Do Outro Lado do Véu escrita por Miahwe


Capítulo 7
Nuvens




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—Alô? Oi Misa, eu já estou chegando — Chihiro falou e desligou o telefone. Quando chegou na sorveteria foi levada até a mesa onde a amiga estava sentada, saboreando um enorme milk-shake de morango e chocolate.

            —Pensei que iria vim com o Nigihayami — a amiga falou e Chihiro negou com a cabeça, na verdade não via o rapaz desde sexta feira quando ele a deixou em casa.

            — O Mugi vai vim?

            Misaki apoiou a mão no queixo e olhou pelo vidro da enorme janela que mostrava a rua e pista movimentada pelos carros.

            —Não sei, ele não atendeu o telefone.

            —Ah, certo, vamos esperar então.

            —Ontem à noite fomos comer pizza, naquela pizzaria perto de casa, a gente se beijou muito, foi muito bom — ela falou e calou-se ao abaixar até o canudo para tomar o milk-shake.

            Chihiro levantou uma sobrancelha para amiga e dividiram um sorriso malicioso juntas.

            —Mas ele continua um pouco longe, sabe? Não sei explicar... é estranho.

            —Ele não está passando por nenhuma dificuldade?

            —Não que eu saiba. Mas como vou saber se ele não me conta? E quando pergunto ele desvia o assunto, daqui a pouco vai vim com aquele clichê de: “Não é você sou eu” — falou tentando imitar a voz dele de forma dramática. — Aí sim, eu vou dizer: “Realmente é você, porque eu fiz tudo para tentar conversar com você sobre seus problemas”. Sim, precisarei ser lacônica mesmo, porque em uma relação alguém tem quer direto e firme nas palavras, deveria ser ele, não acha?

            —Você, por si só, é bastante direta, até demais na verdade.

            —O quer dizer com isso?

            Chihiro riu com o tom ameaçador que a amiga colocou na frase. Todavia, antes de responde-la, fez o pedido de um sandue para o garçom que havia se aproximado da mesa.

            —Na sexta quando saímos da escola, eu, você, o Mugi e o Kohaku...

            —Kohaku? Já está até de apelido, olha só.

            Chihiro a ignorou e continuou:

            —Enfim, só faltou você pedir o número e o endereço dele, além de que, eu acho que o Mugi ficou com ciúmes, porque você disse que o Kohaku era bonito.

            —O Mugi não é ciumento.

            —Ele é sim.

            —Não é, não.

            —É, você que não percebe.

            Misaki a encarou um tanto embasbacada. — Ok, então...

            Quando o pedido de Chihiro chegou, ela mal reparou quando assunto mudou.

                                   ***

            Estava voltando da casa de Zeniba quando avistou enquanto voava a cima da copa das árvores, o kitsune que havia pego conversando com um homem —suspeito — na noite de sexta, ele estava conversando com alguns outros youkais.

            Pousou em um galho alto de uma árvore, e voltou ao corpo mundano. Desceu a escada de galhos, ora saltando, ora se sustendo com as mãos, usando magia para se manter leve o bastante para não causar impacto e fazer quaisquer barulhos. Eles se posicionavam logo do lado posto da árvore onde Kohaku estava, este que se concentrava para filtrar as vozes entre a discussão, tentando descobrir algo.

            —É impossível, você quer se matar? — escutou uma voz mais fina.

            —Eu preciso... foi ordem — era a voz do kitsune.

            —Você deveria arranjar um jeito de pegar seu nome de volta — essa voz já era mais encorpada.

            —Eu já tentei, mas só ele pode devolver... — o Kitsune falou.

            —E como você pensa que vai roubar do deus Oeste? — o que tinha a voz fina indagou.

            —Dá mesma forma que peguei o do deus Norte, mas preciso de ajuda...

            —Sabe que isso vai dar muita confusão, não é? — o da voz grossa falou.

            —Já está dando, mas o que eu posso fazer? Não posso desobedecer.

            —Eu não vou ajudar, não quero problemas — o da voz fina disse.

            —Não! — o Kitsune falou. — Só posso confiar me você para isso! É muito mais fácil para você conseguir se infiltrar do que eu.

            —Não é uma boa ideia — o da voz fina volto a falar.

            —Apenas esse último favor e eu dou um jeito de... eu faço o que você quiser em troca.

            Kohaku decidiu que aquela conversa iria se limitar aquilo e saltando da árvore, flutuando e transformando-se de volta em dragão ganhou os céus novamente. O vento batia forte contra o rosto, e um leve frio penetrava nas escamas. Ele adora voar.

            Balançou a cabeça e focou, tentando digerir tudo o que havia descoberto até então. Zeniba havia lhe contado sobre casos raros aos quais humanos conseguiam transformar youkais em escravos, roubando-lhes o nome, aprisionando-os, deixando-os sem identidade.

            Era quase surreal acreditar que um humano estava por detrás de tudo que estava acontecendo, se era realmente isso, o caso iria dar mais trabalho do que conseguia imaginar.

            Todavia, não conseguia deixar de se perguntar o que um mundano iria querer com as joias do equilíbrio, não conseguia entender como um youkai dera o nome para um mundano. E agora pelo visto, iriam tentar roubar a joia do Oeste, Haku não podia permitir, precisava avisar Zeniba, ela poderia mandar uma mensagem mágica ao deus do Oeste para avisar ou algo do gênero.

            Desviou de alguns corvos que voavam em sua direção, subindo mais alto, mais alto, atravessando as nuvens e deixando que aquele azul e branco do céu o acalmassem enquanto voava.

                                                           ***

            Pela tarde após o almoço, lá para as três e quinze, Chihiro foi ao Grande Parque.

            Ainda não tinha lidado inteiramente com o que rapaz falara sobre ela ter estado Mundo Espiritual, duvidara bastante no começo, mas depois de tudo que viu... Definitivamente parecia ser real, algo mais sério. E se ela tinha esquecido, talvez pudesse lembrar. Vira certa vez uma reportagem na televisão sobre um garoto que sofreu um acidente de moto e perdeu a memória, pois a área onde o cérebro as guardava fora danificado, o médico que dera depoimento falou sobre o que poderia acontecer com o tempo, que poderia ser permanente ou temporário, que o garoto precisaria se sentir o mais em casa possível quando acordasse, para que aos poucos a mente pudesse, talvez, voltar ao normal. Chihiro imaginava que talvez funciona-se com ela, que Kohakunushi pudesse fazê-la lembrar das memórias esquecidas da infância.

            O telefone vibrou no bolso da calça jeans que usava, Chihiro o pegou desbloqueando-o enquanto andava, era do grupo do whatsapp que estava com Misaki e o Mugi. Quando clicou no chat sorriu ao ver a foto de Mugi, ele estava com o rosto sujo de Chantili e o cabelo esbranquiçado por farinha de trigo, uma expressão de susto e surpresa emolduravam o rosto do rapaz; a legenda dizia: “Hihiro, Mugi convida para vim aqui em casa mais tarde comer torta de morango!”.

            Chihiro respondeu com uma carinha sorridente e escreveu: “Nossa, faz muito tempo que vocês não me chama de Hihiro, hahaha, mas eu vou sim, não comam tudo”.

            Depois que enviou, guardou novamente o celular no bolso, havia chegado no Grande Parque, e notou que não sabia como encontra-lo. Bateu o pé no chão, frustrada pela própria incompetência.

            Quando chegou em certo ponto do parque, onde ele começava a ser mais floresta do que lugar de lazer, teve a ideia de descansar um pouco no lugar secreto dela e de Misaki. No salgueiro que ficava em cima da encosta do rio.

            Quando chegou lá, sentou-se encostada em uma das raízes que crescia para fora do chão e observou o horizonte a sua frente, aproveitando-se da brisa fria que soprava em direção ao leste e o barulho calmo das folhas, que tanto combinavam com o estralar delas.

            Folhas estralando? Que?

            Olhou em direção ao barulho, desejando não haver ninguém ali, pois ali era um lugar secreto, dela e de Misaki. Surpreendeu-se então ao ver Kohaku caminho até si pela lateral da encosta.

            —Chihiro! — escutou ele gritar.

            —Como me encontrou aqui? —perguntou enquanto ele sentava-se ao seu lado, os cabelos e as roupas molhadas.

            —Eu lhe vi — Chihiro não respondeu, não tinha o que responder, porque ela não estava entendo a situação. — Eu sou o espírito desde rio — ele falou ao ver a cara confusa dela.

            —Agora eu entendi porque está molhado...

            —O que veio fazer aqui?

            —Vim lhe ver — falou lacônica.

            —Aconteceu alguma coisa?

            —Não, na verdade não, mas eu achei que talvez você pudesse me ajudar a lembrar. Sabe Kohakunushi...

            —Haku.

            —Sim, eu sei que te chamava assim e...

            —Então, comece a me chamar de Haku, como um tipo de primeiro passo para você se lembrar.

            Chihiro balançou a cabeça assentindo e sentiu as bochechas esquentarem, apenas por imaginar a expressão e as palavras que Misaki falaria quando descobrisse que chamaria Kohakunushi de Haku, talvez fosse algo semelhante a expressão que a amiga usou na sorveteria quando o chamou de Kohaku... Mas por que estava pensando naquilo? Não era algo anormal, era apenas um apelido e apelido faz das pessoas mais intimas, não é?

            —Chihiro?

            —Oi.

            —Você está um pouco vermelha, está tudo bem?

            Chihiro balançou a cabeça, afastando os pensamentos e acalmando-se.

            —Estou bem.

            Ele assentiu e ficaram em silêncio, por alguns minutos. Então Chihiro sentiu ele ficar tenso ao seu lado, as mãos inquietas arrancando a grama verde que os cerva.

            —Aconteceu alguma coisa? —ela perguntou.

            —Estava só pensando, minha investigação não está fluindo tão bem quanto eu esperava.

            —Muitas coisas não fluem tão bem quanto se espera.

            —Isso é verdade, mas eu queria que realmente desse certo e que termina-se rápido. Às vezes eu observo crianças chorando por aí, pois viram youkais, mas os pais não conseguem vê-los, ontem mesmo vi uma jovem fugindo de um youkai, eu o espantei, mas isso não muda o fato de que tudo está se tornando um pequeno caos.

            —Ah... Por que os adultos não conseguem vê-los?

            —Por que o Véu não caiu totalmente, apenas uma das pedras foi roubada, então apenas os olhos mais sensíveis conseguem vê-los, crianças, animais... alguns jovens de sua idade também.

            —Eu não vi nenhum outro, tirando aquele.

            —Isso de certa forma é bom — ele respondeu suspirando e deitou-se no chão. — Eu sei que não sou o único a procura da joia, a procura de resgatá-la, mas ainda assim, sinto que todo o fardo está comigo e eu não achei muita coisa.

            Chihiro o encarou deitado no chão, sem ter o que dizer, os cabelos escuros esverdeados, ainda molhados, contrastavam com a grama e se espalhavam com uma aureola de fios finos, a franja caia pela lateral da cabeça expondo a testa.

            —Penso que talvez... talvez, eu tivesse desistido se você não tivesse em perigo.

            —Haku, obrigada — Chihiro falou e o rapaz sorriu.

            —Agora pareceu você quando tinha dez anos.

            Chihiro franziu o cenho.

            —Foi um elogio, certo — ele confirmou e tirou um dos braços de debaixo da cabeça para dar um leve peteleco no joelho de Chihiro, então colocou-o de volta onde estava.

            Antes de Chihiro processar o que aconteceu, fechou os olhos em reflexo as imagens que começaram a passar em sua mente.

            Eram flores, muitas e muitas flores cor de rosa que expeliam um cheiro doce junto de muitas folhas verdes e o ambiente ao redor tinha uma atmosfera tranquila. Sua mão estava sendo segurada por Haku e ele a puxava para algum lugar, corriam pelo estreito caminho entre as flores rosas, Chihiro tentava acompanha-lo, tentava não cair. Até que chegaram a uma colina que dava vista para alguns telhados escuros, ali a grama era tão verde, não tinha árvores e o céu estava azul, muito azul, que se estendia por todas as direções cheias de pequenas nuvens. Ela viu Haku sentar-se na grama, para então cair de costas e fez o mesmo ao lado dele.

            —Aquela ali... — ela falou apontando para a nuvem. —... parece um onigiri.

            —Está com fome?

            —Não.

            —Então veja aquela ali... os olhos... Chihiro! Abra os olhos...

                                               ***

            Kohaku sentou-se às pressas quando Chihiro não o respondeu e começou a balançar de um lado para o outro como se estivesse prestes a cair. Segurou-a pelos combros e a deitou no chão.

            —Ei! Chihiro, abra os olhos, está escutando? Chihiro! Abra os olhos... — a garota o fez, Haku suspirou de alívio, a observou por alguns instantes e deixou-se cair para ao lado. — Você está bem?

            Ela demorou para responder, como se tivesse pensando em algo, como se tivesse perdido as palavras e estivesse tentando achá-las. —Eu vi, eu estava com você em uma colina e tinha um caminho com flores rosas com um cheiro doce.

            —Você lembrou de algo, é isso?

            —Eu não sei, talvez... vi que sentamos na grama para ver as nuvens, eu disse que uma delas parecia um onigiri e você me perguntou se eu estava com fome.

            Kohaku sorriu, deitou-se ao lado dela sem nada a dizer e olhou para cima. —Bem, aquela ali parece uma maçã mordida — falou apontando para uma nuvem que flutuava em cima deles e virou-se para Chihiro que sorria minimamente ao seu lado.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :p. Até o próximo.



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