Beijo de boa noite escrita por Alex Jackalope


Capítulo 1
Feliz aniversário


Notas iniciais do capítulo

Terceiro DeLiPa in a row que foi puro angst. Eu peço perdão, mas uma vibe emo se apossou de mim nos últimos tempos. Culpo o anticoncepcional e minha instabilidade emocional por isso. Anyways, enjoy~



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Hansel descansou os braços e a cabeça na estrutura do trono. Todo ano ele orava aos deuses para que cobrissem o passado com o grosso manto do esquecimento, e todo ano os deuses o abandonavam às próprias angústias e arrependimentos no aniversário do que ele chamava de “Dia do Purgatório”.

Talvez fosse tendência melodramática, afinal, sempre fora amante dos grandes trovadores, mas o dia, que acontecera há tantos anos, ainda lhe causava quase tanta dor quanto causaria se houvesse acontecido na véspera. Era uma queimação no coração, um bolo na garganta que não dava para engolir. Uma dor de cabeça semelhante àquela que vem após horas de choro, toda manhã, na mesma hora. Às vezes até mesmo se perguntava se chorava em meio aos pesadelos e acordava sem se recordar.

Sua vida não era a mesma desde que conhecera Elliott. Eram amigos de infância, mesmo pertencendo a mundos opostos socialmente, e tê-lo tirado de perto de si de forma tão abrupta e cruel havia deixado uma marca que o tempo já havia provado não ser capaz de curar.

Ali, sozinho na sala do trono, supostamente se preparava para a guerra, mas sua mente não conseguia focar em estratégias e voltava, incessantemente, para a fatídica noite.

Era véspera de seu aniversário de dezoito anos e Hansel havia prometido a Elliott que ele poderia ser o primeiro a lhe dar parabéns. Era uma data especial, que poderia bem ser o último ano em que poderiam se tratar com certa intimidade em público, pois uma vez maior de idade, Hansel teria que assumir responsabilidades como herdeiro e Elliott seria realocado para ajudar na cozinha de forma integral.

Haviam desenvolvido um doce romance ao atingir a puberdade alguns anos antes, romance este que havia progredido de forma tímida e contida por ser tabu e segredo, e a maior parte dos encontros que tinham acontecia em caminhadas pela floresta, sob a justificativa de treinar a arte da furtividade.

O ponto de encontro havia sido bem ali, na sala do trono, em frente ao próprio. Hansel havia tido dificuldade de se esgueirar pelos corredores sem ser visto por guardas, então Elliott tivera tempo de chegar antes e se gabou de sua famosa pontualidade.

Trocaram um abraço quente e íntimo. Se cheiraram. Os olhos de Hansel ficaram marejados pelo iminente infortúnio que aguardava o romance dos dois, tendo que se contentar com menos encontros.

Mal sabia que o destino havia reservado algo pior.

Quando Elliott enxugou as lágrimas que haviam escorrido pelas faces de Hansel, encostou a testa na sua e disse que ficaria tudo bem, o silêncio do cômodo pareceu mais incômodo do que nunca. Como se algo não estivesse certo.

Mesmo assim, seus lábios se encostaram e, lentamente, foram trocando beijos, cada vez mais próximos, até que se abraçaram, os braços de Hansel subindo pelas costas de Elliott até alcançar os cachos de sua nuca e os dedos de Elliot escorregando pelo pescoço de Hansel até puxá-lo pelos ombros.

Era uma explosão de amor em seu peito, uma euforia difícil de conter que o cegou para a cena que se desenrolava.

O beijo, que Elliott tão corajosamente iniciara em frente ao maior símbolo de poder do reino, foi flagrado momentos após ser consumado, por uma comitiva que aguardava escondida às sombras das muitas cortinas da sala do trono.

O primeiro alerta que Hansel recebeu de que havia algo acontecendo foi o ecoar de palmas. O segundo foi quando Elliott abruptamente interrompeu o beijo e se afastou, olhando à sua volta. E o terceiro… Foi quando ele próprio olhou ao seu redor antes de ser violentamente agarrado pelas costas e puxado para longe.

Elliott havia gritado e tentado correr em sua direção, mas guardas o seguraram. Hansel não conseguia desviar o olhar, sendo obrigado a assistir Elliott, seu querido e amado Elliott, ser contido enquanto se debatia, gritava e chorava. Seu pai estava de pé ao lado da cena, encarando-o de volta com seriedade e reprovação.

Quando perdeu Elliott de vista, olhou para quem o arrastava para longe e, dentre os rostos, um se destacou: sua irmã, Gerta, com um sorriso vitorioso no rosto.

E então ele compreendeu.

Seu coração foi parar no estômago e nunca mais voltou para o lugar. Até mesmo viver nos meses que se seguiram foi difícil. Definhou por dias, trancado em seu quarto. Achou que perderia a razão.

Se não fosse por Anya talvez tivesse, de fato, perdido. Mas aí estaria tudo acabado e sua irmã teria vencido. Ficaria com o trono e ele apodreceria longe de tudo e de todos em trancado em algum hospital.

Então aprendeu a fingir. Fingir que a comida tinha gosto e que a política era interessante e que treinar para a guerra era excitante e que as pretendentes que seu pai gostaria que desposasse eram de seu agrado.

Mas no final, foi apenas isso. Fingiu durante anos que estava vivo e agora que seu pai não mais podia vigiá-lo e que já tinha herdeiros legítimos para impedir que sua irmã sucedesse o trono, não precisava fingir mais.

Anya era a única que sabia.

Abriu os olhos e encarou a porta da sala do trono uma última vez. Esticou o braço para tomar em mãos um cálice cheio com vinho e cianureto, e fez um gesto de brinde aos céus, em agradecimento aos deuses por ter tido ao menos a chance de amar uma vez na vida mais que muitos.

Beijou o cálice como se beijasse de novo os lábios de Elliott. Sorveu o líquido como se sorvesse o calor do corpo do outro mais uma vez.

O cálice foi ao chão.

E fechou os olhos pela última vez.


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Notas finais do capítulo

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