora não – respondeu, levantando do chão, arrancando poeira. – Aquele feitiço não vai deixar ele caído por muito tempo. 

A bruxa fez que sim, apertando o Orabutã nas mãos. Olhou para o aro de fogo, que sorria de volta, grandes fogueiras loucas para queimar um novo combustível. 

— Saiam daqui, peçam ajuda – pediu, batendo nas costas do amigo, depois acenando para a amiga. – Todos só estão procurando uma coisa – apontou para a mão ocupada. Em seguida, ergueu o objeto mais uma vez, gritando: – Vão! 

Assim que deu o comando, também deu ação as pernas, que correram na direção oposta ao lugar onde estavam. Como se para pontuar o início da perseguição, ouviu a multidão de Curupiras trotar de cima dos galhos, saltar de árvore para outra, todos berrando gritinhos estridentes. 

— Lumus – anunciou, o núcleo ensaguentado do cajado se acendeu.

Agora podia ver o caminho, o que não significava que estava com menos problemas. Disparou por entre uma parte mais fechada, usando as coisas do chão para impulsionarem-na para frente, porém, sentiu que a massa estava próxima. Pareciam primatas pela forma que se locomoviam; uma massa de chimpanzés em chamas, prestes a saltar sobre ela. Um deles o fez, alucinado, e viu o rastro de fogo acender em meio ao azul da noite. Atravessou uma seção de árvores, num pulo calculado que o levava direto para o caminho de Aurora. Rápida, pensou numa maneira de detê-lo.

— Reducto! – exclamou, mirando um galho mais grosso à frente da criatura, que desintegrou sua conexão com o caule, e pendeu para o lado, acertando-o. 

Livrara-se daquela ameaça, porém fizera outra para si mesma. O galho despencou, acertando um outro grupo entrelaçado de ramos, que se desfazendo com o impacto, caiu em sua frente, cobrindo a passagem. Freou a corrida, os pés escorregaram no chão úmido, as Curupiras fecharam distância. Mudou a trajetória, ajustou a curva e voltou a correr, saltando um tronco bem à frente. A testa suou, e uma das criaturas tentou outro salto que quase agarrou seu pé, porém, assim que acertou o chão num guincho, rolou para o lado, apagado de sua forma física.

Algo estourou acima de sua cabeça, e pensando ser um outro galho, protegeu-se com os braços. Eram dois estouros de luz, azul e vermelho, e entendeu que os amigos conseguiram pedir ajuda. Nessa mesma olhada, esqueceu de evitar uma passagem estreita. Por pouco, desviou-se de colidir o peito direto no tronco, mas a mão esquerda que ficou para trás foi acertada em cheio. A dor do ferimento dos duelos retornou com tudo, e dessa vez, Aurora teve certeza que algum osso trincara. Segurou-o como podia, próxima a si, mas com a nova dor, reconheceu que sua velocidade diminuíra. Os Curupiras também notaram isso, arriscando novos saltos de imediato. Um trio veio primeiro, saltando acompanhado da gritaria símia. Aurora agiu rápido, e apontando o cajado para o espaço que tinham para manobra, conjurou:

— Engorgio! 

Os galhos da área se aumentaram dois terços, criando uma barreira onde as criaturas colidiram. Aquele, entretanto, era um dos grupos atacantes. Os outros vieram em seguida, de todos os lados; um deles saltou perto, apenas para ser recebido com um pontapé da menina. O outro avançou pelo flanco, chegou a tocar no cajado, mas Aurora usou a madeira como porrete para dissipá-lo de uma vez. Percebia que, com aquela proximidade do Orabutã, se inflamavam ainda mais, alimentados, o que lhes concedia mais tempo em seus corpos físicos. 

A garota não tinha escapatória a não ser continuar correndo. Tentou uma estratégia, disparando faíscas para uma direção distante de si, esperando que fossem atraídos para lá, porém, a força do Feitiço de Alerta não era suficiente para distraí-los da potência do cajado. Mais outro se aproximou, por trás, puxando suas roupas. Assim que deu atenção para ele, outro grudou em seu braço, tentando recolher o cajado. Mais um veio pelo lado esquerdo, e Aurora sentiu uma mordida. Um outro desceu de um galho, agarrou-a pelos cabelos, puxando-os para trás. Sentia que o corpo estava imobilizado, e sabia que ia piorar, pois viu ainda mais aglomeração ao seu redor. O fogo não a queimava, porém, a imagem a sufocava: um mar de tochas chegando em sua direção. 

Três montavam no cajado, tentando arrancá-lo da mão. Aurora segurava com tudo que podia, ainda que o esforço também se estendesse para o membro ferido, lancinando um arrepio doloroso. Tentou gritar, pedindo por ajuda, mas não havia nada que pudesse resgatá-la. Escutou, porém, uma aproximação. Passos apressados quebraram galhos até bem próximo de si. 

De uma vez, os Curupiras saíram de cima, como se agora obedecessem a um líder. Quando a visão abriu, conseguiu enxergar de quem se tratava, e rapidamente fez um movimento para conjurar um feitiço, porém, como se tomasse um choque, soltou o cajado de uma vez. Orabutã acertou o chão atrás dela, depois voou sozinho até a mão do mesmo homem que chegara. Alisou-o com a mão livre, já que a outra segurava a própria ferramenta. 

A expressão de Javier nutria um orgulho desprezível, que sumiu assim que transferiu o olhar em direção à menina.

— Isso é profundamente triste, e Cobiça terá de me perdoar. Mas é melhor que eu faça isso agora – cochichou para si mesmo. – Você é um incômodo que precisa terminar.

O homem fez um gesto definitivo, de cima para baixo pronto para declarar seu veredito. Entretanto, parou antes que pudesse verbalizar a maldição. O cansaço pareceu sumir por um instante, para dar lugar a um pavor inexpugnável. Aurora estranhou a reação, e tentou ver o que o homem via.

Numa raiz logo acima de sua cabeça, havia uma carranca detrás de cabelos vermelhos. 

Uma caipora. 

Javier não se moveu, talvez tentando não irritá-la. Falhava, pois ela já parecia irritada. A carranca abrigava rugas envergadas, nariz distorcido, bocarra esticada. E não era a única. No horizonte, Aurora viu mais pontos se destacarem entre as árvores, com diferentes expressões nas caroças, mas que compartilhavam a mesma irritação. Aproximavam-se devagar, cercando-o. Os Curupiras também congelavam, um a um, abandonando o inspetor voltando ao estado de espíritos. Deixavam o julgamento para as protetoras das florestas. 

Sem que ele pudesse revogar a sentença, elas avançaram. As bocas abertas aumentaram, e Aurora não viu nada sair dali, mas viu tudo sair de Javier. O homem ajoelhou, os olhos reviraram, embranquecidos. Em seguida, foram apagados, sem opção de retorno. Os próximos foram os relevos que compunham o rosto, e um após o outro, partiram, até sobrar uma face limpa de qualquer traço além de pele; o mesmo rosto que anteriormente, carregava uma porção de outros rostos dentro de si. As criaturas não terminaram por ali, consumindo o restante. As roupas foram desintegradas junto da pele, a segunda camada de carne desapareceu, deixando os ossos, que também foram reduzidos a nada. Nada sobrara, nem pó. Sumira, para sempre. 

Aurora tentou manter os olhos abertos, pois sabia que seria a próxima, porém, aquele simples ato tornou-se a tarefa mais impossível de todas. Era difícil encarar aquele pavor, e ao mesmo tempo resistir a ele. Por um segundo, a menina acreditou que perderia as ideias, que a consciência ficaria turva, que seria apagada. Os olhos pesaram, e entre piscadelas de desmaio, viu uma mulher surgir num turbilhão. 

Reconheceu o vestido azul primeiro, e em seguida, reparou nos olhos que chegaram junto de seu corpo. Era uma última visão incrível, que a faria sonhar com constelações.  

 


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