Nós escrita por Graciela Pettrov


Capítulo 16
Passados II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/734519/chapter/16

Itachi Uchiha encarava o ventilador de teto do seu escritório, pensativo.

Sua mente estava no jantar que fizera na noite anterior com o intuito de aproximar Hinata de seu irmãozinho. No fim das contas, o tiro saíra pela culatra, apesar de ter ficado satisfeito com a interação amigável de Sasuke com a Hyuuga. Mas ele sabia que aquela interação não passaria disso, de amigável.

Não é que ele estivesse desesperado para o irmão arrumar uma namorada, afinal nem mesmo ele queria namorar naquele momento — no entanto percebeu que, quanto mais velho ficava, mais solitário Sasuke parecia estar. Principalmente porque Itachi andava passando mais tempo no escritório e trabalhando do que em casa.

Não gostava de ver a juventude do caçula sendo desperdiçada, quando sua própria infância fora tirada dele de forma tão repentina e dolorosa. Ele queria que Sasuke se visse como um jovem-adulto como qualquer outro, o fato de ser surdo e não poder falar de nada impedia que o mesmo se divertisse.

Se bem que ele estava trabalhando arduamente para que pelo menos uma de suas condições fosse revertida e assim seu amado irmão, com sorte, voltasse a ser uma pequena porcentagem do que era antes.

Sasuke nasceu como um bebê normal, mas aos seis meses ele teve complicações. O que ele tem se chama Perda de Audição Neurossensorial*. Não há cura para isso, mas há tratamento.

Seus pais tentaram aparelhos, mas os mesmos só funcionavam por um curto período de tempo: alguns nem permitiam ao Uchiha adaptar-se, pois ele logo voltara a não ouvir nada. Outros os deixaram desnorteado.

O caso de Sasuke sugeria uma cirurgia chamada Implante Coclear**. Infelizmente o procedimento envolvia muito dinheiro, por isso Itachi tem aceitado todo tipo de caso e trabalhado o dobro para conseguir juntar o suficiente para a cirurgia e tratamento completo.

O Uchiha sorriu para o nada ao constatar que já estava quase chegando ao seu objetivo...

— Meu Deus, aconteceu o que temia!

A voz de Hinata o tirou de seus pensamentos. O mesmo se ajeitou em seu lugar, apoiando-se em uma pilha de papeis na sua mesa.

A Hyuuga estava pronta para ir embora e fechar tudo, pois ela sempre era a última a ir embora, mas, ao passar pelo escritório do Uchiha, o flagrou  em sua mesa lotada de papéis.

— Tsc, o que?

— Você tem trabalhado tanto, examinando tantos casos que finalmente pirou. — A morena falou em tom de brincadeira, mas havia seriedade em seus olhos.

— Alguém tem que trabalhar nesse lugar. — Ele brincou, a observando entrar um pouco mais na sala e se aproximar da mesa.

Cruzou os braços e o olhou séria.

— Você é só um sabia? Um dia vai acabar no tribunal culpando e defendendo a mesma pessoa ao mesmo tempo.

Itachi deu de ombros:

— Se der dinheiro, eu faço.

Ela observou o arroxeado embaixo dos olhos do mais velho.

Nos dias anteriores ele ficara doente, pois estava com a imunidade baixa por dormir e comer muito pouco. Tobi e Deidara, avoados como eram, podiam até não ter percebido isso, mas Hinata era perspicaz como uma águia e logo concluiu que havia algo de errado com seu “chefe”.

— Você não parece esse tipo de pessoa, o que está acontecendo?

O Uchiha, no entanto, não parecia compelido a compartilhar de seus problemas com ninguém, então Hinata aproveitou que estava ali para compartilhar os problemas dela.

— Sobre o jantar de ontem... Itachi, você é um ótimo irmão sei que só quer o melhor para Sasuke, mas pare de ficar nos jogando um para o outro. Eu adorei conhece-lo apesar de você nos apresentar sob uma pretensão escrota...

Ela o olhou esperando uma réplica, mas o Uchiha continuou calado, insinuando que a mesma continuasse.

— No entanto, Sasuke não está interessado em mim e nem eu nele. Aliás já estou saindo com alguém. E eu prefiro loiros!

Itachi ergueu as sobrancelhas, depois riu de canto.

— É você tem razão, eu não iria aguentar vocês dois juntos atazanando a minha vida. Mas me diz, não é o Deidara, é?

Os dois se olharam e caíram na risada com a ideia sem sentido.

Hinata olhou para saída enquanto ria, parecia querer se retirar. Itachi abanou as mãos em direção a porta.

— Vá logo, Hinata, vou ficar mais algumas horas.

— Boa noite, Itachi. E por favor, descansa um pouco.

Após a ida da Hyuuga, suas palavras ainda retumbavam na mente de Itachi. Será que ele estava se intrometendo demais na vida de seu irmão?

Hinata dissera que ele estava a jogando para cima de Sasuke, mas não foi assim que viu durante o jantar. Em sua mente, Itachi estava apenas tentando enturmá-los de forma que Sasuke não se sentisse excluído de nenhum assunto que estavam tendo à mesa.

Deidara e Tobi por si só já excluíam todos pois entravam em seu mundinho de picuinhas entre ambos, e como aquela a primeira vez que a Hyuuga e o Uchiha mais novo se viam, ele quis ajuda-los na interação.

É claro que seria de bom grado se ambos se interessassem um pouquinho mais um pelo outro, mas logo seu irmão saiu sabe-se lá para onde e Hinata seguiu a noite normalmente, ou seja, para ela tanto fazia se Sasuke estivesse presente ou não.

É, ele estava sendo protetor demais, mas tinha seus motivos para isso. A proteção e intromissão de Itachi se fazia presente quase que institivamente; em defesa do homem, ele o fazia sem nem mesmo se dar conta, sempre visando o melhor para Sasuke.

Isso começou naquela noite tenebrosa. Na maldita noite em que ficaram órfãos, e que Itachi quase perdera seu irmãozinho também:

Sasuke nem sempre fora mudo. Na verdade, ele era uma criança até bem barulhenta, apesar de que como nunca ouvira nada então não falava nada, apenas soltava os sons incompreensíveis que lhe vinham à garganta.

Mas sim, se o uso dos aparelhos auditivos tivesse feito efeito e Sasuke tivesse tido a oportunidade de ouvir o mundo ao seu redor, ele teria plena capacidade de falar normalmente se quisesse, como qualquer outra pessoa. Afinal o que afetara sua audição quando bebê afetara apenas isso, de resto Sasuke era perfeitamente saudável.

No entanto a vida decidira ser cruel com seu irmãozinho, pois como se não bastasse privá-lo de ouvir, também lhe fora tirado o direito da falar.

Tudo de uma forma muito dolorida...

...

Aconteceu quando Sasuke tinha praticamente completado quinze anos, e Itachi tinha dezenove. Era véspera do aniversário de casamento de seus pais, e como todos os anos, Mikoto intimava todos a irem jantar fora para comemorar a véspera das bodas do casal.

Tudo ocorrera muito bem, mesmo com um Itachi recém admitido na faculdade atazanando o irmão caçula sobre as garotas do colegial. O mais velho ficaria responsável pela guarda de Sasuke por três dias, pois seus pais viajariam logo cedo para comemorarem somente eles o aniversário de casamento.

A notícia fora dada por Fugaku enquanto saiam do restaurante, onde Itachi fez alguns protestos, mas logo colocou o braço sobre os ombros de Sasuke e começou a bagunçar seu cabelo enquanto o mais novo alternava entre usar as mãos para se soltar do irmão e gesticular que iria fazê-lo vomitar uma comida que tinha sido tão gostosa.

A comida estava realmente muito boa, mas o restaurante era careiro e só por isso o patriarca Uchiha decidia ir jantar lá apenas em ocasiões especiais como aquela.

Quem olhava de longe veria apenas uma família feliz terminando sua noite e indo para casa, mas havia duas pessoas a espreita olhando a família Uchiha com maus olhos. Para eles era mais uma família rica terminando a noite, mais uma chance de conseguir dinheiro fácil.

Eles esperaram à espreita, sua ideia era atacar apenas quando todos estivessem no carro e faltasse apenas o pai para entrar, mas Itachi tinha outros planos. Ele tirou a mão dos ombros do irmão para gesticular:

— Vem Sasuke, vou sentar no volante e pedir para o pai me deixar dirigir!

E sem dar chance de o caçula recusar, ele o puxou pelo braço para onde o carro estava estacionado, a alguns metros dali.

Em sua corrida, por pouco os irmãos não toparam com os homens que estavam parados em uma penumbra na calçada.

Vendo seu plano dando errado, um dos homens, o mais nervoso, esperou apenas o casal que vinha mais atrás chegar até eles naquela semiescuridão para barra-los.

Uma arma na mão, e um sibilar de esfriar a espinha de Mikoto e seu marido os fez parar imediatamente.

— Parados ai.

Ao mesmo tempo em que seus pais se viam na mira de um revólver, Itachi se deu conta, ao chegar ao veículo, que sua eufórica ideia o fez esquecer do principal: as chaves do carro!

Deu meia volta para seu caminho, ainda agarrado a Sasuke, que já havia desistido de se debater e só se deixava ser levado e torcendo para os pais chegarem ao carro logo.

No entanto, Itachi logo percebeu que havia algo errado, a poucos metros ele avistou os pais parados de frente para ele, os dois homens de costas para ele, parecia os interceptar.

Quando seu pai levantou os braços e sua mãe continuava atônita parada como uma estátua, Itachi sabia do que se tratava aquilo. Por uma fração se segundos percebeu que seu pai virou a cabeça em sua direção, e ele sabia que Fugaku estava os vendo. Um dos homens também percebeu e olhou para trás.

Itachi, rápido como um raio rapidamente puxou o irmão para a parede do muro, parando atrás de alguns entulhos. Não foram vistos por pouco.

Gesticulou apressado, torcendo para a pouco claridade ser o suficiente para o irmão enxergar sua mão gesticulando:

— Sasuke, por favor, fique bem quieto. Não se mexa, não solte minha mão.

Enquanto gesticulava com uma mão e mantinha Sasuke rente ao muro com a outra, tentava também olhar para os quatro adultos a frente. Seu coração estava disparado. Sentiu Sasuke agarrar seu braço e segurá-lo sobre o peito, o coração de seu irmão estava como o dele, talvez mais apressado.

Sasuke não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que era algo grave e estava relacionado aos seus pais.

Ele queria poder falar, queria nem que fosse sussurrar para o irmão questionando o que de fato estava acontecendo, mas a expressão de Itachi o paralisou no chão, jamais o vira tão sério!

O Uchiha mais velho apertou mais o aperto na mão do irmão quando viu seu pai dar um passo à frente.

Os homens Uchiha sempre foram altos, desde o bisavô de Itachi, do qual o mesmo nem se lembrava, até um Sasuke adolescente que parecia crescer cada dia mais. Fugaku não ficava de fora, o homem além de alto e até com músculos, tinha também o semblante sério.

Ele, de braços erguidos, deu um passo para frente em direção aos sois homens, queria tentar acabar com aquilo na conversa. Fugaku era advogado, sempre fora bom com as palavras. Também era um pai desesperado temendo pelos filhos escondidos na penumbra.

— Calma, calma. Não vamos fazer disso maior do que já é. Eu dou o dinheiro e vocês vão embora...

— Hey, para trás!

O parceiro, que parecia muito nervoso, olhava na direção em que Sasuke e Itachi supostamente haviam ido. Ele não os viu se esconder, mas sabia que tinham ido naquela direção e estavam à espera dos pais.

Fugaku deu mais um passo. Mikoto, que estava agarrada às costas do marido, deu um passo junto com ele para acompanha-lo. A mulher, que já tinha a pele clara, estava branca como papel.

— Eu vou pegar minha carteira... — O Uchiha falou baixo, baixando lentamente a mão esquerda.

Aconteceu tudo de repente: antes que Fugaku tivesse sequer a chance de baixar a mão, um carro passou em alta velocidade pela rua, seus faróis levando claridade à cena grotesca. O ladrão com a arma, no momento que sentiu a luz ofuscando seus olhos atirou.

No mesmo momento, Sasuke conseguiu soltar o aperto do irmão e olhar para a cena que se desenrolava.

Houve um clarão, um grito e um disparo. Mas tudo o que Sasuke viu foi seus pais caírem, juntos, no chão de concreto.

Um tiro a queima roupa. Uma única bala. Um segundo. Duas vidas tiradas.

Foi demais. Sasuke soltou um grito.

Não foi propriamente um grito, saiu mais um rugido esganiçado. O homem nervoso tomou rapidamente a arma da mão do outro e disparou na direção do barulho no mesmo momento que Itachi agarrou o irmão pelas costas e colocou a mão na boca, o puxou para si.

Graças ao movimento o tiro, que provavelmente teria sido na cabeça, pegou na altura do pescoço de Sasuke. A bala atravessou horizontalmente sua garganta. Foi como um furacão destruindo suas cordas vocais e afetando os tecidos em volta.

Não dava para ver, mas Itachi sentiu o liquido quente em suas mãos por estar abraçado ao mais novo.

Com toda a adrenalina que tomava seu corpo, Itachi só conseguiu se erguer com o irmão nos braços e correr de volta para o restaurante.

Sua mente estava uma loucura, sua visão turva, lágrimas teimavam em cair sem que ele ao menos se desse conta. Passou pelos corpos dos pais sem nem perceber, nem mesmo se importava se os homens ainda estavam ali. Tudo o que Itachi via era o mar de sague jorrando do pescoço de Sasuke.

Jamais sentira tanto medo na vida.

...

Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto do Uchiha trazendo-o de volta à realidade. Ele não fez questão de secá-la e nem de segurar as que pareciam prestes a sair.

Aquele sentimento de angustia estava ali, sempre estaria.

A raiva que sentiu naquele ano, no entanto, se esvaiu, não havia motivo para manter-se raivoso, de nada resolveria ser revoltado.

Conforme os dias passavam, Itachi começara a entender todo o ocorrido, por fontes policiais que foram lhe interrogar e também pelos avós, únicos parentes próximos que foram lhe dar apoio a ajuda-lo a passar pela tragedia.

Descobriu que os homens fugiram logo após atirarem em Sasuke e que apenas um tiro tirara a vida de seus pais. Como fora a queima roupa e Mikoto estava atrás do marido, a bala atravessou a barriga de ambos.

Juntos até no fim.

Por muito tempo durante a internação de Sasuke, suas várias cirurgias de reconstrução e recuperação, Itachi sentia um ódio imenso.

Quando os corpos do casal Uchiha foram levados pelo IML, foi constatado que Fugaku ainda carregava a carteira no bolso, assim com a bolsa de sua mãe foi recuperada intacta ao seu lado.

Os bandidos nem levaram o dinheiro. Nem levaram o maldito dinheiro!

Itachi carregou aquela fúria por dois anos consecutivos, ela nem mesmo foi aplacada quando conseguiram capturar e condenar os autores do crime.

O que a dissipou, ou pelo menos substituiu por outro sentimento, foi a notícia de que Sasuke ficara incapacitado de falar, ele não tinha cordas vocais e seria impossível reverter tal quadro clínico. Foi então que a raiva passou para força.

Itachi Uchiha seria forte para cuidar do irmão, seria forte para lhe dar o amor que ele merecia e que sabia que seria retribuído, pois Sasuke nunca lhe dera nada mais que isso: amor.

E conseguiu, durante os dois árduos anos que passaram para que Sasuke se recuperasse dos problemas provenientes do tiro, Itachi lhe dera todo apoio e suporte emocional que seu irmãozinho precisou. E até depois disso, pois perder a voz não era nada comprado ao sentimento de perder os pais.

Amor fraternal não faltava entre os dois, no entanto quanto mais os anos passavam e Sasuke ia ficando mais velho, Itachi percebia que apenas amor fraternal não bastava.

Ele mesmo sabia disso, com quantas garotas não havia saído atrás de um pouco do conforto que seu irmão não podia lhe dar desde a tragédia?

Sasuke precisava viver, sentir o carinho de uma pessoa amada.

Ao que parecia, o Uchiha mais velho estava pensando tanto no mais novo que recebeu uma mensagem do mesmo:

“Estou tentando fazer algo legal para jantarmos, você ainda vai demorar?”

Ele leu a mensagem, ainda surpreso que não era um SMS e sim do popular aplicativo de mensagens instantâneas.

Seu irmão ultimamente parecia até um pouco mais... aberto? Feliz talvez?

Não era a primeira vez que passava por sua mente que tudo começara desde que ele encontrara aquele post-it com o número de telefone de uma garota em seu mural.

“Já estou indo, por favor não ponha fogo na casa!”

Para maior sua maior surpresa, Sasuke respondeu com três emojis “rindo até chorar”

Quando na verdade quem estava chorando e rindo naquele momento era o próprio Itachi. Ele finalmente levantou-se, guardou o celular no bolso e secou os olhos com as mãos.

Já no estacionamento, saindo em direção à rua, um último pensamento concluso lhe ocorreu: Sasuke estava daquele jeito desde que conhecera Sakura Haruno. Não sabia qual o teor da relação dos dois, mas se era a patricinha do cabelo rosa quem fazia seu irmão feliz, quem era ele para impedir?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*A perda auditiva neurossensorial está relacionada a danos nas células ciliadas ou no nervo auditivo. Esses danos não podem ser revertidos após instalados, por isso, considera-se que não há cura para esse tipo de perda de audição.
Porém, existem diversos tratamentos eficientes que reduzem o impacto do problema e melhoram consideravelmente a capacidade de ouvir.
Os aparelhos auditivos costumam ser uma boa alternativa de tratamento para grande parte dos casos de perda auditiva neurossensorial, pois possuem valores mais acessíveis que outros dispositivos, têm uma boa aceitação e trazem uma melhora significativa para a audição.


**Implante coclear: dispositivo eletrônico que tem o objetivo de substituir as funções das células do ouvido interno quando elas já foram muito danificadas. Ele estimula o nervo auditivo e recria as sensações sonoras.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nós" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.