Me mexi lentamente, com medo de fazer algum movimento brusco e sentir dor. Sentia que estava em cima de algo macio, uma cama, e um cheiro familiar. Um som distante ecoou. Onde eu estava?

Abri os olhos, piscando algumas vezes. Eu conhecia aquele quarto. Era no Largo Grimmauld. Mas o que eu estava fazendo lá? Franzi a testa e me sentei, meu estômago roncou, precisava comer alguma coisa, urgentemente.

Saí da cama cuidadosamente, com medo de me sentir tonta e cair. Pouco depois estava descendo até a cozinha, onde Monstro mexia algo em um caldeirão. O cheiro era ótimo.

—Monstro, tem mais alguém aqui?-Perguntei. O elfo se assustou e virou, derrubando a colher.

—O senhor do Monstro está alimentando a fera alada. -Sirius está alimentando Bicuço.

—Isso é sopa?-Apontei para o caldeirão.

—Sim. -Me sentei.

—Pode me servir um pouco?-O elfo resmungou alguma coisa e encheu um prato pra mim. -Obrigada. -Arregalou os olhos, que já eram enormes. Era provável que ele não recebesse agradecimentos.

Eu já tinha tomado dois pratos da sopa, que estava espantosamente boa, quando Sirius apareceu.

—Você acordou, finalmente. -Sentou no outro lado da mesa. -Ficamos preocupados.

—O que houve?

—Você lembra da invasão a Hogwarts?

—Lembro! Todos estão bem?

—Alguns alunos e professores ficaram feridos, mas não há mortos. E nenhum Comensal foi capturado ou morto.

—Hogwarts fechou?-Negou com a cabeça. -Então por que estou aqui?

—Você ficou inconsciente por dois dias. Depois da invasão, te levaram para o St. Mungus. Então te liberaram, mas você ainda não tinha acordado.

—Bem, já acordei. Posso voltar para a escola agora.

—Na verdade... -Limpou a garganta. -Meredith, você não vai voltar.

—Por quê? Eu fui expulsa? Mas a Umbridge...

—Não tem nada a ver com o Ministério. Acontece que nessa invasão você foi atingida pela Maldição Cruciatus, quase levou um Avada Kedrava e te acertaram com um feitiço que te deixou inconsciente por dias.

—E...?

—E acontece que Hogwarts não é mais segura. Eu não quero que você volte para lá. -Fiquei de pé, começando a ficar furiosa.

—Não importa o que você quer. Eu vou voltar. Deixe só Snape saber que você está se metendo nisso...

—Nós conversamos sobre isso e concordamos que você não vai voltar.

—Então de repente vocês ficaram amigos? Decidiram armar coisas pelas minhas costas?

—Não armamos nada...

—Isso não é justo! Você não tem esse direito, nem Snape! Não podem tirar de mim o meu lar! Eu não vou deixar Hogwarts!

—Chega, vamos discutir isso quando estiver mais calma...

—Não! Vamos discutir isso agora! Você não pode...

—EU TAMBÉM SEI GRITAR, MEREDITH!-Ficou de pé, recuei. Ele nunca tinha erguido a voz pra mim desse jeito antes. -Suba. -Continuei onde estava. -Suba para o seu quarto!

—Não me faça odiar você. -Me virei e corri para fora da cozinha.

***

Eu estava encarando o teto, me sentindo péssima, quando Monstro bateu na porta e enfiou a cabeça por uma fresta.

—O que foi?-Perguntei, mal humorada.

—O senhor do Monstro mandou a senhorita descer.

—Diga a ele que eu não quero.

—O Monstro tem ordens para levá-la lá de qualquer jeito. -Me sentei.

—E como pretende fazer isso?-Se aproximou e segurou meu braço. Tive a sensação de estar sendo engolida de dentro pra fora, então estava na porta da cozinha. -Que foi isso?

—Nós aparatamos.

Monstro me soltou e recuou. Sirius estava sentado numa ponta da mesa e Snape do lado oposto, de pé.

—Você! -Apontei para Severo, entrando na cozinha. -Como ousa fazer isso comigo? Você não pode me tirar de Hogwarts!

—Abaixe o tom de voz. -Esse foi Sirius. -Nós somos adultos, você tem que nos obedecer.

—Eu tenho a mesma idade...

—Não, você não tem. Queira ou não, tem dezesseis anos. Nós sabemos que o melhor pra você...

—Por quê? Por que vocês são adultos? Lembra quando fugiu de casa aos dezesseis anos, Sirius? Quando você achava que podia decidir por si mesmo?

—É uma situação completamente diferente.

—Não importa que seja!-Me virei para Snape. -Você disse que Sirius não podia ser meu responsável. E agora está concordando com ele? Por quê?

—Você pode não entender agora. -Disse. -Mas...

—Eu sei que me odeia, mas por favor, me deixe voltar. Eu juro que não vou mais incomodar. Juro que me esforço mais nas suas aulas. Posso fazer aulas de reforço, se quiser. -Desviou o olhar.

—Não se trata disso. É a sua segurança...

—Hogwarts é segura...

—Você foi morta lá!-Voltou a olhar pra mim. -E quase morreu de novo.

—E você não se importaria! Você me odeia! E eu não estou te culpando por isso. Só me deixe voltar. Por favor.

—Não. -Abri a boca para retrucar. -Essa discussão acabou. Você não vai voltar.

—Mas...

—Trouxe suas coisas. Você vai ficar. Não precisa terminar a escola para ser Magizoologista.

—Vocês acham que as pessoas não vão estranhar o fato de eu desaparecer do nada?

—Você não desapareceu. Eu escolhi te tirar de Hogwarts e você está com os Weasley durante o período letivo. No resto do ano, você mora comigo. -Eles tinham pensado em tudo. Eu não sabia o que responder. -A reunião acabou. -Saiu da cozinha. Fiquei onde estava, ouvindo a porta da frente abrir e fechar.

—Eu sei que Hogwarts é importante pra você. -Sirius disse. -Precisa entender que não estamos fazendo isso para machucá-la.

—Mas machucaram mesmo assim. -Respondi, me afastando.

—Você me odeia?

—Nesse momento? Um pouco. Mas não importa, não há nada que eu possa fazer sobre isso. Estou presa aqui com você.

—Vai se acostumar.

—Ou talvez eu fuja.

—Meredith...

Me virei e saí sem olhar para trás, enquanto Sirius me mandava voltar.

***

Hermione, Harry e Rony...

Estou bem. Triste, mas bem. Talvez vocês ainda não saibam, mas não vou voltar para Hogwarts. Snape e Sirius decidiram isso. E como ainda sou menor de idade, não sei se posso fazer alguma coisa sobre isso.

Vou sentir falta de vocês, mesmo sabendo que vamos nos ver nas férias. Mas isso não melhora nada, vai ser estranho não estar aí e vê-los todos os dias.

Prometo mandar muitas cartas, e espero que as férias cheguem logo.

Com amor, Meri.

***

Como não tinha mais o que fazer, passei a ajudar Monstro com a limpeza da casa, além de estudar por conta própria e tentar algumas receitas de um livro que a Sra. Weasley me deu.

Era horrível não poder sair. A casa era grande, mas a sensação de prisão era constante. Às vezes eu ia até a Toca, mas não queria deixar Sirius sozinho muito tempo. Eu não estava mais com raiva dele, apenas um pouco magoada. Ele estava trancado no Largo Grimmauld há mais tempo que eu, devia estar muitas vezes mais cansado daquilo.

—Você está pronta?-Tonks perguntou, me tirando dos meus pensamentos. Peguei minha bolsa.

—Estou. Acho que podemos ir.

—Está levando seus livros?

—Alguns deles. Quero vendê-los para comprar novos. Esses eu já li. -Com o pouco dinheiro que eu tinha, precisava me virar. Não podia me dar ao luxo de acumular livros e ter uma biblioteca gigante como sempre quis.

—Então vamos.

—Monstro. -O elfo se aproximou. -Sirius está com Bicuço. Pode avisá-lo que Tonks e eu vamos ao Beco Diagonal?

—Sim, senhora. -Assentiu.

Saímos da casa e começamos a andar, sem muita pressa. Eu não tinha nada pra fazer e Tonks tinha o dia de folga.

—Monstro parece menos hostil. -Ela comentou. -Antes ele nem olhava direito pra você.

—Descobri que se tratá-lo bem, ele retribui. É simples. Sirius vive maltratando o elfo, esse é o problema.

Meia hora depois, eu estava pegando o dinheiro que consegui pelos livros. Não era muito, mas já era alguma coisa.

Perdi Tonks na loja e só a achei depois de ouvir o som de coisas caindo. A Auror tinha derrubado uma pilha de livros e estava tentando arrumá-los.

—Eu sou um desastre. -Murmurou, suspirando. Tentei segurar o riso.

—Pelo menos você não quebrou nada.

Depois de organizar o que Tonks bagunçou, nós demos uma volta e por fim fomos tomar sorvete.

—Como estão as coisas com Remo?-Perguntei, sentando em frente a Tonks.

—Bem... Mais ou menos. Ele ainda está relutante em entrar numa relação comigo. Mas eu não vou desistir dele. E você e Sirius?-Suspirei.

—Não pode ficar pior... Mas talvez fique.

—Vocês conversaram?

—Não. Eu não consigo falar disso com ele. Só o afastaria.

—Devia tentar. Não pode continuar engolindo isso e não estou falando do sorvete. -Sorri.

—Eu ainda acho que a diferença de idade o incomoda. É uma diferença grande, mas... Vou ser maior de idade em alguns dias e... Eu o amo. Mas pra ele, vou sempre ser... Eu, mais jovem, menos madura... Não tem como dar certo.

—Essa é a sua opinião ou o que acha que os outros vão pensar? Vocês tem essa diferença de idade sim, mas esse é um caso diferente. Você é você, diferente. A Garota que Voltou. Você desafiou a Morte, Meredith.

—Não foi proposital, acredite. Ainda não sei como fiz isso.

—Sirius.

—Ele também não sabe...

—Não. Sirius. -Franzi a testa e segui o olhar dela. Um enorme cão preto se aproximou de mim, parando ao lado da minha cadeira.

—Ah, não...

—É melhor sairmos daqui, antes que alguém o reconheça.

***

Tonks se despediu de nós e se foi, antes de entrar na casa. Acho que ela sabia o que estava por vir.

Fechei a porta e me virei para Sirius, que já tinha voltado a forma humana e parecia muito irritado. Suspirei. E lá vamos nós...

—Você enlouqueceu?

—Posso te fazer essa mesma pergunta. -Retruquei. -Ainda não entrou na sua cabeça que você é um fugitivo do Ministério? E que se te pegarem, os Dementadores vão acabar com você?

—Não acha muita coincidência estar em dois lugares onde Comensais fizeram ataques e quase morrer nessas duas vezes?-Revirei os olhos.

—E depois eu sou a paranoica. Não é o meu rosto estampando os cartazes por aí, é o seu.

—Enquanto ainda for menor de idade, vai me obedecer.

—Ah, tudo bem. Em alguns dias eu faço dezessete anos. Não é ótimo?

—Eu só quero que seja cuidadosa.

—E eu sou. Estava com uma Auror. Pra ter mais segurança que isso, só se eu convocasse a Ordem da Fênix inteira. -Abriu a boca para retrucar. -Eu estou bem, não estou? Não estou?

—Está.

—Então o assunto está encerrado.