A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 15
Caça às Bruxas




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Aurora esqueceu-se de pensar em outra coisa além da sexta-feira, fazendo de suas primeiras provas de Castelobruxo um desastre. Em Poções, distraída ao tentar deduzir o que seria o tal evento, vacilou na temperatura e em alguns elementos da composição, criando uma massa de fervura sem cor ou cheiro. No teste de Herbologia, maturando ideias sobre como agir, deixou seu broto no sol tempo demais, e a muda murchou. Em Magizoologia, esqueceu-se a diferença entre uma nata de Sabugo e uma seiva de Ninfusgo, mesmo que tivesse as visto inúmeras vezes durante as caminhadas na floresta. Nesses dois últimos, até pôde ver o olhar do amigo cortar a sala para estranhar as notas baixas, mas ele não se deu ao trabalho de ser solícito a sua situação.

O restante dos amigos de Anhangá se deu bem; Inara se esforçou para marcar as opções que o professor gostaria em vez da História da Magia que realmente acontecera. Nino executou a transfiguração, e Celeste transformou-se numa taça elegante de tom rosado, ganhando uma média alta por isso, sem deixar de reclamar que se daria melhor se houvesse mais tempo de ensino em contrapartida as baboseiras filosóficas. 

A menina passou ilesa em todas as refeições, apenas comentando entrementes tudo que pensava, porém, no almoço de quarta-feira, a dupla de leitores da biblioteca a enquadrou. Sentaram-se um de cada lado dela, pedindo explicações.

— O que tá acontecendo, Aurora? Você... vai reprovar se continuar recebendo nota baixa assim – disse Nino. – Se quiser, posso te ajudar no que precisar. Poções, Teoria, História da Magia e até Feitiços, já tô bem melhor do que antes. E, e... você vai precisar repor as aulas de DCADT também, e Miranda tá me elogiando bastante agora, eu poss...

— Obrigada, Nino, é só que – começou, virando a cabeça para a mesa de Jaci. Matheus brincava com uma Letícia preocupada, de pele pálida e echarpe cobrindo o pescoço. Vez ou outra, olhava o menino com certa apreensão. – Tô pensando demais em outra coisa. 

Inara a puxou de volta para a conversa. 

— Você vai contar o que acha que vai acontecer com ele? Ou vai querer resolver sozinha? – ofereceu a menina, não exigindo que contasse, mas colocando-se a disposição de forma ríspida. Era a maneira que sabia ser gentil. 

Aurora duvidou, mesmo durante a formulação de seus planos durante a semana, que conseguisse fazer o que precisava sozinha. Principalmente quando um de seus maiores trunfos para se esgueirar em busca de segredos, estava com o menino ao seu lado. Então, já que Inara sabia boa parte do assunto, desviou para Nino, explicando o que achava. Ele considerou, concordando na maior parte da fala, porém, duvidava de vários pontos que pareciam inconsistentes. 

— Aurora, não que não exista possibilidade disso acontecer, não me entenda mal – desprezou, preparando o terreno para o que ia dizer. – Mas não parece meio demais? 

— Demais? É tudo muito estranho, Nino – argumentou, virando para observar, sutil. Nino fez o mesmo movimento com a cabeça, vendo os dois conversarem na mesa ao lado.

— Claro, você certamente deve ter razão – disse, e Inara revirou os olhos com o quanto bajulava. – Só ainda não sei o que pretende fazer com essas... pistas.

A menina suspirou. Era a hora de contar o plano. 

— Sei que não é nada muito concreto, por isso preciso da sua ajuda, Nino – anunciou.

Ele cresceu, pomposo por ser requisitado, depois foi perdendo a expressão devagar, quando deduziu o que viria a seguir. Aurora completou:

— Preciso usar Celeste outra vez.

Ela não estava confortável com aquilo, porém parecia o único jeito de descobrir mais sem ter que seguir Letícia, Matheus ou mesmo Luka. Nino retesou o rosto, os ombros, e até mesmo os dedos, como se antecipasse a morte de alguém.

— Então, Aurora... – falou, baixando a voz. – Não vai dar. A Celeste não tá muito bem comigo. Ela odiou ser transformada em taça, e – o menino continuou, levantando a manga do blazer quadriculado, mostrando pontos vermelhos em sua pele – quando descobriu que não ia realmente entregar Adelaide... é, não deu muito certo. Ainda bem que ela não é venenosa. 

A menina rilhou os dentes quando viu as mordidas. Até Inara arregalou os olhos, reconhecendo que fora uma briga feia. 

— Nossa – a bruxa preocupou-se. – E tá tudo bem? 

— Está, está – ficou lisonjeado com a preocupação. – A gente resolve aos poucos, é só que não dá pra pedir favor nenhum por agora. 

— Não dá pra você descobrir mais – Inara pontuou.

Os três concordaram, até que algumas outras alternativas foram surgindo.

— Eu posso... seguir ela ou ele – sugeriu Aurora, duvidando de si mesma.

— Não! – Nino balançou a cabeça em negativo. – Você vai seguir a namorada de Luka Braz? – sussurrou. – Se ele ou ela ficar sabendo, você tá morta. E ninguém aqui quer você morta – disse, como se estivesse sufocando.

— Nino, calma – tentou, com as mãos em rendição. – Vou pensar em outra coisa, tá bom? 

Mas não pensou em nada, nem enquanto comiam o bolo de aipim com leite condensado. 

As aulas seguiram, e os gritos de Ruína não a fizeram focar. Ensinava um Feitiço de Convocação, puxando os cadernos para perto quando dizia as palavras. Mais uma vez, Aurora não pôde praticar. 

Para a última classe, treinaram voo com a professora Renée. Agora, os alunos se mantinham suspensos no ar a uma altura segura, enquanto a mulher apontava as manobras que deveriam fazer para se manterem flutuando. Os puxões para subir, as estratégias de arrematação quando em queda livre, desvios guiados pelos cabos e por fim, os mergulhos pontiagudos que visavam rasante. Ainda era complicado repensar tudo em três dimensões em vez de duas, porém Aurora se dava bem e conseguia fazer voos longos sem perder o controle. Nino, desde que começaram o ensino, mostrava-se apto às manobras, já que segundo o próprio, subira em sua primeira vassoura aos cinco anos de idade. 

Inara, entretanto, mal conseguira sair do chão. Sempre que a aula acontecia no alto, a menina tinha vertigens, e pedia para descer, observando tudo do chão. Sendo uma aula que não pontuava, apesar de essencial para o aprendizado bruxo, ela mal se preocupava em tentar outras vezes. Apenas aproveitava a dispensa, sentada na grama enquanto o sinal não tocava. 

Aurora acompanhou a turma num passeio pela clareira. Ver tudo na altura do castelo impressionava, e mesmo que três de Guaraci tivessem dificuldades em concentrar-se no voo enquanto observavam, fazendo Renée mudar o curso para apanhá-los antes que despencassem da vassoura, todos os alunos pareciam embargados na experiência. A garota até arriscou um pouco na última volta, fazendo uma curva fechada próximo da torre de Anhangá, riscando o ar com a ponta da ferramenta. Foi então que, descendo para um rasante que levantou a poeira do campo de Queimadobruxo, teve a ideia. Circundou o restante do percurso, retornou ao caminho que a professora indicava, aterrissando na área de treinos. 

A instrutora deu fim a aula, e Aurora correu para puxar Nino para perto de onde Inara estava sentada. A garota encarou-os por debaixo de sua franja estranhando a agitação dos dois.

— Ai, o que foi – reclamou o menino quando a bruxa abaixou para cochichar.

— Eu tive uma ideia – disse, e Nino deixou de sentir o puxão para concentrar-se nas palavras. – Eu tava pensando que não tem outro jeito de pegar informações se a gente não seguir eles, certo? – gesticulava bastante, empolgada. – Isso só serve pra gente saber o que vai acontecer antes que aconteça, mas a gente não precisa disso! A gente pode ver o que acontece quando acontece, e se eu estiver certa sobre a armadilha, a gente impede. 

Os amigos consideraram, e Nino surpreendentemente surgiu com apenas uma objeção.

— Tá bom, parece arriscado ir sem saber e poder ser pega... mas tudo bem, não esperava nada diferente de você – disse, soando carinhoso.

Não entendia porque o menino parecia tão empolgado para descumprir regras, mas aproveitou que se sentia assim para executar o plano. 

— Não mesmo – Inara reforçou, menos gentil.

— Mas — levantou o garoto –, se isso acontece à noite, como a gente vai sair dos dormitórios com aquele Miador nas Salas Comunais? 

— Eles servem pra caso a gente quiser atravessar a sala – Aurora lembrou, levantando um indicador. – Não precisamos atravessar a sala, podemos sair pela janela – o indicador moveu-se para sua mão ocupada, que ainda segurava a vassoura. 

— Não – disse Inara, cruzando os braços. – Não mesmo! 

— Inara, é perfeito – Aurora pontuou. – Eu posso levar dentro do meu bolsão – apontou para a bolsa lateral presenteada pelo pai. Parecia ter espaço infinito, pois a menina levava todo seu material ali dentro. – Tiro, a gente voa e vê tudo de cima, escondidos. 

— Não dá pra pular? – Inara sugeriu, encolhida atrás dos cabelos negros.

— Não, é muito alto – o menino explicou, levando a mão para o queixo, pensativo. – Eu poderia deixar a minha perto da torre, e puxá-la com o Feitiço de Convocação.

— Não, não – disse a menina, sem fraquejar, mas olhando surpresa por Nino compactuar com aquilo. – Não vou voar nesse troço, nem pensar.

— A gente fica baixo, e se embrenha na mata pra ninguém ver a gente – sugeriu Aurora. – Prometo que vai ser rápido, nem precisa usar a sua vassoura.

— Não, eu não vou! – negou outra vez. – Podem ir sem mim, não faz diferença.

— Que seja, Aurora, iremos os dois – a voz pomposa retornou. – Deixe-a pra lá.

A menina pensou um pouco antes de concordar. Mesmo que o menino houvesse aperfeiçoado suas habilidades em feitiços, não sabia se ele era a melhor opção caso precisassem se defender de Luka ou mesmo de Letícia. 

— Inara, eu... – Aurora começou, mas com muito a perder caso não dissesse, arriscou dizer o que pensava. – Eu não consigo conjurar os feitiços ainda. Nino pode ajudar, mas você foi escolhida pro Clube de Duelos junto comigo. É a melhor que eu conheço nisso.

A menina abriu uma bocarra de espanto, os olhos tremeram. As mãos foram escondidas para que não revelassem que estava feliz com tudo, mas Aurora viu que havia a afetado. Entretanto, a sua expressão se esforçou para não receber o abalo, e Inara tentou voltar à feição de antes. A bruxa agiu primeiro e disse:

— Por favor, eu preciso de você. Vai dar tudo certo, confia em mim – pediu.

A amiga estremeceu, tocada demais para recusar, e então acenou uma concordância breve, fazendo os outros dois terços do trio vibrarem. Por fim, os três deixaram a clareira depois de, com muito esforço, atocharem a vassoura de Aurora dentro da bolsa. 

A quinta passou voando, mas demorou até que a noite de sexta chegasse. Já o tempo até que o toque de recolher fosse acionado e as outras meninas começassem a pegar no sono foi ainda mais letárgico. Quando todas incluindo Maria pareceram apagadas, Aurora deslizou de suas cobertas direto para o chão de pedra. Não precisou conferir se a amiga estava acordada, pois foi a próxima a deixar a cama. Vestiram-se como puderam, tirando os disfarces dos pijamas para algo apropriado para a jornada noturna. Prontas, vasculharam a cabeceira para arrancarem a vassoura do esconderijo sem fazer muito barulho. Inara segurou a bolsa enquanto Aurora puxou, e a piaçaba saiu antes do cabo. As duas se esgueiraram para a janela, com a dona da ferramenta fazendo o primeiro movimento, pendendo da borda. Apoiou a vassoura no ar, como se escorada num gancho invisível, e sabendo que estava sustentada, saltou sobre ela. Flutuou ao lado da abertura de pedra, sentindo a mesma liberdade que sentia sempre que levantava voo. Contudo, ainda dentro do dormitório, Inara encarou a ação, temerosa ao sentar-se para subir na garupa.

— Aurora – sussurrou, se recusando a subir. 

— Você consegue – afirmou, chegando mais perto para que ela pudesse se acomodar.

Inara pareceu menor por causa do medo, bem diferente da pessoa de rosto amarrado que gostava de impor que era. Apertou-se como se adentrasse uma concha, e Aurora pediu novamente para que ela pulasse. Ela não o fez, deslizou pela pedra o quanto podia para não saltar direto no objeto. Com a vassoura perto, agarrou-se a amiga de uma vez só, como um gato escaldado por um balde água fria, cruzando as pernas abaixo da vassoura, o mais apertado que podia para se proteger. O rosto ficou enfiado nos cabelos de Aurora, e ela bufava no pescoço a qualquer tremulação de voo; não podia vê-la, mas tinha certeza de que estava de olhos fechados. 

— A gente já vai – tentou acalmá-la, o que não deu muito certo. – Só precisamos esperar o Nino.

O menino não demorou muito, pois surgiu circundando o lado feminino da torre de Anhangá minutos depois, voando sem quase desestabilização alguma. 

— Vamos dar a volta, temos que aterrissar em alguma árvore próxima do campo de Queimadobruxo – indicou Aurora. 

Nino foi na frente, pois Aurora precisava ir devagar para não assustar mais ainda sua passageira. Avançou até o ponto indicado, iluminada apenas pelo céu estrelado da noite sem lua, receosa que ninguém visse a dupla de alunos escapando de seus dormitórios àquela hora. Alcançaram a mata em pouco tempo, e se acomodaram nos galhos de uma árvore alta que margeava a clareira, para terem uma vista ampla. Inara agradeceu aos céus por tocar algo relacionado ao solo, e deixou de respirar pesado. Os três se entreolharam, vendo que aquela parte do plano tinha dado certo e finalmente puderam fitar o campo em busca dos seus sujeitos. 

Só puderam enxergar um breu na clareira, por uma meia hora. Nino e Inara começaram a se questionar se algo aconteceria mesmo naquela sexta-feira, porém, quando viram um trio de vassouras dando a volta no castelo, arrependeram-se de suas dúvidas e voltaram a observar. 

O primeiro aterrissar era inconfundível, Luka Braz. Carregava seu cajado brilhando, iluminando a área redor o bastante para identificá-los. Contudo, os companheiros eram faces nubladas até que começaram a falar. Aurora reconheceu o título de um deles, Garagem, enfim relacionando suas feições com a voz de antes. O timbre corvino pertencia a um sujeito largo como uma geladeira de porta dupla, e tão alto quanto. A postura era desajeitada, quase corcunda, e os elementos do rosto pequenos demais para o espaço que tinha. O outro, reconheceu como a voz que falhava de puberdade, descobriu que era chamado de Pokas. Um rapaz de pele cobre, bigode ralo crescendo sobre a bitola e sobrancelhas espessas.

— Ela já tá vindo – comentou Luka quando o segundo rapaz perguntou se iam demorar. 

Além das vassouras, os outros dois portavam uma espécie de porrete, que Aurora reconheceu graças as explicações de Renée sobre Quadribol; os mesmos tacos que membros chamados de batedores usavam para golpear os balaços. 

— Aurora – sussurrou Nino, mudando sua atenção para uma dupla que descia a torre de Jaci com um cajado iluminando à frente. – Como eles passaram pelo miador? 

— Ela é monitora – Inara respondeu, mudando de galho para ver melhor. – Deve ter desativado. 

Depois da resposta, aprumou os ouvidos para a conversa entre os dois, mesmo que estivessem distantes demais para discernir qualquer fala. Matheus acompanhava-a sem as vestes para dormir, com a roupa do dia a dia mais limpa do que o normal, sem contar o cabelo que abrigava uma porção de cachos definidíssimos, diferente do habitual armado. Letícia, do seu lado, parecia mais surrada do que a palidez de antes, com o cabelo preso num coque. 

Aproximaram-se da região onde o trio estava, e Luka apagou seu cajado. A cabeça esculpida na madeira foi apontada para a frente, acendendo as chamas das lamparinas do campo, deixando a região como se acesa para um jogo noturno. 

A reação do garoto ao ver o grupo foi mista. Primeiro, uma confusão, depois uma conformidade que levou a uma compreensão mórbida, que seguiu-se para um pavor que arrepiou a nuca de Aurora. Cerrou os punhos ao ver a cena, pensando em agir. Letícia afastou-se dele, caminhando até o namorado, e chegando lá, foi abraçada com um dos braços. 

— Muito obrigado, meu bem – disse, sem a doçura que a frase empregava. 

Nino mexeu num galho, crespando um ruído que foi confundido com o vento. Aliviada, Aurora continuou ouvindo:

— Letícia – avançou o menino. – Quê isso? 

Viu que ela baixou a testa, encarando o chão. Os braços rentes ao corpo criavam uma defesa.

— Ah, ela não te contou? – Luka abriu os braços, a menina encolheu a cabeça ainda mais. Parecia que se esconderia na echarpe, se pudesse. – Já ouviu falar de Caça às Bruxas?

Matheus fechou os olhos, apertou a boca. Em seguida, balançou a cabeça fazendo que não.

— Não? Deixa que eu te explico, então, tá certo? – caminhou dois passos, apontando para cada um dos amigos com a ponta do cajado. – Acho que conhece meus companheiros de Quadribol e de Queimadobruxo, Garagem e Pokas. O negócio é que ficaram muito mal quando descobriram que eu não ia jogar esse ano por causa de uma coisa boba na Avenida 25, cê acredita? – pôs o cajado na sua frente e apoiou-se nele. – E disseram que queriam te "caçar" por isso. Como amigo, eu não pude evitar estar junto com eles. A gente precisa ficar com nossos amigos sempre, não concorda? 

Sem querer entrar no jogo sádico do rapaz, Matheus apenas encolheu a cabeça no pescoço, como uma tartaruga fugindo para seu casco. Aurora sentiu as unhas se cravarem na casca da árvore que estavam. 

— Funciona assim: nós somos a Inquisição, logo nós caçamos. E você "as bruxas", logo... você é o caçado. Fácil né? – disse, depois aproximou-se de Garagem. O garoto tinha o dobro da largura de Luka, que não era pouca. – Só toma cuidado com eles, sempre perdem a mão com esses porretes. E não precisa se preocupar comigo, eu vou brincar lá de cima – apontou a direção. 

Como se quisesse formular quais eram suas chances, o menino balbuciou para perguntar. 

— Fa... fazendo o quê?

— Fazendo o quê? – divertiu-se. – Dificultando sua fuga, claro. Eles estão muito ansiosos pra te deixar fugir assim... mas agora, sobre o tempo. Você deve estar se perguntando o quanto isso vai durar? Vamos fazer isso até você cansar a gente, ou você se cansar – virou-se para Letícia, sentada sobre uma pedra. Foi até ela, deu-lhe um beijo na bochecha. Do outro lado, Matheus estremeceu. – Faça aquele feitiço pra mim, por favor? 

Letícia concordou com um aceno breve. Deixou a pedra, caminhou um pouco sem encarar Matheus, porém ele a chamou numa voz engasgada. Aurora viu-o ceder. O menino que tinha adquirido a confiança sumiu, derretendo até ser visto como o mesmo sujeito apavorado da loja de cajados mágicos; os olhos brilhavam ante a luz das tochas, numa dolorosa expressão que apenas perguntava o porquê. 

— Ei, não chora ainda – consolou Luka, abrindo os braços. – Cê vai ter tempo pra isso mais tarde, quando a gente terminar. 

Pronta para obedecer a ordem, Letícia sacou um instrumento de madeira descascada que abraçava um núcleo de um cristal azul com suas raízes. Apontou-o para o céu, e antes que Matheus pudesse concluir uma frase, disparou a magia. 

— Silentibus! 

Um domo prata cercou-os, com diâmetro suficiente para engolfar o campo de Queimadobruxo, e de repente, não vinha mais nenhum som dali. O domo diminuiu a claridade até ficar translúcido, porém o efeito permaneceu.

Aurora limitou-se a ver o que ia acontecer. O grupo reuniu suas vassouras, cada um montou em uma delas, fazendo Matheus entender o recado. Deu ação às pernas num impulso, enquanto os sujeitos ergueram suas ferramentas ao levantar voo. Garagem e Pokas cortaram o ar, rumando rente ao chão, paralelos a corrida que mal conseguia acompanhar a velocidade das vassouras, deixando que o resultado fosse óbvio; o brutamonte, mal cabendo em seu próprio voo, apoiou-se numa das mãos e explodiu o porrete nas costas de Matheus. O menino pareceu gemer um grito vazio, tropeçando com a pancada, comendo terra. Contorceu-se no chão, num desespero lancinante que Aurora não pôde suportar. 

— Eu vou lá – disse, empunhando a vassoura e preparando-se para subir nela. 

— Calma, a gente precisa de um plano – Inara segurou-a pelo braço. – Eles são terceiranistas, devem conhecer feitiços que a gente não tá pronto pra enfrentar!

Aurora se livrou do repelão com um solavanco, virando-se a ela com o rosto retorcido, mas por pouco não berrando para que fosse ouvida.

— E o que a gente faz enquanto isso!? Vê ele apanhar? – questionou, dura.

Antes que pudessem decidir qualquer coisa, viraram de volta para a situação, onde Matheus tentava um zigue-zague inútil, pois ainda falhava em sua velocidade. E assim, a segunda batida o alcançou, quando Pokas o golpeou nas costelas. A roupa limpa manchou-se de terra, pois o menino rolou no barro antes de levantar para correr mais uma vez.

A menina não suportou ver mais daquilo, pondo a vassoura embaixo de si, mas antes que desse a partida, Nino fez primeiro. Zarpou batalha abaixo, investindo como uma cavalaria desenfreada, exclamando: 

— Não deixarei que um companheiro de Aurora se fira – a voz pomposa ecoando na clareira, denotando o heroísmo que o garoto queria transmitir. 

— Merda! – Aurora deixou escapar, voando atrás do rapaz inconsequente. 

Desceu, desviou de um galho e fez um mergulho sacudindo arbustos, adentrando a zona de silêncio, recuperando o volume da confusão. Diferente do feitiço lançado pelo professor Aquino, aquela versão da magia impedia que o som de dentro alcançasse o externo, para que a agressão não fosse ouvida e, por consequência, repreendida. 

Cruzou a pedra que Letícia estava sentada, e com a visão periférica, notou seus olhos lacrimejarem. Voltou sua atenção à frente, para o rabo da vassoura de Nino dirigida a chegar a Matheus que, desnorteado com os baques, mal reconheceu os amigos avançando para ajudá-lo. Os batedores notificaram a presença dos intrusos, porém, tomavam uma outra atitude antes que a invasão começasse, que se seguiu assim que chegaram a área. Tomaram distância da região de impacto olhando para cima. Aurora fez o mesmo, e viu que o dragão esculpido no cajado de Luka fitava o chão, preparando um disparo. Então, ouviram-no gritar:

— Bombarda! 

A menina pensou em avisar Nino, mas era tarde. O foco do feitiço deveria ser Matheus, porém com a proximidade, Luka conseguiu acertar dois coelhos com uma cajadada, quando o chão entre os dois estourou. O raio da explosão lançou-os para lados opostos, e por pouco ela não foi acertada. Aurora freou, brusca, fitando a cratera formada no chão, em busca do estado dos companheiros. Matheus estava apagado agora, e Nino estava se levantando de onde fora parar, com as mãos nos ouvidos, procurando a vassoura. Aurora fez o mesmo movimento procurando pelo objeto, e viu os restos de farpas que o instrumento se tornara. O dono lamentou, porém, refez sua prioridade ao ver Aurora olhando-o assustada.

— Eu estou bem! – disse, limpando o rosto salpicado de terra. 

Por pouco, seu idiota, pensou, avaliando ao redor para ver em que pé estava. 

Flutuava sobre o chão, sobrevoada por Luka que conjurara a explosão há pouco, os dois batedores que abandonavam suas posições para circundá-los e Letícia, que entendera o caos, desembainhando o cajado, a postos para qualquer próximo conflito. 

— Olha – Luka diminuiu a altitude, sem a surpresa que esperava vindo de tudo que acabara de acontecer. – É a escolhida de Anhangá – ignorou a presença de Nino. – Não esperava que fosse vir... uma presença tão importante assim. Mas já que está aqui, a gente pode te incluir no jogo. 

Depois do anúncio, Aurora viu os batedores mudarem de alvo. Ainda voando a centímetros do chão, os dois ficaram de frente para a outra dupla; Nino mais à esquerda, desmontado, agora puxando o cajado para apontar para Pokas, enquanto ela enfrentaria a vassoura de Garagem. 

— É bom que todo mundo se diverte. Agora – a voz estourava acima deles como um trovão –, quem chega primeiro? – girou o cajado, fazendo uma diagonal de trajeto até Matheus. – Meu feitiço ou sua vassoura? 

Aurora não esperou um cálculo para descobrir, acelerando sua ferramenta antes que ele terminasse sua pergunta. Numa fração de segundo, a vassoura cortou, mas Garagem também avançou, criando uma parede intransponível para ela. Pensou em sacar o cajado e conjurar algo, desistindo assim que pensou na possibilidade de ver o garoto explodir, porém, repensando quando o porrete foi levantado em sua direção. Fechou os olhos, fez uma curva fechada, esperando que errasse o golpe. Errou, mas ela notou como apenas com sua audição, para depois enxergar a atitude. Accio, ouviu Nino berrar, e a vassoura de Garagem partiu em sua direção, derrubando o brutamonte que colidiu em pleno voo. Contudo, esquecendo-se de Pokas, Aurora viu-o ser acertado no queixo com o porrete, caindo para trás, quase arremessado pelo baque. Antes que pudesse ajudá-lo, a voz em cima o lembrou da sua pressa para acudir o outro amigo.

— Bombarda – gritou Luka, outra vez.

A vassoura emergiu no vento, os ouvidos chiaram e ela agarrou-se a ela, esticando a mão para pegá-lo. Sentiu-se apertando a camisa branca que o menino usava por baixo do uniforme, ao mesmo tempo que ouviu a terra perto de si arrebentar. A explosão veio, embarcou os dois, lançou-os para longe, mas Aurora ainda segurava alguma coisa. Quando atingiu o chão, a vassoura traçou outro destino, quicando para longe dela. Um corpo acertou o terreno junto, e ela abriu os olhos embaçados para ver Matheus, livre de ser detonado pelo feitiço do garoto. Havia o salvado. 

Olhou para a frente, à procura de mais ataques, porém apenas viu Nino estirado no chão ao longe, e dois rapazes aproximando-se num voo baixo, aplaudindo a situação. Mais ao fundo, perto do negrume da floresta, viu um ponto estirado no chão. Letícia. 

— Não é lindo, Pokas? – Luka ainda aplaudia devagar. – Ela conseguiu salvar o namoradinho. É uma fofura. 

O colega apertou o porrete, guinchando com o humor de seu líder. De costas para a situação, não viram uma faísca vermelha incendiar o céu atrás deles. Uma figura caminhava na direção deles, e Aurora fingia que não olhava direto para lá. 

— É uma pena que esse amor não vai durar – comentou Luka, erguendo seu cajado não como se direcionasse um feitiço, mas disposto a arrebentá-lo num dos dois.

De repente, o sujeito do porrete foi arremessado para longe de sua vassoura. Do chão, Aurora ergueu o peito para poder virar a cabeça, e vê-lo comendo terra depois de passar por cima dela. Luka se virou de imediato, surpreso, porém recebeu uma voz que o desconcertou.

— Expelliarmus – disse Inara, disparando o cajado de dragão para longe. Ainda sobre a vassoura, tentou atacá-la antes que se aproximasse mais, mas a menina contra-atacou como uma bruxa. – Estupefaça!

Aurora estranhou o feitiço, mas adorou o efeito. Luka foi expelido junto da vassoura, para o mesmo ponto onde o amigo havia caído, fora da área de silêncio. A menina continuou apontando a arma mágica para o sujeito, e sem tirar os olhos severos que disparava aos dois, estendeu uma mão para a amiga. 

— Obrigada – Aurora disse, suspirando, enquanto se erguia para também ameaçá-los com o próprio cajado. – O que você fez? 

— Estuporei os dois – respondeu, olhando ao redor, vendo Nino caído. – Agora a gente só tem que esperar. 

— Esperar o quê? – perguntou Aurora.

Como se para respondê-la, os olhos se atraíram para um trio que descia as escadas do castelo. Um homem velho, calvo, de barba rala pinicada entre as dobras do queixo, acompanhado de duas mulheres em seus trajes para dormir, longos vestidos de seda. Uma delas, olhava apavorada para toda a situação, os olhos brilhavam constelações. A outra, encarava furiosa direto nos olhos de Aurora, como se prestes a cuspir um disparo de chamas. 

Mesmo com a pouca luz do lampião que os acompanhava flutuando, não havia dúvidas de quem eram: o inspetor substituto Francisco, Miranda e Ruína. 

As meninas baixaram os cajados, voltaram-se a cena e aguardaram suas sentenças.  

 


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