Cemitério de Sonhos escrita por Enid Black


Capítulo 1
Unique


Notas iniciais do capítulo

Só um aviso: cada um imagina o verdadeiro final dessa história ok?



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Era a terceira noite de uma semana na praia, o dia havia sido ótimo, todos nós fomos nos deliciar com a areia clara e o mar salgado do lugar, até a Vivi entrou na água, acompanhada de minha tia, claro.

Porém, a noite dava indicios de que a diversão havia acabado, logo após chegarmos em casa, no fim da tarde, o céu começou a ficar de um cinza angustiante, com nuvens cheias que prometiam tempestade.

Jantamos e jogamos alguns jogos de tabuleiro e cartas, muitos eu nem sabia que existia, que alguém havia lembrado de levar. Depois de nossa terceira rodada de truco, aquilo perdeu a graça e já não entretia como devia, com isso, cada um foi para um canto com suas próprias brincadeiras.

Eu, uma obscecada por livros assumida, peguei meu 'companheiro de viagens' surrado e fui para o canto mais distante da sala de jantar, para não ser distraida pela conversa dos meu familiares.

Pouco depois disso, a chuva esperada começou a bater nas janelas, tão forte que fez todos pararem o que estavam fazendo, e observarem a intensidade, a casa ficou silenciosa apenas com os batuques que ecoavam pelas paredes como som, começou os ventos fortes tipicos de tempestade, fazendo bater portas e janelas de nossos vizinhos desprevinidos.

Até ai, eu não estava assustada, já tinha visto coisas muito piores que aquilo, mas a água não parava de cair, e só ia piorando a cada segundo, quem olhasse por uma das janelas veria uma enorme quantidade de raios brilhantes como em um show de fogos de artificio.

Os trovões rugiam alto, fazendo pular todos a cada meio minuto; Vivi começou a chorar com tudo aquilo, sua mãe pegou-a no colo e tentou acalmá-la, dando pequenas balançadas com o corpo, mas a menina estava muito assustada e chorava forte e emocionada.

- Meu Deus! Que tempestade horrível! - disse meu irmão, tentando falar mais alto que a chuva.

No instante em que ele acabou a frase, a luz apagou e ficamos no escuro desconfortavel que aquilo trazia; a pobre criança que finalmente parava de chorar, começou a gritar desesperada de medo com a situação.

Ouvi meu irmão gritar também, e com isso um arrastar de móveis pela casa toda, comecei a ter medo. Eu tentava ver o que fazia aquilo, mas mesmo com meus olhos acostumados ao breu eu não via nenhum vulto, apenas os sons de passos andando pela casa.

Eu queria ficar bem quieta, pensando que assim eles não me pegariam, quando ouvi:

- Me larguem! Saiam daqui! - era minha mãe.

- Mãe! - gritei, desesperada com a idéia de que a sequestrassem.

Não tive nenhuma resposta. Me levantei do canto que estava e comecei a andar, tateando a procura de algo que não sabia o que era, quando tropecei em algum móvel jogado e cai no chão.

As luzes se acenderam assim que consegui me recompor, a sala estava arrumada como antes, porém ninguem estava ali.

- Mãe? Pai? Aguém! - comecei a gritar pela sala, torcendo para alguém sair de um esconderijo e falar que era tudo brincadeira.

Pensei em sair da sala e procurar pela casa, mas parei antes de passar pela porta, e se fosse isso que ele queria? Mas eu não poderia ficar ali, de braços cruzados enquanto as pessoas que eu amava podia estar sendo maltratadas.

Olhei pelo aposento, a procura de algo para usar como arma se fosse preciso, vasculhando a sala um brilho dourado me chamou a atenção, era um castiçal, forte o bastante para um ataque.

Assim que o peguei, percebi um vulto escuro pelo canto do olho, me virei segurando fime o fino objeto, mas ele já tinha desaparecido. Comecei a andar pela casa, motivada pelo estranho que tinha visto, meus dedos estavam brancos em volta do castiçal.

A pessoa correu subitamente pelo corredor para meu quarto, o segui rapidamente também.

- Quem é você? - perguntei quando cheguei a porta do quarto.

Um garoto me encarava, alto, os cabelos pretos se destacando na claridade do luar em um contraste pefeito, os olhos verdes me fuzilavam com obscessão.

- Venha comigo - disse ele, de um jeito que fez os pelos da minha nuca arrepiarem.

- Não! Me explique por que você esta aqui - disse.

- Apenas venha comigo.

- Não! Suma daqui! - e ele sumiu.

Sim, ele simplesmente desapareceu diante dos meus olhos. Antes que eu pudesse pensar no que havia acontecido, ouvi me chamarem.

- Débora! Débora, cadê você? - reconheci a voz do meu pai.

- Pai? - disse, estupefata, ainda com o catiçal na mão.

- O que houve aqui? - meu pai perguntou.

- Onde você estava?

- Na sala de jantar o tempo todo... Você estava lá também, mas veio parar aqui com esse castiçal sem ninguem perceber. - meu pai disse, confuso.

- Mas, não houve a tempestade? E... e... acabou a luz... - tentei entender.

- Filha, houve uma tempestade, mas as luzes nem mesmo piscaram - meu pai disse, preocupado.

Olhei para ele, confusa.

- Assim que chegarmos em casa vamos agendar uma consulta no médico para você, querida - ele me abraçou - venha para a sala.

Eu havia imaginado tudo aquilo? Não era possivel, tudo fora tão real, tão nitido... Como eu podia ter pensado uma coisa daquelas?

A noite se seguiu normal para todos, menos para mim, que lutei contra mim mesma para achar uma razão lógica no que havia acontecido. Os outros tentaram manter o clima descontraido, fingindo esquecer a minha súbita falta de juizo.

Fomos dormir mais cedo naquela noite, niguém queria saber de jogos. Como era de se esperar, não consegui dormir. todas as vezes que fechava os olhos a imagem do estranho garoto aparecia tão realista como se ele estivesse sentado na cama ao meu lado.

Eu tentei fazer ele desaparecer, mas nada funcionou. Eu passei a noite em claro, achei que ia ficar louca daquele jeito. Já estava entrando em pânico quando percebi que o sol despontava no céu de neblina, tentei me acalmar antes que os outros levantassem.

Um bom tempo depois, ouvi sons anunciando que os outros haviam acordado: as panelas chiando na cozinha, o incessante barulho de pés no chão de madeira, e logo mais os gritinhos alegres das crianças, já esperando por um longo dia de praia depois da chuva.

Levantei, sabendo que se não o fizesse logo alguém viria me ver, escovei os dentes e troquei de roupa. Em poucos minutos já esperava pelo café da manhã na cozinha.

- Como foi sua noite, filha? - perguntou minha mãe, sem tirar os olhos da panela que estava no fogo.

- Hm... Foi boa mãe. - disse, tentando não dar na cara que eu estva mentindo.

- Dormiu bem? - agora era meu pai que falava, entrando na cozinha. Ele, ao contrário de minha mãe, olhou para mim ao perguntar, o que dificultava meu sucesso.

- Sim. - disse, tentando olhar para ele. Detestava mentir para meu pais, mas o que eles fariam se soubessem que passei a noite em claro pensando naquele garoto?

Meu pai deu de ombros, pegou um pãozinho da cesta em cima da mesa, e voltou para a sala.

- Pima! Vamos passar o dia intelo na água hoje! - disse, Vivi, com seu jeito fofo de falar errado.

- Você vai, né Débora? - disse minha outra prima.

- Acho que hoje não.. Estou meio desanimada. - disse.

- Mas...

- Deixe ela Fernanda. Se ela mudar de idéia sabe onde nos encontrar. - disse minha mãe, queria agradece-la por me livrar do interrogatório.

Depois do café-da-manhã todos foram para a praia, eu fiquei em casa, com havia dito, assim que eles sairam estourei um saquinho de pipoca e sentei na frente da TV.

Passei por todos os canais umas quatro vezes e não passava nada de bom, acabei com a bacia de pipoca e me deitei ali no sofá mesmo, o sono da noite passada finalmente chegando.

Acordei tempo depois, olhei no relógio. Três horas da tarde.

Fui para a cozinha colocar a tigela na pia, a mesa estava cheia de pratos e copos sujos, deduzi que eles tinham almoçado e voltado para a praia.

Eu não tinha nada para fazer ali dentro, decidi dar uma volta na areia, sai da casa de frente para o mar, reconheci logo parte da minha familia debaixo do grande guarda-sol laranja, os outros deviam estar na água.

Andei pelo outro lado, não querendo encontra-los. A sensação da areia nos meus pés descalços era reconfortante, o vento bagunçava meu cabelo escuro mas não me importava, poderia esquecer todos os meus problemas ali.

Fechei os olhos e fiquei ouvindo apenas o som do mar, quando os abri novamente pude sentir um grande abismo se abrir a meus pés. O garoto estava parado ali, a alguns metros de mim.

Ele caminava na minha direção, com um pequeno sorriso estampado no rosto. Eu não sabia o que fazer. Foi quando ele parou e se virou, começando a andar na direção contrária, será que ele queria que eu o seguisse?

Sem ter controle sobre meus movimentos, comecei a andar atrás dele, como uma certeza repentina de que era o certo. Andamos até o fim da praia, onde essa era cortada por grandes rochas escuras que formavam diferentes cavernas.

Ele desapareceu em uma dessas, sem perceber também entrei. Ele me esperava, agora muito sério, com uma expressão quase de dor, olhei para o chão, aos pés dele tinha um pequeno tumulo, com uma cruz simples em cima. Não tinha nada escrito, eu não entendia.

- O que é isso? - perguntei para ele, que continuava me encarando.

- O destino - ele disse.

- Eu vou morrer? - perguntei, já sentindo a garganta se fechar.

- Não.

- Então, o que isso quer dizer? - agora eu estava quase chorando.

- Espere.

Então eu [i]realmente[/i] acordei, no sofá da casa, estava moreendo de dor nas costas pelo mau jeito com que dormi, sentei e olhei no relógio. Três horas.

Ouvi a porta se abrir com estrondo, vozes histéricas falavam ao mesmo tempo e eu não consegui entender nada, fui ver o que estava acontecendo, estavam todos agachados em volta de algo. Fui me aproximando, com medo, quando vi a causa do tumulto, cai de joelhos no azulejo da cozinha, estavamos em volta do corpo inerte de Vivi.

- O que aconteceu aqui? - consegui falar atravéz das lágrimas.

- Estavamos nadando, ela... foi por um segundo para o fundo do mar, mas... não conseguiu se segurar e... tentamos salva-la mas... ela já estava... - tentou falar minha tia, mas começou a chorar desamparadamente.

As lágrimas turvaram meus olhos de novo, a pequena Vivi, tão frágil e inocente... Tão cheia de vida, agora estava ali, resumida em um corpo gélido como só a morte poderia ser. Aquilo não era verdade. Nada disso deveria ter acontecido.

Um arrepio percorreu meu corpo quando me lembrei do sonho que tive, será que tudo aquilo tinha relação? Eu queria esquecer.

Me levantei e fui para meu quarto correndo, não aguentava mais ver aquela cena. Me deitei e chorei contra o travesseiro, tentando tirar toda aquela dor do meu peito, fiquei tanto tempo ali que acabei dormindo no meio da angústia.

No dia seguinte, um silêncio mórbido enchia toda a casa, eu não saira do meu quarto, não aguentaria ver qualquer coisa, tudo me lembrava dela.

Já devia ser meio da tarde quando bateram na porta do meu quarto, ouvi ela se abrir e olhei para quem havia chegado:

- Débora, estamos indo organizar o... - ela não conseguiu completar, mas eu sabia que era o enterro de Vivi.

Saí da cama e a abracei, todos estavam sofrendo muito com aquilo.

- Pode ir, eu vou ficar, não consigo pensar em ir em um lugar desses - eu disse.

- Eu sei. - minha mãe disse, e olhou para mim - Nós vamos nos reerguer.

Ela enchugou minhas lágrimas.

- Sim, mas isso não vai ser fácil.

- Eu sei. - ela repetiu, e saiu do quarto.

Voltei a me deitar, mesmo sabendo que não dormiria mais. O dia foi passando e eu fiquei ali, era noite quando finalmente sai do quarto.

Eles ainda não havia voltado, desci as escadas devagar e fui para a cozinha. Fiquei olhando a praia escurecebdo de acordo com o sol, senti uma vontade estranha de sair de casa. Fui para a areia, poucas gentes caminhavam aquela hora, e não havia ninguém no mar, fiquei olhando para ele, como algo tão bonito podia causar tanto sofrimento?

Ia voltando para casa quando percebi alguém caminhando perto de mim, olhei para o lado agora sem medo, pois sabia que ele não me faria mal. Me aproximei, ele estendeu os braços para me receber, o abracei com força e ele me confortou, tirou toda a depressão de mim em questão de segundos.

- Desculpe - foi apenas o que ele disse, e então eu mergulhei no tão sonhado abismo.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam?